Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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A Ação Secreta da Maçonaria na Política Mundial

José Castellani
(*1937 +2004)

INTRODUÇÃO

A definição mais aceita e mais divulgada da Maçonaria é a seguinte:

“Instituição educativa, filantrópica e filosófica que tem por objetivo os aperfeiçoamentos morais, sociais e intelectuais do Homem por meio do culto inflexível do Dever, da prática desinteressada da Beneficência e da investigação constante da Verdade”.

Sem prejuízo, todavia de suas finalidades educativas e filantrópicas ela é na realidade uma Instituição essencialmente política, atuando dentro de padrões éticos, consubstanciados na própria essência sociológica da política, no sentido da manutenção das grandes conquistas sociais da Humanidade e da defesa do Liberalismo e das ideias libertárias.

As grandes transformações sociais ocorridas no mundo desde o século XVI e que contaram com a participação subterrânea da Maçonaria, em maior ou menor escala, demonstram as finalidades políticas que determinaram o nascimento e o seu crescimento, embora certos agrupamentos maçônicos, negando à política um lugar de destaque na evolução social dos povos, rejeitem qualquer escopo político nas atividades da Instituição.

Essa rejeição, além de arcaica e anacrônica, desconhece o progresso racional e nega o espírito crítico do Homem. A Política, como ramo das Ciências Sociais que estuda as diversas formas de organização do poder político, bem como sua dinâmica, suas instituições e seus objetivos mostram estreita relação e fortes vínculos com outros ramos da ciência, como a História, a Sociologia, a Filosofia e a Economia; desta maneira, nenhum homem esclarecido pode mostrar indiferença em relação à atividade política e, com maior razão, nenhum agrupamento de elite intelectual pode pretender desconhecer e rejeitar a Política.

Existem estatutos de Obediências maçônicas (conglomerado de Lojas que formam um Grande Oriente ou uma Grande Loja) que, por timidez, ou por falta de espírito cívico, postergam a liberdade de pensamento do Homem, proibindo aos Maçons, qualquer discussão sobre assuntos políticos e religiosos, o que é quase um contrassenso, considerando-se que todas as constituições que regem a vida dos povos livres, consideram a liberdade de pensamento e de expressão como um direito inalienável do cidadão.

Felizmente, essa proibição, totalmente injustificada, numa entidade que se diz progressista e de alto espírito cívico, não impediu que homens de valor, sob a discrição dos templos maçônicos, ajudassem a modificar a face do mundo, contribuindo com sua atividade política para a evolução racional e social da espécie humana.

Essa timidez estatutária, entretanto, aliada ao hábito de querer manter secreta uma Instituição que hoje é apenas discreta, faz com que o grande público ignore o trabalho maçônico e a participação da Maçonaria nos acontecimentos mundiais, fazendo, também, com que se arme um espírito de prevenção e até de ojeriza, à Instituição, oriundo do desconhecimento da realidade dos fatos.

Somente, esporadicamente e, apenas, para mostrar mazelas e defeitos, que na realidade, existem em qualquer Instituição, é que a Maçonaria chega às manchetes dos jornais. Foi o que aconteceu em fevereiro de 1973, por ocasião de uma grande cisão maçônica no Brasil, que ocupou os noticiários durante cerca de um mês; foi o que aconteceu também em maio de 1981, com o rumoroso caso da Loja maçônica “P-2” (Propaganda Due) de Roma, que chegou a provocar violenta crise no governo italiano; esta Loja, embora oficialmente pertencente ao Grande Oriente de Itália, estava marginalizada perante a Maçonaria italiana, já tendo sido suspensa em duas oportunidades, por sua antiética atividade política, baseada na organização de planos golpistas que envolviam altas personalidades da Sociedade italiana.

O reverso da medalha, ou seja, as atividades políticas não deletérias, mas sim benéficas, dentro do contexto social, não têm sido abordadas, nem divulgadas, de maneira geral, salvo raras exceções, como por ocasião do sesquicentenário da independência do Brasil, quando foi ressaltada a decisiva participação maçônica no movimento emancipador, através de homens com intensa atividade política que contrariaram felizmente descabidos estatutos.

Fora dessas ocasiões, em nosso meio, é geralmente desconhecida a participação maçônica – direta ou indireta – nos grandes acontecimentos político-sociais do Brasil e do Exterior. Uma síntese dessa participação, além de um breve relato sobre as origens da Instituição maçônica, é o que pretende, esta obra, mostrar, procurando tornar mais conhecida àquela que, por ser desconhecida, tem gerado prevenção, críticas e, muitas vezes, até difamações, absolutamente injustificáveis.

ORIGENS HISTÓRICAS DA MAÇONARIA

OS PRIMÓRDIOS DA MODERNA MAÇONARIA

ORGANIZAÇÕES DE OFÍCIO, AS PRECURSORAS

Desde que o homem deixou as cavernas e as suas vivendas de nômade, tornando-se sedentários e formando uma Sociedade estratificada, surgiram os profissionais dedicados à arte da construção, os quais foram se aperfeiçoando, não só na ereção de casas de residência, mas, também, na de templos, de obras públicas e obras de arte. Embora tivessem, esses profissionais, desde os seus primeiros tempos, mantido, entre si, certa camaradagem e um sentimento de agregação, não havia, na realidade, uma organização que os reunisse, que regulasse a sua atividade e que lhes desse um maior sentido de responsabilidade profissional.

Foi no Império Romano do Ocidente, da Roma conquistadora, que, em função da própria atividade bélica, surgiu, no século VI a.C., a primeira associação organizada de construtores, os COLLEGIA FABRORUM. Como a conquista das vastas regiões da Europa, da Ásia e do norte da África, levava à destruição, os COLLEGIATI acompanhavam as legiões romanas, para reconstruir o que fosse sendo destruído pela guerra. Dotada de forte caráter religioso, essa organização dava, ao trabalho, o cunho sagrado de um culto às divindades. De início politeísta, tornou-se, com a expansão do cristianismo, monoteísta, entrando, porém, em decadência, após a queda do Império Romano do Ocidente, ocorrida em 476 d.C., embora persistissem pequenos grupos da associação no Império Romano do Oriente, cujo centro era Constantinopla.

Na Idade Média é que iria florescer, através do grande poder da época, a Igreja, a hoje chamada Maçonaria Operativa, ou Maçonaria de Ofício, para a preservação da Arte Real entre os mestres construtores da Europa. Assim, a partir do século VI, as Associações Monásticas, formadas, principalmente, por clérigos, dominavam o segredo da arte de construir, que ficou restrita aos conventos, já que, naquela época de barbárie, quando a Europa estava em ruínas, graças às sucessivas invasões dos bárbaros, e quando as guerras, os roubos e os saques eram frequentes e até encarados como fatos normais, os artistas e arquitetos encontraram refúgio seguro nos conventos. Posteriormente, pela necessidade de expansão, os frades construtores começaram a preparar e a adestrar os leigos, proporcionando, a partir do século X, a organização das Confrarias Leigas, que, embora formadas por leigos, recebiam forte influência do clero, do qual haviam aprendido a arte de construir e o cunho religioso dado ao trabalho.

É dessa época aquela que é considerada a primeira reunião organizada de operários construtores: a Convenção de York, ocorrida em 926 e convocada por EDWIN, filho do rei Athelstan, para reparar os prejuízos que as associações haviam tido com as sucessivas guerras e invasões. Nessa reunião, foi apresentada, para apreciação e aprovação, um estatuto, que, dali em diante deveria servir como lei suprema da confraria e que é, geralmente, chamado de Carta de York.

Quase na mesma época, surgiriam associações simplesmente religiosas, que, a partir do século XII, formaram corpos profissionais: as Guildas. A elas se deve o primeiro documento em que é mencionada a palavra “Loja”, para designar uma corporação e o seu local de trabalho. As Guildas e sua contemporânea, a organização dos Ofícios Francos, foram as principais precursoras da moderna Maçonaria. O seu nome “GILD”, de origem teutônica, deriva do título dado, na antiga região da Escandinávia, a uma ágape religiosa, durante o qual, numa cerimônia especial, eram despejados três copos de chifre (chavelhos), conforme o uso da época, cheios de cerveja, sendo um em homenagem aos deuses, outro, pelos antigos heróis, e o último em homenagem aos parentes e em memória dos amigos mortos; ao final da cerimônia, todos os participantes juravam defender uns aos outros, como irmãos, socorrendo-se mutuamente nos momentos difíceis. As Guildas caracterizavam-se por três finalidades principais: auxílio mútuo, reuniões em banquetes e atuação por reformas políticas e sociais. Introduzidas na Inglaterra, por reis saxões, elas foram modificadas por influência do cristianismo, mas, mesmo assim, não eram bem aceitas pela Igreja, que não via com bons olhos a prática do banquete, por suas origens pagãs, e a pretensão de reformas políticas e sociais, que pudessem, eventualmente, contribuir para diminuir os seus privilégios e os privilégios das corporações sob a sua proteção. Assim, para evitar a hostilidade da Igreja, cada guilda era organizada sob a égide de um monarca, ou sob o nome de um santo protetor.

No século XII, associada às guildas, surgia uma organização de operários alemães, os STEINMETZEN, ou seja, canteiros[1], talhadores, ou esquadrejadores de pedra, os quais, sob a direção de ERWIN DE STEINBACH, alcançariam notoriedade, quando ERWIN conseguiu a aprovação de seus planos para a construção da Catedral de Estrasburgo e deu um aperfeiçoado sentido de organização aos seus obreiros.

Surgem os ofícios Francos, ou Franco-Maçonaria.

No século XII, também, iria florescer a associação considerada a mais importante desse período operativo: os Ofícios Francos (ou Franco Maçonaria), formados por artesãos privilegiados, com liberdade de locomoção e isentos das obrigações e impostos reais, feudais e eclesiásticos. Tratava-se, portanto, de uma organização de construtores categorizados, diferentes dos operários servos, que ficavam presos a uma mesma região, a um mesmo feudo, à disposição de seus amos. Na Idade Média, a palavra Franco designava não só o que era livre, em oposição ao que era servil, mas, também, todos os indivíduos e todos os bens que escapavam às servidões e aos direitos senhoriais; esses artesãos privilegiados eram, então, os pedreiros-livres, franc-maçons, para os franceses, ou freemasons, para os ingleses. Tais obreiros, evidentemente, tinham esses privilégios concedidos pela Igreja, que era o maior poder político da época, com grande ascendência sobre os governantes.

A palavra francesa “maçon”, correspondente a pedreiro, converteu-se em “maison” (casa) e, também, embora só relativamente, em “masse” (maça, clava). Essa maça ou clava habilitava o porteiro a afastar os indesejáveis intrusos e curiosos. O pesquisador alemão Lessing, um dos clássicos da literatura alemã, atribui a palavra inglesa “masonry” (maçonaria) a uma transmissão incorreta. Originalmente, a ideia teria sido dada pelo velho termo inglês “mase” (missa, reunião à mesa). Uma tal Sociedade de mesa, ou reunião de comensais, de acordo com a alegoria da Távola Redonda, do rei Arthur, poderia, segundo Lessing, ainda ser encontrada em Londres, no século XVII. Ela se reunia nas proximidades da famosa Catedral de São Paulo e, quando sir Christopher Wren, o construtor da catedral, tornou-se membro desse círculo, julgou-se que se tratava de uma cabana dos construtores, que estabelecia uma ligação de mestres construtores e obreiros; daí, então, ou seja, dessa suposição errada, é que teria se originado o termo “masonry”, para designar a Sociedade dos construtores.

Uma explicação para o termo inglês “freemason” (pedreiro livre) está ligada ao termo “freestone”, que é a pedra de cantaria, ou seja, a pedra própria para ser esquadrejada, para que nela sejam feitos cantos, que a transformem numa pedra cúbica, a ser usada nas construções. As expressões “freestone mason” e “freestone masonry”, daí surgidas, acabaram sendo simplificadas para “freemason” (o obreiro) e “freemasonry” (a atividade). Esta é uma hipótese mais plausível do que a de Lessing, que só considerou o caso particular da Inglaterra, quando se sabe que não foi só aí que existiu uma íntima ligação com o trabalho dos artífices da construção.

Nessa fase primitiva, porém, antes de, propriamente, se ter iniciado a formação de Lojas, quase que não se pode falar em Maçonaria no sentido que ela adquiriu na fase moderna, pois, sobretudo, naquele tempo não podia ser considerada como uma Sociedade secreta. O segredo não era, a princípio, mais do que o processo pelo qual um dos membros da irmandade reconhecia o outro. Diga-se a bem da verdade, que, na época atual, a Maçonaria já não pode mais ser considerada secreta, mas apenas discreta. Os segredos mais guardados e que persistem são, obviamente, apenas os meios de reconhecimento, reservados apenas aos iniciados, já que, de posse deles, um não iniciado poderia ter acesso aos templos maçônicos e às sessões das Lojas.

Na metade do século XII, surgia o estilo arquitetônico gótico, ou germânico, primeiro no norte da França, espalhando-se, depois, pela Inglaterra, Alemanha e outras regiões do norte da Europa e tendo o seu apogeu na Alemanha, durante 300 anos. Tão importante foi o estilo gótico para as confrarias de construtores, que as suas regras básicas eram ensinadas nas oficinas dos canteiros, ou talhadores de pedra; tão importante que a sua decadência, no século XVI, decretou o declínio das corporações.

No século XIII, em 1220, era fundada, na Inglaterra, durante o reinado de Henrique III, uma corporação dos pedreiros de Londres, que tomou o título de THE HOLY CRAFT AND FELLOWSHIP OF MASONS (Santa Arte e Associação dos Pedreiros) e que, segundo alguns autores, seria o germe da moderna Maçonaria. Pouco depois, em 1275, ocorria a Convenção de Estrasburgo, convocada pelo mestre dos canteiros e da catedral de Estrasburgo, ERWIN DE STEINBACH, para terminar as obras do templo. A construção da catedral, iniciada em 1015, estava praticamente terminada, quando foi resolvido ampliar o projeto original e, para isso, foi chamado ERWIN. À essa convenção acorreram os mais famosos arquitetos da Inglaterra, da Alemanha e da Itália, que criaram uma Loja, para as assembleias e discussão sobre o andamento dos trabalhos, elegendo ERWIN como Mestre de Cátedra (MEISTER VON STHUL).

Esclareça-se que, na época, os obreiros criavam uma Loja, fundamentalmente, para tratar de determinada construção, como é o caso dessa catedral. Tais Lojas serviam para tratar dos assuntos ligados apenas à construção prevista, já que, para outras reuniões, inclusive com obreiros de outras corporações, eram utilizados os recintos de tabernas e hospedarias, principalmente em solo inglês. A palavra Loja, por sinal, foi mencionada pela primeira vez em 1292, em documento de uma guilda[2].

Próximo desse tempo, ou seja, no século XIV, começava, também, a atuação do COMPAGNONNAGE (Companheirismo), criado pelos cavaleiros templários[3]. Os membros dessa organização construíram, no Oriente Médio, formidáveis cidadelas, adquirindo certo número de métodos de trabalho herdados da Antiguidade e constituindo, durante as Cruzadas, verdadeiras oficinas itinerantes, para a construção de obras de defesa militar, pontes e santuários. Retornando à Europa, eles tiveram a oportunidade de exercer o seu ofício, construindo catedrais, igrejas, obras públicas e monumentos civis.

No século XVI, a decadência das corporações de ofício.

Já na primeira metade do século XVI, as corporações, diante das perseguições que sofriam – principalmente por parte do clero – e diante da evolução social europeia, começavam a entrar em declínio. Em 1535, realizava-se, em Colônia, uma convenção, que fora convocada para refutar as calúnias dirigidas pelo clero contra os Franco-Maçons. Embora ela não tenha tido o brilho e a frequência de outras convenções, consta, embora tal afirmativa seja contestada, por carecer de comprovação, que, na ocasião, teria sido redigido um manifesto, onde era estabelecido o princípio de altos graus, que seriam introduzidos por razões políticas.

Em 1539, o rei da França, FRANCISCO I, revogava os privilégios concedidos aos Franco-Maçons, abolindo as guildas e demais fraternidades e regulamentando as corporações de artesãos. Em contrapartida, em 1548, era concedido, aos operários construtores, de maneira geral, o livre exercício de sua profissão, em toda a Inglaterra; um ano depois, todavia, por exigência de Londres, era cassada a autorização concedida, o que fazia com que os Franco-Maçons ficassem na condição de operários ordinários, como tais sendo tratados legalmente. Em 1558, ao assumir o trono da Inglaterra, a rainha ELISABETH I renovava uma ordenação de 1425, que proibia qualquer assembleia ilegal, sob pena dela ser considerada uma rebelião. Três anos depois, em dezembro de 1561, tendo, os Franco-Maçons ingleses, anunciado a realização de uma convenção em York, durante a festividade de São João Evangelista, Elisabeth ordenou a dissolução da assembleia, decretando a prisão de todos os presentes a ela; a ordem só não foi confirmada, porque Lorde THOMAS SACKVILLE, adepto da arte da construção, estando presente, demoveu a rainha de seu intento, fazendo com que, em 1562, ela revogasse a ordenação de 1425.

Em 1563, a Convenção de Basileia, feita por iniciativa da confraria de Estrasburgo, organizava um código para os Franco-Maçons alemães, o qual serviria de regra à corporação dos canteiros, até que surgissem os primeiros sindicatos de operários, no século XIX. Mas era patente o declínio das confrarias, no século XVI. A Renascença relegara o estilo gótico e a estrutura ogival das abóbadas – próprias da arte dos Franco-Maçons medievais – ao abandono, revivendo as características da arte greco-romana. Assim, embora ela tivesse atingido a todos os campos do conhecimento e a todas as corporações profissionais, foi a dos Franco Maçons a mais afetada. No final do século, INIGO JONES introduzia, na Inglaterra, o estilo renascentista, sepultando o estilo gótico e apressando a decadência das corporações de Franco-Maçons ingleses. Estas, perdendo o seu objetivo inicial e transformando-se em Sociedade de auxílio mútuo, resolveram, então, permitir a entrada de homens não ligados à arte de construir, não profissionais que eram, então, chamados de Maçons aceitos.

E se iniciava a transformação na Maçonaria atual, a dos “Aceitos”.

As corporações, evidentemente, começaram por admitir pessoas em pequeno número e selecionadas entre os homens conhecidos pelos seus dotes culturais, pelo seu talento e pela sua condição aristocrática, que poderiam dar projeção a elas, submetendo-se, todavia, aos seus regulamentos. Era a tentativa de sustar o declínio.

O primeiro caso conhecido de aceitação é o de JOHN BOSWELL, Lorde de AUSHINLECK – ou, segundo J. G. FINDEL, sir THOMAS ROSSWELL, cavalheiro de AUSHINLECK – que a 8 de junho de 1600 foi recebido Maçom – não profissional – na Saint Mary’s Chapel Lodge (Loja da Capela de Santa Maria), em Edimburgo, na Escócia. Esta Loja fora criada em 1228, para a construção da Capela de Santa Maria, destinando-se, como já foi visto, às assembleias dos obreiros e discussões sobre o andamento das obras.

Depois disso, o processo de aceitação, iniciado na Escócia, iria se espalhar e se acelerar, fazendo com que, ao final do século, o número de aceitos já ultrapassasse, largamente, o de Franco-Maçons operativos. Os mais famosos nomes de “aceitos”, na primeira metade do século XVII, foram: WILLIAM WILSON aceito em 1622; ROBERT MURRAY, tenente-general do exército escocês, recebido, em 1641, na Loja da Capela de Santa Maria e tornando-se, posteriormente, Mestre Geral de todas as Lojas do Exército; o coronel HENRY MAINWAIRING, recebido, em 1646, numa Loja de Warrington, no Lancashire; e o antiquário e alquimista ELIAS ASHMOLE, recebido na mesma Loja e no mesmo dia (16 de outubro) que o coronel MAINWAIRING.

Em 1666, os Franco-Maçons iriam recuperar parte do antigo prestígio, diante do grande incêndio, que, a 2 de setembro daquele ano, aconteceu em Londres, destruindo cerca de quarenta mil casas e oitenta e seis igrejas. Nessa ocasião, os Maçons acorreram para participar do esforço de reconstrução, sob a direção do renomado mestre arquiteto sir CHRISTOPHER WREN, que, em 1688, viu aprovado o seu plano para reconstrução da cidade, sendo nomeado arquiteto do rei e da cidade de Londres. A obra principal de WREN foi a reconstrução da Catedral de São Paulo, em cujo adro se desenvolveria e se estabeleceria, em 1691, uma Loja de fundamental importância para a História da Maçonaria moderna: a Loja São Paulo (em alusão à Catedral), ou Loja da taberna “O GANSO E A GRELHA”, em alusão ao local em que, como faziam outras Lojas, realizava suas reuniões de caráter informal e administrativo, como se verá adiante. A reconstrução de Londres só iria terminar em 1710.

A transformação lenta em Maçonaria dos aceitos iria provocar uma real revolução nas corporações, estabelecendo o seu caráter social, moral e político, pouco tempo depois da Renascença, que assinalou a transição entre a Idade Média e a Moderna e que marcou a retomada dos estudos artísticos e literários da Antiguidade Clássica e o enfraquecimento do poder papal e temporal, com o fim do feudalismo e os primórdios do capitalismo e da concretização das nacionalidades.

Assim, os espíritos brilhantes, que propiciaram o renascimento da cultura e das liberdades individuais, sem as tutelas eclesiástica e feudal, serviram-se das associações organizadas dos pedreiros livres, tornando-se aceitos, para desenvolver a sua atividade cultural e social. E grandes representantes da intelectualidade da época procuravam a Franco Maçonaria, por três motivos principais: ela oferecia uma forma lícita de associação; a natureza dessa associação, os seus privilégios, a proteção de pessoas influentes e a livre manifestação do pensamento, abordando a universalidade dos conhecimentos, sempre tão cerceados pelo dogmatismo medieval, seduziam a mente cientifica e crítica dos intelectuais, que desejavam aumentar o seu saber e expor os seus pensamentos, sem despertar suspeitas e perseguições; ela era o único “ofício” não arraigado a um local, mantendo elos entre as cidades e até entre os países, protegendo e colhendo os irmãos em viagem, o que proporcionava, aos estudiosos, o intercâmbio de conhecimentos e de ideias.

Isso fez com que a Maçonaria fosse colocada na vanguarda não só do renascimento cultural e científico, mas, também, das lutas pelas grandes reformas sociais, por meio de sua participação nos grandes movimentos de libertação humana, de sua presença nos conflitos de ideias e de sua intervenção, através de seus membros, na solução dos grandes problemas internacionais. Não sendo órgão de nenhum partido político, ou agrupamento social, ela firmou o seu propósito de estudar e impulsionar todos os problemas referentes à vida humana, com a finalidade de assegurar a paz, a justiça e a fraternidade entre todos os homens e povos, sem dependência de raças, cores, religiões, ou nacionalidades.

E nascia assim a primeira Grande Loja.

Como, na época, não existiam templos maçônicos – o primeiro só seria inaugurado em 1776 – os Maçons reuniam-se em tabernas, ou nos adros das igrejas. As tabernas, cervejarias e hospedarias desse tempo, principalmente na Inglaterra, tinham uma função social muito grande, como local de reunião e de troca de ideias de intelectuais, artífices, obreiros do mesmo ofício, etc. A Loja da Cervejaria “THE GOOSE AND GRIDIRON” (O Ganso e a Grelha), ou Loja São Paulo, inicialmente formada só pelos Maçons de ofício que participaram da reconstrução de Londres, resolvia, em 1703, diante do número cada vez maior de Maçons aceitos, em todas as Lojas, admitir, a partir dali, homens de todas as classes, sem qualquer restrição, promovendo, então, uma reforma estrutural que iria dar o arcabouço da moderna Maçonaria. A admissão, em 1709, do reverendo JEAN THÉOPHILE DESAGULIERS, nessa Loja, em cerimônia realizada no adro da Catedral de São Paulo, iria apressar o processo de transformação, já que DESAGULIERS iria se tornar seu líder e paladino.

A 7 de fevereiro de 1717, DESAGULIERS conseguia reunir quatro Lojas metropolitanas, para traçar planos referentes à alteração da estrutura maçônica. Nessa ocasião, foi convocada uma reunião geral dessas quatro Lojas existentes em Londres, para o dia 24 de junho daquele ano. Essa reunião foi realizada na taberna “THE APPLE TREE” (A Macieira), e as Lojas presentes foram, além a da própria Taberna d’A Macieira, a da Cervejaria “THE CROWN” (A Coroa), a da Taberna “RUMMER AND GRAPES” (O Copázio e as Uvas) e a da Taberna “O GANSO E A GRELHA”.

E, no dia 24 de junho de 1717, como fora marcado, as quatro Lojas reuniam-se e criavam THE PREMIER GRAND LODGE (a Primeira Grande Loja), em Londres, implantando o sistema obediencial, com Lojas subordinadas a um poder central, sob a direção de um Grão Mestre, já que, antes disso, as Lojas eram livres de qualquer subordinação externa, concretizando a ideia do “Maçom Livre na Loja Livre”. Isso era, portanto, um fato novo e uma grande alteração – uma verdadeira revolução – na estrutura maçônica tradicional, o que faz com que esse acontecimento seja tomado como o divisor de águas, o marco histórico entre a antiga e a moderna Maçonaria, ou seja, entre operativa e a dos aceitos, ou especulativa.

A única referência a esse fato – importantíssimo para a História da Moderna Maçonaria – está em um relatório do pastor JAMES ANDERSON, publicado na edição de 1738 da Constituição que ele elaborara:

“A 20 de setembro de 1714, o rei George I fez em Londres magnífica entrada. Após o fim da rebelião em 1716 as poucas Lojas de Londres, julgando-se negligenciadas por sir Christopher Wren5, julgaram oportuno fundirem-se sob a autoridade de um Grão Mestre, como centro de união e harmonia. E as Lojas que assim se encontraram eram:

A da Cervejaria “The Goose and Gridiron” (O Ganso e a Grelha), no pátio da Catedral de São Paulo;

A da Cervejaria “The Crown” (A Coroa), em Parker’s Lane, próximo de Drury Lane;

A da Taberna “The Apple Tree” (A Macieira), em Charles Street, no Covent Garden;

A da Taberna “The Rummer and Grapes” (O Copázio e as Uvas), em Chanell Row, no Westminster.

Essas Lojas, assim como antigos irmãos reuniram-se na “A Macieira”, tendo, em seguida, designado, como Venerável, o mais antigo mestre, constituíram-se em uma Grande Loja “pro tempore”, na devida forma e, desde logo, a reunião trimestral das oficinas das Lojas estava reconstituída. Depois, decidiram realizar uma assembleia anual com festa e escolher, naquela ocasião, entre eles, um Grão Mestre, até que conseguissem a honra de serem dirigidos por um irmão nobre.

(…) No dia de São João Batista, durante o terceiro ano do reinado de George I (Ano Dei 1717), a Assembleia e a Festa dos Maçons Livres e Aceitos realizaram-se na Cervejaria “O Ganso e a Grelha”. Antes do jantar, o mais antigo mestre que presidia propôs uma lista de candidatos convenientes. Os irmãos presentes, levantando as mãos, designaram Sr. ANTHONY SAYER, gentil-homem, Grão Mestre dos Franco-Maçons – JACOB LAMBALL, carpinteiro, e JOSEPH ELLIOT, capitão, Grandes Vigilantes – o qual, imediatamente, foi investido, pelo citado mais antigo mestre, com as insígnias do ofício e do poder, e instalado

(…)”.

Canteiro é o operário que trabalha em cantaria, que esquadreja e trabalha na escultura da pedra bruta; cantaria (palavra derivada de canto) designa a pedra lavrada para as construções. (N. A.).

Loja – do germânico: leubja (pronúncia: lóibja) e do frâncico: laubja, através do francês: lôge – designava o lar, a casa, o abrigo, o pátio, o alpendre; e, também, a entrada de edifício, ou galeria usada para exposições artísticas e venda de produtos artesanais. As guildas de mercadores, assim designavam seus locais de depósito e venda de produtos manufaturados, enquanto as guildas artesanais adotaram o termo para designar o seu local de trabalho, ou seja, as oficinas dos artífices. (N. A.).

A Ordem dos Pobres Soldados de Jesus Cristo e do Templo de Salomão, ou Ordem dos

Templários, foi uma ordem religiosa e militar criada em 1118, com estatutos elaborados pelo Abade de Clairvaux (São Bernardo). Adquirindo prestígio e riqueza, a ordem excitaria a cobiça do rei francês Filipe IV, cognominado “o Belo”, que com a conivência do papa Clemente V, conseguiu a sua extinção, em 1312, seguida da execução, na fogueira, de seu Grão Mestre, Jacques de Molay, em 1314. Antes da extinção, necessitando, em suas distantes comandatories do Oriente, de trabalhadores cristãos, os templários organizaram o Compagnonnage, dando-lhe um estatuto chamado Santo Dever, de acordo com sua própria filosofia. (N.A.)

Christopher Wren (1632-1723) nasceu em East Knoyle e faleceu em Londres. Foi matemático e arquiteto de Westminster, reputado como chefe dos Maçons. Dirigiu, como foi visto, a reconstrução das igrejas londrinas após o incêndio que destruiu grande parte da City. (N.A.).

Jean Théophile Désaguliers (1683-1744) nasceu em La Rochelle, filho de um ministro huguenote, o qual emigrou para a Inglaterra depois da revogação do Édito de Nantes. Em Londres, graduou-se em Teologia e tornou-se membro da Real Sociedade e correspondente da Academia de Ciências de Paris. Foi iniciado na Loja São Paulo, em 1709. (N.A.)

[6]Anthony Sayer (1672-1742) foi o primeiro Grão-Mestre da Premier Grand Lodge; morreu em extrema pobreza, sendo obrigado, no final de sua existência, a recorrer à caridade dos Irmãos Maçons. (N. A.)

A MAÇONARIA NA POLÍTICA EUROPEIA

A RESTAURAÇÃO DOS STUART

Já no início da Maçonaria dos Aceitos, no século XVII, para cuja constituição orgânica foram decisivas as influências políticas e religiosas da Europa medieval, eram, as Lojas, pela sua importância, palco das lutas políticas engendradas pela nobreza, pelos partidos políticos e pelo clero. Ao se travar, na Inglaterra, a luta entre a casa dos Stuart e o Parlamento e, depois, entre os Stuart e os Orange, os partidos políticos tentaram servir-se da influência das guildas, enquanto os Stuart se valiam da Franco Maçonaria.

Os membros da dinastia dos Stuart ocuparam, por diversas vezes, os tronos da Escócia e da Inglaterra. O seu fundador, no início do século XII, foi ALAN FITZFLAALD, um bretão, que havia imigrado para Norfolk, na Inglaterra. O sexto descendente de Alan, WALTER, casou-se com MARJORIE, filha de ROBERTO DE BRUCE e seu filho, ROBERTO II, ascendeu ao trono da Escócia, em 1371. A linha paterna da família real iria acabar em 1542, com a morte de JAIME V, ascendendo, então, ao trono, com apenas um ano de idade, sua filha, MARY STUART, com o nome de MARIA I. Esta acabou sendo expulsa da Escócia em 1567 e seria decapitada em 1587, por ordem de Elizabeth.

O filho de Maria, JAIME VI (na Escócia), iria se tornar rei da Inglaterra, governando de 1603 a 1625, com o título de JAIME I. Em 1625, outro Stuart, CARLOS I, subia ao trono inglês, sucedendo a Jaime I, e iria enfrentar a revolução parlamentar puritana, liderada por OLIVER CROMWELL e seus “roudheads” (cabeças redondas), em 1641, a qual seria vitoriosa, em 1648, sendo, o rei, decapitado, em 1649. Nessa ocasião, sua viúva, HENRIQUETA DE FRANÇA, aceitava, do rei francês LUÍS XIV (o “Rei Sol”), refúgio em SaintGermain-en-Laye, nas cercanias de Paris, para onde se dirigiu com o seu séquito e com os seus áulicos. Entre estes, encontravam-se, já, muitos Maçons aceitos, pois o processo iniciara-se cinquenta anos antes e atraía os membros da nobreza e os grandes proprietários de terras.

E foi através deles que foi organizada a ação contra Cromwell, os quais, segundo BERTELOT, por prudência, trabalhavam sob o sigilo das Lojas maçônicas, aproveitando-se, sem perigo de denúncias, para manter comunicação com os stuartistas da Inglaterra e da Escócia, com a finalidade de derrubar o regime imposto pela revolução.

Essa atividade renderia frutos, com a restauração da dinastia dos Stuart, em 1660, e a ascensão de CARLOS II ao trono inglês, em 1661, após a morte, em 1658, de Oliver Cromwell, que se tornara bastante impopular, diante das medidas de fanatismo tomadas pelos puritanos, seus liderados. Às vésperas de ascender ao trono, Carlos II criara, em Saint-Germain, o regimento dos Guardas Irlandeses, de grande importância para a História da Maçonaria na França.

O sucessor de Carlos II, JAIME VII, da Escócia, subiu ao trono inglês, como JAIME II e, graças aos seus desmandos, acabou sendo expulso do país, em 1688, indo refugiar-se, também, em Saint-Germain, perto de Paris. Suas filhas, ANA e MARIA II – esta reinou com GUILHERME III, de Orange, depois de 1689 – foram os últimos da dinastia a ocupar o trono inglês, embora o filho desta última, JAIME III, tentasse, por duas ocasiões, em 1708 e 1715, usurpar o poder. A linha feminina da família, descendente de Henrieta, filha de Carlos I, ligou-se à Casa de Savoia, passando, depois, às de Módena, Áustria e Baviera.

Quando da queda de Jaime II, em 1688, os partidários dos Stuart, conhecidos por JACOBITAS, criariam as primeiras Lojas maçônicas do território francês. Segundo PAUL NAUDON, o regimento de Guardas Irlandeses – primitivamente, Real Irlandês – que fora criado por Carlos I, foi incluído, por ter seguido os Stuart, na capitulação de 1688, desembarcando em Brest, a 09 de outubro de 1689, sob as ordens do coronel WILLIAM DORRINGTON, e permanecendo, até 1698, em Saint-Germain, fora dos quadros militares franceses; nesse ano, foi incorporado ao exército francês. O regimento dos Guardas Irlandeses, segundo o historiador (não Maçom) GUSTAVE BORD, possuía uma Loja maçônica, cujos documentos chegaram até à atualidade. A 13 de março de 1777, o Grande Oriente de França admitiu que a constituição dessa Loja datava de 25 de março de 1688, sendo, portanto, a única Loja do século XVII, cujos vestígios chegaram até a nós, acreditando-se, todavia, que os Jacobitas tenham criado outras Lojas em território francês, principalmente a partir de um segundo regimento, formado, em Saint-Germain, com imigrantes escoceses e irlandeses.

A ASCENSÃO DE CATARINA, A GRANDE, AO TRONO RUSSO

Nascida na Prússia, em 1729, SOPHIA AUGUSTA FREDERICA VON ANHALT-ZERBST foi levada à Rússia aos 15 anos, como protegida da imperatriz Elizabeth, sendo batizada, em 1744, na Igreja Ortodoxa, com o nome de CATARINA ALEXEIEVNA. E iria se tornar uma das maiores governantes da Rússia.

A Rússia vivia, nessa época, um período de inexpressividade, depois do reinado de PEDRO, O GRANDE (o Czar Pedro I). Este, que governou o país a partir de 1682 – quando menor – já o encontrara em situação difícil, atravessando uma crise, surgida em 1676 e só encerrada em 1700, provocada pelo Raskol (cisma religioso, provocado pela tentativa de alteração dos usos religiosos tradicionais, que afastaram o cristianismo russo da ortodoxia grega) e pelos excessos da Guarda Imperial, diante da fraqueza de regentes, que governavam durante a menoridade do czar. Só quando este assumiu, efetivamente, o poder, o país retomou a sua tranquilidade.

Pedro I, que encontrara a Rússia como uma nação totalmente oriental – na religião, nos hábitos e no calendário, copiados, principalmente, dos bizantinos – procurou imitar a política real do Ocidente, graças às influências recebidas em suas viagens à Inglaterra e à Holanda. Para isso, criou um regime autocrático, cercado de conselheiros estrangeiros, tendo condições, então, de modernizar o país, realizando uma sólida política mercantilista, reorganizando a agricultura e dando estímulo à indústria e ao comércio. Além disso, proibiu a reclusão das mulheres, fez com que fossem adotados trajes ocidentais e extinguiu todos os traços de autonomia regional, criando um sistema de política nacional. Desenvolvendo ativa ação no Exterior, anexou, também, ao país, regiões próximas (Estônia , Livônia e partes da Finlândia e da Carélia).

A partir de 1725 e até 1762, o seu trabalho seria posto a perder, graças a governantes fracos e inexpressivos, como, em ordem cronológica, CATARINA I, PEDRO II, ELIZABETH e PEDRO III, os quais, sem iniciativa – e até dementes – não continuaram a obra de Pedro, o Grande, ao pulverizar a política internacional, propiciando a volta das crises internas.

Durante o reinado de Elizabeth, gozando da simpatia da imperatriz, que a levara para a Rússia, Catarina casava-se com o herdeiro presuntivo do trono russo, o Grão Duque Pedro, homem fraco de físico e de espírito, o qual, após a morte de Elizabeth, assumiria o trono, como Pedro III.

Mulher astuta, atilada e de espírito brilhante, Catarina logo percebeu a força política da maçonaria da época, passando a proteger Maçons e a demonstrar o seu apreço pelos filósofos franceses da Enciclopédia, quase todos Maçons; enquanto, na França, a Enciclopédia era proibida, tendo os seus exemplares apreendidos e queimados, Catarina convidava, como hóspedes de honra, DIDEROT, D’ALEMBERT e VOLTAIRE a visitarem o seu império.

Através do desenvolvimento de uma precisa estratégia política, cortejava os Maçons, influenciando o imperador Pedro III, seu marido, a protegê-los, tendo conseguido, dele, a cessão do castelo imperial de Oranienbaum, para a instalação de uma luxuosa Loja maçônica, que viria a ser o centro de importantes atividades maçônicas da Loja “Constância”.

Em 1762, diante da patente incapacidade do imperador, para tratar da política internacional, Catarina, apoiada numa conspiração de cortesãos, sob a liderança dos irmãos ORLOV, Maçons, e sob o amparo das Lojas maçônicas, a ela agradecidas, engendrou um golpe de Estado, impondo-se à sucessão de Pedro III, que foi destituído através de um pronunciamento do regimento da guarda, que estava em mãos dos altos chefes maçônicos. Com isso, ela subia ao trono, como Catarina II.

A deposição do imperador, todavia, iria provocar protestos, em alguns países da Europa, os quais acusavam Catarina de haver idealizado a conspiração, orientando-a dos bastidores. Porém, graças à ação de seus admiradores, incluindo os Maçons, em todo o continente europeu, essas acusações logo cessaram, permitindo, a Catarina, governar com tranquilidade, para se tornar uma das maiores governantes da Rússia e o maior cérebro político da Europa, na época, maior do que o tão decantado FREDERICO II, da Prússia.

No governo, ela retomou a obra de Pedro, o Grande, incentivando a assimilação da cultura ocidental e, na parte social, criando hospitais, cidades e lares de assistência. Mostrava-se adepta da abolição do trabalho servil – numa época em que a ação da Inglaterra, nesse sentido, se fazia sentir – e prosseguia na política de expansão do seu território, principalmente em refregas com o Império Otomano. Ao final da vida, preocupada com os rumos abertos pela Revolução Francesa de 1789, abandonou suas ideias liberais, passando a hostilizar a Maçonaria, fechando lojas e deportando os Maçons, de cuja ação provinham os seus triunfos na política internacional.

Governou a Rússia até 1796.

A REVOLUÇÃO FRANCESA

Pelas suas consequências e pela grande influência que nitidamente exerceu sobre a evolução cultural, política e social dos países mais desenvolvidos da Europa, a Revolução Francesa é considerada a mais importante de todas as revoluções burguesas da História da Humanidade. Enquanto a nobreza e o alto clero de França viviam na opulência nababesca, senhores de grandes latifúndios e sendo sustentados pelo campesinato que esmagado pelo sistema feudal arcava com o ônus representado pelos direitos senhoriais, pelos impostos reais e pelo dízimo eclesiástico, a burguesia, classe mais instruída e sustentáculo econômico do país, tinha na monarquia absoluta um entrave que impedia sua ascensão.

A nobreza gozava de inúmeros privilégios e somente os seus membros podiam ter acesso aos cargos da Corte (cerca de vinte mil membros), aos comandos militares e às dignidades eclesiásticas; nestas últimas funções reservavam para si a maior parte da receita da Igreja. Todavia, os rendimentos auferidos através desses cargos e dos direitos feudais, eram facilmente dissipados, fazendo com que, pouco antes da Revolução, a nobreza já se encontrasse em plena decadência. Por outro lado, a burguesia prosperava, estribada no desenvolvimento da indústria e do comércio, e não se conformava em desempenhar um papel secundário na vida política da nação. Além disso, a má administração financeira afetava os seus interesses e ela, assim sendo, desejava uma mudança de regime que permitisse a sua participação na administração pública. Assim, foi essa classe a grande responsável pela Revolução que surgiu baseada nas ideias dos Maçons VOLTAIRE, ROUSSEAU, CONDORCET, D’ALAMBERT, TURGOT, DIDEROT entre outros.

O dia 14 de julho de 1789, quando ocorreu a queda da Bastilha, fato de importância decisiva para o triunfo da Revolução e a capitulação do rei LUÍS XVI, é comemorado até hoje pelos Maçons, por significar a destruição das masmorras, a queda dos privilégios, a pulverização da tirania e o advento de melhores condições de vida, com mais Liberdade[5].

Na realidade, nos dias que antecederam a Revolução, a Maçonaria francesa ocupava um lugar de destaque e exercia extraordinária influência, estando infiltrada em todas as classes sociais: nobreza, clero, burguesia, militares, serventuários da justiça, parlamentares e intelectuais.

As ideias do Maçom ROUSSEAU e também de VOLTAIRE, tardio Maçom, iniciado aos 84 anos na Loja “NEUF SOEURS”, onde já pontificavam LALANDE, LAPLACE, DIDEROT, BENJAMIN FRANKLIN, CONDORCET, D’ALEMBERT e LAMARCK, influenciavam de maneira extraordinária o pensamento maçônico e do povo em geral.

A obra de Rousseau, “O Contrato Social”, era lida e aplaudida em praça pública; inspirados nas ideias dele, os revolucionários passaram a defender o princípio da soberania popular e da igualdade de direitos. Outro Maçom, MIRABEAU, já em 1776, sonhava em utilizar a Maçonaria na grande revolução social e política que acreditava ser necessária; Condorcet exprimia com fidelidade as aspirações revolucionárias da época, batendo-se pela liberdade econômica e elaborando o princípio dos Direitos do Homem. Outros Maçons que se distinguiram nessa luta foram TALLEYRAND, LAFAYETTE, BRISSOT e GUILLOTIN.

É evidente que a conturbação daquele período iria produzir uma cisão na família maçônica, pois a nobreza e o clero, de maneira geral, não podiam ver com bons olhos, tal movimento: o duque de Luxemburgo, alta dignidade maçônica, emigrou, enquanto que o Grão Mestre do Grande Oriente de França, o duque de Chartres, que se tornara o duque de Orleans e, depois, PHILIPPE-EGALITÉ, demite-se do grão mestrado a 5 de janeiro de 1793, atacando, logo depois, a Maçonaria, em um artigo publicado no “Jornal de Paris”. A 13 de maio de 1793, uma assembleia do Grande Oriente declarava-o desempossado do cargo de Grão Mestre e a 06 de novembro do mesmo ano, ele era executado na guilhotina.

A partir dessa assembleia de 13 de maio de 1793, o Grande Oriente de França entra em recesso e a grande maioria das Lojas suspende as suas reuniões, situação essa que iria perdurar por vários anos.

Cabe aqui uma análise do que foi a real participação da Maçonaria no desencadeamento e na evolução da Revolução Francesa. Afirmar que o movimento foi uma exclusiva obra maçônica é uma inverdade histórica de que muitos autores maçônicos têm lançado mão; em contrapartida, outros autores, principalmente os adversários da Maçonaria, têm caído no extremo oposto, negando-lhe qualquer participação na revolta.

Na realidade, uma fria e desapaixonada análise dos fatos não pode colocar o pesquisador em nenhum dos dois extremos, pois se não houve, de fato, uma conspiração revolucionária interna na Maçonaria francesa, deve-se convir que ela funcionou como um extraordinário veículo político das ideias liberais, que encontrando terreno fértil no descontentamento causado pelas crises sociais, econômicas e políticas, levou à eclosão da Revolução, marco histórico da ascensão da burguesia e da decadência da monarquia absoluta e fato de grandes consequências para todos os povos do mundo.

A Revolução Francesa foi, também, um marco histórico importante para a Maçonaria, embora tal fato seja exacerbado por autores pouco afeitos à História, os quais afirmam que, após a revolta, os Maçons passaram a utilizar a divisa “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que seria a da Revolução, como síntese de sua doutrina moral e social. Todavia, o lema da Revolução Francesa era “Liberté, Égalité ou la Mort” (Liberdade, Igualdade ou a Morte). O lema oficial do país “Liberté, Égalité, Fraternité” (Liberdade, Igualdade, Fraternidade) só surgiria com a Segunda República, em 1848, sendo, posteriormente, adotado pelos Maçons.

Ao contrário do que alguns afirmam, foi a Maçonaria que aproveitou o lema e não o contrário. ALEC MELLOR, respeitadíssimo pesquisador francês, afirma que é inteiramente falso que essa divisa republicana seja de origem maçônica. Louis Blanc e outros autores pretendem que seu inventor tenha sido LOUIS-CLAUDE DE SAINT-MARTIN, mas o historiador mais abalizado da vida e do pensamento deste, ROBERT AMADOU. A pesquisadora B. F. HYSLOP examinou uma grande quantidade de diplomas maçônicos, publicados entre 1771 e 1799, na Biblioteca Nacional de Paris, e não encontrou mais do que dois, somente, onde as três palavras estão reunidas. Quase todos registram “Saúde, Força, União ou falam do templo onde reina “o Silêncio, a União e a Paz”. O resultado desse estudo está publicado em “Annales Historiques de la Révolution Française” – janeiro, 1951, p. 7 . A 1ª República conheceu bem a divisa “Liberdade, Igualdade ou a Morte”, mas tal programa ideológico não foi jamais o da Maçonaria. Foi somente sob a 2ª República que a “tríplice divisa” foi adotada oficialmente pelo Governo Francês. Mas não foi a República que tomou emprestada a divisa à Maçonaria, mas sim, a Maçonaria é que a tomou emprestada à República[7].

A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DO HOMEM E DOS CIDADÃOS

DIREITO, de maneira geral, é o conjunto de regras e princípios, julgados válidos, os quais são impostos e aceitos como condição da sobrevivência da Sociedade humana. Os direitos da pessoa humana, através da História, têm sido os objetivos de diversos povos, na sua busca constante da plenitude de seus direitos democráticos e de sua índole libertária. As primeiras iniciativas, nesse sentido, encontram-se na Antiguidade oriental e clássica, com o famoso Código de Hamurabi, com a filosofia chinesa de Mêncio e com a estrutura da civilização greco-romana.

Os direitos individuais, diante dos abusos do poder político, todavia, só seriam incrementados – embora incluídos no programa ético das grandes religiões – a partir do século XIII, com a Magna Carta, de 1215, a Lei de Direitos, do Parlamento inglês (1689), a Declaração de

Independência dos Estados Unidos da América, em 1776, e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França pós revolucionária.

Corolário do movimento revolucionário francês e passo inicial para grandes transformações sociais, a Declaração dos Direitos do Homem, votada pela Assembleia Nacional Constituinte de França, logo após a queda da Bastilha, sofreu forte influência maçônica, através da voz dos parlamentares revolucionários oriundos do seio do Grande Oriente de França.

Já a 4 de agosto de 1789, a Assembleia, reunida até alta madrugada, decidia, sob o influxo da oratória candente dos parlamentares Maçons, muitos deles nobres (como o duque de AIGUILLON e o visconde de NOAILLES), suprimir os direitos feudais, os privilégios fiscais e a venalidade dos cargos.

A 26 de agosto do mesmo ano, ao mesmo tempo em que começava a discutir a Constituição, a Assembleia votava a Declaração de Direitos, baseada nas ideias de Rousseau que, n’O Contrato Social, clamava contra as venalidades, proclamando que todos os homens são iguais e livres pelo nascimento, que o objetivo da organização política não deve ser outro senão o de assegurar a liberdade e a igualdade em face da lei e que a única soberania é a decorrente da vontade do povo[8].

LUTA PELA EXTINÇÃO DA ESCRAVATURA NOS SÉCULOS XVIII E XIX

Embora tenha sido, a Inglaterra, um dos países europeus a se dedicar ao tráfico de escravos, seria exatamente ali, no século XVIII, que se iniciaria a luta pela extinção do tráfico, auxiliada pela palavra da Igreja. Alguns autores afirmam que após um período estático da consciência europeia, em relação à sorte dos africanos levados para o Novo Mundo, foram da Igreja Católica os primeiros brados públicos e universais de protesto contra o comércio de escravos, logo seguido dos de outros agrupamentos religiosos, de filósofos e de jurisconsultos, em diversas regiões do mundo.

Trata-se, na realidade, de afirmação exagerada, já que NICOLAU V, que ocupou o papado, de 1447 a 1455, chegou a assinar uma ordem, dando, aos portugueses, a exclusividade da captura de escravos negros na África, numa posição que seria ratificada por CALIXTO III e SISTO IV, em 1456 e 1481, respectivamente. E não era, também, o combate à escravatura, a orientação predominante na Igreja centro e sul-americana, cujo clero mantinha os seus próprios escravos. Só mais tarde é que a sociedade, como um todo, começou a ter consciência do grande problema da escravização de outros seres humanos; isso iria ocorrer já em pleno século XIX, mas a Inglaterra começara antes, quase na mesma época em que o papado começava a condenar a escravatura – BENTO XIV, em 1741, publicava uma bula, onde reprovava todo e qualquer tipo de escravidão – e quando os quakers[9], nos Estados Unidos, pregavam, abertamente, contra a escravização, pois desde 1854, era um dogma da seita que cada um deveria tirar o seu sustento do seu próprio trabalho; graças a isso, nenhum quaker, a partir de 1789, possuía escravos.

O Maçom MONTESQUIEU – iniciado a 12 de maio de 1730, na Loja “Horn”, de Londres – em “Esprit des Lois”, de 1750, consagra dezenove capítulos a esse assunto, mostrando que a filosofia queria demonstrar a iniquidade dos homens, ao reduzir seus semelhantes a objetos de propriedade e dele fazerem mercadoria. Lorde MANSFIELD, insigne jurisconsulto inglês, ao ter de decidir, em 1749, se um escravo das colônias, transportado para a Inglaterra, era livre ou não, mostrou sua elevação de espírito, ao declarar que “sendo a escravidão Instituição exclusiva da lei positiva, não havia lei alguma que, para a Inglaterra, a tal dispusesse”[10].

Logo depois é que se iniciava, na Inglaterra, a luta parlamentar, pela abolição, no mundo, do tráfico de escravos, primeiro passo para a extinção total da escravatura. O Parlamento, como diversas instituições inglesas possuía grande contingente maçônico, tanto na Câmara dos Lordes, quanto na dos Comuns. Foi quando surgiu a figura maiúscula de WILLIAM WILBERFORCE – um dos maiores nomes da filantropia, em todos os tempos – que em 1773, com apenas 14 anos de idade, como estudante de humanidades, já começava a escrever em prol da abolição da escravatura, campanha em que se empenharia durante toda a sua vida.

Wilberforce, em 1787, propunha, ao Parlamento inglês, a abolição do comércio de escravos e, posteriormente, a extinção total da escravatura. Auxiliado por homens como CANNING, FOX, PITT, CLARKSON, GRENVILLE e outros, ele conseguia fazer o que poucos tinham conseguido: chamar a atenção, para o grave problema social, dos governantes e dos povos, principalmente os da Inglaterra, que tinha, dentro de suas fronteiras, grandes inimigos da extinção do tráfico. Lorde DARTMOUTH, em 1776, dizia que a abolição do tráfico paralisaria um proveitoso comércio; em 1778, o almirante governador da Jamaica afirmava que isso tiraria, da Inglaterra, a metade do seu comércio e a sua supremacia naval. Interesses comerciais! Mas nada tão repugnante quanto o que ocorria na França, onde um ministro de LUÍS XV recomendava, ao governador de São Domingos, que este não esmorecesse na humilhação aos negros, pois isso já estava enraizado na alma dos escravos e seria cada vez mais útil à colônia.

Quando Wilberforce solicitou, em 1792, ao Parlamento inglês, que este promovesse a extinção do tráfico, WILLIAM PITT, com sua costumeira eloquência, exclamava: “A humanidade está a ponto de se livrar do maior malefício prático que jamais flagelou a raça humana, da mais pesada e extensa das calamidades que a história do mundo registra”.

Em 1807, após a publicação de sua famosa “A Letter on the Abolition of Slave Trade”, Wilberforce conseguia ver o Parlamento decretar a extinção do tráfico, depois do “bill” (lei, projeto-de-lei) ter subido sete vezes ao plenário. Lorde CANNING, um dos maiores estadistas da Inglaterra, definia, então, o navio negreiro como “o maior adensamento de crimes sobre o mínimo das áreas”.[11]

A partir daí, a Inglaterra assinou vinte e seis tratados com as nações cristãs e sessenta e cinco com os régulos africanos, com a finalidade de conseguir a extinção do tráfico, pois era necessário que as demais nações acompanhassem iniciativa inglesa. Mais uma vez, sobressaiu-se, nessa luta, o nome de Wilberforce, que recorria aos homens de prestígio no cenário político europeu e a organizações antiescravistas de cunho maçônico, como o Comitê de Emancipação da França. As correntes de opinião contrárias à escravatura iam crescendo, sendo auxiliadas pela política internacional. No Tratado de Paris, de 30 de maio de 1814, e no Congresso de Viena, de 1815, a questão do tráfico foi discutida em termos objetivos e as grandes nações europeias entravam em solene acordo, para promover a sua extinção, tendo, o papa PIO VII, concorrido bastante para a tomada de tal posição. Nos Congressos de Aix-la-Chapelle, em 1818, e de Verona, em 1822, essa resolução foi confirmada e ratificada.

A luta pela extinção total da escravatura, no Brasil, iria prosseguir durante quase todo o século XIX. O Comitê de Emancipação da França iria solicitar, ao governo brasileiro, em 1867, a libertação dos escravos no país. Essa pressão também continuaria através da Inglaterra, na época em que pontificavam, como ministros e oficiais do “Royal Households”, nomes como os de lorde Carnarvon, lorde Skelmersdale, lorde Valletort e lorde Limerick, sem esquecer o de Sua Alteza Real Albert Edward, Príncipe de Gales, todos iniciados Maçons entre 1856 e 1874.

A UNIFICAÇÃO DA ITÁLIA

A unificação da Itália, ocorrida no Século XIX, foi obra quase exclusiva de duas Sociedades secretas: a Maçonaria e a Carbonária, esta chamada de “Maçonaria Florestal”, por ser originária dos lenhadores e carvoeiros de Hanôver.

O declínio do Império Romano do Ocidente, assim como o início da Idade Média, com o estabelecimento dos povos bárbaros por toda a Europa, proporcionou uma longa fase de transição até chegar à Itália moderna. Até o Século X, ocorreram grandes invasões dos visigodos, vândalos, hunos e ostrogodos, tendo estes últimos se estabelecido na península itálica através do rei Teodorico.

Com a invasão dos lombardos a península dividiu-se em duas partes:

a România e a Lombardia, esta constituída por vários ducados; por causa da cidade de Roma, os lombardos entrariam em choque com o papado, o que propiciaria a intervenção dos francos, através de Pepino, o Breve, que passariam a reinar sobre Roma, sob a égide do Papa, até a invasão levada a efeito por Carlos Magno, que coroou-se rei dos francos e dos lombardos, ampliando as concessões da Igreja.

Em 962, OTO I, rei da Alemanha, recebia do papa João XII, a coroa do Sacro Império Romano Germânico e, daí em diante, a história da Itália ficaria ligada, até o Século XV, à do Sacro Império e do papado, pouco a pouco suplantados pelos Principados e Comunas. Nessa época, os imperadores multiplicavam os grandes feudatários eclesiásticos, como arma contra os senhores leigos, fazendo com que se intensificassem os choques entre as zonas rurais e os núcleos urbanos. Concomitantemente, a Itália meridional seria conquistada pelos normandos, com a constituição do Reino das Duas Sicílias, enquanto as lutas entre o império e o papado, enfraquecendo a ambos, propiciavam a intromissão dos franceses e dos espanhóis.

A Renascença não melhorou a situação da península, pois do Século XVI ao Século XVIII, o processo de centralização territorial e política que se iniciara com a ascensão do capitalismo e da burguesia, foi interrompido com a queda do império sob o domínio espanhol e posteriormente, austríaco.

Por ocasião da Revolução Francesa, o renascimento italiano – o RISORGIMENTO – que se iniciara no século XVI, com intensa atividade econômica, intelectual e artística, avolumou-se perante a penetração ideológica da Revolução que proporcionou a formação de um partido revolucionário burguês e o aparecimento de várias repúblicas nos moldes da francesa.

Acentuou-se mais o sentimento nacional, acelerando-se o movimento de emancipação e unificação dos pequenos estados sob a tutela papal; começou, então, no início do Século XIX, ainda sob o domínio austríaco, uma era de grande liberalismo e nacionalismo, com as atividades revolucionárias se concentrando nas Sociedades secretas, como a Maçonaria e a Carbonária; sucederam-se, então, as conspirações, as publicações clandestinas, os golpes militares, como os de Nápoles e Turim que procuravam obrigar os soberanos a um regime constitucional, sendo, todas as tentativas, sufocadas pelo exército austríaco.

A ideologia do Risorgimento, contudo, crescia e agitava as massas; o carbonário GIUSEPPE MAZZINI, idealista republicano, organizava a Sociedade revolucionária JOVEM ITÁLIA que nada mais era do que uma Instituição carbonária; acompanhado dos carbonários CEZARE BALBO, MASSIMO D’AZEGLIO e GIOBERTI, preconizava em livros a união dos italianos, independente de qualquer ação estrangeira.

Acreditava-se que com o advento de PIO IX ao papado, a unificação s efetuaria sob a proteção de Roma; o papa, todavia, recusou-se a favorecer a obra nacionalista. Todavia, com a revolução na Áustria e a queda do chanceler METTERNICH, gigante da política austríaca, recrudesceram os movimentos revolucionários na Itália, com Mazzini e seus seguidores vencendo o papa e proclamando a República Italiana. Esta, todavia, pouco durou, pois as forças francesas, mandadas por NAPOLEÃO III, a pedido do papa, desfizeram-na, caindo a Itália, outra vez, sob a tirania dos austríacos e dos Bourbon, no norte e no sul, tendo o poder temporal dos papas entre eles.

Caberia, então, a VITTORIO EMMANUEL II, rei do Piemonte, e a seu ministro, o carbonário CAMILLO DE BENZO, conde de Cavour, a direção do processo de unificação, para atender aos interesses políticos e econômicos da burguesia, fortalecida pela industrialização e o desenvolvimento comercial. Conseguiram uma aliança com Napoleão III contra o Império Austríaco, chegando à guerra de 1859, em que a Sardenha, o Piemonte e a França, coligados, derrotaram os austríacos, obtendo a posse da Lombardia, enquanto os pequenos estados da Itália central – Toscana, Parma, Módena e Romagna – vencendo seus príncipes absolutistas, uniam-se aos vencedores. À esta altura, acontecia um fato de fundamental importância para a Unificação: o Maçom GIUSEPPE GARIBALDI, cognominado o “herói de dois mundos”, por sua atuação no Brasil e na Itália, entra na luta, formando a sua famosa Expedição dos Mil, libertando a Sicília e Nápoles, sendo aclamado pelo povo como libertador e proclamando Vittorio Emmanuel como rei, na capital napolitana.

As forças da Sardenha invadiram os Estados Pontifícios, em 1860, derrotando o exército papal. Restava para completar a Unificação, somente Roma, defendida por um corpo expedicionário francês, e Veneza, ainda sob o domínio austríaco. Todavia, com a guerra franco-prussiana, Napoleão III foi obrigado a retirar suas forças de Roma, facilitando a sua tomada que se concretizou a 20 de setembro de 1870; em 1866, já houvera a tomada de Veneza pela Itália, através de uma aliança com a Prússia. Após a tomada de Roma, Pio IX, excomungando os invasores, retirou-se para o Vaticano, considerando-se como prisioneiro voluntário, enquanto em junho de 1871, o governo de toda a Itália instalava-se em Roma, completando a unificação e, logo depois, reconhecendo o poder temporal do papa sobre o Vaticano e seu pequeno território vizinho.

O maior vulto do movimento foi, sem dúvida, Garibaldi, Maçom iniciado em 1836 na Loja “Asilo da Virtude”, no Rio Grande do Sul, vindo a ser, posteriormente Grão Mestre da Maçonaria italiana e sendo agraciado com o título de Grão Mestre ad vitam.

A título de ilustração, consta que Pio IX, GIOVANI MASTAI FERRETTI, o papa que mais anatematizou a Maçonaria, teria sido Maçom. Alguns poucos imaginosos autores citam um fictício documento, datado de 1839, em que é feita referência ao seu recebimento na Loja “Fidelidade Germânica”, de Nuremberg, constando que ele seria oriundo da Loja “ Eterna Cadeia”, de Palermo. Ele mesmo teria dito que fora membro de uma Loja, na América do Sul, antes de assumir o papado. Porém, todas as pesquisas de arquivos não revelaram nada a respeito, o que leva à conclusão, portanto, de que essa pretendida iniciação maçônica é pura lenda, que serve de pasto aos mistificadores da História.

De resto, tal conclusão não ocorreu apenas em relação a Pio IX, pois Clementino Câmara “iniciou” mais três papas: GREGÓRIO VII (1073-1085), quando nem existia Maçonaria dos Aceitos, mas só as organizações profissionais; NICOLAU III (1277-1280), no mesmo caso; e BENEDITO XIV, o famoso LORENZO GANGANELLI (1742-1758), só porque ele suprimiu a Companhia de Jesus. Sobre Pio IX, citam até um documento da Loja “Fidelidade Germânica”, informando a recepção de GIOVANNI FERRETTI MASTAI (e Pio IX era MASTAI FERRETTI), natural dos Estados Pontifícios (e ele era natural de Senigaglia). Câmara, in “Revelações”, um conglomerado de inverdades históricas, afirma que “é fato sabido hoje, já passado em julgado, que, de quantos chegaram à cadeira pontifícia, quatro foram Maçons” (os já citados). E isso, sem apresentar documento algum, que justificasse a ousada afirmação.

É claro que existiram muitos padres Maçons. O Brasil mesmo os teve, às centenas, durante o século XIX, como se pode comprovar em fontes primárias das Lojas da época. Vale recordar, todavia, que, durante o caso criado em torno da Loja “P-2” (Propaganda Due), em maio de 1981, o ministro dos Transportes da Itália, RINO FÓRMICA, lembrava que a revista italiana OP, dirigida por MINO PECORELLI, afirmara que dezenas de cardeais eram Maçons, publicando, até, o número de registro do Secretário de Estado do Vaticano, AGOSTINHO CASAROLLI, do cardeal-vigário de Roma, UGO POLETTI, e do administrador das finanças do Vaticano, PAUL MARCINKUS. É evidente que esses registros são da Maçonaria regular italiana e não da “P-2” marginalizada.

ATIVIDADE MAÇÔNICA DURANTE A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

Entre 1914 e 1918, o mundo debatia-se na Primeira Grande Guerra, eclodida a 28 de julho de 1914, entre a Sérvia e o Império Austro-Húngaro, logo se alastrando pela Europa e pelo mundo, tendo, de um lado, além do Império Austro-Húngaro, as potências centrais da Europa, principalmente a Alemanha, e, do outro lado, os Aliados, que contavam, principalmente, com a França, a Inglaterra, a Rússia, a Itália e os Estados Unidos. Calcada na rivalidade comercial entre os grandes estados europeus do século XIX, o conflito se estenderia por quatro anos, com a participação do Brasil, a partir de 26 de outubro de 1917.

Em março de 1915, as Obediências maçônicas de países neutros recebiam, do Grão Mestre do Grande Oriente dos Países Baixos, HUGO VAN GIJN, uma carta, enviada de Haia, onde aquela Obediência maçônica, depois de lamentar as inimizades entre irmãos, provocadas pela guerra, fala do papel que seria exercido pela Maçonaria, no pós-guerra, convidando as Obediências dos países neutros a participar dessa cruzada, nos seguintes trechos principais:

“… eis quando sobre nós se desencadeia a grande guerra mundial, destruindo todos essas belas ilusões e sublimes ideais, parecendo até que os Irmãos de diversas nacionalidades estão mais separados do que nunca; ao mesmo tempo em que as expressões de inimizade que se observam na própria imprensa maçônica, demonstram um ressentimento nacional de amarga existência entre as nações beligerantes, tão violento e apaixonado, que se chega a duvidar do restabelecimento das relações fraternais entre eles.

(…) As perdas materiais que a guerra atual tem produzido no mundo inteiro, são incalculáveis; não são, porém, menores as expressões deprimentes de caráter espiritual e moral que se ouvem, mesmo nos países neutros.

Depois da conclusão da paz, será necessário, mais do que nunca, que se encontre uma Instituição que oriente a opinião pública e olhe para a frente, mesmo no meio da maior perplexidade, a um melhor futuro, , na firme convicção da vitória dos mais elevados ideais de moral, de humanidade e de progresso, embora tais ideais sejam de difícil reconhecimento, impalpáveis como se tornaram, justamente agora, pela perplexidade do caráter nacional e pessoal.

Essa Instituição não pode ser outra senão a Maçonaria.

Sua primeira tarefa será tomar as medidas necessárias para que, antes de tudo, se estabeleçam relações duradouras entre as diversas grandes potências maçônicas, conservando, é bem de ver, cada uma, sua rigorosa liberdade em cingir-se aos seus pontos de vista em questões de princípios.

Nutrimos, pois, a ardente esperança de ser nossa Ordem capaz de atingir o fim que almeja, porquanto a guerra, não obstante ser portadora de incalculáveis misérias, pode também trazer esse proveito, que todos os homens bem intencionados e entre os quais, em primeiro lugar, os Maçons de diversos países, há de, finalmente, reconhecer que, sendo, eles, uma união de obreiros, só serão capazes de adquirir mais força e vigor pela mutua estima.

Aos que neste momento empregam todos os seus esforços de corpo e alma, na defesa de seu país, não podemos pedir que se ocupem já do exame da questão do restabelecimento das relações fraternais, atualmente cortadas.

Ficaremos, no entanto, gratos a esses mesmos Irmãos, se não se deixarem levar por tão grandes amarguras e se, vendo essa separação momentânea de Irmãos, declarem que, depois da conclusão da paz, darão seu auxílio para o reatamento das relações fraternais…”.

Era, na realidade, patente essa inimizade entre Irmãos Maçons, mostrada, por exemplo, na carta em que o Grande Oriente Lusitano Unido enviara, a 13 de dezembro de 1914, à Grande Loja da França, comunicando que rompera relações com as Grandes Lojas de Frankfurt e Hamburgo, prometendo manter essa posição, enquanto a maçonaria alemã não demonstrasse a sua reprovação às incursões bélicas na Bélgica e na França.

De qualquer maneira, na maçonaria dos países democráticos, o apoio aos aliados, na Primeira Grande Guerra era patente, tendo havido, inclusive, manifestações maçônicas a favor da entrada dos países neutros na guerra. Foi o que ocorreu com o Brasil, que, a 26 de outubro de 1917, declarava estado de guerra com a Alemanha e enviava unidades de combate ao palco bélico. (cruzadores, contratorpedeiros e dez aviadores do Corpo da Aviação Naval). Dos oito países latino-americanos – Brasil, Costa Rica, Cuba, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua e Panamá – que participaram da guerra, ao lado dos aliados, só Brasil e Cuba o fizeram por meio de forças militares.

A RESISTÊNCIA FRANCESA DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A 1º de setembro de 1939, com a invasão da Polônia, pelos exércitos nazistas de ADOLF HITLER, iniciava-se a Segunda Guerra Mundial, ou Segunda Grande Guerra. Depois de ocupar a Dinamarca, o Luxemburgo, a Holanda e a Bélgica (a Áustria já havia sido anexada antes da invasão da Polônia), as tropas de Hitler procuraram atacar a França pelo norte. E a França, despreparada para uma luta, diante de sua grande instabilidade política interna, foi derrotada, em seis semanas de campanha, pelas divisões “panzer” alemãs, apesar da proteção da linha Maginot, julgada inexpugnável. A 14 de junho de 1940, os alemães tomavam Paris, tendo, um grupo de políticos e oficiais franceses, de tendências nazifascistas, constituído um novo governo, sob a chefia do marechal PÉTAIN. A Assembleia Nacional Francesa, reunida em junho de 1940, aprovava, então, o pedido de armistício, concedendo plenos poderes a Pétain, que, durante o restante da guerra, manteria um governo títere, em Vichy.

Logo depois, a 13 de agosto de 1940, uma lei assinada por Pétain, sob orientação nazista, proibia as Sociedades secretas e determinava o sequestro de seus bens. Embora as Obediências maçônicas francesas não fossem, juridicamente, Sociedades secretas, sendo sujeitas, como outras associações, aos dispositivos de uma lei de 1901, elas também sofreram as consequências dessa lei.

Seis dias depois, a 19 de agosto, por decreto do governo títere, eram dissolvidos o Grande Oriente e a Grande Loja da França, enquanto a Grande Loja Nacional Francesa resistia mais algum tempo, vindo a ser dissolvida apenas a 27 de fevereiro de 1941. Em 1941, ainda, uma lei, de 11 de agosto, ordenava a publicação, no Jornal Oficial, dos nomes dos dignitários maçônicos, ao mesmo tempo em que aplicava, a eles, o estatuto dos judeus, vedando-lhes o exercício da função pública. A dissolução das Obediências nacionais era apenas a ratificação do efetivo fechamento das Lojas, pelas tropas nazistas de ocupação.

Nessa época, inclusive, era intensa a campanha feita pelos nazistas, com a conivência e o apoio do governo de Pétain, contra a Maçonaria, procurando ridicularizá-la perante o público. Vários filmes foram feitos, nesse sentido, e mostrados, fartamente, nos cinemas franceses. Um deles mostrava, totalmente, uma sessão de iniciação maçônica e a trajetória posterior do iniciado, quando ele descobria conspirações, complôs e corrupção econômica e política entre os seus Irmãos, o que servia para desprestigiar a Maçonaria, publicamente.

Esses fatos levariam à criação do Serviço das Sociedades Secretas, dirigido por BERNARD FAY, iniciando a ação da Resistência no território francês, a qual propiciaria repressões, torturas, deportações e execuções. Os Maçons faziam reuniões clandestinas em Paris, nas demais cidades e até em Vichy, sede do governo títere, chegando, inclusive, a criar uma Loja clandestina, em território alemão, por iniciativa de Maçons prisioneiros de guerra. Um dos primeiros Maçons franceses a ser executado, como refém, pelos alemães, no dia 1º de agosto de 1841, foi JOSÉ ROUIG.

Na época, diante da situação vigente na França, o general CHARLES DE GAULLE formava, em Londres, o Comitê Nacional Francês, que, com o seu grupo de Franceses Livres, procurou manter a resistência francesa à ocupação nazista, tanto na França quanto nas colônias.

O movimento, de caráter totalmente subterrâneo, baseado numa ampla rede de espionagem e de sabotagens, contou com grande participação de Maçons, não só na França e nas colônias, mas também na Inglaterra, onde o Maçom WINSTON CHURCHILL assumia a chefia do Conselho de Ministros, e mesmo na Alemanha, onde grupos de Maçons, em trabalho altamente secreto, combatia o nazifascismo. Um dos grandes nomes da resistência, na França, foi JACQUES MITERRAND, Maçom, expoente da Maçonaria francesa, Grão Mestre do Grande Oriente da França e primo de FRANÇOIS MITERRAND, que viria a ser presidente da França.

A INGLATERRA NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A Maçonaria inglesa, precursora dos agrupamentos maçônicos do mundo, sempre teve alta representação na política, em geral, no Parlamento, em particular, e na Corte, da qual sempre contou, em suas fileiras, com membros da família real britânica.

Embora, há muito, seja, a política inglesa, relativamente estratificada e calma, algumas ocasiões de crise internacional provocaram, inclusive nas hostes maçônicas, união para enfrentá-la. E a guerra, envolvendo, diretamente, as ilhas britânicas, foi uma dessas ocasiões especiais.

A História da Inglaterra, durante a Segunda Grande Guerra, é a própria história de WINSTON CHURCHILL à frente do Gabinete ministerial, como líder inconteste dos britânicos, no período de maiores agruras do confronto bélico com os países do Eixo, formados pela união da Alemanha, da Itália e do Japão.

Nascido em 1874 e iniciado Maçom, através da Loja “United Studholme” nº 1591, a 24 de maio de 1901 – Companheiro a 19 de julho de 1901 e Mestre a 25 de março de 1902 – Churchill iniciou sua carreira política aos 26 anos, tornando-se, depois, um influente membro da Câmara dos Comuns e participante de diversos gabinetes ministeriais. Notabilizou-se, especialmente, durante o período compreendido entre 1936 e 1938, quando alertava a opinião pública sobre a questão do rearmamento alemão – após breve período de desarmamento, depois da guerra de 1914 a 1918 – e o despreparo da Inglaterra para a guerra, que se prenunciava, protestando, violentamente, quando os gabinetes presididos por MACDONALD, BALDWIN e CHAMBERLAIN adotaram a política de ceder às ameaças de Adolf Hitler.

Após a derrota dos aliados, na Noruega, e abril e maio de 1940, Chamberlain, sem o apoio popular, foi obrigado a renunciar à chefia do Gabinete ministerial, abrindo o caminho para Churchill, que, naquele momento, era o único líder capaz de formar um gabinete de coligação.

A 13 de maio de 1940, portanto, ele assumia o governo, apresentando, em seu primeiro discurso, a sua plataforma de governo, em palavras que ficaram famosas e preservadas para a posteridade: “Nada tenho a oferecer, senão sangue, labor, lágrimas e suor”.

Tornar-se-ia, então, um dos maiores homens da História da Inglaterra, porque, mais do que qualquer estadista do passado britânico soube dirigir e encarnar o esforço de guerra, mantendo, com sua férrea liderança, a determinação e o ânimo do povo, nos momentos mais cruciais do confronto bélico.

Apoiado pela fortíssima maçonaria inglesa – que também participou da resistência – e contando com as simpatias fraternais da Maçonaria norte-americana, tão forte quanto a inglesa, ele se devotou, de corpo e alma, à concretização e preservação da Grande Aliança com os Estados Unidos, mantendo um estreito entendimento com o presidente norte-americano FRANKLIN DELANO ROOSEVELT, também Maçom – iniciado a 10 de outubro de 1911, através da Loja “Holland” nº 8, de Manhattan – durante todo aquele período de crise – os Estados Unidos haviam entrado na guerra, após o ataque japonês a Pearl Harbor, a 7 de dezembro de 1941 – até à vitória final sobre os exércitos alemães, em 1945, o que lhe traria imenso prestígio popular.

As tropas de Adolf Hitler não chegaram a invadir a Inglaterra, que ficara como o último grande bastião de pé, depois da tomada da Áustria, da Polônia, de Luxemburgo, da Holanda, da Bélgica e da França, pelos alemães. Foi a partir desta que Hitler tentou tomar a Inglaterra, concentrando sua artilharia pesada em Calais, para bombardear as costas inglesas, visando, com isso, o domínio do Canal da Mancha, para que suas tropas o atravessassem. A 11 de agosto e a 7 de setembro de 1940, foram realizados terríveis ataques aéreos a Londres, ocasionando grandes baixas entre a população civil e enorme destruição. Não foi possível, porém, tomar o Canal, já que a mesma população civil, aliada aos pilotos da Royal Air Force, com sua bravura, impediu que isso se concretizasse. As devastações, em toda a Inglaterra, prosseguiram até 1941, quando Hitler desistiu de invadir as ilhas.

Bertelot, J., in “Les Francs-Maçons Devant l’Histoire” – Paris: Monde Nouveau ; 1949.

Jacobitas: os partidários do rei deposto Jaime II, da Inglaterra que pretendia recriar uma dinastia católica ao trono da Inglaterra. Sua denominação deve à raiz latina do nome de Jaime – Jacobus – originando a partir daí o nome dos aliados dos Stuart no exílio. (N. E.)

Naudon, P., La Franc-Maçonnerie – Paris: Presses Universitaires de France; 1958.

Bord, G. “La Franc-Maçonnerie en France des Origines à 1815” – Paris: S.E.; 1908.

Na realidade, a Bastilha estava sendo desativada e, nela, nessa época, havia apenas sete prisioneiros. A tomada da prisão não foi, portanto, uma medida que visasse à liberdade dos encarcerados, sendo, por esse ponto de vista, medíocre. Mas a sua importância está na derrubada de um símbolo, de um ícone do despotismo real e aristocrático. (N.A.)

Alguns autores têm cometido a injustiça de atribuir, ao Dr. Joseph-Ignace Guillotin (1738-1814) a invenção da guilhotina – instrumento de execução – como se fosse, ele, um mero sanguinário. A verdade é que a sua intervenção, que gerou esse erro, foi uma solicitação feita, em 1789, no sentido da “igualdade perante o carrasco”, ou seja, uma única maneira de execução; e a guilhotina foi adotada, dentro de um espírito humanitário – se é que se pode falar em execução humanitária – para substituir os antigos suplícios aos condenados. (N. A.).

Mellor, A. “Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie et des Francs-Maçons” – Paris : Belfond; 1971.

Seita cristã, que fora fundada na Inglaterra, no século XVII, como variante do puritanismo e que entrava em choque com os governantes, porque seus membros recusavam-se a pegar em armas. A partir de 1681, difundiu-se nos Estados Unidos, para onde emigraram muitos puritanos, forçados por perseguições dos Stuart. (N. A.)

Taunay, A. E. “Subsídios para a História do Tráfico Africano no Brasil” – in Anais do Museu Paulista, Tomo X, pág. 06; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado; 1941.

Apud Taunay, A. E., in op.cit – pag. 260.

A MAÇONARIA NA POLÍTICA AMERICANA

Muito mais do que na Europa, foi nas Américas, sem sombra de dúvida, que mais se fez sentir a ação política da Maçonaria, proporcionando, inclusive a concretização da maior nação maçônica do mundo: os Estados Unidos da América.

Principalmente nos séculos XVIII e XIX, quando nas Américas, submetidas ao colonialismo europeu, lutavam pela sua emancipação, é que mais se fez sentir a ação política da Instituição, pois ela teve, indiscutivelmente um papel preponderante na libertação das colônias americanas, como planejadora e organizadora dos movimentos de emancipação.

Além da predominância da Maçonaria nas conspirações e na ação contra o colonialismo, muitas vezes opressivo, da Inglaterra, de Espanha e de Portugal, nenhum pesquisador imparcial e desapaixonado poderá negar que, entre os principais líderes da libertação das colônias americanas, sobressaíam-se os Maçons: George Washington, Benjamin Franklin, nos Estados Unidos da América; San Martin, na Argentina; Simon Bolívar, na Venezuela; Benito Juarez, no México; José Marti, em Cuba; O’Higghins, no Chile; Sucre, na Colômbia; Gonçalves Ledo, José Bonifácio, Januário da Cunha Barbosa, D. Pedro I, no Brasil. Isso sem contar a figura maiúscula do venezuelano Francisco Miranda que lutou, direta ou indiretamente, pela libertação da maior parte das colônias.

A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

A Maçonaria chegou bem cedo aos Estados Unidos. O primeiro Maçom da América é, geralmente, considerado como tendo sido John Skene, feito Maçom – aceito na realidade, pois foi na época da transição – em Loja de Aberdeen, na Escócia, e que se estabeleceu em Burlington, Nova Jersey, em 1682. O segundo foi Jonathan Belcher, nascido em Boston, Massachusetts, em 1681, e feito Maçom durante uma viagem à Inglaterra, em 1704. Outros Maçons, que surgiram, nessa época, acabaram criando núcleos maçônicos antes de 1730, sem a influência das grandes alterações havidas na Inglaterra, em consequência da criação do sistema obediencial. A Franco-Maçonaria regular chegaria à América colonial em 1730, sob os auspícios da Premier Grand Lodge of England of Provincial Grand Masters, para diversas áreas. Embora formada, em seu início, em maioria, por membros dos regimentos britânicos, o grande aporte de americanos natos propiciaria, a ela, um papel fundamental na independência do país.

A imigração inglesa para a América do Norte, iniciada no começo do século XVII, originou a formação das colônias que, em 1732, já eram treze, com crescente importância econômica que as tornava muito valiosas para a Inglaterra. Esse valor aumentou quando após a guerra com França, a Inglaterra anexou, às suas colônias americanas, parte do Canadá e as terras situadas entre o rio Mississipi e os Montes Apalaches.

Com a crise econômica gerada pelo conflito com França, a metrópole inglesa passou a exigir, de suas possessões a observância de atos lesivos aos interesses das colônias; surgiram assim, o “Navigation Act” que limitava o intercâmbio comercial das colônias exclusivamente à metrópole e o “Sugar Act” que regulamentava o comércio do açúcar.

Logo depois, necessitando manter um exército de dez mil soldados ingleses para a defesa da colônia, o parlamento inglês votou, em 1765, o “Stamp Act” que estabelecia taxas a serem pagas por documentos, sendo destinadas à manutenção das tropas inglesas; diante da reação das colônias, o “Declaratory Act”, no qual afirmava ter plenos poderes e autoridade para legislar sobre as colônias.

Em 1767, um novo decreto, o “Townshend Act”, iria tornar mais tensas as relações entre a metrópole e as colônias, pois esse decreto estabelecia impostos sobre o chá, o chumbo, o papel e o vidro importados pelas colônias, sendo, o dinheiro auferido, usado para pagar os funcionários britânicos das possessões; esses funcionários eram mal vistos, pois agiam com desonestidade, praticando contrabando e apreendendo mercadorias de comerciantes honestos.

Isso ocasionou uma nova reação, à frente da qual se colocou o líder revolucionário e maçônico Samuel Adams que levantou a população de Massachusetts, o que levaria, a 05 de março de 1770, ao chamado Massacre de Boston, quando dois regimentos ingleses, entrando em choque com a multidão revoltada, mataram e feriram muitas pessoas, fazendo com que o Parlamento, sob pressão das demais colônias, revogasse o “Townshend Act”.

Foi justamente em Massachusetts que se iniciou a luta pela independência; e, coincidentemente, foi também ali que se iniciou a Maçonaria nos Estados Unidos da América, com a fundação a 23 de abril de 1730, da Grande Loja de Massachusetts, expandindo-se depois por toda a América do Norte.

Após três anos de relativa calma, ocorreria a crise do chá, mais um estopim aceso no caminho da emancipação; em 1773, era votado o “Tea Act”, que tinha, por objetivo, ajudar a East Indian Company a vender os seus excedentes de chá nas colônias. Além do preço do produto ser elevado, os compradores teriam, também que pagar impostos, sendo os lucros revertidos em benefício dos agentes da East Indian Company.

Aumentou, então, a revolta culminando a 17 de dezembro de 1773 com o chamado Boston Tea Party, quando novamente em Boston, cerca de cinquenta colonos, disfarçados de índios, atacaram um navio e derramaram o seu carregamento de chá no mar. Logo a seguir, o Maçom Patrick Henry, na Virgínia, colocava-se à frente da reação contra a metrópole, propondo a realização de um congresso continental; essa ocorreria na Filadélfia, em 1774, com a presença de 56 delegados de todas as colônias, com exceção da Geórgia. Nesse Congresso foi aprovada a Declaração de Direitos e Agravos que exigia a revogação dos atos do governo inglês, lesivos às colônias; o governo britânico, todavia, não aceitou as exigências, decidindo reforçar as tropas inglesas nas colônias, com a finalidade de garantir o cumprimento dos decretos do Parlamento.

O conflito se concretizaria, marcando o verdadeiro início da Revolução Americana, quando em abril de 1775, o general Thomas Gage, comandante das tropas inglesas em Boston, decidiu prender os líderes revolucionários e maçônicos Samuel Adams e John Hancock, além de apoderar-se do material bélico dos colonos, em Concord; houve resistência e choque entre as forças adversárias, sendo dispersos os efetivos de Gage.

O segundo Congresso Continental, reunido na Filadélfia, resolveu, então, designar George Washington para comandar as forças rebeldes. Washington, nascido a 22 de fevereiro de 1732, foi iniciado na Maçonaria a 4 de novembro de 1752, na Loja “Fredericksburg nº 4”, no estado da Virgínia, de cuja Grande Loja seria eleito Grão Mestre em 1777, em plena luta pela independência.

Sucederam-se, então, as batalhas em diversas colônias, sem que a luta se definisse; enquanto isso, o Maçom Thomas Payne incendiava a opinião pública, através da publicação de seu “Common Sense”, onde fazia a apologia de um movimento libertador e não de uma simples reação contra as leis opressivas. A 4 de julho de 1776, depois de um ano de debates, o Congresso Continental aprovava a Declaração de Independência[1], redigida por Thomas Jefferson.

A guerra, todavia, prosseguiria, não só contra as tropas inglesas, mas também contra o grupo de colonos liderado por John Dickinson que se opusera, fortemente, à declaração de independência; esses colonos, que tomaram o partido dos ingleses, foram denominados “tories” e muitos deles lutaram nos exércitos britânicos.

Washington, demonstrado suas qualidades de líder e de estrategista, adotava um sistema tático de movimento para fatigar os ingleses, enquanto a Maçonaria francesa acompanhava, entusiasmada, o movimento libertador empreendido por seus Irmãos da América do Norte. Nesta altura, iria se tornar decisiva a participação de Benjamin Franklin, pois este, com o apoio da Maçonaria americana, desenvolvia intensa atividade em França, onde era membro da Loja “Neuf Soeurs” de Paris, a mesma Loja onde Voltaire seria iniciado mais tarde.

Franklin conseguiu fazer, com o apoio dos Maçons franceses, com que a 6 de fevereiro de 1778, a França reconhecesse a independência dos Estados Unidos da América, enviando uma esquadra em socorro dos patriotas americanos. Logo depois, Espanha também entraria na guerra contra os britânicos, levando todos estes fatos à capitulação definitiva das tropas britânicas, em 1781, sendo o tratado de paz – Tratado de Paris – assinado a 3 de setembro de 1783, com o reconhecimento da independência dos Estados Unidos da América.

Distinguiram-se nessa fase final de luta, além dos muitos Maçons americanos, os Maçons franceses, François de Grasse, comandante da esquadra enviada por França, e o marquês de Lafayette, que equipara antes da entrada de França na guerra um navio, por sua própria conta, indo oferecer, como voluntário os seus serviços aos rebeldes americanos.

George Washington, ao tomar posse como o primeiro presidente da República dos Estados Unidos da América, prestou o seu juramento sobre a Bíblia utilizada na abertura dos trabalhos da Loja “Saint John” de Nova York. Ao lançar a pedra fundamental do edifício do Congresso norte-americano, em 1793, ele e outros dignitários da Maçonaria dos Estados Unidos portavam suas insígnias maçônicas; ao falecer, em 1799, os seus funerais foram, de acordo com sua expressa vontade, realizados dentro da ritualística maçônica, sendo a cerimônia fúnebre, dirigida por Elisha Cullen

Dick e pelo reverendo James Muir, respectivamente presidente e orador da Loja “Alexandria”.

Depois de Washington, os Estados Unidos seriam dirigidos por outros presidentes e políticos maçons, entre os quais:

James Monroe; Andrew Jackson; James K. Polk; James Buchanan; Andrew Johnson; James A. Garfield; William McKinley; Theodore Roosevelt; William Howard Taft; Warren G. Harding; Franklin Delano Roosevelt; Harry S. Truman; Lyndon B. Johnson e Gerald R. Ford[2].

O presidente George Bush foi também, em numerosas ocasiões, referido como Maçom. O presidente Bush prestou seu juramento do cargo sobre a Bíblia de George Washington, que pertence à “Saint John’s Lodge”, de Nova York. Pertencendo a Bíblia a uma Loja maçônica, muitos autores admitiram, precipitadamente, que ele fosse Maçom. A Bíblia foi usada a pedido da Junta Congressional da Comissão de Cerimônias Inaugurais, e foi usada, pela primeira vez, a 30 de abril de 1789, pelo Grão Mestre dos Maçons de Nova York, para o juramento de George Washington, o primeiro presidente. Outros presidentes, que prestaram seu juramento sobre essa Bíblia foram: Warren G. Harding, Dwight D. Eisenhower e Jimmy Carter. Dos três, só o primeiro foi Maçom[3].

Nota-se, assim, que a Maçonaria sempre desenvolveu um papel importantíssimo na vida pública norte-americana, começando com sua obra na Revolução, com o “Tea Party” de Boston, sendo este organizado na Loja “Saint Andrew” e com o fato de que dos 56 signatários da Declaração de Independência, 50 eram Maçons. Ainda nos dias atuais, os Maçons constituem a maioria nas casas legislativas americanas – 60% no Congresso Nacional – e grande parte da política externa e interna é tratada sob a égide das Lojas, com seus quatro milhões de membros, através de suas ligações nacionais e internacionais, como aconteceu em diversos lances de bastidores da Segunda Guerra Mundial, podendo ser citado, a título de ilustração, o relatório do Chefe de Segurança da Franca Ocupada, datado de 1941, onde o mesmo apontava a ida de um enviado especial do presidente Maçom, Franklin D. Roosevelt, ao Papa, que tinha como objetivo um acordo secreto para a formação de uma frente democrático-católica maçônica contra o nazismo.

A INDEPENDÊNCIA DOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS

Um dos maiores trabalhos políticos da maçonaria internacional foi, sem sombra de dúvidas, a emancipação das colônias centro e sul-americanas, incluindo o Brasil, tratado nesta obra, em capítulo à parte.

Avulta, nessa luta, o nome de Francisco Miranda, revolucionário venezuelano, considerado o precursor da independência hispano-americana. Nascido em 1754, em Caracas, combateu em diversas frentes de guerra, no Marrocos, nas Antilhas e na Flórida. Embora existam alguns indícios, não há qualquer comprovação documental de que Miranda tenha sido Maçom. Sua vida aventureira sempre foi muito nebulosa, havendo, inclusive, controvérsias até em torno de sua morte, como se verá.

Entre 1785 e 1789, visitou quase todos os países da Europa relacionando-se com as figuras mais ilustres da Sociedade e da inteligência europeias: era amigo da família real inglesa, frequentando os gabinetes ministeriais da Inglaterra; frequentava os clubes revolucionários de Paris, com a mesma desenvoltura com que visitava os salões de Catarina, a Grande, na época em que esta dedicava grande carinho à Maçonaria, assegurando-lhe proteção e honrarias. Além disso, mantinha estreito relacionamento com George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Payne.

Procurou, então obter auxílio de França, da Inglaterra e dos Estados Unidos da América para a emancipação das colônias espanholas da Américas. Em 1790, conseguia que William Pitt, o Moço, primeiro ministro do gabinete inglês, durante o reinado de George III, se interessasse por seus projetos.

Transferindo-se então para França, combateu ao lado dos girondinos, contribuindo para a conquista das primeiras vitórias obtidas pelas forças da Revolução; caindo, todavia, em desgraça, regressou à Inglaterra, onde começou a sua obra de emancipação, fundando a entidade denominada Grande Reunião Americana, com o apoio da Maçonaria inglesa.

A “Grande Reunião Americana” era uma entidade com finalidades totalmente políticas, destinada a promover a independência dos povos americanos subjugados pelo colonialismo espanhol; logo, ela recebeu a adesão e o solene juramento de Maçons ilustres, como San Martin, O’Higghins, Bolívar, Alvear, Montufar, Nariño e outros, todos empenhados no comum propósito de banir, sem diferenças de regionalismos, o domínio espanhol do solo americano, implantando posteriormente o regime republicano. Desta, também fizeram parte Hipólito José da Costa, patriarca da imprensa brasileira e vulto da independência do Brasil e Domingos José Martins, chefe da Revolução Pernambucana de 1817.

Da “Grande Reunião Americana” nasceu a Loja “Lautaro” da Argentina, circunscrita aos objetivos políticos traçados em Londres; essa Loja seria a precursora de outras “Lautaro” no Chile, que como a da Argentina, se transformaria no quartel general da independência; no Peru, no Equador, no México, na Venezuela, na Nicarágua e na Bolívia.

A par da atividade das Lojas “Lautaro”, a “Grande Reunião Americana”, sob o comando de Miranda, ampliava a sua esfera de ação, instalando sucursais em França e na própria Espanha, onde Cádiz e Sevilha, tornou-se o foco da insurreição, aliando-se às Lojas da Maçonaria regular da Espanha e à Carbonária espanhola.

A verdadeira revolução emancipadora começou na Argentina, durante a Assembleia de 22 de maio de 1810, na qual se decidia a sorte do vice-reinado do Prata, forçando-se a formação de uma junta governativa, ponto inicial para uma série de acontecimentos, que iriam levar à proclamação da Independência Argentina, a 9 de julho de 1816. Nessa assembleia de 1810, notavam-se três correntes ideológicas distintas: a dos que, em uma total acomodação, admitiam a possibilidade de colaboração com a Espanha, na base de uma transigência mútua; a dos que, submissamente, insistiam na sujeição, sem condições, ao regime absolutista da metrópole; e a dos que, sob a influência política da “Grande Revolução Americana”, optavam por uma imediata revolução libertadora. Aí, manifestava-se, também, a opinião da Igreja, atrelada ao tacão opressor espanhol, através das palavras do Bispo Lue – depois expulso de Buenos Aires:

“Enquanto existir em Espanha, um pedaço de terra e um governo espanhol, este deverá mandar nas Américas, sem qualquer restrição à sua autoridade soberana! Enquanto houver um espanhol vivo à superfície da terra, todos os americanos deverão obedecer-lhe, porque é a vontade de Deus!”.

Colocando, sacrilegamente, Deus sob a condição de serviçal de Espanha, presidindo à opressão dos povos americanos, apoiando os tribunais da Inquisição e a imolação dos patriotas libertários nas fogueiras do Santo Ofício, o clero das colônias americanas rendia-se à intransigência da Igreja espanhola, colocando-se frontalmente, contra a independência das possessões espanholas nas Américas.

No próprio ano de 1810, a 23 de setembro, o padre Miguel Hidalgo y Castilla, chefe do primeiro movimento mexicano contra o domínio espanhol, sofria uma sentença terrível do bispo de Michoacán, sendo depois fuzilado. Essa sentença, mostrando bem qual era o espírito da Inquisição e olvidando o amor fraternal e a tolerância, como bases do Cristianismo, possuía trechos absurdos e terríveis, como as seguintes:

“Excomungamo-lo e anatematizamo-lo desde as portas do Céus, e o entregamos para que seja atormentado, despojado e relegado ao diabo. (…) Que Deus-Pai, que o criou, o maldiga; que o Filho de Deus, que sofreu por nós, o maldiga também, e que o Espírito Santo, que se derramou em seu batismo lhe tire a luz do espírito. (…) Que seja condenado onde quer que se encontre: em casa, no campo, no bosque, na água ou, até mesmo, na Igreja. Que seja maldito na vida e na morte. Que seja maldito comendo ou bebendo, esfomeado, sedento, acordado, dormindo, sentado, parado, trabalhando ou descansando, ou mesmo se estiver sangrando. Que seja maldito em todas as suas faculdades. Que seja maldito no cabelo, no cérebro e nas vértebras. Que seja maldito nos olhos, nas axilas, na mandíbula, no nariz, nos dentes, nas costas, nos ombros, nas mãos e nos dedos. Que seja condenado na boca, no peito, no coração, nas entranhas e no estômago. Que seja maldito nos rins, no fígado, nos músculos, nos órgãos genitais, nas cadeiras, nas pernas, nos pés e nas unhas. Que seja maldito nas juntas e articulações de seus membros e desde a coroa da cabeça até a ponta dos pés, de forma a não ficar um ponto livre de maldição. Que o Filho de Deus vivente, com toda a sua majestade, o maldiga e que os céus, com todos os seus poderes, façam descer sobre ele a escuridão eterna, a menos que se arrependa e penitencie! Amém!”.

A luta pela independência dos países latino-americanos, assim acabou, sendo travada, não só contra a metrópole, mas, também contra o Clero que se aliara ao absolutismo espanhol, criando entraves à emancipação.

Quando, em 1812, com o apoio de Francisco Miranda e da “Grande Reunião Americana”, San Martin fundou a primeira Loja “Lautaro”, em Buenos Aires, o movimento emancipador adquiriu, então, grande força, pois ela foi grande centro propulsor, não só da independência da Argentina, mas também, de outras colônias americanas, pois San Martin, depois da libertação de seu país, foi para o Chile, onde fundou outra Loja “Lautaro” e, juntamente com O’Higghins, libertou esse país, indo depois, à frente das forças chileno-argentinas, por decisão adotada na “Lautaro” de Santiago, libertar o Peru, onde o proclamaram “Protetor”.

Da mesma maneira, o venezuelano Simon Bolívar foi o chefe das revoluções que libertaram a Venezuela, a Colômbia, o Equador, o Panamá, a Bolívia e parte do Peru, recebendo o título de “O Libertador”. Os habitantes da Venezuela, emancipada em 1811, deram-lhe o título de “Pai da Pátria e Terror do Despotismo”, porque o primeiro decreto que ele assinava ao ocupar uma cidade era o de libertação de todos os escravos. Simon Bolívar foi iniciado Maçom em Paris, através da Loja “Saint Jean D’ Écosse”; a ata da sessão de sua iniciação encontra-se em poder da Maçonaria venezuelana e seu caráter de autenticidade foi atestado pela paleógrafa Dolores de Sortilho, da Academia de História de Caracas, em 1956.

Essas foram, em rápida síntese, as atuações políticas da Maçonaria nas lutas pela independência dos povos latino-americanos, baseadas nas atividades políticas secretas das Lojas “Lautaro”, cujo nome corresponde ao de um guerreiro araucano, morto heroicamente durante a conquista espanhola do sul do Chile, defendendo a terra de seus antepassados.

Bartolomeu Mitre, em “História de san Martin y de la Emancipación Sud-Americana”, diz que o objetivo declarado da Loja “Lautaro” era trabalhar sistematicamente pela independência da América e pela felicidade, lutando com honra e procedendo com justiça, devendo seus membros, serem americanos que se distinguissem pela liberdade de suas ideias e pelo fervor de seu zelo patriótico.

Ainda segundo Mitre, a constituição da Loja previa que, quando algum dos Irmãos fosse eleito para o supremo governo do Estado, não poderia tomar resoluções importantes sem consultar a Loja; sujeitando-se a essa regra, o governo desempenhado por um Irmão não poderia nomear, por si, enviados diplomáticos, generais em chefe, governadores de província, juízes superiores, altos funcionários eclesiásticos e chefes de corpos militares. Era lei, também da Loja, a obrigatoriedade do auxílio mútuo em todos os conflitos da vida civil, a sustentação, com risco de vida, das determinações da Loja e a obrigação de dar-lhe conta de todos os acontecimentos que pudessem influir na opinião e na segurança pública; obviamente, a revelação do segredo da existência e das finalidades da Loja, por meio de palavras, ou de sinais, era punida com severas sanções, único meio de acobertar as suas atividades políticas, pela independência dos olhos vigilantes da metrópole espanhola e de seus títeres em terras americanas.

Todas as Lojas “Lautaro”, assim como a Loja “Cavaleiros da Razão”, sucursal da “Grande Reunião Americana” em Cádiz, resumiam a sua doutrina política e a sua maneira de ação em cinco graus, assim discriminados:

1º Grau: Ao ser iniciado, o candidato jurava, sobre o Esquadro e o Compasso, símbolos principais da Maçonaria que dedicaria todos os seus esforços à causa da Independência americana, pondo a serviço dela, sua vida e seus bens.

2º Grau: O iniciado tinha que mostrar os serviços realizados como Aprendiz e reafirmando a sua fé nos destinos democráticos da América, devia jurar que só reconheceria, como governo legítimo, aquele que fosse eleito pela livre e espontânea vontade do Povo, obrigando-se, também a trabalhar pela implantação do regime republicano, sob a inspiração da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade, fontes da soberania popular e da solidariedade entre os povos da América, como ponto inicial para o aperfeiçoamento das relações fraternais entre todos os povos do mundo.

3º Grau: O candidato, aspirante à plenitude dos direitos do Mestre, devia reconhecer que a cada um desses direitos correspondia um indeclinável dever e, também, que para ele a pátria americana sobrelevava o valor de sua própria vida. Assumia, ainda o compromisso de propagar, entre o povo, a necessidade de uma insurreição geral, declarando-se disposto a todos os sacrifícios pelo bem da Pátria e da Humanidade.

4º Grau: O postulante que, nos três graus anteriores, tivesse dado provas de sua total dedicação à causa, subia, então, à verdadeira essência da atividade e do poder político da Ordem, onde ele teria, diante do magno ideal de independência, de converter os funcionários do governo à causa da revolução, subvertendo, ao mesmo tempo, a máquina administrativa colonialista, empurrando-lhe as engrenagens e dificultando-lhe a ação normal e regular. É claro que, a esse grau, só chegavam os membros de maior valor, pois na atividade inerente a esse estágio, qualquer passo em falso colocaria em risco toda a rede conspiratória das Lojas, comandadas pela “Grande Reunião Americana”.

5º Grau: Sendo o grau administrativo e máximo da Instituição, a ele só ascendiam os grandes chefes militares e civis, a quem cabia a preparação militar, a escolha dos valores mentais para as funções de governo e a seleção dos agentes diplomáticos, incumbidos da preparação psicológica e da captação das simpatias das nações estrangeiras com o fim de conseguir delas o apoio moral e material do movimento. Possuíram esse grau os grandes nomes das revoluções emancipadoras americanas: Bolívar, San Martin, Francisco Miranda, Sucre, O’Higghins, Marti, Rivadavia, Belgrano, Irgoyen, Pueyredón e o padre mexicano Miguel Hidalgo, mártir da independência do México e vítima da descabida sentença do bispo Michoacán.

A simples menção da estrutura doutrinária desses graus demonstra uma profunda e secreta atividade política, baseada em uma rede conspiratória de caráter internacional, abrangendo a Inglaterra, França, Espanha, onde Cádiz era um celeiro de conspirações, através da secretíssima “Cavaleiros da Razão”, onde San Martin foi iniciado, a Rússia de Catarina II, protetora e incentivadora de Miranda, os Estados Unidos da América, com Washington, Franklin, e os países latino-americanos. Essa luta só foi possível graças ao caráter internacional da Maçonaria, com os seus membros sendo recebidos como Irmãos em todos os países e graças ao segredo dos Templos maçônicos.

Como toda revolução, essa também possuiu os seus mártires; o cura Miguel Hidalgo foi um, e Francisco Miranda, o precursor da independência hispano-americana, o fundador da Grande Reunião Americana, em 1797, e o patrocinador da declaração de independência da Venezuela, a 5 de julho de 1811, foi o outro. Durante as utas pela consolidação da emancipação venezuelana, Miranda foi preso em La Guairá, enviado a Porto Rico e depois à Espanha, em 1812; encerrado em San Fernando, sofreu longos padecimentos nas mãos de seus inimigos, falecendo, quatro anos depois, no hospital do arsenal local. Os frades do presídio não permitiram que fossem feitas as suas exéquias e nem que os seus muitos amigos estivessem presentes ao seu sepultamento, mandando queimar, também todos os seus pertences, num auto-de-fé, muito a gosto da Inquisição espanhola. Existem, todavia, controvérsias em torno desta afirmação, pois alguns autores negam que ele tenha morrido na prisão e que não tenham sido feitas suas exéquias.

Por ter Abraham Lincoln, décimo sexto presidente dos Estados Unidos, feito referência elogiosa, em certa ocasião, à Maçonaria, alguns autores, afoitamente, o “iniciaram”. Não existe, na realidade, nada que comprove que Lincoln foi Maçom e nenhuma das Grandes Lojas norte-americanas confirma tal afirmação. (N. A.).

Conforme dados fornecidos pela Grand Lodge of British Columbia and Yukon A. F. & A. M. (N. A.).

A MAÇONARIA NA POLÍTICA BRASILEIRA

OS PRIMÓRDIOS DA MAÇONARIA NO BRASIL

Especula-se, há muito tempo, sobre qual teria sido a primeira Loja maçônica do Brasil. Baseados nos escritos de Borges de Barros, que foi diretor do Arquivo Histórico da Bahia, acreditava-se que havia sido criada a Loja “Cavaleiros da Luz”, na povoação da Barra, em Salvador, no estado da Bahia, e que as suas primeiras reuniões, anteriores à fundação, teriam sido feitas a bordo da fragata “La Preneuse”, que, no início de 1797, ancorara na Bahia, sob o comando de monsieur Larcher ; teriam, então existido encontros e entendimentos entre os homens mais esclarecidos da terra, como Cypriano Barata, José da Silva Lisboa, Francisco Muniz Barreto, padre Francisco Agostinho Gomes, Ignácio Bulcão, José Borges de Barros, Domingos da Silva Lisboa e tenente Hermógenes de Aguiar Pantoja, que, a 14 de julho de 1797, teriam fundado a Loja.

Estudos recentes – de uns 20 anos para cá, já publicados em jornais maçônicos da Bahia – mostram que a fragata “La Preneuse” não esteve ancorada na Bahia, naquela época. Isso, todavia, não invalida a hipótese de ela ter existido, embora não existam documentos comprobatórios.

A Loja documentada como a mais antiga do Brasil, mesmo, é a “Reunião”, do Rio de Janeiro, fundada em 1801. De acordo com o manifesto de 1832, do Grão Mestre José Bonifácio de Andrada e Silva, referente à reinstalação do Grande Oriente do Brasil, essa Loja era filiada ao Oriente de Ille de France, representada pelo cavalheiro Laurent, que presidira à sua instalação. Dois anos depois, segundo o mesmo manifesto, o Grande Oriente Lusitano, desejando propagar, no Brasil, a verdadeira doutrina maçônica, nomeou, para esse fim, três delegados, com plenos poderes para criar lojas regulares no Rio de Janeiro, filiadas àquele Grande Oriente. Foram criadas, então, as Lojas “Constância” e “Filantropia”, as quais, junto com a “Reunião”, serviriam de centro comum para todos os Maçons existentes no Rio de Janeiro.

Essas foram as primeiras Lojas oficiais do Brasil, pois, antes delas, existiam agrupamentos secretos, fundados mais como clubes, ou academias, mas que não eram Lojas. É o caso, por exemplo, do Areópago de Itambé, fundado por Arruda Câmara, ex-frade carmelita e diplomado pela Universidade de Montpellier, na França, em 1796, na divisa das províncias de Pernambuco e Paraíba. O Areópago, embora muitos considerem como o marco inicial da maçonaria brasileira, não era uma verdadeira loja, tanto que o padre João Ribeiro, que pertencera a ele, teve de ser iniciado Maçom em Lisboa, o que faz crer que não existiam Lojas no Brasil, evidentemente.

O barão do Rio Branco, Maçom iniciado em 1872 e acatado historiador, fala de uma loja anterior à “Reunião”, ao abordar a efeméride de 29 de julho de 1800:

“Uma divisão naval francesa, comandada pelo capitão Landolphe, tendo cruzado alguns dias perto da barra do Rio de Janeiro, fez algumas presas e seguiu nesta data para o Norte. Na altura de Porto Seguro, encontrou-se com a esquadra do comodoro inglês Rowley Bulteel e, no combate, renderam-se duas fragatas francesas. Os prisioneiros foram entregues no Rio de Janeiro ao vice-rei, conde de Resende. Refere o comandante Landolphe que foi bem tratado porque era pedreiro-livre. Um dos filhos do vice-rei levou-o a uma festa maçônica. Introduzido no recinto do Templo (diz ele em suas Memórias), ouvi com muito prazer o discurso do Venerável. Mas o que me encheu de admiração foi ver, nesse lugar, entre os primeiros chefes militares e administradores da colônia, personagens revestidos das primeiras dignidades da Igreja”.

Nessa descrição não consta o título da Loja, o que leva a crer que se tratava de uma antecessora da “Reunião”, que teria recebido o título de “União”, mas sobre a qual não há qualquer documentação que prove a sua existência.

Após a fundação das três primeiras Lojas “oficiais”, espalharam-se, nos primeiros anos do século XIX, lojas nas províncias da Bahia, de Pernambuco e do Rio de Janeiro, livres, ou sob a égide do Grande Oriente Lusitano e do da França.

A importante – para a História da Maçonaria no Brasil – Loja “Comércio e Artes”, criada em 1815, na rua Pedreira da Glória, na casa de João José Vahia, no Rio de Janeiro, conserva-se, desde a sua instalação, independente, porque os seus membros pretendiam criar uma Obediência maçônica brasileira.

Após o fracasso da Revolução Pernambucana de 1817 e a expedição do alvará de 30 de março de 1818, que proibia o funcionamento das Sociedades secretas, as Lojas resolveram cessar os seus trabalhos, reunindo-se, porém, secretamente, no Clube da Resistência, fundado por José Joaquim da Rocha, em sua casa, na rua da Ajuda, no Rio de Janeiro.

Em 1821, afrouxadas as exigências do alvará de 1818, alguns acontecimentos fariam com que os Maçons voltassem à atividade. O primeiro deles foi a sedição das tropas que impunham ao rei D. João VI o juramento à Constituição portuguesa, a 26 de fevereiro, o que provocou o início de intensa conspiração de brasileiros, visando a independência do Brasil. Os acontecimentos seguintes foram os ocorridos em 20 e 21 de abril, quando houve a sedição dos eleitores, exigindo a permanência do rei no país, o que provocou a pronta reação das tropas portuguesas, as quais garantiram o embarque da família real. A Loja “Comércio e Artes”, então, seria reerguida, a 24 de junho de 1821, instalando-se na casa do comandante Domingos de Athaide Moncorvo, na rua de São Joaquim.

E tão grande foi o número de adesões, nos meses seguintes, que logo se pensou em criar uma Obediência nacional, que tivesse como meta inicial e principal a independência do Brasil. Isso aconteceria a 17 de junho de 1822, com a criação do Grande Oriente Brasílico, ou Brasiliano, pela tripartição da Loja “Comércio e Artes” em “União e Tranquilidade”, “Esperança de Niterói” e a própria “Comércio e Artes”.

CONJURAÇÃO MINEIRA – A PARTICIPAÇÃO QUE NÃO HOUVE.

Muito se especula sobre uma eventual participação maçônica na Conjuração Mineira de 1789. Alguns autores, sem qualquer lastro de documentação histórica, chegam a confirmar essa participação, citando a iniciação maçônica, na Europa, de estudantes brasileiros, que, posteriormente, viriam a ser próceres do movimento surgido em Minas Gerais. Não existe, porém, nenhum documento e nenhum indício que indique a veracidade da afirmação.

O INÍCIO, NA EUROPA.

O desenrolar da ação teria se iniciado com estudantes brasileiros que estudavam nas universidades europeias – de Coimbra e de Montpellier – destacando-se, entre eles, José Joaquim da Maia, José Álvares Maciel e Domingos Vidal Barbosa, os quais são tidos, por alguns autores, como Maçons, embora, sem qualquer base documental. Maia, com o pseudônimo Vendek, entusiasmado com a independência dos Estados Unidos, manteve contatos epistolares com Thomas Jefferson, que era ministro americano em França, sondando sobre eventual auxílio a um movimento autonomista no Brasil. Maia morreu sem voltar ao país e caberia a Maciel reunir homens interessados na conjura.

Iniciados os entendimentos da revolta, em 1788, três grupos podiam ser notados entre os conjurados:

1º o grupo dos ativistas: Maciel, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, Ignácio José de Alvarenga Peixoto, o padre José da Silva e Oliveira Rolim, o padre Carlos Correa de Toledo e Mello e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes;

2º o grupo dos ideólogos: Thomaz Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e o cônego Luís Vieira da Silva;

3º o grupo dos aproveitadores, que eram os contratantes: Domingos de Abreu Vieira, José Aires Gomes, João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis.

Além desses, existiam as figuras menores, que não se enquadravam em nenhum grupo: Domingos Vidal Barbosa, Luís Vaz de Toledo Piza, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, os José Resende Costa, pai e filho, Salvador Carvalho do Amaral Gurgel e Vicente Vieira da Motta.

Segundo a História oficial – nem sempre fidedigna – a revolta foi causada pelo descontentamento gerado pelo abuso com que o reino de Portugal explorava as minas da capitania. A verdade histórica, todavia, é outra, pois a História vive de fatos e não de arroubos de autores tendenciosos; e o historiador deve ser inflexivelmente imparcial e honesto. Em nome dessa imparcialidade e dessa honestidade, não se pode negar que o movimento dos inconfidentes foi movido também por interesses pessoais de seus principais integrantes, afogados em dívidas, que, se vitoriosa fosse a rebelião, não precisariam ser pagas. Dessa relação exclui-se o precursor, José Joaquim da Maia, cujas ideias eram apenas libertárias e que morreu em 1788, sem ter podido retornar ao Brasil.

CONJURADOS ENDIVIDADOS

Todos os homens que se reuniram na casa do tenente-coronel Freire de Andrade, em dezembro de 1788, tinham interesses pessoais em jogo:

O pai de Maciel, capitão-mor de Vila Rica, tornara-se grande devedor da Fazenda Real, pois tinha sido o caixa dos contratos de entradas arrematados, entre 1751 e 1761, por José Ferreira da Veiga, respondendo, pelas grandes dívidas atrasadas, com os seus bens móveis e imóveis. Com as ordens do ministro Martinho de Mello e Castro, referentes aos contratos arrematados e à sua cobrança, Maciel, que era completamente dependente do pai, corria o risco de perder todo o seu patrimônio.

Freire de Andrade, que era filho ilegítimo do conde de Bobadela e casado com Isabel de Oliveira Maciel, irmã de Álvares Maciel, e também seria afetado bastante se o sogro perdesse os seus bens. Além disso, os Dragões, que ele comandava, foram acusados, por Martinho de Mello e Castro, de serem parcialmente responsáveis pelo estado calamitoso em que se encontrava a Fazenda, em Minas, graças às suas extorsões e assaltos armados.

Alvarenga Peixoto estava profundamente endividado e era bastante crítica a sua situação, em 1788, com o fracasso das onerosas instalações hidráulicas de suas lavras auríferas. Tomara empréstimos, que não poderia pagar nunca e acabara chegando à situação de desespero, ocasião em que se uniu aos conjurados.

O padre Rolim, filho do principal tesoureiro de diamantes, era conhecido fraudador, envolvido no escândalo do contrabando de diamantes, que era feito com a conivência dos Dragões de Minas, comandados por Freire de Andrade, e, provavelmente, também com a da magistratura. Apesar de ser traficante de escravos e de diamantes, tinha grande prestígio no Distrito Diamantino, onde praticava a agiotagem. Tendo sido banido da Capitania, por suas atividades ilícitas, solicitou a revogação de sua expulsão e não foi atendido, o que o levou a se unir aos revoltosos.

O padre Toledo era um grande latifundiário, com muitos escravos trabalhando em suas lavouras e na mineração. Constava do relatório de Martinho de Castro como um dos típicos vigários de paróquia, os quais, a pretexto de direitos paroquiais, oprimiam e extorquiam o povo. Não estava endividado, graças à “contribuição” dos fiéis, mas as providências da Coroa eram lesivas aos seus não muito legítimos interesses financeiros.

O Tiradentes foi um caso à parte, diferente dos seus companheiros, que eram todos abonados, embora, em sua maioria, ilegalmente. Ele não tinha posses e, embora possuísse uma cultura acima da média, tinha uma atividade profissional considerada secundária. Tendo perdido suas propriedades por dívidas e depois de tentar, sem sucesso, o comércio varejista, ingressou nos Dragões, como alferes, o posto mais baixo, em 1755, não tendo progredido em posto e nem em soldo, até à época da conjura, tendo sido, várias vezes, preterido nas promoções da carreira. Isso fez com que ele se tornasse um revoltado, queixando-se, sempre, de que só eram promovidos os que tinham parentes influentes no meio político financeiro (o que era uma realidade). Na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional, constam diversos recibos de pagamentos de soldo, firmados pelo Tiradentes, mostrando que ele ganhava 24$000 mensais (os recibos, trimestrais, eram de 72$000), enquanto um coronel, que era a mais alta graduação da tropa, recebia 80$000 (oitenta mil réis) mensais. O alferes aspirava conseguir o prestígio e a riqueza de que desfrutavam seus companheiros e já tentara se associar aos ricos contratantes-mercadores imigrantes, tendo relacionamento com muitos deles, como o notório Domingos de Abreu Vieira, e recebendo pagamentos de Rodrigues de Macedo e de Silvério dos Reis, a quem tinha como um amigo pessoal. Mas havia uma diferença marcante entre ele e seus companheiros de conjura: ele era um real entusiasta que expunha suas ideias com fervor e que ia articulando os planos para o movimento.

Por trás dos ativistas, existiam homens respeitáveis, como o ex-ouvidor Thomaz Antônio Gonzaga, o poeta hipocondríaco Cláudio Manoel da Costa e o humanista e historiador cônego Luís Vieira da Silva. A missão desses homens era a de elaborar as leis e organizar a constituição do Estado independente, tentando armar uma justificativa ideológica para a ruptura dos vínculos com a metrópole portuguesa. Não possuíam o interesse que motivava os ativistas: eles eram os ideólogos. E muitos autores consideram Gonzaga o real chefe do movimento.

Já no terceiro grupo surgiam, novamente, os interesses financeiros, da parte de homens que ficavam na sombra, pouco arriscando, no caso de um fracasso do movimento, mas que teriam muito a lucrar no caso de sucesso. Nesse grupo estavam os grandes contratantes. Esse era o grupo que maior influência exercia no levante, apesar de atuar, geralmente, apenas na retaguarda. Eram os magnatas aproveitando-se de uma situação, para alcançar os seus objetivos pessoais, sob a capa de um levante popular.

Pouco, portanto, havia de desprendimento e de objetivos altruísticos e libertários.

Em maio de 1798, sem que se tornasse uma realidade, o movimento terminava, com a prisão dos inconfidentes. Instaurado o processo, ou seja, a Devassa, esta, com milhares de páginas, jamais qualifica os conjurados como Maçons – e ser Maçom, na época era crime, perante a Coroa portuguesa – quando os inquiridores procuravam qualquer coisa que pudesse incriminar os envolvidos. O único indício aí evidente é em relação a Maciel e foi firmado pelo padre que o recebeu em confissão, dizendo:

“Esse inconfidente era de rara instrução, bacharel em ciências naturárias, viajou pela Europa, visitou fábricas e oficinas, aprendeu muitos segredos e os poria em execução, se essa abrasadora chama de liberdade que se prendeu em seu coração ao passar pela fornalha da Franco Maçonaria não lhe devorasse as entranhas”.

É o único indício e apenas em relação a Maciel, mas a nenhum dos outros inconfidentes. E nem é conclusivo, já que foi baseado em depoimento e não em fato documentado.

As especulações, todavia, são muito maiores em relação ao Tiradentes, que muitos autores querem, de qualquer maneira, que tenha sido Maçom. Maçom ou não, a aura que lhe fora colocada, de herói da pátria continua a mesma.

Lúcio José dos Santos comentando as afirmações, sem qualquer prova documental, de Joaquim Felício dos Santos – segundo as quais o Tiradentes seria Maçom e que, quando removido da Bahia, teria introduzido a Maçonaria na comarca do Serro[1] – diz o seguinte:

“Quer nos parecer que há bastante exagero no que acima vem afirmado. Que os patriotas brasileiros na Europa se tivessem feito iniciar nas Lojas maçônicas e que, portanto, alguns conjurados fossem Maçons, é perfeitamente possível. (…) Mas, em todo o processo da Inconfidência, nenhum vestígio se encontra de ação propriamente maçônica. Entretanto, a devassa desceu a todas as minúcias. Nada se respeitou. Se a Maçonaria já tivesse bastante prestígio para ser a inspiradora desse levante, teria força para lhe proteger as vítimas. Ora, pessoas houve que, evidentemente, foram protegidas no processo, mas não são aquelas sobre as quais podia cair a suspeita de Maçons.”[2].

LUIZ WANDERLEI TORRES, que, durante 14 anos, realizou as mais difíceis pesquisa, em Minas Gerais, na Biblioteca Nacional e em todos os arquivos históricos do país e de Portugal, onde pudesse encontrar documentos, datas e fatos, corrobora as afirmações de Lúcio José dos Santos:

“Diz Joaquim Felício que Tiradentes esteve na Bahia e que de lá trouxe as ideias maçônicas, introduzindo-as na Capitania, pelo Tijuco. Em muitos anos de pesquisa sobre a vida do alferes, não encontramos o mais leve indício desse fato (…). Se isso ocorresse, as Devassas teriam revelado. Não ficaria pedra sobre pedra, pois, no final do Século, eram as ideias maçônicas terríveis ameaças à coroa portuguesa e aos tronos em geral. Por ocasião das prisões dos implicados na Inconfidência, fervilhou a capitania, súbita e subterraneamente, em delações, denúncias, cartas escritas às pressas altas horas da noite, ao visconde de Barbacena ou ao vice-rei. Amigos, parentes, inimigos, irmãos denunciaram. (…) O prazo para a delação era de 30 dias, sob pena de ser também envolvido e considerado comparsa o que nesse prazo não viesse contar o que tinha sabido ou ouvido. (…) Nesse sentido, foram delatores na conjuração mineira: Joaquim Silvério dos Reis, Basílio de Brito Malheiro do Lago, Inácio Correia Pamplona e até os inconfidentes Francisco de Paula Freire de Andrade, Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Domingos de Abreu Vieira, este último compadre do Alferes, mas que não trepidou em denunciá-lo, nos termos os mais comprometedores. Em todas as denúncias, nem de leve transpira qualquer referência à Maçonaria ou a outra qualquer força secreta que orientasse os inconfidentes.”[3]

OLIVEIRA MARQUES – Maçom e insigne medievalista de renome internacional – em sua alentada “História da Maçonaria em Portugal”, apresenta, no apêndice, um fichário com 1149 Maçons portugueses e brasileiros que militaram na Maçonaria portuguesa, nesse período, com dados biográficos civis e maçônicos, além dos documentos primários a eles referentes. No que se refere à Inconfidência Mineira, não consta nenhum inconfidente, nem mesmo Maia, Maciel e Vida Barbosa[4] .

RICARDO MÁRIO GONÇALVES, ex-professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo, situa como é a pesquisa da História da Maçonaria no Brasil:

“Já afirmamos, em muitas oportunidades, que os estudos brasileiros sobre maçonaria se caracterizam por uma grave defasagem entre os resultados da pesquisa acadêmica oficial e os apresentados pelos estudiosos pertencentes ao meio maçônico. Aos primeiros, não obstante sua competência profissional, geralmente faltam informações confiáveis sobre Maçonaria e acesso à documentação maçônica. Aos últimos falta a formação profissional como historiadores e, consequentemente, o espírito crítico que permite distinguir o documento autêntico das falsificações espúrias e a familiaridade com as novas tendências historiográficas no campo das ciências humanas. Daí uma série de afirmações infundadas que os escritores maçônicos tendem a perpetuar, repetindo-se uns aos outros e às vezes, o que é ainda pior, fundamentando-se em delírios de escritores antimaçônicos, como o filonazista e antissemita Gustavo Barroso”[5].

A realidade é que, por ocasião da conjura, não existiam Lojas maçônicas no Brasil, o que só iria acontecer no final do século XVIII (a primeira Loja comprovada documentalmente, porém, é a “Reunião”, de 1801). Alguns autores afirmam que, já na metade do século XVIII, foram fundadas Lojas na Bahia e em Minas Gerais, mas sem apresentar qualquer documentação – porque ela não existe – para embasar tal afirmação. E a História vive de fatos, baseados em documentação e não das elucubrações fantasiosas de escritores que, sem formação histórica, torcem a realidade ao seu bel prazer.

HIPÓLITO DA COSTA – MAÇOM DE TRÊS CONTINENTES.

Hipólito da Costa, além de ter tido atuação na política brasileira – na campanha pela independência e pelas reformas de base no país – na portuguesa, na inglesa e na norte-americana, teve, também, um papel decisivo nos primórdios da Maçonaria portuguesa.

Embora a Maçonaria, em Portugal tenha se iniciado, provavelmente, em 1735, quando algumas Lojas teriam sido instaladas pela Grande Loja de Londres – fundada a 24 de junho de 1717 – ela só teve, realmente, a sua concretização nos últimos anos do Século XVIII e nos primeiros do Século XIX, quando foi criada a primeira Obediência nacional.

Para essa relativa estagnação, durante tanto tempo, muito concorreu o trabalho da inquisição portuguesa, que conseguiu persuadir o rei D. João V de que os Maçons eram, além de hereges, inimigos do Estado. Graças a isso, o movimento maçônico foi, praticamente exterminado, só renascendo a partir de 1762, durante o reinado de José I, que tinha, como ministro, o marquês de Pombal. Novo golpe, todavia, seria dado sobre ele, no último quartel do Século XVIII, com a ascensão, ao trono português, de D. Maria I que, manobrada pelos frades da inquisição, permitiu uma verdadeira “caça às bruxas”, que redundou na prisão e no degredo de muitos Maçons, entre os quais Felix José d’Avellar Brotero – que veio para o Brasil – cujo filho, Frederico D’Abney de Avellar Brotero (o Conselheiro Brotero) foi Maçom da Loja “Amizade” – fundada a 13 de maio de 1832, em São Paulo – iniciado nos primeiros anos de atividade da Loja. Toda esta perseguição aos Maçons, contava com a decisiva participação do intendente geral da polícia, Diogo Ignácio de Pina Manique, tristemente célebre.

Em 1797, numa reunião maçônica realizada na fragata Phoenix , da qual participaram Maçons portugueses e ingleses, nasceu a importante Loja “Regeneração”, que, posteriormente daria origem a outras cinco Lojas, das quais a mais proeminente foi a “Fortaleza”, que chegou a ter um quadro com 140 membros, entre os quais se contavam figuras ilustres da Sociedade portuguesa.

Seria, exatamente, a partir daí que a Maçonaria portuguesa, realmente, iria tomar força e vigor, apesar dos esforços contrários de Pina Manique, junto a D. Maria I e, depois, junto ao príncipe D. João, que se tornara regente, em 1801, devido à enfermidade mental de sua mãe, D. Maria I (que, por isso, passou a ser chamada de D. Maria, a Louca). Pina Manique, inclusive, cunhou frases que iriam, quando disseminadas entre o povo, dar uma falsa imagem dos Maçons, inclusive no Brasil; como, por exemplo, num trecho de carta a D. João, onde dizia que os Maçons eram inimigos declarados de toda e qualquer religião, mas principalmente da cristã, à qual votavam ódio irreconciliável; e que, em todos os ajuntamentos maçônicos, era escarnecida, maltratada, cuspida e arrastada uma imagem de Jesus Cristo crucificado (sic). Apesar de absurda tal imputação, em pleno Século XX ela ainda povoa a mente de pessoas menos esclarecidas.

Tão grande era o ódio de Pina Manique aos Maçons, que ele chegou a dizer: “ardo em sede e essa sede só pode ser mitigada em rios de sangue dos pedreiros livres”. Apesar disso tudo, porém, as Lojas continuavam com os seus trabalhos, embora em muito segredo e com muita cautela e sempre em locais diferentes, para despistar a polícia. Foi nessa época e nessa situação que se iniciou a atividade de Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça na Maçonaria portuguesa.

Hipólito José da Costa (1774-1823) foi o mais autêntico dos intelectuais brasileiros da chamada “época das luzes”, além de grande vulto da campanha da independência do Brasil. Diplomado em Coimbra, com apenas 24 anos de idade, em 1798, foi, nesse mesmo ano, encarregado de importante missão nos Estados Unidos da América, para estudar questões econômicas relacionadas ao desenvolvimento material do Brasil. Durante essa missão, foi iniciado Maçom, através da Loja “Washington No. 59”, na Filadélfia, Estado da Pensilvânia, a 12 de março de 1799. Em 1801, foi nomeado para a Imprensa Real e encontramo-lo em Lisboa, como prior dos Anjos, a casa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho que, então, era ministro da Fazenda e presidente do erário.

Aí é Hipólito procurado pelo Irmão padre José Joaquim Monteiro de Carvalho e Oliveira, presidente da Loja “Concórdia”, o qual procurava a sua ajuda e a de D. Rodrigo contra os desmandos de Pina Manique.

Dos contatos com os principais próceres da Maçonaria portuguesa e sendo um homem acatado, pela sua posição e sua cultura, é que Hipólito partiu para Londres, em abril de 1802, com a finalidade de negociar, com a Grande Loja inglesa, o reconhecimento de uma Grande Loja em Portugal, colocando em prática a ideia de regularizar a situação anômala das Lojas portuguesas, surgida em uma dieta (assembleia) geral, em 1801.

Sabe-se que os contatos de Hipólito lograram êxito, sendo, o fato, confirmado por William Preston, que foi contemporâneo dos acontecimentos, em sua obra, editada em 1812, “Illustrations of Masonry”, E tais contatos foram feitos, certamente com a autodenominada Grande Loja dos “Antigos”, criada em 1753, para combater as inovações introduzidas pela Primeira Grande Loja – The Premier Grand Lodge – fundada em 1717, que os “Antigos” chamavam de Grande Loja dos “Modernos” (só em 1813 haveria a fusão das duas Grandes Lojas, da qual emergiria a Grande Loja Unida da Inglaterra).

Regularizada a situação das Lojas, foi possível instalar, no final de 1804 – e não no verão, como afirmam Graça e J. S. da Silva Dias, em “Os Primórdios da Maçonaria em Portugal” – Lisboa, 1986 – a primeira Grande Loja regular em Portugal, da qual foi Grão Mestre Sebastião José de Sampaio e Grande Orador José Liberato Freire de Carvalho, que foi quem transmitiu os fatos então ocorridos, inclusive a época da instalação. Também faziam parte da Grande Loja, entre outros, o general Gomes Freire de Andrade e Rodrigo Pinto Guedes, então ajudante de ordens do marquês de Niza e que, como almirante, iria morrer no Brasil.

Hipólito da Costa, todavia, estava preso, pois fora detido no final de junho de 1802, ao regressar a Lisboa, pelo corregedor de crime da Corte, José Anastácio Lopes Cardoso, o qual tinha instruções de Pina Manique, no sentido de procurar insígnias ou papéis, que comprometessem o brasileiro. Colocado, em segredo, na cadeia do Limoeiro, nela permaneceu seis meses, sendo, depois transferido para os cárceres da Inquisição, de onde seria arrancado, depois de três anos, pela Maçonaria, com a compra de guardas e a intervenção dos Irmãos José Liberato e Ferrão.

Ao sair da prisão, Hipólito refugiou-se na casa do Irmão Barradas e no convento de São Vicente de Fora, sendo, depois, entregue aos cuidados dos Irmãos Rodrigo Pinto Guedes e José Aleixo Falcão. Somente depois de um ano, em 1805, é que conseguiria escapar para o Alem-tejo, como criado do Irmão desembargador Fillipe Ferreira; daí alcançou a Espanha, dirigindo-se, depois à Inglaterra onde se radicou, passando a viver como professor e tradutor.

Em março de 1808, em Londres, ingressou na Loja “Antiquity” e seria um dos fundadores da Loja “Royal Invernes”, em 1814. Também foi Secretário de Assuntos do Exterior do Freemason’s Hall – a sede da Grande Loja Inglesa – e Grão Mestre da província de Ruthland, tendo estreitado relações com o general Francisco Miranda – líder da emancipação da América espanhola – e com o conde de Sussex, filho de George III, o mais importante dos Maçons, seu padrinho de casamento e cuja amizade lhe foi muito útil, quando o governo do Rio de Janeiro pretendeu expulsá-lo da Inglaterra. Através de Hipólito, em 1812, seria iniciado na Maçonaria o brasileiro Domingos José Martins, que viria a ser o chefe da Revolução Pernambucana de 1817.

Sua mais importante obra, todavia, foi a criação, em 1808, do Correio Brasiliense, ou Armazém Literário, cuja publicação só seria interrompida em 1823. Este jornal não foi apenas o primeiro órgão da imprensa brasileira, ainda que publicado no Exterior, mas, principalmente, o mais completo veículo de informação e análise da situação política e social de Portugal e do Brasil, naquela época, com a preconização de uma verdadeira reforma de base para o nosso país. Bateu-se pela necessidade da construção de uma rede de estradas, pela utilização de matérias primas na fabricação de manufaturas – proporcionando formação e expansão do mercado interno – pela abolição da escravatura, pela transferência da Capital do país para o interior e pela adoção de uma política imigratória que aproveitasse, de preferência, artesãos e técnicos, ao invés da mão de obra não qualificada.

Graças a isso, passou à História como “O Patriarca da Imprensa Brasileira” e habita a memória nacional como um de suas mais luzentes figuras.

A REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA DE 1817

Movimento revolucionário de tendência fortemente nacionalista no sentido de implantar a república em Pernambuco, a Revolução Pernambucana de 1817 foi realizada sob a inspiração do líder maçônico Domingos José Martins.

Nascido em Itapemirim, no Espírito Santo, em 1781, Domingos José Martins estabeleceu-se em Recife, com uma firma importadora e exportadora denominada Barroso, Martins, Dourado & Carvalho. Viajando, constantemente, a negócios, para a Inglaterra, entrou em contato com o meio maçônico local, sendo iniciado na Maçonaria, levado pelas mãos de Hipólito José da Costa, o “Patriarca da Imprensa Brasileira”.

Participando da fornalha insurrecional ateada na “Grande Reunião Americana”, em benefício da independência das colônias hispano-americanas e em contato com as ideias de Hipólito da Costa que fazia do seu “Correio Braziliense”, não apenas o primeiro órgão da imprensa brasileira, mas principalmente o mais completo veículo de informação e análise da situação política e social de Portugal e do Brasil, Martins, iniciado na Maçonaria em 1812, tornar-se-ia o chefe natural do movimento revolucionário.

Na época da revolta, a Maçonaria pernambucana, bastante pujante, contava com Lojas muito prósperas, como a “Restauração”, a “Patriotismo”, a “Guatimozin” – que seria a precursora, por mudança de título, em 1821, da Loja “06 de Março de 1817”, em homenagem à Revolução – a Pernambuco do Oriente, a Pernambuco do Ocidente – que funcionava na casa de Domingos José Martins – a “Regeneração” de Olinda. Esta, fundada em 1809, foi criada com finalidades políticas e como núcleo para a instalação de outras; dela fizeram parte os principais próceres da Revolução de 06 de março de 1817.

Reunindo os conspiradores em sua casa, no Recife, e em seu engenho, no Cabo, ele veria, com o apoio popular, a Revolução triunfante, embora esse triunfo fosse efêmero. Deposto o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, foi instalado o governo republicano, a 08 de março de 1817.

Não tardou, todavia, a reação articulada pelo então governador da Bahia, o conde dos Arcos – Marcos de Noronha e Brito, oitavo conde dos Arcos e último dos vice-reis do Brasil, de 1806 a 1808. Este procedeu ao bloqueio do Recife, com um contingente de 1500 homens, sob o comando do marechal Cogominho de Lacerda; os revolucionários resistiram com bravura, mas as tropas contrárias iriam dominar a situação a 20 de maio do mesmo ano.

Após a derrota, os principais chefes revolucionários, tendo à frente, Domingos José Martins, foram levados para Salvador onde responderam a processo sumário, sendo todos executados, num total de 43, entre civis e militares, além de três eclesiásticos – entre os quais o padre Roma, também Maçom.

A Revolução de 1817 tem sido, de maneira geral, muito esquecida ou secundarizada, nos compêndios de História do Brasil; ela foi, todavia, também, uma precursora da independência política do país, sendo, como a Inconfidência Mineira, mais um movimento autonomista e libertário no caminho da emancipação total. Como bem acentuou Pedro Calmon, em sua “História Social do Brasil”:

“Foi o sigilo maçônico a alma da Revolução de 1789; nos mistérios de sua catequese está a razão da coerência, da harmonia, da lógica, da facilidade, da facilidade com que se deslocou o Brasil, sem comoções anárquicas, sem experiências temerárias, pela persuasão de uma elite ilustre, do obscurantismo até à civilização liberal, através das vicissitudes do reinado de D. João, das lutas da emancipação, do reinado de D. Pedro I e da Regência”.

Em função da Revolução Pernambucana é que foram tomadas medidas reais contra a atuação das Sociedades secretas – a Maçonaria, fundamentalmente – através do Alvará de 1818. O Alvará Real, de 1818, é um documento importante na História da Maçonaria brasileira, porque a sua meta principal era, exatamente, a de proibir o funcionamento das ainda incipientes Lojas do território nacional, na época em que o Brasil era Reino Unido ao de Portugal e Algarves. E ele foi motivado pela agitação do meio maçônico, empenhado em obter a Independência do Brasil, através de movimentos regionais nacionalistas, de caráter geralmente republicano, os quais não podiam, evidentemente, agradar à Coroa.

Toma-se o Alvará de 1818, como uma consequência direta da fracassada Revolução Pernambucana de 1817. O seu texto mostra, na realidade, o empenho do rei D. João em proibir, com o uso da força, qualquer nova tentativa de rebelião, com participação das hostes maçônicas. Embora muito citado na literatura histórica da Maçonaria brasileira, o seu texto não é transcrito e, por isso, ainda permanece bastante desconhecido. Tratando-se, porém, de uma peça histórica relevante para o levantamento da História de nossa Independência, segue este com o seu texto integral, na ortografia da época:

“Eu, El-Rei, faço saber aos que este Alvará com força de Lei virem:

Que tendo-se verificado pelos acontecimentos, que são bem notórios, o excesso de abuso a que tem chegado as Sociedades Secretas, que com diversos nomes de Ordens ou Associações, se tem convertido em Conventículos e Conspirações contra o Estado; não sendo bastantes os meios correccionaes com que se tem até agora procedido segundo as Leis do Reino, que prohibem qualquer Sociedade, Congregação ou Associação de Pessoas com alguns Estatutos, sem que ellas sejam primeiramente por Mim Autorisadas e os seus Estatutos Approvados.

E exigindo por isso a tranquillidade dos Povos e a segurança que lhes Devo procurar e manter, que se evite a occasião e a causa de se precipitarem muitos Vassallos, que antes podiam ser uteis a si e ao Estado, si forem separados d’elles, e castigados os perversos, como as suas culpas merecem.

E Tendo sobre esta materia Ouvido o parecer de muitas Pessoas doutas e zelosas do bem do Estado e da felicidade de seus Concidadãos; e de outras do Meu Conselho, e constituídas em grandes Empregos, tanto Civis como Militares, com as quaes Me Conformei;

Sou Servidor Declarar por Criminosas e Prohibidas todas e quaesquer Sociedades Secretas, de qualquer Denominação que ellas sejam; ou com os nomes e formas já conhecidas, ou debaixo de qualquer nome ou forma, que de novo se disponha ou imagine: pois que todas e quaesquer deverão ser consideradas, de agora em diante, como feitas para Conselho e Confederação contra o Rei e contra o Estado.

Pelo que Ordeno que todos aquelles, que forem comprehendidos em ir assistir em Lojas, Clubs, Comités ou qualquer outro ajuntamento de Sociedade Secreta; aquelles que para as ditas Lojas, ou Clubs, ou Ajuntamentos convocarem a outros; e aquelles que assistirem á entrada ou recepção de algum Socio, ou ella seja com juramento ou sem elle; fiquem incursos nas penas da Ordenação livro V, tit.VI e §§ 5 e 9, as quaes penas lhes serão impostas pelos Juizes, e pelas formas e processos estabelecidos nas Leis para punir os Réos de Lesa-Magestade.

Nas mesmas penas incorrerão os que forem Chefes ou Membros das mesmas Sociedades, qualquer que seja a denominação que tiverem, em se provando que fizeram qualquer acto, pesuasão ou convite de palavra ou por escrito, para estabelecer de novo, ou para renovar, ou para fazer permanecer qualquer das ditas Sociedades, Lojas, Clubs ou Comités dentro dos Meus Reinos e seus Dominios; ou para a correspondencia com outros fóra delles: ainda que sejão factos practicados individualmente, e não em Associação de Lojas, Clubs ou Comités.

Nos outros casos serão as penas moderadas a arbitrio dos Juizes na forma adiante declarada. As Casas, em que se congregarem, serão confiscadas, salvo provando os seus proprietarios que não souberão, nem podiam saber que a esse fim se destinavão. As medalhas, sellos, symbolos, estampas, livros, cathecismos ou instrucções, impressos ou manuscriptos, não poderão mais publicar-se, nem fazer d’elles uso algum, despacharem-se nas Alfandegas, venderem-se, darem-se, emprestarem-se, ou de qualquer maneira passarem de uma a outra pessoa, não sendo para immediata entrega ao Magistrado, debaixo da pena de Degredo para hum Presidio, de quatro até dez annos de tempo, conforme a gravidade da culpa e circumstancias della.

Ordeno, outrossim, que n’este crime, como excepto, não se admitta privilegio, isenção ou concessão alguma, ou seja de Foro, ou de Pessoa, ainda que sejão dos privilegios incorporados em Direito, os os Réos sejão Nacionaes ou Estrangeiros, Habitantes do Reino e Dominios, e que assim abusarem da hospitalidade que recebem; nem possa haver Seguro, Fiança, Homenagem, ou Fieis Carcereiros sem minha Especial Authoridade.

E os Ouvidores, Corregedores, e Justiças Ordinarias todos os annos devassarão deste Crime na Devassa geral. E constando-lhes que se fez Loja, se convidão ou congregão taes Sociedades, procederão logo á Devassa especial e á apprehensão e confisco, remettendo os que forem Réos e a culpa á Relação do Districto, ou ao Tribunal competente; e a copia dos Autos será tambem remettida á minha Real Presença.

E este se cumprirá tão inteiramente como nelle se contém, sem embargo de quaesquer Leis ou Ordens em contrario, que para este effeito Hei por derrogadas, como se dellas se fizesse expressa menção.

E Mando á Mesa do Desembargo do Paço, Presidente do Meu Real Erario, Regedor das Justiças, Conselho da Fazenda, Tribunaes, Governadores, Justiças, e mais pessoas, a quem o conhecimento deste pertencer, o cumprão e guardem como nelle se contém, e fação muito inteiramente cumprir e guardar, sem duvida ou embargo algum. E aos Doutores Manoel Nicoláu Esteves Negrão, Chanceller Mór do Reino de Portugal e Algarves, e Pedro Machado de Miranda Malheiros, Chanceller Mór do Reino do Brazil, Mando que o fação publicar e passar pela Chancellaria, e enviem os exemplares debaixo do Meu Sello, e seu signal, á todas as Estações, aonde se costumão remetter similhantes Alvarás; registrando-se na fórma do estilo, e mandandose o Original para o meu Real Archivo da Torre do Tombo. Dado no Palacio da Real Fazenda de Santa Cruz, em 30 de março de 1818.

Com a assignatura de Sua Magestade e do Ministro”.

A INDEPENDÊNCIA

O INÍCIO DO PROCESSO EMANCIPADOR

A obra máxima da Maçonaria brasileira e a única de que ela participou de fato, como Instituição, foi a independência do Brasil, em 1822, no mesmo ano em que os Maçons brasileiros criavam a primeira Obediência nacional, o Grande Oriente Brasílico, ou Brasiliano, que posteriormente viria a ser o Grande Oriente do Brasil.

Não se pode afirmar, todavia, que a independência política do país foi obra exclusiva da Maçonaria. Em uma análise imparcial dos acontecimentos, pode-se deduzir, como faz Oliveira Lima, em sua “História de Portugal”, que “(…) quem separou o Brasil foi D. João VI”; na realidade, elevando o Brasil à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarves, a 16 de dezembro de 1815, D. João dava o primeiro passo para a independência do país.

O bonachão e sonolento D. João, com um tino extraordinário, já previra a marcha dos acontecimentos, sabendo que a partir do estabelecimento da corte no Rio de Janeiro e da revolta das colônias espanholas, era impraticável o retorno do Brasil ao estado primitivo; dessa maneira, ele previu bem a situação posterior: ele e D. Pedro deveriam empalmar os tronos de Portugal e do Brasil, garantindo-os para a Casa de Bragança.

  1. João desenvolveu tal amor pelo Brasil que chegou a assinar um decreto nomeando D. Pedro, regente de Portugal, com a consequente permanência dele mesmo no país, quando após a Revolução Liberal do Porto de 1820, com a queda da junta governativa chefiada pelo militar inglês BERESFORD, as Cortes Gerais Extraordinárias Constituintes da Nação Portuguesa exigiam a volta de D. João e o retorno do Pacto Colonial, através do qual a burguesia lusitana, ainda predominantemente mercantilista, pretendia tirar Portugal da crise econômica, restabelecendo o monopólio de comércio sobre o Brasil.

A evolução dos acontecimentos, todavia, provocou a inversão do plano, fazendo com que ele retornasse a Lisboa, deixando D. Pedro no Brasil, com instruções quase explícitas para que o príncipe se colocasse à frente do movimento emancipador. Seu projeto em essência era este: D. Pedro, sendo o herdeiro das duas coroas, reuniria, após a morte do pai, os cetros dos dois países.

Toda a vasta correspondência trocada entre os dois, nos dias que antecederam a declaração de independência, comprova o entendimento que havia entre ambos: nenhum dos fatos ocorridos no Brasil, nesses dias, deixou de ser conhecido por D. João.

Já a 9 de janeiro de 1822, por ocasião do “Fico”, em carta a D. João, o príncipe regente descrevia toda a solenidade, remetendo, inclusive, o auto feito pela Câmara, com todos os pormenores da cerimônia. Tratando-se, o “Fico”, de uma desobediência aos Decretos nº 124 e 125, emanados das Cortes Gerais portuguesas e que exigiam o retorno do príncipe a Portugal e a reversão do Brasil à condição colonial, claro está que D. Pedro omitira o fato ao rei, ao invés de fazê-lo, em pomposa comunicação, se D. João não o estivesse apoiando.

Uma carta, a 15a enviada por D. Pedro, desde que D. João retornara a Portugal, tinha o seguinte texto:

“Rio de Janeiro, 9 de Janeiro de 1822.

Meu Pai, e meu Senhor. Dou parte á V. Mag., que no dia de hoje á dez horas da manhã recebi huma participação do Senado da Câmara pelo seo Procurador, que as Câmaras, nova e velha, se achavão reunidas, e me pedião huma Audiência: respondi, que ao meio dia podia vir o Senado, que eu o receberia. Veio o Senado, que me fez huma falla mui respeitosa, de que remetto copia (junto com o Auto da Câmara) á V. Mag., e, em summa, era que, logo que desamparasse o Brasil, elle se tornaria independente; e ficando eu, elle persistiria unido á Portugal. Eu respondi o seguinte – Como he para o bem de todos, e felicidade geral da Nação, estou prompto: diga ao Povo, que fico.

O presidente do Senado assim o fez ; e o Povo correspondeo com immensos Vivas, cordialmente dados á V.Mag., á Mim, á União do Brasil á Portugal, e á Constituição. Depois de tudo socegado, da mesma janella em que estive, para receber os Vivas, disse ao Povo – Agora só tenho a recommendar-vos união e tranquilidade – e assim findou este Acto. De então por diante os habitantes têm mostrado de todas as fórmas o seo agradecimento, assim como eu tenho mostrado o meu, por ver, que tanto me amão.

Remetto incluso á V. Mag. O Auto feito pela Câmara na fórma da Lei, e estimarei que V. Mag. O mande apresentar ás Cortes, para seo perfeito desenvolvimento, e intelligencia.

Deus guarde &c.” [6]

Em carta de 12 de maio de 1822, D. João repete ao seu filho os conselhos que lhe havia dado antes de partir; em resposta, a 11 de junho, D. Pedro lembra as recomendações paternas, acrescentando:

“Foi chegado o momento da quase separação e, estribando eu nas eloquentes e singelas palavras expressas por Vossa Majestade, tenho marchado adiante do Brasil, que tanto me tem honrado”.

Foi, assim, feita a independência com o pleno conhecimento de D. João e com a participação efetiva de D. Pedro, escorado pelo trabalho da maçonaria, que se tornara, na época, uma forte corrente política. A indicação de D. Pedro à iniciação maçônica não deixou de ser, também, um ato político, o qual serviu aos interesses de ambos os lados: os Maçons, porque, tendo o regente entre eles, melhor poderiam influenciá-lo, no caminho da emancipação política do país, e D. Pedro, porque, estando entre os Maçons melhor poderia influenciá-los nos caminho de uma solução monárquica para o país, afastando-os de possíveis inclinações para um regime diferente.

Após o fracasso da Revolução de 1817 e com a expedição do Alvará de 30 de março de 1818, proibindo o funcionamento das Sociedades secretas, a Maçonaria entrou, oficialmente, em recesso, continuando, todavia, a trabalhar secretamente, no Clube da Resistência, fundado por JOSÉ JOAQUIM DA ROCHA, em sua própria casa.

O Clube da Resistência foi a fornalha da insurreição até 2 de junho de 1821, quando a Loja “Comércio e Artes” foi reinstalada na casa do comandante DOMINGOS DE ATAÍDE MONCORVO, na rua São Joaquim, esquina da rua do Fogo, voltando à aberta atividade política em prol da Independência, tendo decisiva participação no “Fico” de 9 de janeiro de 1822.

O episódio do “Fico” foi feito sob a liderança dos Maçons José Joaquim da Rocha e JOSÉ CLEMENTE PEREIRA. Três representações, feitas sob inspiração maçônica e lideradas por Maçons, foram encaminhadas ao príncipe, rogando a sua permanência no Brasil e o descumprimento aos Decretos nº 124 e 125 das Cortes Portuguesas: a dos paulistas, redigida por JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, a dos fluminenses, redigida pelo frei FRANCISCO DE SANTA TEREZA DE JESUS SAMPAIO, orador da Loja “Comércio e Artes”, e a dos mineiros, liderada por PEDRO DIAS PAES LEME. Na cela do frei Sampaio, no Convento da Ajuda, reuniam-se os principais líderes do movimento.

  1. Pedro, já nesse episódio, não ignorava a força e a influência da Maçonaria, explícita através da fala de José Clemente Pereira, nesse 9 de janeiro:

“Será possível que Vossa Alteza Real ignore que um partido republicano, mais ou menos forte, existe semeando aqui e ali em muitas das províncias do Brasil, por não dizer todas elas?”.

Começava ali o processo de aliciamento do príncipe.

O processo continuaria, logo depois, quando a Maçonaria, sob a liderança de Joaquim Gonçalves Ledo, resolvia a 13 de maio de 1822, por proposta do brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto, outorgar ao príncipe o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”, em uma cartada política importantíssima da Loja “Comércio e Artes”.

E, diante do crescimento da Loja “Comércio e Artes” e da campanha pela independência, resolviam, os Maçons do Rio de Janeiro criar a primeira Obediência maçônica do Brasil, o Grande Oriente Brasílico, através da tripartição da Loja, resultando as Lojas “União e Tranquilidade”, “Esperança de Niterói” e a própria “Comércio e Artes”. Isso ocorreu no 28º dia do 3º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz 5822, que, no calendário gregoriano, corresponde ao dia 17 de junho de 1822 (da era, designada Maçonicamente, como Era Vulgar). Alguns autores, seguindo Rio Branco[7], em notas a Varnhagen, interpretam essa data como 28 de maio de 1822, partindo da errada premissa de que o ano maçônico tinha início no dia 1º de março, quando, na realidade, em seu início, o Grande Oriente utilizava o calendário equinocial, muito próximo do calendário religioso hebraico – que inicia o ano no mês Nissan, na lua nova que se segue ao equinócio de março – iniciando o ano no dia 21 de março. Só em 1855 é que o Grande Oriente passaria a utilizar o dia 1º de março como o início do ano maçônico[8].

Fundado o Grande Oriente, foi escolhido, como seu Grão Mestre, José Bonifácio de Andrada e Silva, pela sua dimensão, não só na política nacional – onde era o poderoso ministro do Reino e de Estrangeiros – mas, também, na europeia, pela sua atividade científica e política, durante todo o tempo em que esteve na Europa. Isso apesar de não ser, ele, o líder dos Maçons da época, encargo que cabia a Joaquim Gonçalves Ledo, que ocuparia, no Grande Oriente, o cargo de Primeiro Grande Vigilante, substituto imediato do Grão Mestre.

Havia, sem sombra de dúvida, uma luta ideológica entre os grupos de José Bonifácio e de Ledo. Enquanto o primeiro defendia a independência dentro de uma união brasílico-lusa – perfeitamente exequível – o segundo pretendia o rompimento total com a metrópole portuguesa, o que poderia tornar difícil a transição para país independente. E essa luta não era limitada, evidentemente, às paredes das lojas maçônicas, assumindo caráter público e se estendendo, inclusive, através da imprensa.

A 15 de setembro de 1821, foi lançado um jornal de extraordinária importância política: o “Revérbero Constitucional Fluminense”, dirigido por Ledo e Januário; essa publicação duraria pouco mais de um ano – até 08 de outubro de 1822 – mas teria, por sua atuação, uma influência extraordinária no movimento emancipador, refletindo o pensamento liberal da nascente Maçonaria brasileira.

Para combater o “Revérbero” e defender as ideias de José Bonifácio, foi fundado o “Regulador Brasílico-Luso”, cujo primeiro número foi publicado a 29 de julho de 1822, sendo impresso na Tipografia Nacional e redigido pelo frei santa Tereza Sampaio. Além disso, surgiria também o jornal “O Constitucional”, redigido pelos Maçons José Joaquim da Rocha e padre Belchior Pinheiro de Oliveira, defendendo as mesmas ideias liberais de Ledo.

O grande passo para o envolvimento do príncipe regente foi dado quando, por proposta de José Bonifácio, D. Pedro foi iniciado na Loja “Comércio e Artes”, no 13º dia do 5º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz de 5822, ou seja, de acordo com o calendário maçônico adotado na época, 2 de agosto de 1822. D. Pedro, cumprindo costume da época, adotou o nome histórico Guatimozin, nome do último imperador asteca de Anahuac (região do atual México), o qual defendeu o seu império contra os invasores espanhóis de Cortez, tendo sido morto e supliciado, em 1522, deitado sobre brasas. Três dias depois de iniciado, ou seja, a 05 de agosto, D. Pedro tornava-se Mestre Maçom. O curioso é que existem autores tendenciosos que afirmam que José Bonifácio foi contrário à iniciação do príncipe, quando na verdade foi ele quem o indicou; e isso está nas atas do Grande Oriente Brasílico.

JOSÉ BONIFÁCIO, D. PEDRO E LEDO

Os acontecimentos de 7 de setembro de 1822 foram, comprovadamente, premeditados e conduzidos por José Bonifácio. Em suas “Memórias”, ANTÔNIO DE MENEZES VASCONCELLOS DRUMOND, emissário da Maçonaria nas províncias de Pernambuco e da Bahia, de onde regressara no final de agosto de 1822, relata o seguinte:

“José Bonifácio havia também naquelle dia ou na véspera, recebido novas de Lisboa; e juntas estas com aquellas que eu trazia (da Bahia) julgava conveniente acabar com os paliativos e proclamar a independência. Fosse esta a causa isolada ou cumulativa com os seus desejos de ser a independência proclamada na sua província, o caso é que elle desde logo entendeu que se não devia adiar para mais tarde esse acto. O príncipe já estava em S. Paulo e se a occasião não fosse approveitada quem sabe se outra se poderia proporcionar tão cedo. Despediu-me e ordenou que eu me achasse ás 11 horas da manhã no paço de São Cristovam, mas que lhe entregasse antes todos os papéis que eu trazia e para o que me esperava até ás 9 horas.

Ás 8 horas eu já estava com elle, entreguei os papéis…

Ás 11 horas me achei no Paço de São Cristovam. José Bonifácio já lá estava. Havia Conselho. Beihei a mão á princesa. No Conselho decidiu-se de se proclamar a independência. Enquanto o Conselho trabalhava, já Paulo Bregaro estava na varanda prompto a partir em toda dilligencia para levar os despachos ao príncipe regente. José Bonifácio ao sahir lhe disse:

Se não arrebentar uma dúzia de cavalos no caminho, nunca mais será correio; veja que faz.

Não sei se Bregaro arrebentou muitos cavalos; o que sei é que elle deu boa conta de sua comissão e que fez a viagem em menos tempo do que até então se fazia muito à pressa”[9].

Os documentos, levados pelo correio PAULO BREGARO e que proporcionaram os acontecimentos da colina do Ipiranga, eram: carta de D. João a seu filho, carta da princesa D. LEOPOLDINA, carta de CHAMBERLAIN, agente secreto do príncipe, instruções das Cortes, exigindo o imediato regresso do príncipe e a prisão e processo de José Bonifácio – já que era o personagem mais importante do movimento emancipador – e carta do próprio José Bonifácio, onde à sua maneira viril, ele dizia:

“Senhor,

As Cortes ordenaram a minha prisão por minha obediência a V. Alteza. E no seo ódio imenso de perseguição atingiriam tambem aquelle que se preza em o servir com lealdade e dedicação do mais fiel amigo e súbdito. O momento não comporta mais delongas ou condescendencias. A revolução já está preoarada para o dia de sua partida. Si parte, temos a revolução do Brasil contra Portugal e Portugal actualmente não tem recursos para subjugar um levante, que é prepparado occultamente para não dizer quase visivelmente. Si fica, tem V. Alteza contra si o povo de Portugal, a vingança das Cortes, que direi?! Até a desherdação, que dizem já estar combinada. Ministro fiel que arrisquei tudo por minha Pátria e pelo meu Príncipe, servo obedientissimo do Senhor D. João VI, que as Cortes tem na mais detestável coacção, eu, como Ministro, aconselho a V. Alteza que fique e faça do Brasil um reino feliz, separado de Portugal, que é hoje escrevo das Cortes despóticas. Senhor, ninguém mais do que sua esposa, deseja sua felicidade e ela lhe diz em carta que com esta será entregue, que V. Alteza deve ficar e fazer a felicidade do povo brasileiro, que o deseja como seu soberano, sem ligações e obediências ás despóticas Cortes portuguesas, que querem a escravidão do Brasil e a humilhação do seu adorado Príncipe Regente. Fique, é o que todos pedem ao Magnanimo Príncipe que é V. Alteza, para orgulho e felicidade do Brasil. E si não ficar correrão rios de sangue nesta grande nobre terra, tão querida do seu Real Pai, que já não governa em Portugal, pela opressão das Cortes; nesta terra que tanto estima V. Alteza e a quem tanto V. Alteza estima. – José Bonifácio de Andrada e Silva”[10].

A carta de D. Leopoldina, entre outras coisas ratificava a grande influência de José Bonifácio, ao dizer:

“Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que alem de vosso Ministro fiel é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho de vosso Ministro, si não quiserdes ouvir o de vossa amiga. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em S. Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e contra a vontade do povo brasileiro os soldados portugueses que aqui se estão nada podem fazer”.

No dia 8 de setembro de 1822, um dia depois de proclamada a Independência, D. Pedro, despedindo-se dos paulistanos, anunciava a nova divisa do país: “Independência ou Morte!”, através da Proclamação aos Paulistas[11].

Logo depois dos acontecimentos da colina do Ipiranga, D. Pedro enviava, ao seu pai, uma vigorosa carta, onde ainda se punha como príncipe-regente, já que não fora, ainda, entronizado:

“Rio de Janeiro, 22 de Setembro de 1822.

Meu Pai, e Senhor. Tive a honra de receber de V.Mag. huma Carta datada de 3 de Agosto, na qual V. Mag, me reprehende pelo meu modo de escrever, e fallar da Facção Luso-Hespanhola. Se V. Mag. Me permitte, Eu, e meus Irmãos Brasileiros, lamentamos muito, e muito, o estado de coacção em que V. Mag. jaz sepultado.

Eu não tenho outro modo de escrever; e como o verso era para ser medido pelos infames Deputados Europeos e Brasileiros do partido dessas despóticas Cortes Executivas, Legislativas, e Judiciárias, cumpria ser assim: e como eu agora mais bem informado sei, que V. Mag. Está positivamente prezo, escrevo esta ultima Carta (sobre questões já decididas pelos Brasileiros) do mesmo modo; porque com perfeito conhecimento de causa estou capacitado, que o estado de coacção, á que V.Mag. se acha reduzido, he que o faz obrar bem contrariamente ao seo liberal gênio. Deos nos livrasse se outra cousa pensássemos.

Embora se decrete a minha desherdação ; embora se commetão todos os attentados, que em Clubs Carbonários forem forjados; a Causa Santa não retrogradará; e Eu antes de morrer direi aos charos Brasileiros – Vede o fim de Quem se expoz pela Pátria, imitai-Me.

  1. Mag. manda-me, (que digo!!!) mandão as Cortes por V. Mag., que eu faça executar, e execute os seos Decretos ; para eu os fazer executar, era necessário, que nós Brasileiros livres obedecêssemos á Facção: respondemos em duas palavras – Não queremos.

Se o povo de Portugal teve direito de se constituir revolucionariamente, está claro que o Povo do Brasil tem dobrado; porque se vai constituindo, respeitando a Mim, e ás Authoridades estabelecidas.

Firmes nestes inabaláveis princípios, digo (tomando a Deos por testemunha, e ao Mundo inteiro), á essa cáfila sanguinária, que eu, como Príncipe Regente do Reino do Brasil, e seo Defensor Perpetuo, Hei por bem Declarar todos os Decretos pretéritos dessas facciosas, horrorosas, machiavelicas, desorganizadoras, hediondas, e pestiferas Cortes, que ainda não mandei executar, e todos os mais que fizeram para o Brasil, nullos, irritos, e inexequíveis, e, como taes, com hum veto absoluto, que he sustentado pelos Brasileiros todos, que, unidos a mim, me ajudão a dizer, de Portugal, nada, nada ; não queremos nada.

Se esta declaração tão franca irritar mais os ânimos desses LusoHespanhoes, que mandem tropa aguerrida, e ensaiada na guerra civil, que lhe faremos ver qual he o Valor Brasileiro. Se por descôco se atreverem a contrariar nossa Santa Causa, em breve verão o mar coalhado de Corsários, e a miséria, a fome, e tudo quanto lhes podemos dar em troco de tantos benefícios, será praticado contra esses Coryphêos. Mas que! Quando os desgraçados Portuguezes os conhecerem bem, elles lhes darão o justo premio.

Jazemos por muito tempo nas trevas ; hoje já vemos a luz. Se V. Mag. cá estivesse, seria respeitado e amado: e então veria, que o Povo Brasileiro, sabendo prezar sua Liberdade, e Independência, se empenha em respeitar a Authoridade Real ; pois não he um bando de vis Carbonarios, e assassinos, como so que tem a V. Mag. no mais ignominioso cativeiro.

Triumpha, e triumphará, A Independência Brasílica, ou a morte nos hade custar. O Brasil será escravisado; mas os Brasileiros não; porque, em quanto houver sangue em nossas veias, hade correr; e primeiramente hão de conhecer melhor o Rapazinho, e até que ponto chega sua capacidade, á pezar de não ter viajado pelas Cortes estrangeiras.

Peço a V. Mag. que mande apresentar esta ás Cortes! Ás Cortes, que nunca forão geraes, e que são hoje em dia só de Lisboa, para que tenhão com que se divirtão, e gastem ainda hum par de moedas á esse tísico Thesouro.

Deos guarde &c”[12]

Nessa luta, não pode ser negada a grande participação também de Ledo, líder dos Maçons. Ainda em 1821, o intendente de polícia informava ao ministro de D. João:

“Permitta v. ex. que diga ser impossível agir sem tropas fieis, pois as que temos estão na maioria filiadas aos conspiradores, sendo conveniente mandar vir outras do Reino de Portugal, pois o movimento da independência é por demasia generalizado pela obra maldita dos Maçons astuciosos, com a chefia de Gonçalves Ledo”.

Vinte e um dias depois desse ofício secreto, o intendente expedia outro, onde dizia que “é de fonte segura que a Maçonaria pretende fazer a independência (…)”.

Cabe aqui um parêntese para repor uma verdade histórica. Muitos Maçons desinformados e muitos historiógrafos afoitos afirmam que a Independência foi, realmente proclamada a 20 de agosto de 1822, em sessão do Grande Oriente, quando Ledo aclamava D. Pedro rei do Brasil, acatando, em seguida, a emenda de Domingos Alves Branco que propunha o título de imperador.

Isso não é verdade, em relação ao dia, pois no dia 20 de agosto não houve sessão no Grande Oriente; tal falsa afirmação parte, como muitas outras, do já apontado erro de interpretação do calendário maçônico. A ata do Grande Oriente, em que consta esse fato, tem a data do 20º dia do 6º mês maçônico do Ano da Verdadeira Luz de 5822; como já foi esclarecido, o ano maçônico, com base no calendário religioso hebraico, iniciava-se no dia 21 de março e não no dia 1º. Assim sendo, o 6º mês começava no dia 21 de agosto e, portanto, o seu 20º dia era, na verdade, o dia 9 de setembro, dois dias após o “grito do Ipiranga”; é claro, entretanto, que com os parcos meios de comunicação da época não se podia saber, no Rio de Janeiro, no dia 9, que a Independência já havia sido proclamada em São Paulo no dia 7, uma vez que de São Paulo ao Rio de Janeiro gastava-se uma semana a cavalo.

Nota-se que, diante do desconhecimento dos fatos ocorridos às margens do Ipiranga, a Maçonaria resolveu, no dia 9, realmente, proclamar D. Pedro imperador do Brasil; todavia, em atenção à verdade histórica, não se pode afirmar que o Grande Oriente proclamou a emancipação no dia 20 de agosto, tendo D. Pedro se limitado apenas a referendá-lo no dia 7 de setembro. Este é um engano que originou até o “Dia do Maçom”, a 20 de agosto, que é uma data que não representa, realmente nada.

O FECHAMENTO DO GRANDE ORIENTE E DO APOSTOLADO

A luta política entre os dois grupos, o de Bonifácio e o de Ledo, iria se tornar mais evidente e mais agressiva, depois dos acontecimentos de 7 de setembro, inclusive porque o grupo do Grande Oriente, dominado por Ledo, não aceitava a proclamação feita em São Paulo, o que o deixava fora do momento máximo da independência, pretendendo, por isso, que o dia 12 de outubro, marcado para a aclamação civil do primeiro monarca do Brasil, fosse considerado como o verdadeiro ato da independência. Isso pode ser notado na ata de 4 de outubro, na 17ª sessão do Grande Oriente, em Assembleia Geral, quando Ledo fazia sentir as boas disposições em que se achava o povo brasileiro, manifestadas por seus atos de adesão ao príncipe, e que “sendo o Grande Oriente a primeira corporação que tomou a iniciativa da independência, cumpria que também a tomasse na aclamação de seu monarca”.

Nessa mesma sessão de 4 de outubro, consumava-se um verdadeiro golpe de Estado maçônico, perpetrado por Ledo, pois nesse dia, o 14º do sétimo mês maçônico, D. Pedro tomava posse do cargo de Grão Mestre do Grande Oriente, sem que José Bonifácio houvesse renunciado a ele e sem que a Assembleia Geral o houvesse destituído. A verdade é que a sessão anterior, de 28 de setembro, fora dirigida pelo Grão Mestre José Bonifácio. E, já na seguinte, sem qualquer motivo e sem qualquer explicação, D. Pedro é empossado no Grão Mestrado!

Foi, sem dúvida, um ato totalmente ilegal que demonstra, contudo, como Ledo dominava o Grande Oriente.

Note-se que alguns autores, partindo do calendário errado, situam a posse de D. Pedro no dia 14 de setembro, uma semana depois da proclamação em São Paulo. O 14º dia do 7º mês, todavia, era 4 de outubro, já que o 7º mês se iniciara a 21 de setembro. E existem muitas provas históricas disso, bastando citar uma só, muito interessante, por sinal:

No final dessa sessão do 14º dia do 7º mês, o 1º Grande Vigilante propôs, à consideração da assembleia, as queixas, que ouvira, do Irmão Francisco Pedro Limpo, relativas à Portaria que regulava o modo de guarnecer a Esquadra brasileira que se estava aparelhando. A Portaria mencionada, do Ministério da Marinha, a qual regulava a maneira de guarnecer a esquadra, que estava sendo aparelhada, tendo sido assinada pelo Irmão Manoel Antônio Farinha, tem a data de 1º de outubro de 1822. Não poderia, portanto, haver referência, no dia 14 de setembro, a uma Portaria que nem existia.

Uma outra inverdade histórica desse período, que ainda é divulgada, é a de que José Bonifácio, despeitado por ter sido alijado do Grão Mestrado, criara por vingança uma outra entidade, o “Apostolado”, para ela levando todo o seu grupo, além de D. Pedro. A verdade, todavia, é bem outra, pois o Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz foi instalado no dia 2 de junho, dezessete dias antes, portanto, de ser criado o Grande Oriente, e dele faziam parte, além de José Bonifácio e de D. Pedro, Ledo e os seus seguidores.

O Apostolado, também com finalidades políticas, era uma entidade secreta formada nos moldes da Carbonária europeia, bem conhecida por José Bonifácio, e já na data de sua fundação, D. Pedro era eleito seu chefe com o título de Arconte-Rei; ao perpetrar o golpe político, elegendo o regente Grão Mestre do Grande Oriente, Ledo procurava diminuir a influência de Andrada sobre o príncipe, oriunda da concessão do título de chefe do Apostolado.

O Apostolado, embora seguisse certos moldes da Carbonária, era formado por “Palestras” (uma das quais tinha o título de “Independência ou Morte”, origem do “grito do Ipiranga”), os seus componentes eram chamados de “camaradas” e os profanos, de “paisanos”. A entidade, na realidade, era manobrada por José Bonifácio e seus irmãos, imprimindo-lhe um caráter conservador e monárquico, em oposição ao caráter liberal e republicano, imprimido pelo grupo majoritário de Ledo no Grande Oriente.

Se, até a elevação de D. Pedro ao Grão Mestrado do Grande Oriente, as duas facções mantinham uma aparente cordialidade, após esse acontecimento rompeu-se o tênue elo que as ligava, declarando-se abertamente as hostilidades entre eles.

O discurso de recepção na posse do novo Grão Mestre, proferido por Domingos Alves Branco, mostra, de acordo com Varnhagen, um verdadeiro manifesto de oposição ao todo poderoso ministro José Bonifácio:

“O ciúme que se atiça contra a nossa franqueza e lealdade, por aqueles que pretendem desvairar-vos do trilho que tendes seguido, vos queira fazer inúteis as nossas honrosas fadigas e a nossa vigilância. Não acrediteis que é por amor de vós, mas sim, pelo bom sabor do despotismo que eles pretendem estabelecer a coberto da vossa autoridade. Apartai-vos, digno Grão Mestre, de homens coléricos e furiosos. Por mais cientes que eles sejam, nunca acham a razão e só propendem para o crime. Vós tendes sabedoria, prudência, comedimento e moderação; portanto, não vos deixeis abandonar a malvados. Atalhai todo o ulterior progresso da intriga, confiando nos vossos leais Maçons”.

A disputa entre os dois grupos poderia, evidentemente, perturbar o ambiente em um momento em que o país necessitava de paz para se organizar como nação independente e para enfrentar a possível reação portuguesa. José Bonifácio aguardava, evidentemente, um passo em falso de seus adversários. E isso aconteceu, ao saber que Clemente Pereira, Nóbrega e Ledo haviam exigido de D. Pedro, o prévio juramento à Constituição que a Assembleia Constituinte aprovasse, além de três assinaturas em branco. Como as exigências eram realmente absurdas, ele fez ver ao imperador que a submissão a elas seria altamente perigosa e prejudicial ao seu governo. Isso faria com que D. Pedro, em carta de 21 de outubro, mandasse, como Grão Mestre e como imperador, que o Grande Oriente fosse fechado, enquanto José Bonifácio iniciava o processo contra o grupo todo de Ledo.

O Apostolado, todavia, também não teria vida longa: D. Pedro, em 1823, recebia uma carta, redigida em alemão, onde era denunciada uma conjuração do Apostolado contra ele; no mesmo dia, acompanhado de cinquenta soldados, invadiu a sede da entidade e ordenou o seu fechamento.

A 12 de novembro, D. Pedro dissolvia a Constituinte, deportava os Andradas e outorgava a Constituição do Brasil, sem a intervenção do Legislativo.

Só em 1831 é que a Maçonaria renasceria no país – depois da abdicação de D. Pedro, a 7 de abril desse ano – através de dois grandes troncos: o Grande Oriente Brasileiro, que desapareceria cerca de trinta anos depois e o Grande Oriente do Brasil.

A CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR

A Confederação do equador nasceu de um movimento revoltoso, nos agitados dias de 1824, quando a unificação do país encontrava resistências em muitas áreas do território nacional.

Em Pernambuco, os remanescentes da Revolução de 1817, de inspiração maçônica, reagiam contra a prerrogativa do imperador de escolher, livremente, o presidente da Província. O líder dessa reação era o frei JOAQUIM DO AMOR DIVINO RABELO E CANECA, que adotara o apelido do pai, tanoeiro de profissão; o frei Caneca que havia sido um dos expoentes do movimento de 1817 era, também, Maçom, patriota destemido e culto, propagandista dos ideais republicanos e professor de filosofia, retórica e geometria.

Caneca fazia ardente pregação democrática no “Tifis Pernambucano”, jornal que ele publicou no Recife entre dezembro de 1823 e agosto de 1824, sacudindo as consciências e tornando flagrantes as iniquidades, através de uma necessária radicalização de ideias. Foi assim que ele desferiu grande campanha contra o imperador, desde a dissolução da Constituinte e a imposição da Constituição de 24 de fevereiro de 1824.

A reação a esses fatos e a resistência às prerrogativas absurdas do governo imperial chegou até ao rompimento com o império e à proclamação de uma república que tomou o nome de Confederação do Equador e que se alastrou pelas províncias vizinhas levada pela atuação das Lojas e dos Maçons participantes do movimento.

A Confederação do Equador foi proclamada, a 02 de julho de 1824, neste manifesto assinado por MANUEL PAES DE ANDRADE. Sob a forma de governo federativa e republicana, a Confederação deveria reunir as províncias de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Pará:

“Brasileiros!

A salvação da honra da pátria, e da liberdade, a defesa de nossos imprescritíveis e inalienáveis direitos de soberania, instam, urgem e imperiosamente comandam que com laços da mais fraterna e estrita união, nos prestemos recíprocos auxílios para nossa comum defesa.

É inato no coração do homem o desejo de ser feliz, e este desejo, como princípio de toda a sociabilidade, é bebido na natureza e na razão, que são imutáveis; para preenchê-lo é indispensável um governo que, dando expansão e coordenando todos os seus recursos, eleve os associados aquele grau de prosperidade e grandeza que lhe estiver destinado nos planos da Providencia, sempre disposta em favor da humanidade. Reconhecendo estas verdades eternas, adotamos o sistema de governo monárquico representativo e começamos nossa regeneração política pela solicitude de uma soberana Assembleia Constituinte de nossa escolha e confiança.

Antes que se verificassem nossos votos e desejos, fomos surpreendidos com a extemporânea aclamação do imperador; subscrevemos a ela tácita, ou expressamente, na persuasão de que isso era conducente a nossos fins, porque envolvia em seus princípios a condição de bem servir à nação.

Reuniu-se a soberana Assembleia, e quando nos parecia que havíamos entrado no gozo de nossos inauferíveis direitos, e apenas tinha ela dado princípio de nosso pacto social, vimos que o imperador, postergando os mais solenes juramentos, e os mesmos princípios que lhe deram nascimento político, autoridade e força, insultou caluniosamente o respeitável corpo que representava a nova soberania, e desembainhando a homicida espada de um só golpe fez em pedaços aquele corpo e dilacerou seus membros!

Não é preciso, brasileiros, neste momento, fazer a enumeração dos nefandos procedimentos do imperador, nem das desgraças que acarretamos sobre nossas cabeças por havermos escolhido, enganados, ou preocupados, tal sistema de governo e tal chefe do poder executivo! Vós todos, e todo o mundo que os tem observado, os conhecem e enumeram; porém, conquanto estivessem prevenidos na expectativa de males, nunca a ninguém podia passar pela ideia, talvez como possibilidade, que o imperador havia trair-nos, e abandonar-nos ao capricho de nossos sangrentos e implacáveis inimigos lusitanos, no momento em que teve notícia de estar fazendo-se à vela a expedição invasora! E é crível que não fosse preparada de acordo com ele? É possível, mas não provável.

Na portaria, que abaixo transcrevo, tendes, ó brasileiros, uma prova indelével de quanto devemos ao perpétuo defensor do Brasil, e que jamais ousamos pensar! Nela vereis nímio temor de reações internas (efeitos da consciência do mal que tem obrado), vergonhosa confissão de fraqueza em recursos pecuniários, exército e esquadra; e ao fim dizer “É indispensável que cada província se valha dos próprios recursos no caso de ataque!” Acreditalo-eis vindouros! Não tem recursos uma capital que é o empório e receptáculo de quase todas as rendas de oito províncias, que de todas as outras tem tirado quanto tem podido em dinheiro, efeitos e construções navais; e há de ter recurso cada uma província isolada?

Brasileiros! Salta aos olhos a negra perfídia, são patentes os reiterados perjuros do imperador, e está conhecida nossa ilusão ou engano em adotarmos um sistema de governo defeituoso em sua origem, e mais defeituoso em suas partes componentes. As constituições, as leis e todas as instituições humanas são feitas para os povos e não os povos para elas. Ei-la, pois, brasileiros, tratemos de constituir-nos de um modo análogo às luzes do século em que vivemos; o sistema americano deve ser idêntico; desprezemos instituições oligárquicas, só cabidas na encanecida Europa.

Os pernambucanos, já acostumados a vencer os vândalos, não temem suas bravatas; doze mil baionetas manejadas por outros tantos cidadãos soldados de primeira e segunda linha formam hoje uma muralha inexpugnável; em breve teremos forças navais, e algumas em poucos dias.

Segui, ó brasileiros, o exemplo dos bravos habitantes da zona tórrida, vossos irmãos, vossos amigos, vossos compatriotas; imitai os valentes de seis províncias do norte que vão estabelecer seu governo debaixo do melhor de todos os sistemas — representativo; um centro em lugar escolhido pelos votos dos nossos representantes dará vitalidade e movimento a todo nosso grande corpo social. Cada Estado terá seu respectivo centro, e cada um destes centros, formando um anel da grande cadeia, nos tornará invencíveis.

Brasileiros! Pequenas considerações só devem estorvar pequenas almas; o momento é este, salvemos a honra, a pátria e a liberdade, soltando o grito festivo:

Viva a Confederação do Equador!

[Ass.] MANUEL DE CARVALHO PAES DE ANDRADE, PRESIDENTE.

A insurreição, todavia, foi combatida com violência pelo governo central, fazendo com que o presidente da Confederação do Equador, Manuel de Carvalho Paes de Andrade, fugisse para os Estados Unidos da América, favorecido por suas ligações maçônicas; o frei caneca, todavia, foi preso com os demais chefes do movimento, sendo fuzilado, enquanto os demais eram enforcados, pois ninguém aceitou ser seu carrasco através do enforcamento, tal o carisma e autoridade moral.

A REGÊNCIA E O MOVIMENTO DA MAIORIDADE

Após a abdicação do imperador D. Pedro I, quando o seu herdeiro tinha pouco mais de cinco anos de idade, instalou-se no Brasil, uma Regência provisória composta pelo brigadeiro FRANCISCO DE LIMA E SILVA, pelo marquês de CARAVELAS e pelo senador NICOLAU DE CAMPOS VERGUEIRO, transformada a 17 de junho de 1831 em permanente, sendo, então, formada pelo mesmo brigadeiro, por JOSÉ DA COSTA CARVALHO – depois marquês de Monte Alegre – e por

JOÃO BRÁULIO MUNIZ.

Nesse período inicial, todavia, as correntes políticas organizavam-se em diversos grupos, trazendo instabilidade ao regime: o grupo dos exaltados queria chegar logo à república e ao federalismo; temendo esses excessos, os reacionários, chamados restauradores ou “caramurus”, desejavam a volta do imperador D. Pedro I, enquanto que se formava a corrente preponderante dos “moderados” liderada pelo Maçom e jornalista

EVARISTO FERREIRA DA VEIGA.

O grupo dos moderados já agia desde 1827, com a fundação do jornal “Aurora Fluminense”, dirigido por Evaristo da Veiga, com o apoio do senador Vergueiro e amparado pelos grupos maçônicos que, condenando o processo de insultar e provocar os adversários, procurava o diálogo e a discussão serena dos fatos, em uma época em que o Primeiro Império vivia intensa crise e em que a orientação quase generalizada da imprensa era oposicionista, muito prematuras que, se tivessem vencido, teriam provocado a destruição da unidade nacional e da paz interna.

Em torno do “Aurora Fluminense” concentravam-se, então, os políticos sérios, previdentes e de larga visão que, equidistantes dos extremos representados pelo exaltados e pelos restauradores, formaram um grupo coeso, com grande representação maçônica e que prestou inestimáveis serviços à Nação e à causa pública nos momentos difíceis da vida constitucional.

Em meio às agitações, reformou-se em 1834, a Constituição de 1824, por meio de um Ato Adicional que representou uma conciliação das tendências extremas, fortalecendo o poder central e transformando a Regência Trina em Regência Uma, sendo o regente, escolhido por eleição popular. Por essa altura, D. Pedro I já havia falecido, acabando com as esperanças da corrente restauradora, indiscutivelmente liderada pelos Andradas; partindo desse desejo dos Andradas e considerando que José Bonifácio era o tutor do herdeiro do trono, o padre DIOGO ANTÔNIO FEIJÓ, quando ministro da Justiça da Regência Trina, já propusera a destituição do tutor, sendo a sua proposta aceita na Câmara dos Deputados, mas rejeitada pelo Senado. Feijó quis, então, ilegalmente, eliminar a Câmara Alta, ao elaborar a lei preliminar sobre a reforma constitucional, no que foi impedido pelo extraordinário Maçom HONÓRIO HERMETO CARNEIRO LEÃO – futuro marquês do Paraná.

Com a perda da significação da corrente restauradora, as forças políticas organizaram-se em dois grupos: os liberais que tinham maior preocupação com a defesa das garantias individuais e com a autonomia provincial e os conservadores que consideravam fundamental a defesa da autoridade e da unidade nacional, já que julgavam que as garantias individuais estavam asseguradas pelas Constituição e pelo funcionamento normal do Parlamento.

Por força do Ato Adicional, foi eleito um regente único, a 7 de abril de 1835, tendo a escolha recaído sobre o padre Feijó que foi empossado a 12 de outubro do mesmo ano.

O padre Feijó era Maçom e pertenceu ao quadro da Loja “Amizade”, fundada a 13 de maio de 1832, sendo a primeira da cidade de São Paulo e a segunda do Estado (então, Província); a primeira da Província foi a “Inteligência” de Porto Feliz fundada em 1831. Feijó chegou ao grau 18 do Rito Escocês Antigo e Aceito da Maçonaria e ao cargo de 2º Vigilante de sua Loja, não podendo ter mantido atividade regular, em razão dos seus afazeres políticos e administrativos.

Tendo contra si Honório Hermeto e o líder conservador BERNARDO DE VASCONCELOS, mas senso sustentado pelo grupo de Evaristo da Veiga, seu ideal único era a manutenção da ordem e da obediência à lei, traços marcantes de um homem extraordinário que, alheio às recompensas e galardões, resumia em si as mais altas noções de honra e patriotismo. Homem duro e obstinado, obcecado por suas próprias ideias, opiniões e visão dos problemas, dificilmente aceitava opiniões contrárias às suas e preferia renunciar aos seus cargos do que mantê-los à custa de submissão – coisa rara em política, onde muitos se submetem a tudo para manter seus cargos: assim aconteceu em 1832, no caso referente a José Bonifácio e sua tutoria sobre o príncipe herdeiro, e assim aconteceria em 1837, quando ao recusar-se a obedecer à regra parlamentar de governar com a maioria, que lhe era contrária, preferiu demitir-se.

Durante o seu governo, enfrentou os motins do Pará e o início da Revolução Farroupilha; além disso, sendo sacerdote muito pouco ortodoxo, sustentou séria questão com o Vaticano, a propósito da nomeação do bispo do Rio de Janeiro, manifestando-se, também, pela competência do Estado, para regular certos assuntos eclesiásticos como, por exemplo, o celibato clerical. Essas atitudes fizeram com que os ortodoxos passassem à oposição, engrossando as fileiras conservadoras de Bernardo de Vasconcelos que, liderando o Partido Conservador, conseguiu maioria parlamentar, criando a conjuntura que levaria Feijó à renúncia.

Com a renúncia de Feijó, chega ao poder o conservador ARAÚJO LIMA – futuro marquês de Olinda – para exercer o mandato até 1842, não tendo completado devido ao movimento da Maioridade que levaria, precocemente ao trono o novo imperador D. PEDRO II.

A instabilidade do regime regencial, aliada à ansiedade por um governo estável e suprapartidário, motivou um hábil movimento político por parte dos liberais, então fora do poder, levando a nação ao golpe branco que antecipou a maioridade do imperador, a 23 de julho de 1840. Esse movimento contou com a participação política decisiva dos setores majoritários da Maçonaria: em abril de 1840, o senador JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR, escritor, Maçom e amigo íntimo de Feijó, propunha a formação de uma Sociedade política para promover o coroamento imediato do príncipe herdeiro; a este clube político iriam aderir as principais figuras do Partido Liberal e do Grande Oriente do Brasil, inclusive os Andradas que conseguiram com que o herdeiro da coroa consentisse antecipação.

Enquanto José Clemente Pereira, o grande líder maçônico, um dos patriarcas do regime, figura acatada e sustentáculo do governo cujas opiniões tinham grande peso, declarava no Senado, que a coroação imediata do herdeiro da coroa era impositiva, o Maçom marquês de Paranaguá, presidente da Câmara vitalícia também defendia a ideia. A 21 de julho de 1840, na Câmara, o projeto de dispensa de idade, para ser o imperador declarado maior, vencia apesar da oposição dos conservadores.

Em 23 de julho de 1840, consumou-se o “Golpe da Maioridade”, levado a cabo pelos liberais do Parlamento. A proclamação da Assembleia Geral, apresentada abaixo, encerrava o período da Regência, declarando D. Pedro – então com apenas quatorze anos – apto a exercer o poder como imperador do Brasil.

“ Brasileiros!

A Assembleia Geral Legislativa do Brasil, reconhecendo o feliz desenvolvimento intelectual de S. M. I. o senhor D. PEDRO II, com que a Divina Providência favoreceu o Império de Santa Cruz; reconhecendo igualmente os males inerentes a governos excepcionais, e presenciando o desejo unânime do povo desta capital; convencida de que com este desejo está de acordo o de todo o Império, para conferir-se ao mesmo augusto senhor o exercício dos poderes que, pela Constituição lhe competem; houve por bem, por tão ponderosos motivos, declará-lo em maioridade, para o efeito de entrar imediatamente no pleno exercício desses poderes, como imperador constitucional e defensor perpétuo do Brasil. O augusto monarca acaba de prestar o juramento solene determinado no Art. 103 da Constituição do Império.

Brasileiros! Estão convertidas em realidades as esperanças da Nação; uma nova era apontou; seja ela de união e prosperidade. Sejamos nós dignos de tão grandioso benefício.

Paço da Assembleia Geral, 23 de julho de 1840.

(ASS.) MARQUÊS DE PARANAGUÁ, PRESIDENTE; LUÍS JOSÉ DE OLIVEIRA, PRIMEIRO-SECRETÁRIO DO SENADO; ANTÔNIO JOAQUIM ÁLVARES DO AMARAL, PRIMEIRO-SECRETÁRIO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS.”[13].

A REVOLUÇÃO FARROUPILHA

“Aos dezoito dias do mez de Setembro do anno de 1835 da E. V. e 5835 da V. L., reunidos em sua sede sita à Rua da Igreja n° 67, em logar Claríssimo, Forte e Terrível aos tiramnos, situado debaixo da abobada celeste do Zenith aos 30º e 5’ de Latitude da América Brazileira, ao Valle de Porto Alegre, Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, nas dependências do Gabinete de Leitura onde funcciona a Loj. Mac. Philantropia e Liberdade, com o fim de, especificamente, traçarem as metas finaes para inicio do movimento revolucionário com que os seus integrantes pretendem resgatar os brios, os direitos e a dignidade do povo Riograndense.

A sessão foi aberta pelo Ven. Mest. Ir. Bento Gonçalves da Silva. Registre-se a bem da verdade ainda as presenças dos IIr. José Mariano Mattos, ex-Ven., José Gomes de Vasconcellos Jardim, Pedro Boticário, Vicente de Fontoura, Paulino da Fontoura, Antônio de Souza Neto e Domingos José de Almeida, o qual serviu como secretario e lavrou a prezente ata.

Logo de inicio o Ven. Mest. depois de tecer breves considerações sobre os motivos da presente reunião, de caráter extraordinário, informou a seus pares que o movimento estava prestes a ser desencadeado. A data escolhida é o dia 20 do corrente, isto é, depois de amanhã. Nesta data todos nós, em nome do Rio Grande do Sul, nos levantaremos em luta contra o imperialismo que reina no país.

Na occasião ficou acertada a tomada da Capital da Província pelas tropas dos IIr. Vasconcellos Jardim e Onofre Pires, que deverão permanecer com seus homens nas imediações da Ponte da Azenha, aguardando o contingente que deverá se deslocar desde a localidade de Pedras Brancas, quando avisados. Tanto Vasconcellos Jardim como Onofre Pires, ao serem informados, responderam que estariam a postos aguardando o momento para agir. Tambem se fez ouvir o nobre Vicente da Fontoura, que sugeriu o máximo cuidado, pois certamente o Presidente Braga seria avisado do movimento.

O Tronco de Beneficência fez a sua circulação e rendeu a medalha cunhada de 421$000, contados pelo Ir. Tez. Pedro Boticário. Por proposição do Ir. José Mariano Mattos, o Tronco foi destinado a compra de uma Carta de Alforria de um escravo de meia idade, no valor de 350$000, proposta aceita por unanimidade.

Foi realisada uma poderosa Cadeia de União que pela justiça e grandeza da causa, pois em nome do povo luctariam pela Liberdade, Igualdade e Humanidade, pediam a força do Gr. Arch. do Univ. para todos os Irmãos e seus companheiros que iriam participar das contendas.

Já eram altas horas da madrugada, quando os trabalhos foram encerrados, afirmando o Ven. Mest. que todos deveriam confiar nas LL. do Gr. Arch. do Univ. e como ninguém mais quizesse fazer uso da palavra, foram encerrados os trabalhos, de que eu Domingos José de Almeida, Secretário, tracei o presente Balaústre afim de que a história, através dos tempos, possa registrar que um grupo de Maçons “Homens Livres e de Bons Costumes” empenhou-se com o risco da própria vida, em restabelecer o reconhecimento dos direitos desta abençoada terra, berço de grandes homens, localizada no extremo sul de nossa querida Pátria.

Oriente de Porto Alegre, aos dezoito dias do mez de setembro de 1835

(E. V.), 18º dia do sexto mez, Tisri, da V. L.L anno de 5835.

(ASS.)DOMINGOS JOSÉ DE ALMEIDA – SECRETÁRIO”

Iniciada, como estava previsto nessa ata, a 20 de setembro de 1835, como uma revolução autonomista, a revolta, chefiada pelo líder liberal Bento Gonçalves da Silva, Venerável Mestre da Loja “Philantropia e Liberdade”, evoluía, em 1836, para a criação de um Estado republicano, o qual pretendia constituir uma federação com as províncias que aderissem ao movimento.

Esse Estado denominou-se República de Piratini ou República Farroupilha.

Ao contrário dos tumultos ocorridos durante o período regencial, a Revolução Farroupilha foi realizada pelos melhores homens do Rio Grande do Sul, que formavam uma corrente de pensamento político elogiável, sob todos os aspectos, e com ideias de uma evolução social desejável, se bem que um pouco prematura.

A formação étnica e social do Rio Grande do Sul não pode ser isolada da dos povos dos países limítrofes – Uruguai e Argentina – pois a semelhança de meios e de modos de viver criaram uma comunhão de mentalidade, originada das lutas no rio da Prata e caracterizada pelo desejo de liberdade de hábitos e de autonomia dentro dos quadros de uma federação.

Dessa maneira, o movimento rebelde do Rio Grande foi muito mais federalista do que separatista, embora muitos historiógrafos o tomem como separatista, da mesma maneira como o fazem com a Revolução paulista de 1932 que lutou pela reconstitucionalização do país. Ao ser implantada a República Farroupilha, as leis não foram modificadas, a não ser quanto aos homens incumbidos de executá-las; além disso, em todas as propostas feitas pelos rebeldes ao governo imperial para que fosse alcançada a paz, sempre se insistiu na concessão de autonomia à província e nunca na impugnação da volta aos quadros do Império.

Até 1840, os rebeldes que usavam a tática de guerrilha, sem formar um exército regular organizado, levaram a melhor em quase todas as batalhas travadas contra as forças imperiais, como no combate de Rio Pardo, a maior vitória farroupilha, a 30 de abril de 1838. Nesse período, as tropas enviadas pela regência tiveram pouco êxito, sendo que um deles foi a batalha do fanfa, onde Bento Gonçalves foi preso e confinado no Forte do Mar, na Bahia, de onde fugiria, misteriosamente a 10 de setembro de 1837, com o auxílio da Maçonaria baiana, voltando à luta; ocorre que Bento

Gonçalves era Maçom, assim como o outro líder farroupilha, Davi Canabarro, e contou com o auxílio secreto das Lojas baianas, tendo à frente, a Loja “União e Segredo”, dirigida por um religiosos, o cônego Joaquim Antônio das Mercês.

Depois de 1840, o predomínio militar farroupilha decaiu, acentuando-se as vitórias imperiais, a partir de 1843, com o comando de Caxias, até se chegar à paz final a 28 de fevereiro de 1845. Mostrando entender que a Revolução não havia sido uma guerra de celerados, mas sim, a luta idealista pelas liberdades locais, o governo imperial, além da anistia, do reconhecimento das patentes militares, exceção feita aos dois líderes farroupilhas, e do encampamento da dívida dos republicanos, admitiu que o presidente da província seria indicado por eles e aprovada pelo governo central, tendo a escolha recaído sobre o próprio pacificador Caxias, também Maçom dos mais ilustres que viria a receber o título de Grão Mestre de Honra do Grande Oriente do Brasil.

Além dos principais chefes militares do movimento, os Maçons Bento Gonçalves e Davi Canabarro, os farroupilhas tiveram ao seu lado outros dois grandes Maçons e carbonários: os liberais italianos Tito Lívio de Zambeccari e Giuseppe Garibaldi, tendo este último, se sobressaído nos combates de 1838 a 1841, especialmente no comando da esquadra naval que ajudou Canabarro a tomar Laguna, Santa Catarina; Garibaldi, posteriormente, seria um dos líderes da campanha de unificação da Itália.

A REVOLUÇÃO LIBERAL DE 1842.

Os liberais que haviam assumido a liderança do movimento de Maioridade, mostrando habilidade e energia, não conseguiram, contudo, no começo do reinado de D. Pedro II, a adesão do país à totalidade do programa liberal, já que havia, tanto entre o povo politicamente apto, quanto na própria corte, um movimento conservadorista no sentido do reforço da autoridade que já havia sido a muito enfraquecida durante as experiências liberais da Regência.

Isso acabaria por levar à demissão do gabinete liberal de 1840 – o chamado “ministério das famílias”, por ter em sua composição, os Andradas, paulistas, e os Cavalcantis, pernambucanos – já que o Parlamento era eminentemente conservador, o que foi demonstrado através da aprovação de duas leis, criando o Conselho de Estado e emendando o Código Processual, a 23 de novembro e a 3 de dezembro de 1841, respectivamente. O que barraria as tentativas audaciosas dos liberais, dando meios para punir as violações da lei constitucional. A demissão do gabinete liberal ocorreu a 23 de março de 1841 e consta que, na reunião em que o ministério demitiu-se, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, na presença do imperador, teria dito ao seu irmão, Martim Francisco, ministro da Fazenda : “Não te disse, Martim, que quem se mete com crianças amanhece molhado? Vamos embora”.

Alijados dos conselhos de governo, porém, os liberais procuravam, ao final da quarta legislatura, nesse mesmo ano de 1841, uma melhor representação no Parlamento, sob a liderança do Maçom Antônio Carlos Ribeiro de Andrada – irmão de José Bonifácio e que já chefiara o movimento da maioridade – o qual sofria oposição de um expoente conservador: o Maçom Honório Hermeto Carneiro Leão, visconde e depois marquês de Paraná, membro do Supremo Conselho do Grau 33º e um dos signatários do tratado de fusão deste com o Grande Oriente Brasileiro (do Passeio), em 1842.

As manobras eleitorais evidenciaram, de ambas as partes, muita violência e falta de ética política, com frequentes e flagrantes desrespeitos aos ditames da lei e da moral. Em 1842, a 1º de janeiro, a Câmara dos Deputados era dissolvida, ainda durante as reuniões preparatórias. Esse fato enfureceu os liberais, já muito desgostosos com as leis de 1841, o que iria ocasionar as revoluções armadas de Minas Gerais e de São Paulo, sendo, a última chefiada pelo padre Feijó e pelo senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, fundador e primeiro Grão Mestre do Grande Oriente Brasileiro.

As revoltas contaram com o apoio dos setores liberais maçônicos, não só de São Paulo e Minas Gerais, mas também do Rio de Janeiro, já que grande parte dos Maçons brasileiros nunca morreu de amores pela monarquia. Tais setores, todavia, enfrentavam, dentro da própria Instituição maçônica, o combate dos conservadores, que pautavam a sua ação pelo respeito à autoridade e à Constituição, como forma de preservar a unidade nacional, independentemente de suas ideias políticas, em relação à monarquia.

A rebelião, todavia, foi rapidamente debelada por Caxias, incumbido

pelo ministro da Guerra, José Clemente Pereira, de restaurar a ordem e a lei nas províncias revoltadas. Em junho de 1842, foi vencida a revolta de São Paulo, em Sorocaba, e, em agosto, a de Minas Gerais. Embora sendo um rebelde e sujeito a sanções disciplinares, foi tratado, por Caxias, com toda a consideração que merece um Irmão e amigo – Caxias já colaborara com ele, em 1831, quando ele ocupava a pasta da Justiça, e, depois, durante a regência uma – já que, para Maçons verdadeiros que respeitam e seguem a doutrina maçônica, depois da Liberdade, o princípio mais sagrado é a Fraternidade.

A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA.

A LEI EUSÉBIO DE QUEIRÓS

Independente, o Brasil, em 1822, e continuando o desrespeito aos tratados e convenções – Tratados de Paris, de 1814, e Congresso de Viena, em 1815, entre outros – o governo britânico entrava em entendimentos com o governo do império, não só para extinguir o tráfico de escravos, mas mesmo para abolir totalmente a escravatura, pois, nessa época, já se manifestava a opinião favorável de uma corrente de homens de grande envergadura, que vergastavam o infame comércio. Podem ser considerados como positivos, nessa luta, na época: os escritos de João Severiano Maciel da Costa, futuro marquês de Queluz, em 1821; a conhecida conferência do Rio de Janeiro, entre lord Amherst e José Bonifácio – o primeiro Grão Mestre da Maçonaria brasileira – para a imediata repressão do comércio de escravos; e a representação de José Bonifácio à Assembleia Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura – publicada por Firmin Didot, Paris, 1825 – onde ele defende a abolição da escravatura e a reforma agrária e onde o trecho final é um hino à liberdade:

“Não vos iludais senhores. A propriedade foi sanccionada para o bem de todos; e qual o bem que tira o escravo de perder todos os seus direitos naturaes e de se tornar de pessoa a cousa, na frase dos jurisconsultos? Não é pois o direito de propriedade que querem defender : é o direito da força. Si a lei deve defender a propriedade, muito mais deve defender a liberdade pessoal dos homens que não póde ser propriedade de ninguém”.

As pressões da Inglaterra iam chegando ao auge, pois o Brasil era um dos últimos países a praticar o tráfico de escravos, desrespeitando novos tratados, posteriores ao de Paris. Para pôr termo a essa situação, lorde Aberdeen apresentou as medidas necessárias, através do “bill” (lei, projeto-de-lei) de 08 de agosto de 1845, por força do qual os navios brasileiros surpreendidos no tráfico, considerado ato de pirataria, poderiam ser apresados pelos cruzadores ingleses e enviados às Cortes do almirantado. Era um duro ato de força e o governo brasileiro, desprezando a violação de todos os tratados e o amparo concedido à escravidão, passou a discutir somente os detalhes do procedimento jurídico, protestando e apelando para o Direito das Gentes e as razões da soberania e dignidade das nações, em nota de 22 de outubro de 1845. Conseguiram, os escravocratas, através dessa cortina de fumaça, sensibilizar o espírito público para o “ultraje à soberania nacional”, fazendo com que os dirigentes tendessem a proteger o tráfico – que aumentou nos anos seguintes – e os traficantes. Até que a força das pressões chegasse ao máximo e se aprovasse, a 04 de setembro de 1850, a lei Eusébio de Queirós, que punha fim ao tráfico de escravos, no Brasil.

Depois de Eusébio de Queirós Coutinho Mattos da Câmara ter, como ministro da Justiça do gabinete de 29 de setembro de 1848, colocado em vigor a lei de, o Governo Imperial, estimulado por D. Pedro II, colocou tal ênfase em sua atuação repressiva do tráfico, que o número de escravos desembarcados no país, que fora de 23.000, em 1850, foi de apenas 3.287, em 1851, baixando para 700, em 1852; entre 1853 e 1856, ocorreram apenas mais dois desembarques – em São Matheus e Serinhaem – de 512 africanos, no total.

  1. Pedro II, em sua Fala do Trono, ao Parlamento, destacava, em 1851 e 1852, a queda dos números do tráfico e não deixava de atribuir grande mérito a Eusébio de Queirós, por sua atuação como repressor inexorável do tráfico de escravos. Eusébio de Queirós foi Maçom; embora não se saiba onde foi iniciado, ele chegou ao Grau 33º e foi membro honorário do Supremo Conselho do Grau 33º, como mostra a composição deste, em 1855.

É dessa época, o início da conscientização da opinião pública brasileira para o grave problema social representado pela escravatura, já que o progresso do país, graças ao surto da lavoura cafeeira, possibilitava melhores condições, culturais e político-sociais, para algumas camadas urbanas, onde as ideias liberais e democráticas circulavam. Era o tempo em que a província de São Paulo pontificava, graças à sua Academia de Direito, que atraia jovens de todo o país, os quais, como estudantes, ou já bacharéis, empolgavam a opinião pública, inclusive através dos muitos jornais criados nesses tempos. Iniciava-se, então, uma luta, que teria o seu apogeu na década de 80 do Século XIX, na qual iriam se destacar nomes maiúsculos do movimento abolicionista, como Luís Gama, Antônio Bento, José do Patrocínio, Joaquim Nabuco, Silva Jardim, Ruy Barbosa – todos Maçons – e outros.

Foi quando começaram, realmente, com maior ênfase, os movimentos maçônicos, nas Lojas, com a finalidade de promover a alforria de escravos e de impedir que os seus membros e os seus candidatos à iniciação maçônica mantivessem escravos, ou contribuíssem para que o tráfico negreiro não fosse estancado, enquanto as iniciativas individuais de Maçons contribuíam para fugas em massa de escravos e a sua proteção, para evitar a recaptura.

A Loja “Piratininga”, uma das mais tradicionais Oficinas maçônicas de São Paulo e do Brasil, embora fundada a 28 de agosto de 1850, na capital de São Paulo, já em sua 15ª sessão, realizada a 28 de outubro de 1850, apenas dois meses após a fundação, aprovava uma proposta para que um dos quesitos das sindicâncias dos candidatos à iniciação seria dirigido no sentido de saber “se o prof. se dá ao detestavel commercio de carne humana”.

Todavia, mesmo antes da conscientização pública para o problema da escravidão, diversos atos isolados, inclusive de Maçons, já marcavam o movimento. É o caso da atitude pioneira da República Riograndense, originada da eclosão da Revolução Farroupilha, liderada por Maçons como Bento Gonçalves e Davi Canabarro, fazendo libertar, de acordo com o decreto de 11 de maio de 1839, os escravos “aptos para a profissão das armas, officinas e colonização, afim de acelerar de prompto a emancipação dessa parte infeliz do genero humano”

O tráfico, aos poucos, ia declinando. Em 1857, na Fala do Trono, D. Pedro II abordou a questão do tráfico pela última vez, porque, a partir daí, ele foi considerado praticamente extinto. E devia, mesmo, estar extinto, porque os ingleses, que tanto vigiavam o cumprimento da medida, confirmaram essa extinção, através de lorde Palmerston, em 1856, e consideraram impossível restaurá-lo, através do ministro britânico, lorde Christie, em 1862. Mas, apesar de cessado o tráfico, a mão de obra escrava era mantida pela reprodução, embora os senhores tivessem começado a cuidar melhor dos escravos e de seus descendentes, já que estes se tornaram a fonte mais certa e imediata de trabalhadores.

Não era, portanto, a extinção do tráfico, o fim da escravatura no Brasil. O grave problema social continuava e a opinião pública, já sensibilizada por ele, ia, lentamente, caminhando no sentido de novas medidas antiescravistas. Foi quando as Lojas brasileiras e muitos Maçons, independentemente das Obediências a que pertenciam, tornaram-se figuras exponenciais do movimento, não só pela propaganda em favor da total abolição da escravatura, mas, também, pela ação efetiva na libertação e na proteção de escravos fugidos.

PROJETOS MAÇÔNICOS.

Tardavam outras medidas, além da extinção do tráfico. O Brasil, empenhado, desde 1865, na Guerra do Paraguai, não atacava outros problemas, como o da escravatura, mesmo diante de pressões internacionais e apelos de instituições filantrópicas de outras nações. O Comitê de Emancipação da França, entidade de que a Maçonaria francesa, através do Grande Oriente da França, participava ativamente, solicitava, ao governo imperial brasileiro, em 1867, a libertação total dos escravos no país; ZACARIAS DE GÓES, chefe do Gabinete de Ministros, respondia, então, em nome do governo, atenciosamente, esclarecendo que, após a Guerra do Paraguai, a questão seria tratada com carinho. Foi nessa situação que as Lojas começaram a tomar medidas de âmbito interno, para dar a sua contribuição à libertação dos escravos.

A Loja “Perseverança”, de Paranaguá, Paraná, seria uma das pioneiras desse movimento, com a seguinte resolução, adotada em 1867:

“Á Glória do Supremo Architeto do Universo e sob os auspicios do Grande Oriente e Supremo Conselho do Brasil, a todos os Maçons: Resolução adoptada e promulgada em 18 de Novembro de 1867, pelo seu Venerável de Honra Perpétuo, Dr. ALEXANDRE BUSQUET, Delegado do Grão Mestre em Paranaguá:

Considerando que a missão da Maçonaria é guiar os povos no caminho da Civilisação, da Liberdade e do Progresso, e tomar sempre a iniciativa das medidas tendentes á felicidade do genero humano, preenchidas as formalidades exigidas pelos artigos 257, 258 e Capitulos 278 e 281, á unanimidade de votos,

DECRETA

Art 1º Todos os fundos, tanto da Thesouraria como de Beneficencia, que excederem de seus gastos normaes, d´agora em diante, sejam empregados em libertar escravos de qualquer cor, unicamente do sexo feminino, que não tenham mais de 4 annos de edade.

Art. 2º Todos os annos, no dia 23 de Junho, vespera da festa de São João, a Loja reunida em sessão magna procederá ao sorteio das libertadas. Os nomes das agraciadas serão profanamente publicados no dia seguinte, 24 de Junho.

Art. 3º Contemplar-se-hão somente, neste sorteio, as escravas mães de melhor conduta e residentes neste Municipio. A escolha dos nomes que deverão entra na urna será feita em sessão economica que preceder a de 23 de Junho, em Loja plena, previamente convocada pelo Veneravel.

Art. 4º Fiel ao imperioso dever de reformar e moralisar os costumes, já consagrando a santidade dos laços matrimoniaes, já vituperando libidinosos escandalos, a Loja Perseverança exclui dos beneficios do Art. 1º os filhos de escravas com homens livres casados ou de cor e tambem com qualquer membro desta Augusta Loja, mesmo solteiro.

Art. 5º Uma coleta especial será feita para o fim do Art. 1º em todas as sessões magnas e convites serão dirigidos a todos os Maçons desta Provincia, para que com seu obulo concorram para tão elevada empresa.

Art. 6º Uma copia da ata da presente sessão será remettida ao Grande Oriente do Brasil, ao Vale dos Beneditinos, e á Grande Officina Chefe do Rito Escossez Antigo e Acceito. Enviar-se-ha, igualmente, um exemplar da presente Lei a todas as Officinas do Circulo, convidando-as a generalisa-la e adopta-la no seu seio.

Art. 7º A presente resolução será publicada pela imprensa, tanto para propagar os sãos principios da Maçonaria, como e principalmente para excitar uma louvavel emmulação entre as escravas que certamente esforçarse-hão pela sua boa conducta, em tornarem-se merecedoras da liberdade de suas filhas e da regeneração de suas descendencias.

(ASS.) DR. ALEXANDRE BUSQUET, 33º – VENERÁVEL; ANTÓNIO DA SILVA GUIMARÃES, 18º – 1º VIG.;  LEOCADIO PEREIRA DA COSTA, 18º – 2º VIG.; JOAQUIM SOARES GOMES, 30º – ORADOR”.

Em sessão de 7 de agosto de 1869, da Loja “Perseverança III”, de Sorocaba, São Paulo, UBALDINO DO AMARAL pediu a palavra e apresentou a seguinte proposta alusiva à libertação de escravos:

“Trago, subscrita por essa presidencia, por LEITE PENTEADO e por mim, a seguinte proposição que esperamos merecer a approvação da Officina:

1º. A joia de iniciação será de 25$000;

2º. A mensalidade de 15$000;

3º. Colocar-se-ha na Officina uma caixa, denominada “Emancipação” na qual os iniciandos, a convite do Venerável e de qualquer Irmão quando queiram, depositarão suas offertas;

4º. O producto dessa caixa será exclusivamente destinado á libertação de crianças do sexo feminino, de 2 a 5 annos de idade;

5º. As crianças assim libertadas ficam sob a protecção da Loja;

6º. Serão absolutamente prohibidos os banquetes, ceias, copos d´agua, que o uso tem admittido nas iniciações, devendo o Veneravel convidar os recipiendarios para converter as quantias que dispenderiam com isso em donativos á CAIXA DE EMANCIPAÇÃO;

7º. Serão criadas escolas para adultos e menores. As escolas serão nocturnas e mantidas pela Officina, para o ensino gratuito das primeiras letras.”

A Loja “Perseverança III”, de Sorocaba, foi fundada a 19 de julho de 1869, por dissidentes da Loja “Constância”, da mesma cidade. Menos de um mês, portanto, após a sua fundação, ela já se engajava, embora em âmbito restrito e doméstico, na luta pela libertação de escravos. Essa proposta foi assinada pelo Venerável Mestre da Loja, VICENTE EUFRÁSIO DA SILVA ABREU, por José Leite Penteado e por Ubaldino do Amaral; este, republicano histórico, seria, posteriormente, senador, ministro do Supremo Tribunal Federal e prefeito do Distrito Federal.

A 4 de abril de 1870, na Loja “América”, de São Paulo, dava entrada, assinado por Ruy Barbosa, o seguinte projeto-de-lei, ao qual falta, curiosamente, o artigo 4º:

“Art. 1º – Sendo verdade inconcussa que a emancipação do elemento servil e a educação popular são hoje as duas grandes idéas que agitam o espirito publico e de que depende essencialmente o futuro da nação, a Maçonaria brasileira declara-se solemnemente a manter e propalar esses dous principios, não só pelos recursos intelectuais da imprensa, da tribuna e do ensino, como tambem por todos os meios materiaes atinentes a apressar a realisação dessas idéas entre nós.

Art. 2º Todas as Lojas maçônicas instituidas no pais, tanto as já existentes quanto as porvindouras, não poderão alcançar nem continuar a merecer o titulo e os direitos de Officinas regulares e legitimas, sem que adoptem pelo mesmo modo esses dois principios sociaes, compromettendo-se a trabalhar por eles, com eficacia e tenacidade.

Art. 3º Todas as Lojas maçônicas sujeitas ao Grande Oriente Brasileiro, assim presentes como futuras, ficam obrigadas a abrir, no orçamento de suas despezas, uma verba especial reservada ao alforriamento de crianças escravas.

  • primeiro – Esta verba será proporcional à soma total da receita de cada Loja, de maneira que seja sempre um quinto da receita total.
  • segundo – Este termo proporcional será applicado invariavelmente a todas as Lojas.
  • terceiro Ficam tambem obrigadas todas as Officinas brasileiras, a empregar todos os esforços possiveis, dentro da esphera de seus recursos pecuniarios, afim de divulgar activamente a educação popular, creando, nos seus competentes Valles, escolas gratuitas de ensino primario, já nocturnas ou domingueiras, para adultos de todas as classes, já diurnas e diarias para crianças de um e de outro sexo.

Art. 5º Nenhum individuo poderá mais obter o titulo e os privilegios de legitimo Maçom, sem que primeiramente, antes de receber a iniciação, declare livres todas as crianças do sexo feminino que dahi em diante lhe possam provir de escrava sua.

  • único Essa declaração será escripta e assygnada pelo respectivo neophito e por testemunhas idoneas, escolhidas dentre os Maçons presentes em numero bastante para que venha a produzir os effeitos legaes.

Art. 6º Todos aquelles que já se acham iniciados em qualquer Officina maçônica do Brasil ficam igualmente obrigados, logo que for promulgada esta lei, a lavrar um comppromisso em que declare livres todas as crianças do sexo feminino, filhas de escrava sua, que possam vir á luz desse momento em diante.

  • único Esta declaração será escripta e assygnada pelo respectivo in apenso e por testemunhas idoneas, em número sufficiente, a fim de que possa produzir todas as consequências legaes.

Art. 7º Para estas declarações de liberdade haverá em cada Officina, um livro particular numerado e rubricado pelos dellegados do Grande Oriente, ou em falta delles, pelo Venerável da Loja.

  • primeiro As declarações serão feitas por cada Maçom de per si, não se admittindo nunca que mais de um individuo subscreva o mesmo compromisso.
  • segundo Cada declaração individual será lavrada em uma das folhas do respectivo livro.

Art. 8º Se qualquer individuo reccusar-se a fazer a declaração referida nos artigos 5º. e 6º., se ainda não for Maçom não poderá nunca ser iniciado, e se já o for ficará ipso facto coberto por toda a Maçonaria brasileira, sendo a respectiva Loja obrigada a communicar essa ocorrencia ao Grande Oriente e ás Officinas mais proximas ou áquellas que forem situadas em qualquer logar para onde tenha de seguir o Maçom suspenso.

  • único Esta suspensão será levantada logo que o individuo, comparecendo á sua antiga Officina, lavrar e subscrever o compromisso mencionado.

Art. 9º Qualquer Maçom, apesar de ter escripto e assygnado a declaração indicada nos artigos 5º. e 6º., continuar a criar e manter ilegalmente, na escravidão, as crianças a que tenha dado liberdade pelo seu compromisso, fica a respectiva Loja obrigada a participar logo e logo esse delito ao Grande Oriente, o qual tanto que receber esta communicação, declarará o delinquente excluído do Grêmio da Maçonaria brasileira, como desobediente aos decretos do Grande Oriente, ficando privado de todos os titulos, direitos, privilégios e dignidades que possuir.

Art. 10º No caso figurado pelo artigo antecedente, cumpre á respectiva Officina, escolher sem demora, pessoa competente que processe o criminoso perante os tribunaes civis, servindo-se do compromisso por elle escripto e assygnado, afim de obter a sentença de liberdade em favor das crianças mantidas em injusto captiveiro.

Art. 11 A Loja maçônica que não satisfizer rigorosamente as obrigações determinadas nos artigos precedentes, será pela primeira vez reprehendida e intimada para cumpril-as e, se resistir, ficará suspensa como refrataria ás leis do Grande Oriente Brasileiro.

Art. 12 Todas estas disposições, cuja applicação á Maçonaria brasileira depende ainda da resolução do Grande Oriente, começam a vigorar desde hoje, como lei positiva, no seio da Loja América”.

A LEI “DO VENTRE LIVRE”

O VISCONDE DO RIO BRANCO

Nessa época, muitas Lojas maçônicas já se encontravam em plena ebulição, em torno das causas abolicionista e republicana, que caminhavam juntas nos meios maçônicos. Ambas eram baseadas na radicalização de posições assumida por uma ala jovem da Maçonaria brasileira, representada no governo imperial, no parlamento, nos quartéis, nas letras, nas ciências e nas artes.

O visconde do Rio Branco – José Maria da Silva Paranhos – iria tomar posse do cargo de Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, em 1871, cercado do respeito dos Maçons, pois já era, na época, um nome proeminente na vida pública nacional, chegando, em 1871, à presidência do Conselho de Ministros. O seu Gabinete foi o de mais longa duração do Império, ou seja, de 1871 a 1875, quando pediu demissão. O Grande Oriente do Brasil passava a ter, assim, como seu Grão Mestre, o homem mais proeminente da política nacional. E esse fato iria ter consequências imprevisíveis, pois, a partir de atos de Rio Branco, saudados pelos Maçons – padres, inclusive – a Maçonaria brasileira iria acabar sendo colocada no meio de uma querela administrativa entre o bispado brasileiro e o governo imperial, no episódio que passou à História como a Questão Religiosa.

A atuação de Rio Branco à frente do Gabinete ministerial foi bastante profícua: ele levou a cabo a reforma judiciária, ampliou o habeas corpus, instituiu a fiança provisória, realizou o primeiro recenseamento do Brasil, regulou o registro civil e reorganizou a antiga Escola Militar como Escola Politécnica. À abolição da Escravatura, sua contribuição mais notável foi a apresentação da lei aprovada a 28 de setembro de 1871, a qual declarava livres, daí em diante, as crianças nascidas de escravas. Essa lei passou a História com o nome chulo de Lei do Ventre Livre, embora tenha, legislativamente, sido chamada de Lei Visconde do Rio Branco. Sob a pressão, não só maçônica, mas também política, por parte dos que viam, nessa lei, uma alternativa ao caos que representaria uma imediata extinção total da escravatura, Rio Branco, aproveitando a viagem do Imperador e da imperatriz Tereza Cristina à Europa, com a regência do Império entregue à princesa Isabel, apresentou a lei, que leva o seu nome e que era baseada em projetos anteriores de José Antônio Pimenta Bueno (marquês de São Vicente) e de Jerônimo José Teixeira Júnior (visconde de Cruzeiro), julgados inoportunos à época em que foram apresentados.

Rio Branco, como diplomata, já percebera, em suas viagens internacionais, que grande parte da má vontade, da antipatia e até do desdém de alguns países, em relação ao Brasil, tinha, como causa, a manutenção da escravidão negra. Ele presidia, porém, um Gabinete conservador e tinha que agir com cautela e com a diplomacia em que era tão hábil, pois, se propusesse uma abolição total, poderia causar uma séria ruptura no Partido Conservador. Mas sabia, também, que diante das pressões que sofria, inclusive no meio maçônico, tinha que tomar alguma atitude. E, assim, o projeto chegou à Câmara, para enfrentar uma dura batalha, durante a qual Rio Branco, para defendê-lo, chegou a pronunciar vinte e um discursos no Parlamento, tentando, a todo custo, encontrar a forma conciliatória, que evitasse os conflitos e a violência. Aprovada a lei, ele se tornou uma espécie de herói público, aclamado pelo povo, que fazia romarias à sua casa, em São Cristóvão, para cumprimentá-lo.

OS GRANDES VULTOS MAÇÔNICOS DO ABOLICIONISMO

De São Paulo partira uma das primeiras vozes contrárias à escravatura, ainda durante a regência de D. João, quando o conselheiro ANTÔNIO RODRIGUES VELOSO DE OLIVEIRA , em suas “Memórias para o Melhoramento da Província de São Paulo, aplicável em grande parte às demais províncias dos Brasil”, apresentadas em 1810 e publicadas em 1822, depois de enumerar e criticar os atos dos capitães-generais, que concorriam para prejudicar o desenvolvimento da província, tratava do braço servil e da imigração livre ; esta, segundo ele, poderia concorrer para a vinda das populações europeias atingidas pelas devastações das guerras napoleônicas. E terminava, o conselheiro, por propor que, se fosse impossível estabelecer correntes imigratórias, prosseguisse o comércio de escravos, mas que a escravidão de cada africano importado fosse restringida a dez anos e que, em território brasileiro, nascessem livres os filhos de escravos.

Alguns anos depois, em 1823, José Bonifácio de Andrada e Silva formulara a já referida representação e um projeto-de-lei, à Assembleia Constituinte, propondo o fim do tráfico de escravos. Seguiu-se o poeta PAULO EIRÓ em seu drama “Sangue Limpo”, escrito em 1861, onde ele invectivava a escravatura.

E, a partir de 1870, começava a ação prática do precursor do abolicionismo em S. Paulo e, seguramente, o seu maior vulto: Luís Gama.

LUÍS GONZAGA PINTO DA GAMA foi Maçom e embora não se saiba quando e onde foi iniciado, o seu nome consta como filiado à Loja “América”, da capital de São Paulo, a 1º de agosto de 1870. No quadro de obreiros de 1872, onde é o 13º da lista, ele consta com a idade de 42 anos, o 18º grau e com a profissão de advogado provisionado; nesse mesmo quadro constam nomes como AMÉRICO DE CAMPOS, abolicionista e republicano histórico – filiado a 15 de julho de 1870 – AMÉRICO BRASILIENSE DE ALMEIDA MELLO, abolicionista e republicano histórico – filiado a 22 de agosto de 1870 – JÚLIO RIBEIRO, escritor e abolicionista – filiado a 29 de agosto de 1870 – JOAQUIM NABUCO, um dos maiores nomes do movimento abolicionista – iniciado a 1º de dezembro de 1868 – BERNARDINO DE MENESES, jornalista, advogado e abolicionista – iniciado a 19 de março de 1869 – o já citado Ruy Barbosa – iniciado a 1º de julho de 1869 – e, como membros honorários, FRANCISCO RANGEL PESTANA e BERNARDINO DE CAMPOS, nomes importantes do movimento republicano. Na Loja “América”, ele exerceu diversos cargos, inclusive o de Venerável Mestre, durante cinco períodos consecutivos.

Abolicionista extremado ele foi o verdadeiro fundador do movimento abolicionista na Província de São Paulo, dedicando-se, totalmente, à propaganda ativa, contundente e de resultados práticos, arrancando, ao cativeiro, milhares de escravos, com o uso de artifícios e até da força. Em um discurso pronunciado no Centro Operário Italiano, ele pulverizava o pretendido “direito” escravista, afirmando: “O escravo que mata o seu senhor, seja em que circunstância for, age em legítima defesa”.

Ao seu filho, ele ensinava: “Trabalha para que este país não tenha reis nem escravos”, mostrando, aí, as duas frentes de luta que marcaram a sua vida: o abolicionismo e o regime republicano. Embora seja, geralmente, esquecido, em benefício de outros nomes da causa abolicionista, ele foi, certamente, a sua maior figura. No Boletim do Grande Oriente do Brasil, nº 7, de 1923, o Irmão Courier (nome simbólico) assim se refere a Luís Gama e à Loja “América”:

“Na história do abolicionismo não há, indiscutivelmente, figura mais varonil, mais dedicada, mais esforçada e notável que a de Luís Gama. Esse sim que se tornou um planeta de primeira grandeza, pelo seu esforço, pelo seu sacrifício e pela sua alta inteligência, posta, sem desfalecimento, à nobre causa da abolição, porque Luís Gama era apóstolo da ideia no jornal e na tribuna ; e era caifaz na prática, indo tirar escravos das fazendas e escondê-los na sua casa e na de amigos, alguns dos quais figuram no quadro da América. Segundo me afirmou, em 1908, um dos sobreviventes desse quadro notável – o Dr. Olympio da Paixão (N. A.: número 8 do quadro, filiado no mesmo dia que Luís Gama) – havia, na cerimônia de iniciação da Loj. América, a obrigação do neófito, caso fosse fazendeiro, de dar carta de alforria a seus escravos. E asseverou-me mais, o Dr. Paixão, que muitos escravos assim conseguiram a suspirada liberdade. No caso, porém, do neófito ser negociante, ou dispor de meios de fortuna, apresentavam-lhe uma lista, na qual eram escrituradas as quantias destinadas à alforria de escravos”.

Ao lado de Luís Gama, mas numa linha menos agressiva, encontrava-se José Bonifácio de Andrada e Silva, cognominado José Bonifácio, o Moço, sobrinho do Patriarca da Independência, cujo nome, a 04 de setembro de 1850, aparece como regularizado e filiado à Loja “Piratininga”, da capital da Província de São Paulo, no mesmo dia em que também foi filiado Bernardo Avelino Gavião Peixoto, que viria a ser fundador e primeiro Venerável Mestre – após a regularização – da Loja “Fraternidade”, de Santos, São Paulo, e que também teria intensa ação abolicionista nesta cidade. Não se sabe quando e onde José Bonifácio, o Moço foi iniciado, mas o mais provável é que tenha sido na Loja “Amizade”, no início de seu curso de Direito. Ele foi do primeiro grupo de filiados à Loja “Piratininga”, que havia sido fundada a 28 de agosto de 1850.

No mesmo gênero de atuação encontrava-se o seu irmão Martim Francisco Ribeiro de Andrada (o 2º.), político, advogado e professor, também membro da Loja “Piratininga”.

Na mesma linha agressiva de Luís Gama e sucedendo-o na ação abolicionista de efeitos práticos, surgiria a figura maiúscula do jornalista e advogado Antônio Bento de Souza e Castro, um nome geralmente bastante esquecido na historiografia nacional e mesmo nos meios maçônicos. Abolicionista apaixonado, ele, diante do túmulo de Luís Gama, quando este faleceu, em 1882, jurou continuar a obra do grande Maçom da Loja “América”. Para isso, ele organizou uma Sociedade secreta, denominada “Os Caifazes”, cujos membros eram recrutados em todas as camadas sociais, com ramificações em repartições públicas e nas instituições particulares, além de, obviamente, entre os membros das três principais Lojas paulistanas da época: “Piratininga”, Loja na qual Antônio Bento foi iniciado, “América” e “Amizade”. Os caifazes tratavam de retirar os escravos das fazendas, utilizando processos evidentemente ilegais, que chegavam até à violência, encaminhando-os, depois, ao quilombo do Jabaquara, em Santos, onde os colocavam a salvo das perseguições. E tão numerosas foram as fugas em massa de escravos retirados pelos caifazes, que poucos restavam quando foi sancionada a lei que extinguia a escravatura, em 1888.

Antônio Bento, o líder dos caifazes, além de sua atividade como promotor e juiz, foi jornalista de largos méritos, tendo fundado os jornais “O Arado”, em 1882, “A Redenção”, em 1887, e “A Liberdade”, em 1888, dos quais o principal foi “A Redenção”, violenta trincheira onde ele combatia os escravocratas. Sendo provedor da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, ele recolhia, ao templo, os escravos que arrancava das fazendas, antes de enviá-los ao quilombo do Jabaquara. Na igreja de Nossa Senhora dos Remédios – erigida em 1724, como capela, pelo coronel Sebastião Fernandes do Rego – existiam diversos apetrechos que haviam servido aos escravos, além de vários instrumentos de tortura usados para atormentá-los ; tal material era exposto ao público, nas datas em que a irmandade festejava alguma data importante. A igreja, localizada nas proximidades do largo da Sé, foi demolida para as obras de ampliação das praças João Mendes e Clóvis Beviláqua, na capital paulista.

Em uma linha mais tardia, mas nem por isso menos vibrante e contundente, do abolicionismo e do republicanismo, encontrava-se Silva Jardim, o mais jovem de todos, pois nascera dez anos após a promulgação da lei Eusébio de Queirós. Em 1881, como jornalista da Tribuna Liberal, ele se ligava a Luís Gama e a JOSÉ LEÃO, para a luta em favor da abolição da escravatura no Brasil e para organizar as fugas de escravos, que, geralmente, eram conduzidos ao quilombo de Jabaquara, em Santos. Ele ficava, dessa maneira, em duas linhas: a agressiva e prática, de Luís Gama e Antônio Bento, em São Paulo, e a de tribuna popular, como José do Patrocínio, no Rio de Janeiro. Do seu contato com os intelectuais abolicionistas e republicanos, principalmente com Luís Gama, resultaria, nessa época, a sua iniciação na Loja “América”, de São Paulo.

EM PERNAMBUCO E NO RIO DE JANEIRO: NABUCO E PATROCÍNIO

Parlamentar, diplomata e escritor, Joaquim Aurélio Nabuco de Araújo, pelas suas maneiras e pela educação que recebera, era considerado um aristocrata, mas, também, uma das mais fulgurantes inteligências de sua época. Apesar de ser membro da classe dominante no nordeste, a dos barões do açúcar, ou seja, da aristocracia açucareira em decadência, ele se empenhou de corpo e alma pela libertação do braço servil. Tendo feito os primeiros três anos do curso de Direito, em São Paulo, ele foi colega de Castro Alves e de Ruy Barbosa; como este último, ele também foi iniciado Maçom, através da Loja “América”, a 1º de dezembro de 1868, aos 19 anos de idade .

Ainda estudante, ele sentira, profundamente, o problema da escravatura – já passara parte da infância entre escravos, em Massangana – ao defender, no júri, um escravo que assassinara o senhor, por ter sido açoitado publicamente. Nessa ocasião, ele escandalizava a Sociedade branca aristocrata de Pernambuco, dizendo, sobre Tomás, o escravo: “Ele não cometeu um crime! Ele removeu um obstáculo!”

Mais tarde, ele se tornaria o líder do abolicionismo e suspeito a todos os senhores de engenho – classe de que ele provinha – que tentavam tirá-lo dessa linha política. Na Câmara, ele passou a defender temas explosivos, como a eleição direta, a presença de não católicos no Parlamento e, principalmente, a abolição da escravatura. Nessa época, entre os que defendiam os escravos, existiam os emancipadores e os abolicionistas ; os primeiros pretendiam uma abolição com indenização dos senhores de escravos, enquanto os outros lutavam pela imediata abolição, sem qualquer indenização. Nabuco estava neste último grupo.

Ao terminar o seu mandato, em virtude de sua polêmica atividade, foi excluído da chapa dos representantes da província de Pernambuco, o que o fez, então, exilar-se, voluntariamente, na Europa, fixando residência em Londres. Em 1883, escreve “O Abolicionismo”, onde critica a classe dominante, por sua atitude diante do grave problema social da escravidão. Embora longe do país, ele não recuava na meta que traçara para si, pois sempre esteve em contato com a “Anti-Slavery Society” (Sociedade Antiescravista), que o enviaria, como seu delegado, ao “Congresso para a Reforma do Direito das Gentes”, em Milão, em 1883.

Em 1884, ele retorna ao Brasil, na época em que se discutia uma nova lei paliativa, a qual previa a libertação de escravos com mais de 60 anos de idade. Resolve, então, dedicar-se, definitivamente à política, inscrevendo-se como candidato a deputado por Pernambuco, no 1º Distrito (Recife); mas perdeu a eleição por poucos votos. Surgindo, porém, outra oportunidade, num segundo escrutínio no 4º Distrito (Nazaré), ele é eleito de forma espetacular, quando todos os demais candidatos desistiram em seu favor. A partir daí é que ele retoma, com maior ênfase, a sua campanha abolicionista, como deputado e como presidente da Sociedade Brasileira contra a Escravidão, fundada a 7 de setembro de 1880. Ao mesmo tempo, porém, ele erguia a bandeira da federação, que, se tivesse sido vencedora, teria prolongado o tempo de vigência da monarquia.

Em 1888, apesar de ser liberal, ele apoiou o gabinete conservador de João Alfredo (21), que apresentou o projeto de emancipação imediata, sem indenização. Na mesma ocasião, escrevendo no jornal “O Paiz”, órgão republicano, ele, que não era republicano, defendia a ideia de uma monarquia federativa e popular, sob a regência da princesa Isabel, já que o imperador se encontrava na Europa, em tratamento de saúde. Com o advento da república, ele abandonaria a atividade política, dedicando-se à literatura, terminando a sua carreira, a partir de 1900, como ministro em Londres.

Enquanto Nabuco desenvolvia sua campanha abolicionista na Europa e no Brasil, através de Pernambuco, principalmente, no Rio de Janeiro destacava-se a figura de José Carlos do Patrocínio, que desfrutava, entre os abolicionistas, de uma curiosa situação: senhor por parte de pai e escravo por parte de mãe.

Jornalista, sua verdadeira iniciação na imprensa ocorreu quando ingressou na “Gazeta de Notícias”, em 1879, pelas mãos de seu amigo Ferreira de Araújo, que dirigia a redação do jornal. Era a época das primeiras agitações populares da campanha abolicionista e também da republicana, quando ocorriam, na casa do capitão Emiliano Rosa Sena, em São Cristóvão, na antiga rua Imperial Quinta, 17, os preparativos para a criação do futuro Clube Republicano.

Sua verdadeira campanha abolicionista, todavia, começou quando ele, a 03 de agosto de 1880, no Teatro São Luís, fez um vibrante e emocionado discurso contra a escravidão, arrancando aplausos e recebendo apoio da multidão que lotava o local. A 15 e a 22 do mesmo mês de agosto, ele repete a sua oratória inflamada, que o distinguiria dos demais abolicionistas, pois agitava as massas e conseguia convencer o povo a não seguir os argumentos dos escravistas, de que a escravidão era necessária, economicamente, e que a sua extinção teria como consequência, a ruína social do país. Para ele, a escravidão era um roubo ; essa frase, de seus discurso, tornar-se-ia o lema do Clube Abolicionista. A atuação de Nabuco era mais política e dirigida às elites, com o seu grupo, rotulado de intelectual-filosófico, trabalhando no Congresso; a de Patrocínio era no comando do povo, fazendo-o vibrar pela causa abolicionista.

Na mesma época em que Nabuco criava a ‘Sociedade Brasileira contra a Escravidão” e era criada no Rio Grande do Sul a “Sociedade Abolicionista Nabuco”, e, no Ceará, a “Sociedade Cearense Libertadora”, todas sob inspiração dos meios abolicionistas maçônicos, no Rio de Janeiro, liderado por um grupo de mulheres, à frente do qual se encontrava a cunhada de Patrocínio, D. Virgínia Villa Nova, era criado o “Clube Abolicionista José do Patrocínio”. Esses núcleos, Sociedades e clubes abolicionistas iriam se expandir em 1882 e 1883, chegando ao número de doze, o que dificultava a coordenação do movimento. Isso fez com que, a 12 de maio de 1883, com a finalidade de agrupar, em uma só, todas essas Sociedades, Patrocínio, junto com André Rebouças e outros, criava a “Confederação Abolicionista”, que foi instalada em uma das salas da redação da “Gazeta da Tarde”.

Embora não haja documentação que mostre quando e onde José do Patrocínio foi iniciado, não restam dúvidas de que foi Maçom, pois o seu nome figura como tal, em publicações e documentos do Grande Oriente do Brasil, tendo sido membro da Loja “União e Tranquilidade” nº 02. Seu nome é citado no Boletim Oficial do Grande Oriente do Brasil, em 1897, na apuração para a eleição para o cargo de Grão Mestre Adjunto, a qual havia se realizado em fevereiro daquele ano; aí, consta que Patrocínio havia recebido seis votos no referido pleito.

O CEARÁ LIBERTA SEUS ESCRAVOS, SOB A ÉGIDE DA MAÇONARIA

A partir de 1875, o abolicionismo começara a empolgar a opinião pública na província do Ceará, enquanto a atitude do Parlamento imperial, de caminhar para uma paulatina extinção da mão de obra servil, sem uma ação eficaz para a total abolição, preocupava os abolicionistas cearenses. Tal situação, fez com que diversos grupos ativistas começassem a atuar dentro da mesma tendência paulista, de libertar, em grande escala, os cativos dos latifúndios. Também começaram a ser criadas associações abolicionistas, destacando-se, entre elas, o “Centro Abolicionista”, de tendência moderada, e a “Sociedade Cearense Libertadora”, de linha jacobina. Esta era formada, em sua maioria, por Maçons republicanos e abolicionistas, e conseguiu agitar a província, com uma reunião na chamada “Sala do Aço”, a 30 de janeiro de 1881, quando o seu presidente, João Cordeiro, à luz de velas, cravou um punhal na mesa revestida de pano negro, exigindo, de todos os presentes, o juramento de matar ou morrer pela abolição da escravatura, ao mais clássico estilo da carbonária.

Nos estatutos da Libertadora, constava, expressamente: “A Sociedade libertará escravos por todos os meios ao seu alcance”.

Seguindo essa linha, que era, também, a de Luís Gama e Antônio Bento, em São Paulo, a Libertadora usava, realmente, todos os meios, legais ou ilegais, para libertar escravos. Assim, raptavam-nos das fazendas, escondiam escravos fugitivos, disfarçando-os sob roupas finas e enviando-os para longe, com falsas cartas de alforria. Além disso, quando havia escravos à venda, os membros da Sociedade e suas mulheres doavam, para um fundo, relógios, correntes, anéis e brincos de ouro, para resgatá-los e dar-lhes liberdade. Cartas ameaçadoras eram enviadas a senhores de escravos. Uma delas, em registro que foi conservado, era dirigida a um fazendeiro do Piauí, cujos escravos fugidos haviam sido acolhidos pela Sociedade, e continha um trecho terrivelmente ameaçador, embora alguns historiógrafos o considerem “pitoresco”:

“Nós, abaixo-assinados, membros da terrível Sociedade Libertadora Cearense, restituímos a liberdade ao cidadão F… , e ordenamos-lhe que pretendendo voltar à terra de sua residência, se o seu senhor quiser obriga-lo ao cativeiro, o poderá matar com uma faca bem grande, que lhe atravesse o coração de uma banda à outra”.

A Sociedade chegou a aliciar os jangadeiros do Ceará – que, por isso, seriam homenageados por Patrocínio – chefiados por Francisco José do Nascimento, conhecido como “dragão do mar”. Fortaleza, capital e porto da província do Ceará, devido ao mar bravio, era péssimo ancoradouro e, por isso, os embarques e desembarques tinham que ser feitos por meio de embarcações pequenas e insubmersíveis, ou seja, as jangadas, as únicas a conseguir vencer o mar encapelado desse trecho da costa cearense.

Os jangadeiros – assim chamados, devido ao nome de suas embarcações – então, faziam o transporte de passageiros e carga para os navios ancorados ao largo, em Fortaleza, e recusavam-se a transportar escravos, sendo, por isso, fechado o porto ao tráfico interno de cativos, que eram vendidos, por seus proprietários, em outras províncias, diante do avanço da ação abolicionista. A última tentativa de embarcar escravos – duas mulheres – para o sul do país, foi tumultuada, exigindo a presença do chefe de polícia para garantir o embarque; enquanto este discutia com os jangadeiros, as duas escravas foram raptadas por membros da Sociedade e libertadas.

Os municípios cearenses começavam, nessa época, a libertar em massa os seus escravos. O primeiro a tomar tal atitude foi Acarape, que por isso, teve o seu nome mudado para Redenção. Seguiram-se diversos pequenos municípios até que, a 8 de maio de 1883, a liberdade, para os cativos, chegou a Fortaleza.

Era o passo que antecedia o clímax : a 25 de março de 1884, finalmente, era abolida a escravidão na província do Ceará, quatro anos antes da Lei Áurea, de 13 de maio de 1888. Foi quando Patrocínio chamou o Ceará de “Terra da Luz”. E tudo fora feito, principalmente, através do trabalho incessante da “Sociedade Cearense Libertadora”, de nítida inspiração maçônica.

No mesmo ano de 1884, a 10 de julho, a província do Amazonas seguia o exemplo do Ceará, libertando os seus escravos. Ainda em 1884, a 18 de setembro, em comemoração à rendição paraguaia, em Uruguaiana, três pequenos municípios do Rio Grande do Sul emancipavam antigos escravos, o mesmo acontecendo, um mês depois, com a cidade de Pelotas, que libertou cerca de 5.000 escravos. Em seis meses, a província do Rio Grande do Sul já havia alforriado cerca de 35.000 escravos.

A LEI DOS SEXAGENÁRIOS E A LEI ÁUREA

Coube ao Gabinete conservador, formado pelo barão de Cotegipe, a promulgação da lei dos sexagenários – que libertava cerca de 120.000 escravos com mais de 60 anos – a 28 de setembro de 1885. Mas, na realidade, essa lei era mais uma medida paliativa, que, sem desagradar aos proprietários de escravos – os escravos libertados já eram improdutivos para a lavoura, sendo aproveitados mais em trabalhos domésticos – procurava agradar aos abolicionistas, sem consegui-lo, porém, para dar mais uma sobrevida à escravatura. Juntou-se a ela, no ano seguinte, 1886, a Lei que criava o fundo de emancipação mediante indenização. E por aí ficou a questão, sem que fosse avançado mais um passo, fazendo, também, o Legislativo, abortar o projeto do senador DANTAS, subscrito, também, pelo visconde de Pelotas e pelos Maçons visconde de OURO PRETO e GASPAR DA SILVEIRA MARTINS, além de outros liberais, o qual tinha a seguinte redação:

“Art. 1º. Aos 31 de dezembro de 1889 cessará de todo a escravidão no Império.

  • 1º. Está em vigor em toda a sua plenitude e para todos os seus efeitos, a Lei de 7 de novembro de 1831.
  • 2º. No mesmo prazo ficarão absolutamente extintas as obrigações de serviços impostos como condição de liberdade ; e a dos ingênuos em virtude da Lei de 28 de setembro de 1871.
  • 3º. O governo fundará colônias agrícolas para a educação de ingênuos, trabalho de libertos, à margem de rios navegáveis, das estradas ou do litoral.

Nos regulamentos para essas colônias se proverá à conversão gradual do foreiro ou rendeiro do Estado em proprietário dos lotes de terra que utilizar, a título de arrendamento”.

O líder conservador, o barão de COTEGIPE, na chefia do Gabinete, mostrava-se um defensor da escravidão, até que ela se extinguisse pelas causas naturais. Mas quando a abolição total já era praticamente irreversível, isso fez com que ele deixasse a presidência do Conselho de Ministros a 10 de março de 1888. Após a queda do gabinete chefiado por Cotegipe, assume outro ministério, que, apesar de conservador, pertencia a uma ala dissidente do Partido Conservador, chefiado por JOÃO ALFREDO – que havia sido eleito Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, em 1881, não chegando a assumir o cargo – e constituído com a missão específica de elaborar o decreto que colocaria um ponto final na escravidão em território brasileiro, de acordo, inclusive, com o desejo já manifestado da regente D. Isabel, em sua Fala do Trono, ao Congresso.

A 8 de maio de 1888, era apresentado, pelo ministro da Agricultura, o deputado conservador paulista RODRIGO SILVA, o projeto do governo à Câmara dos Deputados. Esse projeto, redigido por FERREIRA VIANA, ministro da Justiça, o qual dera margem a muitas discussões, acabara por se fixar em um único artigo, extinguindo a escravidão no Brasil; o artigo 2º era a simples disposição usual, revogando as disposições em contrário. Houve a resistência da bancada da Província do Rio de Janeiro – o maior reduto escravagista do Brasil – a qual era chamada de “Junta do Coice”, que obstruía os trabalhos, chegando a propor o esvaziamento das galerias, onde o povo, que as lotava, manifestava-se a favor do projeto, aplaudindo os oradores favoráveis e vaiando os contrários.

Aprovado o projeto, por 85 votos favoráveis e 9 contrários, foi à sanção da princesa regente, D. Isabel, a 13 de maio de 1888, com a seguinte redação final, como Lei nº. 3.353, que passou à História como Lei Áurea:

“Art. 1º. É declarada extinta, desde a data desta lei, a escravidão no Brasil.

Art. 2º. Revogam-se as disposições em contrário”.

O MOVIMENTO REPUBLICANO BRASILEIRO

A CAMPANHA REPUBLICANA

OS PRÓDROMOS DE UMA CISÃO

Em 1861, o marquês de Abrantes era reconduzido ao cargo de Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, tendo, como seu adjunto, o barão de Cayru.

Em agosto de 1862, era sancionada uma nova Constituição do Grande Oriente. E, nessa ocasião, o marquês de Abrantes, que já vinha sofrendo ferrenha oposição, desgostoso, tornava-se cada vez menos frequente aos trabalhos do Grande Oriente, os quais deveriam ser presididos por ele. Com isso, os elementos que ambicionavam o Grão Mestrado começaram a agir na sombra, para solapar o poder do Grão Mestre, fazendo com que este, a 16 de maio de 1863, resolvesse suspender, temporariamente, as sessões do Grande Oriente, até que ele as convocasse. A crise, aí iniciada, iria conduzir a uma séria dissidência, no mesmo ano, tendo, como causa principal, as eleições para o Grão Mestrado.

A nova eleição das Grandes Dignidades da Ordem foi realizada a 07 de julho de 1863, eivada de irregularidades, elegendo-se uma administração ilegítima, o que faria com que o Grão Mestre, dois dias depois, emitisse um decreto, através do qual declarava suspensos todos os obreiros envolvidos, num total de quarenta e cinco. Anulado esse pleito, foi marcado outro para o dia 14 de agosto de 1863, o qual se processou dentro da mais absoluta lisura. Todavia, a oposição, liderada por Joaquim Saldanha Marinho, inconformada, tentou, de todas as maneiras, anular o pleito, mesmo depois de empossados os eleitos, tumultuando o já agitado ambiente do Grande Oriente do Brasil. Desgostoso com os fatos e cansado de lutar contra os interesseiros que o atingiam, o marquês de Abrantes renunciou ao cargo, a 25 de agosto.

A CONSUMAÇÃO DA DISSIDÊNCIA

Com a renúncia ao cargo, o marquês de Abrantes foi substituído pelo Grão Mestre Adjunto, Bento da Silva Lisboa, o barão de Cayru, que teve, como Adjunto, o conselheiro Joaquim Marcellino de Brito. A 25 de novembro do mesmo ano, em uma sessão bastante tumultuada pela oposição, Cayru era aclamado – em vista das circunstâncias especiais – Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, como consta no seu manifesto de 1864. Diante disso, Saldanha Marinho reuniu as Lojas “Comércio”, “Caridade”, “Estrela do Rio”, “Silêncio”, “Dezoito de Julho”, “Imparcialidade” e “Filantropia e Ordem”, fazendo com que, a 16 de dezembro de 1863, elas assinassem um termo, no qual oficializavam a sua saída do Grande Oriente do Brasil, depois de Saldanha ter, sete dias antes, lançado um manifesto, em que dizia que, tendo recebido a incumbência de estudar e solucionar a questão que agitava o Grande Oriente do Brasil, resolvia, pela autoridade que lhe era, assim, conferida – por apenas sete Lojas – tratar da organização do Grande Oriente Provisório. É claro que Saldanha, como líder dos dissidentes, não fora incumbido de nada – na verdade, ele se auto incumbira – pois só a sua vontade é que prevalecia ; e quanto à autoridade, ele também se apossara dela, pois um pequeno número de títeres não tinha peso suficiente para autorizar ninguém.

Desta maneira, foi criada a dissidência, que, como se proclamava o legítimo Grande Oriente do Brasil, tomou o mesmo nome, acrescentando, todavia, a expressão “do Vale dos Beneditinos”, em alusão ao local em que se instalou, à rua dos Beneditinos. Com a coexistência de duas Obediências com o mesmo título distintivo, o legítimo Grande Oriente do Brasil passou a ser chamado, para estabelecer, diferença, de “Grande Oriente do Vale do Lavradio”, ou, simplesmente, “Grande Oriente do Lavradio”. Isso, evidentemente, levou a anos de grandes pendências e rivalidades, mas, apesar de cisionário, Saldanha era respeitado como abolicionista e republicano; e fora ele que lançara, num discurso, o grito oficial do abolicionismo maçônico: “A emancipação dos escravos saia do seio da Maçonaria”.

UMA TENTATIVA DE PACIFICAÇÃO

Em outubro de 1869, a Maçonaria portuguesa era unificada, através da fusão do Grande Oriente Lusitano com o Grande Oriente Português, daí resultando o Grande Oriente Lusitano Unido. E, como o antigo Grande Oriente Lusitano havia assinado tratado de amizade com o Grande Oriente dos Beneditinos, enquanto que o Grande Oriente Português possuía o mesmo tratado com o Lavradio, o que, após a fusão, causava uma situação de mal estar, os dirigentes portugueses passaram a pressionar os brasileiros, para que estes imitassem as Obediências portuguesas. Nesse procedimento, teve participação fundamental o conde de Paraty, então Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa.

Em consequência dessa pressão, Saldanha Marinho, no final de 1869, propunha, a Marcellino de Brito, o início de um diálogo para a fusão das Obediências simbólicas e seus Supremos Conselhos do Rito Escocês Antigo e Aceito, o que foi aceito pelo Lavradio, fazendo com que cada um dos dois círculos constituísse, em 1870, uma comissão destinada a estudar a questão. Independentemente dos processos administrativos internos, os Maçons empenhavam-se, nessa época, na luta pela emancipação dos escravos, a qual iria ter lances decisivos na década seguinte.

A ASCENSÃO DE RIO BRANCO

O MANIFESTO REPUBLICANO

Naqueles dias agitados que vivia o Grande Oriente do Brasil, uma comissão de notáveis havia sido designada para tentar encontrar um nome aglutinador e experiente para dirigir a Obediência e o Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito. Inicialmente, foi indicado o conselheiro José Tomás Nabuco de Araújo, que acabaria por não aceitar a indicação, fazendo com que a comissão fixasse a sua preferência no nome de José Maria da Silva Paranhos, que receberia o título de visconde do Rio Branco, em junho de 1870 .

Eleito, ele não pôde tomar posse logo, já que estava em missão diplomática no Paraguai; assim, a 9 de abril de 1870, o Grão Mestre Adjunto Francisco José Furtado assumia, interinamente, a direção do Grande Oriente do Brasil. Com a morte de Furtado, em julho de 1870, foi eleito para o cargo o barão de Angra, Elisário Antônio dos Santos.

A 3 de dezembro de 1870, ocorria um fato marcante, para a história da campanha republicana: era lançado o “Manifesto Republicano”, de inspiração maçônica, liderado por Joaquim Saldanha Marinho e com cerca de 70% de signatários Maçons. Ele foi redigido e aprovado durante reunião na casa de Saldanha Marinho, que foi seu primeiro signatário, sem ninguém lhe contestar a primazia, pois ele era o grande líder dos republicanos.

O manifesto foi publicado nas páginas do jornal “A República”, do Rio de Janeiro e, no dizer de Manoel Diegues Júnior (in “Notícia Histórica Sobre a Ideia Republicana no Brasil”, Revista do Brasil, 3ª fase, Ano II, nº 17 – Rio de Janeiro, 1939 – pág. 14), é “a primeira página verdadeiramente política do movimento republicano”, com o que concorda o Maçom Manoel Ferraz de Campos Salles (in “Da Propaganda à Presidência”, pág. 1), ao afirmar que foi “o Manifesto de 03 de dezembro de 1870, atirado ao país, para servir de ponto de partida ao movimento republicano, que deveria triunfar, a 15 de novembro de 1889”.

Reynaldo Carneiro Pessoa (in “O Primeiro Centenário do Manifesto Republicano de 1870”, separata da Revista de História, nº 84, pág. 409), diz que o Manifesto “é um documento em cujo conteúdo pode ser encontrada uma cautelosa mensagem revolucionária, que requer, como necessárias, reformas em todas as estruturas do país, fundamentadas ideologicamente nos princípios da liberal-democracia” e chega à conclusão de que o seu texto é da lavra de Quintino Bocaiúva , Salvador de Mendonça e Saldanha Marinho, todos Maçons, assim como a maioria dos signatários.

Pela sua importância, no desenvolvimento da campanha republicana, merece, o Manifesto, transcrição integral[14].

A LEI DO VENTRE LIVRE E A QUESTÃO RELIGIOSA

Como já se viu, uma das contribuições sociais mais marcantes da gestão de Rio Branco, à frente do Gabinete ministerial, foi a apresentação da lei aprovada a 28 de setembro de 1871 – quando Rio Branco já era o Grão Mestre – que passou à História como lei do ventre livre.

Em decorrência desse fato, que geraria outros, Rio Branco enfrentaria, tanto como chefe do Gabinete ministerial, quanto como chefe dos Maçons, a desgastante Questão Religiosa, a qual, embora tenha sido uma pendência entre o alto clero e o governo imperial, em torno do hábito do padroado – que era o direito de protetor, adquirido pelo fundador de uma Igreja, ou o direito de conferir benefícios eclesiásticos, o que permitia, ao governo, a nomeação e a destituição de clérigos – acabou envolvendo tanto o Grande Oriente do Lavradio, dirigido por Rio Branco, quanto o Grande Oriente dos Beneditinos, do acendrado anticlerical Joaquim Saldanha Marinho.

É a Questão Religiosa, entre o clero e o Estado considerada uma das causas da derrocada do Império.

O pretexto para o desencadeamento das hostilidades foi uma solenidade maçônica, realizada no Lavradio, a 02 de março de 1872, para comemorar a aprovação da lei visconde do Rio Branco e homenagear o Grão Mestre. Durante essa solenidade, Antônio Alves Pereira Coruja, Venerável Mestre da Loja “Esperança”, pronunciou um discurso em que enaltecia a atuação da Maçonaria na libertação dos escravos, abordando os fatos desde a aprovação da lei Euzébio de Queirós, apresentada, em 1850, pelo Maçom Euzébio de Queirós, membro honorário do Supremo Conselho, a qual proibia o tráfico de escravos. Mas o fato gerador da crise foi o veemente discurso pronunciado pelo padre José Luís de Almeida Martins, que, como Grande Orador interino, enalteceu a Maçonaria e o Grande Oriente do Brasil, pela obra realizada em prol da emancipação dos escravos no Brasil. O discurso foi publicado nos jornais no dia seguinte, causando, então, a reação do bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, que, advertindo o padre, exigiu que este abandonasse a Maçonaria. Diante de sua recusa, o bispo o suspendeu, baseado na fala de Pio IX, durante o Consistório de 1865.

Diante da reação do bispo, as duas Obediências, do Lavradio e dos Beneditinos, saíram em defesa do Irmão atingido, mostrando, pelo menos aí, uma união, que era precária em outras ocasiões. Isso ficou consumado através de uma assembleia do Lavradio, a 15 de abril de 1872, complementada por outra, dos Beneditinos, a 27 de abril, quando foi lançado o “Manifesto da Maçonaria do Brasil”, redigido por Saldanha Marinho, um notório anticlerical. Esse manifesto, pela violência dos termos, iria contribuir para azedar as relações da Maçonaria com o alto clero, colocando-a numa questão que não era sua. E o pior foi que a violência de Saldanha Marinho, tão contrária à habilidade diplomática de Rio Branco, acabou por ser atribuída a este, pois o manifesto era da Maçonaria brasileira, de maneira geral – Saldanha, contrariamente aos seus hábitos, não assinou essa sua obra – cujo representante conhecido era o Grande Oriente do Lavradio, que tinha, à sua testa, o chefe do Gabinete ministerial.

A Maçonaria brasileira serviu de pretexto para a rebeldia do alto clero contra o Estado e a questão acabou se transformando em religiosa, quando, na verdade, ela era apenas político-administrativa, já que não se cogitava de comprometer o poder espiritual da Igreja e nem de tentar postergar a religião católica, em benefício de outras religiões, ou seitas.

A Questão Religiosa é apontada como uma das causas da queda da monarquia, mas ela não teve, como alguns autores pretendem, uma grande importância, como causa imediata da eclosão do movimento republicano, já que o conflito foi ignorado pelo povo, não havendo nenhum movimento a favor dos bispos, nem por parte do clero, pois a maioria dos eclesiásticos evitou, prudentemente, já que dependia do Estado, tomar partido e intervir na querela. Todavia, a partir desse episódio, o alto clero, embora não se tornasse antimonarquista, tornou-se indiferente em relação à sorte do regime vigente, transformando-o num dos fatores de solapamento do trono.

Embora a questão agitasse o Grande Oriente, sendo abordada em assembleias e comentada nos Boletins, ela era, aparentemente, circunscrita à capital do Império, não afetando as demais províncias, que pouco se interessaram pelo caso.

A CONVENÇÃO REPUBLICANA DE ITU.

Em 1872, por motivos vários – que não vêm ao caso para este estudo – malogrou uma tentativa de união e fusão entre os dois Grandes Orientes, embora, Saldanha Marinho tivesse, maquiavelicamente, colocado, na Obediência da rua do Beneditinos, o título de Grande Oriente Unido.

A par disso, em 1873, ocorria mais um importante lance da campanha republicana, com a realização da Convenção de Itu, de inspiração maçônica, a qual tivera os seus pródromos a 10 de novembro de 1871, quando setenta e oito partidários da República federativa haviam se reunido, sob a presidência do Maçom João Tibiriçá Piratininga, em Itu, na Província de São Paulo, com a finalidade de organizar o Partido Republicano local, criando um clube republicano, que pudesse servir de núcleo e centro do partido. Como corolário desse movimento, a 18 de abril de 1873, na casa de Carlos Vasconcellos de Almeida Prado – que hoje, abriga o Museu Republicano e está localizada em frente à Igreja Matriz, na praça Padre Miguel – com a presença das principais lideranças republicanas, era realizada a primeira “Convenção Republicana no Brasil”.

Dela, participaram clubes republicanos de dezessete cidades e, com exceção de São Paulo e Rio de Janeiro, todas as outras eram do centro-oeste paulista, onde os clubes eram formados, em sua grande maioria, por fazendeiros da região, na qual o cultivo do café estava em expansão, criando a elite econômica que iria, durante mais de trinta anos, dominar a política brasileira. Além de elaborar as bases para a organização do Partido Republicano, a convenção serviu, como muito bem situou JOSÉ MARIA DOS SANTOS, para “autorizar uma eleição de representantes, para um futuro Congresso Republicano, com sede na Capital, onde, em Câmara seleta e menos sensível a agitações, o programa definitivo se assentasse”.

A ata da histórica Convenção, onde constam nomes de Maçons ilustres, foi assim redigida:

“Aos 18 dias do mês de Abril de 1873 em casa do cidadão Carlos de Vasconcellos de Almeida Prado, reunidos os republicanos que vão abaixo assignados, foi acclamado Presidente da Sessão o Presidente do Club republicano de Itu, João Tibyriçá Piratininga; chamou este para Secretario o Dr. Américo Brasiliense de Almeida Mello. Foi este encarregado pelo Presidente de expor o fim da reunião. Depois de apresentar algumas considerações sobre a necessidade de organisar-se o partido de modo a facilitar as relações entre os diversos clubs existentes nas localidade, e no intuito de se dar desenvolvimento à propaganda das ideas, e harmonica direcção aos interesses politicos, offereceo à consideração dos associados as seguintes bases.

1º Será constituida na Capital da Provincia uma Assemblea de representantes de todos os municipios –

2º Funccionará a 1a ves em dia marcado pelos presentes cidadãos, e posteriormente como e quando for determinado pelos meios adoptados em sua Constituição –

3º Cada municipio elegerá um representante –

4º O sistema eleitoral será o do suffragio universal, i. e. – a idade de 21 annos completos e a não condemnação criminal darão direito de voto á todo cidadão –

5º A assemblea de representantes no fim de cada sessão nomeará uma commissão para no intervallo das reuniões dirigir os negocios do partido, entender-se com os clubs municipaes, e tomar as providencias exigidas pelas circunstancias que se derem, ficando porem seus actos sugeitos á approvação da Assemblea. // O Presidente da reunião declarou em discussão a 1ª base, q. encerrada aquella, foi approvada. Posta a 2ª em discussão, o Dr. Americo de Campos propos que fosse designado o dia 1º de Julho p.f. para a 1ª reunião – o Dr. Quirino dos Santos indicou que o mandato vigorasse só por um anno – o Dr. Ubaldino offereceo uma proposta no sentido de ser o mandato do representante do municipio revogavel á vontade e a qualquer momento pelo eleitor – o Dr. Antonio de Paula Sousa sustentou a mesma idea – o Secretario fes considerações no sentido de se manter a 2ª base tal qual se acha, acceitando-se porem a designação do dia para a 1ª reunião. O Dr. Antonio Cintra propos que fossem eliminadas todas as emendas, votando-se unicamente a indicadora do dia 1º de Julho – o Dr. Jorge de Miranda sustentou esta e sem sentido contrario manifestaram-se outros cidadãos – Terminados os debates o Presidente poz á votos a emenda do Dr. Antonio Cintra – Foi approvada, ficando por tanto acceita a base 2ª e marcado o dia 1º de Julho para o fim retroindicado – Forão postas em discussão, cada uma por sua ves, as bases 3ª, 4ª e 5ª – Ninguém tomando a palavra foram votadas e acceitas – Resolveo-se que para serem expedidas circulares á todos municipios da Provincia, dando conhecimento por copia das deliberações constantes desta acta, e convidando todos os republicanos a adherirem ás bases approvadas, e procederem as eleições de representantes, ficaram encarregados e authorizados a tomarem as necessarias providencias o Presidente e Secretario do Club Republicano de Itu – Em último lugar levantou-se discussão sobre a conveniencia de se manter uma folha, orgão do partido na Provincia, e tãobem auxiliar a que se publica na Corte – Tomarão a palavra o secretario, os Drs. Ubaldino, Barata, Jorge de Miranda, Manoel de Moraes, Augusto da Fonseca, Antonio Cintra, Jm. De Paula Sousa, A.. de Campos e Jm. Roberto de Asevedo Marques – Os 4 primeiros opinarão pela manutenção de um orgão na Capital da Provincia e por auxilios secundariamente á folha da Corte – Os 5 ultimos exceptuando-se o Dr. A. de Campos, manifestarão-se pelos esforços á bem do orgão na Corte e auxilios á da Capital da Provincia – O Dr. A. de Campos sustentou que se devia prestar auxilios ás folhas da Corte e Capital, enunciando-se para no sentido de se empregar todo appoio a aquella, que, conforme as circunstancias o exigirem, se acharem maes na frente dos inimigos, e que assim se o partido julgasse em taes casos o orgão na Corte não devia recusar-lhe todos os serviços – o Presidente, adherindo á idea de preferir-se a folha da Corte e da Capital declarou que o assumpto não era dos que devião ser votados, por não faserem parte das bases de organisação já approvadas, e que tomava a discussão meramente como meio de se manifestarem as opiniões, ficando porem a este respeito, cada um dos cidadãos presentes, com plena liberdade para procederem conforme suas inspirações, não devendo porem esquecer-se que é de summa importancia e grande alcance não se descuidarem os republicanos da imprensa, elemento essencial da propaganda das ideas e principios que são professados pelos cidadãos presentes – Nada mais havendo a tratar-se, foi lida esta acta e approvada por todas as pessoas presentes, que estão assignadas no livro de presença que acompanha este, das quaes vão aqui transcriptos os nomes com indicação de localidades, tendo a reunião adoptado este meio como mais simples, e em vista da difficuldade na hora adiantada em que se terminarão os trabalhos, de obter-se que o numeroso concurso de cidadãos prestasse suas assignaturas ao presente livro, tendo-as dado no de presença, como fica exposto – E sem observancia da deliberação dos associados passo para aqui as referidas assignaturas, e assigno com o Presidente esta acta – que vae lavrada por mim Secretario.

(ASS.) JOÃO TIBYRIÇÁ PIRATININGA

PRESIDENTE;

AMERICO BRASILIENSE DE ALMEIDA MELLO

SECRETÁRIO”

Os nomes constantes dessa ata, como sendo os dos que assinaram o livro de presenças, eram os seguintes, como estão relacionados, no original:

“De Itu : Estanislau de Campos Pacheco, Antonio Basilio de Souza Payaguá, Francisco Alves Lobo, José Alvares da Conceição Lobo, Antonio Nardy de Vasconcellos Junior, Bras Carneiro Leão, José Egidio da Fonseca, Antonio Rodriguez de Sampaio Leite, Luis Ferras de Sampaio, Theophilo da Fonseca, Elias Alvares Lobo, João Xavier da Costa Aguiar, Joaquim Pires Pereira de Almeida, Luis Antonio Nardy de Vasconcellos, Joaquim Rodrigues Barros, José Theresio Pereira da Fonseca, José Bernardo de Freitas, Manoel Fernando de Almeida Prado, Joaquim Manoel Pacheco da Fonseca, Antonio Freire da Fonseca e Sousa, Antonio Nardy de Vasconcellos, José Nardy de Vasconcellos, Manoel da Costa Falcato, José Antonio de Souza, Pedro Alexandrino R. Aranha, Victor de Arruda Castanho, João Tobias de Aguiar e Castro, José V. Pinto de Mello, Carlos Vasconcellos de Almeida Prado, Francisco Emydio da Fonseca Pacheco, Joaquim de Paula Sousa e Ignacio Xavier de Campos Mesquita.

De Jundiahy : Antonio Joaquim Pereira Guimarães, Antonio Augusto da Fonseca, Francisco de Paula Crus, Antonio Basilio de Vasconcellos Barros, Raphael Aguiar Paes de Barros, Constantino José dos Santos, Carlos de Quieros Magalhães, Luis Antonio de Oliveira Crus e Manuel Elpidio Pereira de Queiros.

De Campinas: Americo Brasiliense de Almeida Mello, Antonio de Cerqueira, Jorge de Miranda, Antonio Benedicto de Cerqueira Cesar, Evaristo Brasileiro, João José de Araujo Vianna, Alexandre Jeremias Junior, Theophilo de Oliveira, Asarias Dias de Mello, Francisco José de Carmargo Andrade, Joaquim de Sampaio Goes, Francisco Glicerio de Cerqueira Leite, Francisco Quirino dos Santos e Antonio Carlos da Silva Telles.

De São Paulo: Candido Barata, Americo de Campos, José M. Maxwell Rudge, Nuno de Mello Viana, José Luis Flaquer, Joaquim Taques Alvim, Malachias Rogerio de Salles Guerra, Antonio Francisco de Paula Sousa e Joaquim Roberto de Asevedo Marques.

De Amparo: Bernardino de Campos, Francisco de Assis dos Santos Prado, Tristão da Silva Campos e José Pinto do Carmo Cintra.

De Bragança: Antonio Joaquim Leme, Manoel Jacintho de Moraes e Silva, Theodoro Henrique de Toledo e Joaquim Antonio da Silva.

De Mogymirim: Antonio Francisco de Araujo Cintra e Ladislau Antonio de Araujo Cintra.

De Constituição (Piracicaba) : Manoel de Moraes Barros, Claudino de Almeida Cesar, Balduino do Amaral Mello, José da Rocha de Camargo Mello, Prudente de Moraes Barros .

De Botucatu: João Eloy do Amaral Sampaio, Bernardo Augusto Rodriguez da Silva, Francisco Xavier de Almeida Paes e Domingos Soares de Barros.

De Tietê: Pedro Alves da Costa Morgado.

De Porto Felis: Luis Antonio de Carvalho, Americo Boaventura de Almeida, Cesario Nanzianzeno de A. Motta Magalhães, Joaquim Floriano de Toledo Junior, Antonio de Toledo Piza e Almeida, João Baptista Silveira Ferras, José Raphael de Almeida Leite, Antonio Joaquim Viegas Muniz, Bernardino de Sena Motta Magalhães, Luis Gonsaga de Campos Leite, Jeronimo Pereira de Almeida Barros, José Rodriguez Paes e Antonio Alves Pereira de Almeida.

De Capivary: Luis Antonio de Sousa Ferras, Antonio José de Sousa, João Correa Leite de Moraes, Joaquim Galvão da Fonseca Pacheco, Antonio Dias de Aguiar, Joaquim Augusto de Sousa, Francisco Antonio de Sousa, Manoel de Arruda Castanho, Antonio de Toledo Piza e Almeida, Balduino de Mello Castanho Sobrinho, Francisco Pedro de Souza Mello e Antonio de Camargo Barros.

De Sorocaba: Joaquim Silveira Rodrigues, Antonio Joaquim Lisboa e Castro, Ubaldino do Amaral, Jesuino Pinto Bandeira e João Lycio.

De Indaiatuba: João Tibyriçá Piratininga, Manoel José Ferreira de Carvalho, José d’Almeida Prado Netto, Diogo do Amaral Campos, Ladislau do Amaral Campos, Luiz Augusto da Fonseca, José Vasconcellos de Almeida Prado e Theophilo de Oliveira Camargo.

De Bethlem de Jundiahi (Itatiba): Amelio Carneiro da Silva Braga.

De Vila do Montemór: Joaquim Pinto de Oliveira.

De Jahu : José Ribeiro de Camargo.

Do Rio de Janeiro: Barata Ribeiro e Eduardo de Oliveira Amaral”.

Entre os participantes dessa importante Convenção, podiam ser encontrados muitos Maçons de alto gabarito, como entre outros, AMÉRICO DE CAMPOS, AMÉRICO BRASILIENSE, JOÃO TIBYRIÇÁ PIRATININGA, BERNARDINO DE CAMPOS, FRANCISCO GLICÉRIO, UBALDINO DO AMARAL, MANOEL DE MORAES BARROS, FRANCISCO QUIRINO DOS SANTOS, CARLOS VASCONCELLOS DE ALMEIDA PRADO, JOSÉ LUÍS FLAQUER.

Depois da Convenção, em São Paulo, os congressistas traçaram as linhas mestras que deveriam ser adotadas pelos correligionários republicanos de São Paulo, as quais foram divulgadas através de um manifesto, importante, porque o Partido Republicano Paulista viria a ser o mais importante da primeira República. Como seus signatários surgiam diversos Maçons de proa do movimento, como AMÉRICO DE CAMPOS, TYBIRIÇÁ, CAMPOS SALLES, FRANCISCO QURINO, CERQUEIRA CESAR, MANUEL DE MORAES BARROS, BERNARDINO DE CAMPOS, MARTINICO PRADO, GLICÉRIO, OLIMPIO DA PAIXÃO, TACQUES ALVIM, PAULA SOUSA. Ei-lo, na íntegra:

“A COMMISSÃO PERMANENTE DO CONGRESSO REPUBLICANO Á PROVINCIA DE SÃO PAULO – A Commissão Permanente eleita hoje pelo Congresso Republicano de São Paulo, faz publico, em desempenho de seus deveres, que o CONGRESSO approvou em sessão de hontem o Manifesto, que lhe foi apresentado por diversos representantes de municipios, nos termos abaixo declarados – São Paulo, 3 de julho de 1873 – João Tybiricá Piratininga, presidente da Commissão Américo de Campos, secretário – João Tobias – Campos Salles – Martinho Prado Júnior – Antonio Augusto da Fonseca e Americo Braziliense.

“MANIFESTO DO CONGRESSO REPUBLICANO – Nós os representantes de diversos municipios desta provincia de São Paulo, reunidos em congresso pelos suffragios de nossos concidadãos – correligionarios, afim de consultarmos sobre os interesses e bases da organisação do partido republicano, attentando na téla dos factos que se abre em volta do paiz aos olhos de quantos estudam e observam o seu estado actual em face das aspirações e crenças, que se elevam para o porvir, entendemos que na primeira ordem de coisas está o melindroso assumpto do elemento servil, sobre o qual os polemistas da imprensa monarchica, tanto quanto a critica recolhida no recesso das discussões particulares, nos chamam de momento a momento.

E por isso vimos sobre este objecto apresentar desde logo o nosso pensamento.

No intuito de obstar os progressos da propaganda democratica, temse attribuido alternativamente ao partido republicano, ora tendencias exaggeradas no sentido da emancipação, ora o pensamento de manter o estado servil.

Com a primeira imputação pretende-se manifestamente arredar de nossas fileiras os possuidores de escravos, principalmente os agricultores, ao passo que com a segunda intenta-se embaraçar a marcha do partido apresentando-se-o como illogico e contradictorio com as suas doutrinas.

Nos extremos porém dos dois aleives, nessas alternativas tão diametralmente oppostas entre si, está a implicita confissão de que a deslealdade tomou o lugar ao cavalheirismo que nos era devido pelos nossos adversários.

Na circular de 18 de janeiro de 1872, redigida de accôrdo com a deliberação vencida em uma reunião de diversos amigos politicos, que se achavam nesta capital, foi nosso pensamento amplamente externado da fórma seguinte:

“Sendo certo que o partido republicano não póde ser indifferente a uma questão altamente social, cuja solução affecta todos os interesses, é mistér, entretanto, ponderar que elle não tem e nem terá a responsabilidade de tal solução, pois que antes de ser governo estará ella definida por um dos partidos monarchicos. E quando porventura ao partido republicano viesse a responsabilidade de um acto tão importante, a sua propria organização seria uma garantia efficaz de que elle não se afastaria das vistas da Nação, que neste caso seria chamada a pronunciar-se livre e soberanamente.

“Fique portanto bem firmado que o Partido Republicano, tal como consideramos, capaz de fazer a felicidade do Brazil, quanto a questão do estado servil, fita desassombrado o futuro, confiado na indole do povo e nos meios de educação, os quaes unidos ao todo harmonico de suas reformas e do seu modo de ser hão de facilitar-lhe a solução mais justa, mais pratica e moderada, sellada com o cunho da vontade nacional”.

Parece que esta declaração seria sufficiente para apagar todas as duvidas.

A questão não nos pertence exclusivamente porque é social e não politica: está no dominio da opinião nacional e é de todos os partidos, e dos monarchistas mais do que nossa, porque compete aos que estão na posse do poder, ou aos que pretendem apanhal-o amanhã, estabelecer os meios do seu desfecho pratico.

E se os nossos contrarios politicos presagiam para um futuro demasiadamente remoto o estabelecimento, no paiz, do systema governamental que pretendemos, o que vem interpellar-nos hoje e desde já sobre esses meios?

Se elles por seu turno, querem procrastinar tanto tempo a materia, como devem ser entendidas, perguntamos nós, as suas promessas?

Entretanto como quer que seja, se o negocio fôr entregue a nossa deliberação, nós chegaremos a elle do seguinte modo:

1º Em respeito ao principio da união federativa cada provincia realizará a reforma de accôrdo com os seus interesses peculiares mais ou menos lentamente, conforme a maior ou menor facilidade na substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre.

2º EM RESPEITO AOS DIREITOS ADQUIRIDOS E PARA CONCILIAR A PROPRIEDADE DE FACTO COM O PRINCIPIO DA LIBERDADE, A REFORMA SE FARÁ TENDO POR BASE A INDEMINIZAÇÃO E O RESGATE. ESTAS SÃO AS NOSSAS IDÉAS EXPOSTAS EM TODA FRANQUEZA DA CONVICÇÃO SINCERA. E CONSIGNANDO-AS POR ESTA FÓRMA EXPLICITA TEMOS EM MIRA DIZER MAIS UMA VEZ QUE NÃO SE PODENDO AFERIR POR ESSE LADO AS DIMENSÕES DE NOSSA BANDEIRA, PORQUE TRATA-SE DE UM PONTO DE ALCANCE COLLECTIVO PARATODAS AS OPINIÕES, E PARA TODOD OS HOMENS, TODAVIA SOBRE ELLE, COMO SOBRE TODAS AS FIBRAS DO CORPO NACIONAL EXISTENTE, TEMOS DOUTRINAS CLARAS E DEFINIDAS, QUE NÃO PODEM SER OUTRAS SENÃO AQUELLAS FIRMADAS NA CONSCIENCIA DOS POVOS ENTRE A RAZÃO E O DIREITO.

SALA DAS SESSÕES DO CONGRESSO AOS 2 DE JULHO DE 1873

ANTONIO AUGUSTO DA FONSECA – AMERICO DE CAMPOS – FRANCISCO EMYGDIO DA FONSECA PACHECO – M.F. DE CAMPOS SALLES – JOÃO TYBIRIÇÁ PIRATININGA – A. F. DE PAULA SOUSA – FRANCISCO QUIRINO DOS SANTOS – JOSÉ A. DE CERQUEIRA CESAR – MANUEL DE MORAES BARROS – ANTONIO FRANCISCO DE ARAUJO CINTRA – BERNARDINO DE CAMPOS – MARTINHO PRADO JR. – FRANCISCO GLYCERIO – A. DE ARAÚJO FERREIRA JACOBINA –RAPHAEL AGUIAR PAES DE BARROS – JOÃO TOBIAS – JORGE MIRANDA – J. M. DE LIMA E SILVA – J. R. DE AZEVEDO MARQUES – JOÃO FERNANDES DA SILVA JUNIOR – DIOGO ANTONIO DE BARROS – OLYMPIO DA PAIXÃO – ANTONIO JOAQUIM LEME – JOAQUIM ROBERTO DE AZEVEDO MARQUES FILHO – JOAQUIM TACQUES ALVIM”[15].

A QUESTÃO MILITAR

Ao mesmo tempo que se desenvolvia a campanha abolicionista, a campanha republicana era incrementada pela Questão Militar, que, na realidade, foi constituída de uma série de atritos, ocorridos entre 1883 e 1889, entre os políticos e os militares, e causados pelo brio de chefes militares e pela inabilidade de alguns políticos e ministros. Esses atritos iriam criar uma atmosfera propícia ao levante militar final, em 1889, trazendo, como resultado, a implantação do regime republicano, sob a liderança de militares Maçons, como o tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães e o marechal Manoel Deodoro da Fonseca, depois de uma intensa propaganda republicana, em que se destacaram muitos Maçons civis.

A Questão Militar não se limitou aos quartéis, pois também teve escora no Parlamento, onde os partidos políticos sempre procuravam apoio e proteção nas Forças Armadas, entregando-se ao amparo dos grandes chefes militares. Isso já acontecera com Osório, Maçom e conselheiro militar dos liberais e com o também Maçom Caxias, que, pelas circunstâncias, tornara-se o líder dos conservadores. Com a morte de ambos, em 1879 e 1880, respectivamente, os políticos encontraram os seus substitutos no general Corrêa da Câmara, visconde de Pelotas e senador pela Província do Rio Grande do Sul, e em Deodoro da Fonseca, o primeiro, pelos liberais, e o segundo, pelos conservadores. Totalmente dedicados ao Exército, todavia, Deodoro e Pelotas, acabariam ficando acima de qualquer rivalidade partidária; e é por isso que, nas questões militares com o Império, a atuação de Deodoro seria apoiada por Pelotas, pois, mais do que as tricas partidárias, interessava manter a coesão do Exército.

E o Exército, na realidade brasileira da época, cristalizava, principalmente, os anseios da classe média, que, a partir de 1870, já tinha condições de se candidatar ao poder, que já estava muito instável e oscilante, nas mãos da aristocracia açucareira, que se apoiava na agricultura do norte do país. Essa classe média da época, que englobava funcionários e empregados, não seria capaz, todavia, de empreender alterações marcantes na Sociedade, agregando-se, então, a uma nova força, que era o Exército brasileiro.

Importante é notar que, coincidentemente, a Maçonaria brasileira, já a partir do último quartel do século XIX, era formada, em sua maioria, por homens oriundos da classe média, tornando-se cada vez mais raros, nela, os membros da aristocracia e das oligarquias agrícolas. Não era estranhável, portanto, o fato de haver, na época, um grande contingente de militares, que a ela pertenceram, destacando-se, inclusive, como chefes militares e líderes maçônicos, podendo-se citar, neste caso, os nomes de Caxias, Osório, Deodoro, Benjamin Constant, Floriano Peixoto, Lauro Sodré, Hermes da Fonseca e Gomes Carneiro.

Em linhas gerais, a questão militar consistiu numa série de atritos, ocorridos entre 1883 e 1889, entre os políticos e os militares, causados pelo brio destes e pela inabilidade daqueles. Esses atritos iriam criar a atmosfera propícia, nos últimos anos do regime monárquico, para o levante militar final, o qual resultaria na implantação da República no Brasil.

As questões principais foram as punições, em 1885, do tenente-coronel Cunha Matos e do major Sena Madureira, pelo ministro da Guerra – civil – as quais foram consideradas uma injúria, já que Cunha Matos, em um jornal diário, respondendo a um deputado que o havia ofendido, afirmara que toda a discussão tivera origem num erro do ministro. A sua punição, além de considerada ofensiva, contou com o repúdio de Pelotas , que tomou a defesa dos seus irmãos de armas, “com a lei, ou sem a lei”, como ele afirmava. A questão suscitada, anteriormente, por Sena Madureira, foi semelhante à de Cunha Mattos, com o mesmo resultado: a punição. A diferença foi que este oficial não se conformou com a censura e, tendo em vista o prestígio de que desfrutava, no Exército, deu origem ao movimento.

Em 1886, Deodoro, então comandando a guarnição do Rio Grande do Sul, com largo prestígio no Exército e já Maçom antigo – iniciado em 1873 – apoiou o seu subordinado Sena Madureira, sustentando a legitimidade de sua posição. E, mais uma vez, no Senado, Pelotas chefiava o ataque ao Gabinete ministerial. A essa altura dos acontecimentos, Deodoro já adquirira um largo prestígio nas fileiras do Exército e era considerado, praticamente, o seu representante; apoiado nesse prestígio, ele aprovava, de forma ostensiva, as reuniões de oficiais, no Rio Grande do Sul, onde eram questionadas, abertamente, as atitudes do poder imperial.

O governo tentou mostrar, a Deodoro, as consequências que poderiam advir de tais atos de indisciplina, mas sem que houvesse qualquer resultado prático. Como a situação estava chegando a um ponto intolerável, Deodoro teve que ser demitido de seu comando, recebendo ordens para se recolher à capital do Império. No mesmo ano, a 10 de outubro, os oficiais do Exército e da Armada reuniam-se, no Rio de Janeiro, sob a liderança de Benjamin Constant , pelo Exército, e o ex-Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, almirante Silveira da Motta, pela Armada, para hipotecar solidariedade aos seus camaradas. Já num clima de pré-rebelião.

Demitido de seu comando, Deodoro recolheu-se, em 1887, à capital do Império, onde o movimento militar recrudescia, levando ao manifesto “Ao Parlamento e à Nação”, assinado por Deodoro e Pelotas e redigido por Ruy Barbosa, no qual eram definidos os pontos de vista das Forças Armadas. Em consequência, era criado, em junho de 1887, o Clube Militar, com Deodoro na presidência. Nesse mesmo ano, quando os fazendeiros escravocratas procuravam obter, do governo imperial, a colaboração militar na caça aos escravos fugidos – muitas das fugas por obra de Maçons – a princesa-regente D. Isabel recebia, através do Clube, uma altiva mensagem, onde Deodoro solicitava que o Exército fosse dispensado da vergonhosa missão de capitão-do-mato.

Apesar da intensa movimentação do Exército, os velhos militares –com patente de major para cima — acatavam demais o imperador, que, por ocasião da Guerra do Paraguai, havia se mantido firme ao lado dos alvos nacionais da campanha sustentada pelas Forças Armadas. Todavia, os postos inferiores, estavam preenchidos por jovens das escolas militares, os quais, além de não ter o mesmo sentimento dos oficiais mais antigos, ainda estavam altamente influenciados por Benjamim Constant, o professor de maior prestígio da Escola Militar e que viria, por sua atuação, a ser cognominado “o pai da República”. Maçom e positivista, Benjamim fazia aberta apologia do regime republicano e era um dos mais categorizados críticos do governo imperial.

MOVIMENTAÇÃO REPUBLICANA NO ÂMBITO MAÇÔNICO

Por essa época, nas Lojas, nos Corpos Filosóficos e nos clubes republicanos de inspiração maçônica, era grande a movimentação em torno da propaganda republicana, destacando-se, nesse período, muitos Maçons civis, que seriam chamados de “republicanos históricos”: QUINTINO BOCAYUVA, iniciado na Loja “Piratininga”, de São Paulo, e que viria a ser, posteriormente, Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil; MANOEL FERRAZ DE CAMPOS SALLES, futuro presidente da República; PRUDENTE JOSÉ DE MORAES BARROS, que viria a ser o primeiro presidente civil da República; FRANCISCO RANGEL PESTANA; LAURO SODRÉ, que viria a ser governador do Pará e Grão Mestre durante 12 anos; FRANCISCO GLYCERIO, que também viria a exercer o Grão Mestrado, em impedimento de Lauro Sodré; AMÉRICO DE CAMPOS; PEDRO DE TOLEDO, que viria a ser Grão Mestre do Grande Oriente Estadual de São Paulo; AMÉRICO BRASILIENSE DE ALMEIDA MELO; UBALDINO DO AMARAL; BERNARDINO DE CAMPOS e muitos outros.

No âmbito das Lojas e dos obreiros do Grande Oriente do Brasil, também era intenso o movimento, no sentido de impedir o advento de um terceiro reinado, implantando-se, então, o regime republicano.

A 21 de fevereiro de 1887, em reunião da Loja “Vigilância e Fé”, de São Borja, na Província do Rio Grande do Sul, era aprovada proposta do Irmão APARÍCIO MARIENSE DA SILVA – encaminhada, depois, a todas as Lojas do Brasil – no sentido de que fosse evitada a implantação do Terceiro Reinado.

Os principais trechos dessa proposta, são os seguintes:

“Para aquelles que encaram as mais graves questões sociais com criminoso desinteresse, ocupados só e exclusivamente do Eu-Tesouro inestimavel do egoismo; para aquelles que vivem distanciados da humanidade, porque com ella pouco se preocupam, e que fazendo parte de uma Instituição que tem por divisa a lucta incessante pela felicidade commum, faltam aos mais rigorosos de seus deveres sem a menor perturbação de consciencia ; para aquelles, finalmente, que deixam os destinos da patria correr á mercê de todas a eventualidades, o momento actual é placido, é de profunda quietação, porque não veem e nem sentem cousa alguma que lhes venha perturbar a paz indolente, a indifferença imperdoavel dessas almas insensiveis.

Mas para aquelles cuja maioria constitue o povo maçonico, que possuem sentimentos altruistas, alguma cousa de grande, de ellevada e de grave lhes terá despertado a attenção. Terão observado que para a Maçonaria brasileira a epoca actual é de completa transição ; terão reconhecido que alguma cousa mais é preciso fazer, alem de reunir-se nos templos para tratar da vida ecconomica dos mesmos; terão finalmente observado que o inimigo de todos os tempos virá amanhã, apoiado em poderosos ellementos, enffrentar-nos em nossa marcha descuidosa. (…) Estamos no momento em que bem dizia o venerando Saldanha Marinho: a Familia, a Patria, a Honra e a propria Consciencia perigam!

(…) a Maçonaria que se levante, oppondo-se firmemente, no caso fatal da morte do imperante, á sucessão de Isabel.

Que evite por todos os meios honrosos embora violentos, a coroação da princesa.

O povo que se governe e a Maçonaria que intervenha para a fundação de um governo livre e moralisado.

Os obreiros da Loja “Perseverança e Fé”, pezando a responsabilidade tremenda de que partilham, se dirigem em nome da Officina, a todas as Lojas do Brasil e especialmente ao Grande Oriente, convidando-os a evitar a todo transe a impplantação do Terceiro Reinado.

Eis, respeitáveis Irmãos o que venho proppor-vos, convencido de que assunto de tanta magnitude merecerá a vossa attenção”.

O mesmo Aparício Mariense da Silva, como vereador, apresentava, à Câmara Municipal de São Borja, a 31 de outubro de 1887, uma moção plebiscitária, propondo que a Câmara representasse, á Assembleia Provincial, sobre a necessidade de se dirigir à Assembleia Geral, para que se consultasse a nação sobre a conveniência da “successão no trono brasileiro de uma Senhora obcecada por uma educação jesuitica e casada com um principe estrangeiro”. A moção seria aprovada em terceira discussão, com uma emenda: que a palavra “jesuítica” fosse substituída por “religiosa”. Parece não ter havido, todavia, consequências, pois não se tem notícias da chegada da proposta à Assembleia Geral.

Da Província de São Paulo, partiria outra iniciativa maçônica nesse sentido, através das Lojas “Independência” e “Regeneração III”, de Campinas, e “Estrella d’Oeste”, de Ribeirão Preto, as quais, a 20 de junho de 1888, enviavam prancha a todas as demais Lojas, solicitando o apoio para uma conspiração, que impedisse o advento do terceiro reinado. A negligência na conservação dos documentos maçônicos impediu que respostas de muitas Lojas – se é que houve resposta da maioria – fossem preservadas para o futuro.

O Grande Oriente do Brasil, todavia, como Instituição, não tomou partido, não se envolvendo, portanto, na questão, embora houvesse muitos Maçons atuando na propaganda republicana. Isso é comprovado pela carta enviada às Lojas e lida, na Loja “Piratininga”, de São Paulo, a 24 de outubro de 1888, como consta na leitura do expediente:

“Prancha da Gr. Secr. Geral da Ord. em que se communica a resolução que o Gr. Or. há tomado sobre as representações que lhe dirigiram as AAug. Offic. “Independência” e Regeneração III” ao Vall. de Campinas e “Estrella d’Oeste”, ao Vall.: de Ribeirão Preto, nas quaes representações manifestaramse contra o 3º reinado do Paiz, manifestando-se o mesmo Gr. Or. que isso não é da competência da Maçonaria”.

O LEVANTE REPUBLICANO

Preparado em segredo, nos meios militares e nas rodas republicanas, onde era expressivo o número de Maçons, o levante deveria acontecer no dia 20 de novembro de 1889. Já no dia 10, havia sido decidida a queda do Império, durante uma reunião na casa de Benjamin Constant, à qual estiveram presentes Francisco Glycerio e Campos Salles. Nos dias 13 e 14, porém, temendo as hesitações e dificuldades de última hora e considerando o boato – entre os muitos da época – de que o governo mandara prender Deodoro, decidiram, os líderes do movimento, antecipar o golpe, começando, na madrugada do dia 15, a movimentação das tropas, à frente das quais iam Deodoro, Benjamin e Quintino (este, o único civil). Deposto o Conselho de Ministros e afastado o imperador, foi proclamada a República e Deodoro assumiu o poder, como chefe do Governo Provisório, com um ministério, que, por feliz coincidência, era totalmente composto de Maçons: Benjamin Constant (Guerra), Quintino Bocayuva (Transportes), Aristides Lobo (Interior), Campos Salles (Justiça), Eduardo Wandenkolk (Marinha), Demétrio Ribeiro (Agricultura e Obras Públicas) e Ruy Barbosa (Fazenda). Esse ministério executou a reforma institucional, inclusive com a separação entre a Igreja e o Estado.

No mesmo dia 15 de novembro, era editado o primeiro decreto republicano, através do qual ficava proclamada e decretada, como forma de governo da nação, a República Federativa. E, ao mesmo tempo, era lançada uma proclamação ao povo[16], realmente necessária, pois este estava totalmente alheio ao ato que acabara com o Império.

O PRESIDENTE GRÃO MESTRE

A 19 de dezembro de 1889, pouco mais de um mês após a proclamação da República, Deodoro, que era o chefe do Governo

Provisório, era eleito Grão Mestre, tendo, como Adjunto, o visconde de Jary, que, falecido a 17 de maio de 1890, foi substituído por Paulo Vianna, até que fosse eleito, a 31 de julho, Josino do Nascimento e Silva Filho. Deodoro só iria, todavia, tomar posse do cargo a 24 de março de 1890, enquanto Josino assumiria a 18 de agosto daquele ano.

Mas, na realidade, Deodoro pouco podia se dedicar ao Grão Mestrado e ao Supremo Conselho, já que o novo sistema de governo necessitava de consolidação e, além disso, não contava com o consenso de seus artífices, pois, desde os primeiros momentos da República, havia duas correntes com ideias antagônicas. Uma desejava uma república democrática representativa, enquanto a outra queria uma ditadura sociocrática do tipo comtista, ou seja, de acordo com a doutrina positivista de Augusto Comte. Acabaria vencendo a corrente democrática, sustentada por Ruy Barbosa, o seu maior expoente e a cuja diligência deve-se a elaboração do projeto de Constituição Provisória, a partir do qual se instalou o Congresso Constituinte.

Apesar disso, como havia sido, em grande parte, sob o patrocínio do positivismo que se fizera a preparação teórica da implantação da República, os principais cargos da administração pública, nos primeiros anos do novo regime, foram ocupados por positivistas. A começar por Benjamin Constant, que doutrinara os jovens oficiais da Escola Militar, e continuando, no Rio Grande do Sul, com Júlio de Castilhos e Antônio Augusto Borges de Medeiros, no Pará, com Lauro Sodré, em Minas Gerais, com João Pinheiro, e em Pernambuco, com Barbosa Lima. A bandeira da República seria idealizada por Miguel Lemos e Teixeira Mendes, com seu dístico positivista “Ordem e Progresso”.

A 15 de novembro de 1890, era instalado o Congresso Constituinte. Antes disso, porém, o Governo Provisório já executara a reforma institucional, inclusive com a lei de 7 de janeiro de 1890, que separava a Igreja do Estado e que tornava impossível uma nova questão como a de 1872.

A primeira Constituição da República, aprovada a 24 de fevereiro de 1891, pelo Congresso Constituinte, instituía o presidencialismo e o federalismo. Dois dias depois, a 26 de fevereiro, a Assembleia elegia os governantes definitivos, colocando, assim, um ponto final no Governo Provisório, que servira para a fase de transição. Para a eleição indireta, então realizada, apresentaram-se duas chapas: uma com Deodoro, como candidato a presidente, e o também Maçom, almirante Eduardo Wandenkolk, como candidato a vice-presidente; a outra, com os Maçons

Prudente de Moraes e FLORIANO PEIXOTO, como candidatos a presidente e vice-presidente, respectivamente . Deodoro venceu o pleito por estreita margem de votos (129 a 97), enquanto Floriano era eleito vice-presidente.

Nessa ocasião, o Grande Oriente do Brasil e o Supremo Conselho enviavam carta de congratulações ao seu Grão Mestre, a qual foi respondida a 05 de março, em papel com timbre do Gabinete do Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, nos seguintes termos:

“Ás altas Dignidades do Grande Oriente do Brazil S.S.S.

A prancha de 2 do corrente mez E. V., em que me apresentaes felicitações pelo cargo de Presidente Constitucional da Republica dos Estados Unidos do Brazil, com que me honrou o Congresso Nacional está recebida.

Ella assas penhorou-me, não só por partir de vós, Irs. respeitados pelo caracter e pela virtude, que pautam vossos actos pelas lições do Supr. Arch. do Univ. como tambem pela confiança que mostraes continuar a depositar em minha pessoa e pelos votos que fazeis pela minha felicidade”.

Não seria fácil, todavia, a vida de presidente, para Deodoro, porque uma crise envolvendo o Executivo e o Legislativo já se desenrolava desde janeiro de 1891, ocasião em que o ministério, então chefiado pelo antigo líder conservador, barão de Lucena, foi impotente para enfrentá-la, originando o grande número de votos dados a Prudente de Moraes, contra Deodoro, na eleição realizada pelo Congresso. Deodoro, oriundo de uma família de militares e sendo, também, um militar, por formação e por vocação, não queria nada com a política e desprezava os políticos, os “casacas”. Por força das circunstâncias, todavia, tornou-se político, assumindo a chefia do Governo Provisório e a presidência constitucional da República, conservando, porém, o seu espírito de chefe militar, acostumado a ver as suas ordens cumpridas sem discussão.

Embora sendo brilhante militar, era politicamente inábil e tinha que enfrentar um Parlamento hostil e as fortes críticas da imprensa, a que não estava acostumado, o que levaria ao decreto de 23 de dezembro de 1889 – chamado de “decreto-rolha” – que instituía violenta censura à imprensa. Tinha que aceitar, também, o fato de que muitos de seus ministros, dentro do que é hábito num regime democrático, os seus atos, opondo-se a eles, algumas vezes, o que era inaceitável para quem tinha uma formação de caserna. Foi isso que levou à crise de 21 de janeiro de 1891, quando os ministros pediram demissão e quando Deodoro, em nova demonstração de inabilidade política, convidou, para compor um novo ministério, o notório monarquista barão de Lucena, desagradando, assim, a todos os republicanos históricos, que o acompanhavam e sustentavam.

No Grande Oriente, ainda não atingido pela crise, a 18 de abril de 1891, com o falecimento do Lugar Tenente Comendador Grão Mestre Adjunto, Josino do Nascimento e Silva, era eleito, para o cargo, a 15 de junho de 1891, Antônio Joaquim de Macedo Soares, que seria empossado a 10 de agosto de 1891.

E continuava o difícil relacionamento de Deodoro com o Congresso, já bem exposto na eleição, quando, para que ele fosse eleito, houve uma verdadeira avalanche de ameaças aos congressistas, veladas ou claras – e até através de cartas anônimas – de uma reação armada, partidas tanto de setores do Exército quanto da Marinha. Mesmo assim ele foi eleito por uma pequena margem de votos favoráveis, encontrando, ao ser empossado, um Parlamento absolutamente hostil, que só o elegera sob a ameaça de intervenção armada. Não podendo governar com ele, Deodoro o dissolveu, a 3 de novembro de 1891, perdendo, com isso, todos os apoios, inclusive nos meios militares, já que uma ditadura seria uma mancha muito grande para um regime republicano que mal se iniciara e que procurava a sua consolidação (consolidação que, estranhamente, seria atingida durante uma ditadura: a de Floriano Peixoto). Quando, a 23 de novembro de 1891, o almirante Custódio de Melo, a bordo do encouraçado “Riachuelo”, declarou-se revoltoso, em nome da Armada, Deodoro, encontrando-se só, renunciou, para não desencadear uma guerra civil, entregando, então, o governo ao seu substituto constitucional, Floriano Peixoto.

Nos meios maçônicos, predominantemente republicanos, haveria, também, a reação às atitudes de seu Grão Mestre e presidente da República. Desencantado, que já estava, com tudo, Deodoro renunciava também ao Grão Mestrado, em carta de 18 de dezembro de 1891, bastante lacônica, com o seguinte teor:

“Saude – Amizade – União

Desejando retirar-me á vida privada renuncio no irmão competente os cargos de que estou de posse. Capital Federal, 18 de Dezembro de 1891”.

A ATUAÇÃO DA MAÇONARIA DURANTE A “REPÚBLICA VELHA”.

A CONSOLIDAÇÃO DA REPÚBLICA.

Costuma-se dizer, até nos meios maçônicos, que, depois da campanha republicana, a maçonaria brasileira nada mais realizou, política e socialmente. Isso, porém, não corresponde à realidade, pois, embora tenha havido um declínio, mais acentuado depois de duas ditaduras, no Século XX, os Maçons brasileiros continuaram com o mesmo trabalho do século anterior, apesar de já terem ocorrido as grandes conquistas sociais, que delinearam a nacionalidade.

Depois de conseguida a implantação da República, era de fundamental importância assegurar a estabilidade do regime, após o tumultuado período de Deodoro e durante o governo másculo de Floriano Peixoto, Maçom iniciado em 1875, através da Loja “Perfeita Amizade Alagoana” – fundada em 1868 – com o nome simbólico ou histórico de Alexandre Magno; na época da fundação da loja, o seu tio – que o criara – ocupava nela, o cargo de Secretário. Floriano, embora criticado por alguns historiógrafos, por sua rigidez, foi o homem que, por sua têmpera rija, a ferro e a fogo, salvou a República, passando à História como “O Consolidador da República”.

Floriano que assumira a Presidência da República após a renúncia de Deodoro da Fonseca, a 23 de novembro de 1891, como vice-presidente constitucional que era, enfrentou diversos problemas: a reação monarquista, objetivando a volta ao sistema imperial (já enfrentada por Deodoro), e a rebelião de grupos republicanos que não reconheciam a legitimidade de seu governo.

Os republicanos, além disso, divergiam no tocante a ideias e concepções relativas ao regime: os positivistas, mais encontrados nos meios militares, sob a influência de Benjamim Constant e outros Maçons positivistas do meio castrense, eram adeptos da chamada “ditadura republicana”, com um governo central forte e poderoso, enquanto os federalistas, apoiados pelos grandes latifundiários, que formavam uma oligarquia rural, desejavam um poder central que fosse, simplesmente, um elo entre as unidades federadas que deveriam ter ampla autonomia.

Os positivistas não deixavam de ter carradas de razões, pois baseavam as suas ideias na própria condição do povo brasileiro, cuja imensa maioria era analfabeta e largamente submetida, quase em regime feudal, à aristocracia rural; devido a isso, era duvidoso o caráter representativo do processo eleitoral e só a ditadura da razão poderia conduzir aos altos postos da república, os homens mais capacitados do país.

Floriano seguiria, praticamente, essa orientação, pois, durante três anos, governaria o país com mão de ferro, cercando-se dos melhores homens e entregando ao fim do período o governo ao seus sucessor, Prudente de Moraes, que era representante das oligarquias rurais, principalmente da cafeeira, e, portanto, do federalismo, enquanto os militares positivistas retornavam à caserna, finda que estava a espinhosa missão de consolidar o regime republicano.

Enfrentando revoltas e insubordinações, com a sua notória rigidez, Floriano salvou a República, evitando uma generalizada guerra civil. Depois das revoltas das fortalezas de Laje e Santa Cruz, rapidamente debeladas, houve o manifesto dos treze generais – liderados por Wandenkolk – contestando a legitimidade da permanência de Floriano no cargo, movimento de rebeldia, que culminou com a punição de todos, com a reforma e prisão. Nessa ocasião, ele recebeu, de seus adversários, a alcunha com que passaria à História: “o Marechal de Ferro”.

Vários episódios mostram essa férrea disposição, mas dois deles, até por seu lado pitoresco, merecem uma descrição:

Quando, a 10 de abril de 1892, se espalhou a notícia da implantação do estado de sítio e da prisão dos generais rebeldes e de diversos congressistas que os apoiavam, alguns amigos de Floriano, alarmados, comentavam o caso, em um dos corredores da residência presidencial, quando o presidente passou por eles e indagou:

“O que é que vocês conversam?”

Um deles, mais íntimo, disse a verdade : que achavam a medida violenta e perigosa.

“ Bom” – disse Floriano, ciente do assunto.

E, afastando-se concluiu:

“ Vão discutindo, que eu vou mandando prender”.

O outro episódio, ocorreu quando estourou a revolta da Armada, o que gerou intranquilidade entre as frotas estrangeiras, ancoradas no Rio de Janeiro, o que fez com que o cônsul de uma nação estrangeira fosse anunciar, ao presidente, que seus marinheiros iriam desembarcar, para proteger seus compatriotas, perguntando, então, como eles seriam recebidos. A resposta de Floriano foi seca:

“ À bala”.

Obviamente, houve, durante este período, uma certa confusão entre as classes mais politizadas da nação, incluindo-se a Maçonaria, que na época era dirigida pelo conselheiro Joaquim Antônio de Macedo Soares; enquanto uma parte do mundo maçônico, encontrada, principalmente entre os oficiais das forças armadas, apoiava quase geralmente, os atos de Floriano Peixoto – com exceções, como a representada pelo Manifesto dos Treze Generais, em 1892, sob a liderança do Maçom Wandenkolk), outra facção, ligada à política regional e às oligarquias rurais, promovia revoltas, como a guerra civil do Rio Grande do Sul, envolvendo os parlamentaristas – “maragatos” – do Maçom Silveira Martins e os presidencialistas – “picapaus” – liderados pelo Maçom Júlio de Castilhos, este apoiado por Floriano.

Entregue o governo a Prudente de Moraes, em 1894, o poder permaneceria, pacificamente, nas mãos das oligarquias rurais, até o ano de 1930, que marcaria o fim do período conhecido por “República Velha”; nesse período, de uma maneira geral, o poder concentrou-se no Partido Republicano Paulista – PRP – e do Partido Republicano Mineiro – PRM – enquanto que muitos dos presidentes da República foram homens pertencentes à Maçonaria: Prudente de Moraes, Campos Salles, Nilo Peçanha, marechal Hermes da Fonseca, Wencesláu Brás e Washington Luiz.

O período governamental de Prudente de Moraes marcou o início de uma evolução e de uma linha ascensional que prosseguiria durante os governos de Campos Salles, Rodrigues Alves e Affonso Pena, quando a Primeira República, atingiu o seu apogeu, alcançando alto nível de progresso material e conseguindo a adesão dos antigos monarquistas.

OS PRIMEIROS ELEITOS POR SUFRÁGIO UNIVERSAL

A candidatura de Prudente de Moraes fora oficializada pelo Partido Republicano Federal, arregimentado por Francisco Glicério – iniciado na Loja “Independência”, de Campinas e que iria exercer, interinamente, o Grão Mestrado do Grande Oriente – e sua primeira preocupação, depois de eleito, foi a de pacificar as facções, divididas em dois extremos : os adeptos do governo forte de Floriano e os saudosistas monárquicos. A agitação, portanto, continuava. Embora logo no início do quadriênio de Prudente já tivesse sido assinado, em Pelotas, o tratado que punha fim à Revolução Federalista do Rio Grande do Sul – a 23 de agosto de 1895 – o governo teve de enfrentar, no mesmo ano, a revolta da Escola Militar e, em seguida, a revolta de Canudos, eclodida no sertão da Bahia, sob a liderança de Antônio Conselheiro, a qual a custo seria controlada.

Além da situação político-social, porém, também era grave a situação financeira, ainda por reflexo da desastrada política de encilhamento, urdida por Ruy Barbosa, quando ministro da Fazenda – encilhamento era a política que permitia aos bancos particulares emitirem dinheiro. A inflação calamitosa, provocada por emissões descontroladas, forçou Prudente a fazer a consolidação de todas as dívidas externas, o que lhe trouxe desprestígio e queda de popularidade, a qual só seria readquirida quando ele sofreu um atentado, a 5 de novembro de 1897, em frente ao Arsenal da Guerra, perpetrado pelo cabo do Exército, Marcelino Bispo de Melo, no qual seria assassinado o ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt. Decretado o estado de sítio e instaurado inquérito, concluiu-se, em janeiro de 1898, que o cabo Marcelino fora o braço armado por conspiradores palacianos, entre os quais estariam, o vice-presidente, Manoel Victorino, Barbosa Lima, Francisco Glicério e Irineu Machado. Muitos deles foram desterrados para a ilha de Fernando de Noronha e Glicério recolheu-se a São Paulo, sendo, depois, impronunciado.

O governo de Manuel Ferraz de Campos Salles, expoente da Maçonaria paulista, foi caracterizado pelo grande realismo na política econômica e financeira do Maçom Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda; o presidente, todavia, com a finalidade de fortalecer a sua posição no Congresso Nacional, para poder realizar uma drástica política econômica, garantiu, a todos aos presidentes dos Estados, o reconhecimento dos parlamentares por eles indicados e apoiados. Essa, que foi conhecida como “Política dos Governadores”, desmontou a fraca organização partidária, dando uma ilusória e aparente estabilidade à representação nacional, além de propiciar, como corolário, uma compacta maioria governamental; essa cartada política não foi estranha à Maçonaria, principalmente nos Estados em que maior era a sua força, como São Paulo, Minas Gerais e o próprio Distrito Federal.

Essa “política dos governadores”, entretanto, proporcionou um distanciamento entre a política e as forças representativas do país, com o consequente fortalecimento exagerado dos Estados, o que permitiu a organização das oligarquias regionais que só seriam depostas em 1930.

Mais uma vez, no caso, funcionou a política maçônica de bastidores, conseguindo a hegemonia para os Estados em que ela era mais atuante e mais poderosa, ou seja, São Paulo e Minas Gerais, onde ela abrigava os senhores da economia agropecuária nacional. Nos dois primeiros anos do mandato de Campos Salles, o presidente do Estado de São Paulo era o Maçom Fernando Prestes de Albuquerque, enquanto em Minas, durante os quatro anos do mandato, o presidente era Francisco Silviano de Almeida Brandão[17].

O período de governo do paulista Francisco de Paula Rodrigues Alves – que não foi Maçom – que sucedeu a Campos Salles, já sob a égide do “eixo café com leite” (São Paulo e Minas Gerais), seria, a princípio, tranquilo, pois ele encontrou as finanças em ordem e o crédito revigorado por um empréstimo externo de consolidação. Isso lhe permitiria alguns grandes empreendimentos, como: a reforma urbanística do Rio de Janeiro, pelo prefeito Pereira Passos ; as medidas sanitárias de Oswaldo Cruz, no Departamento de Saúde Pública ; e o início da integração do Brasil no sistema pan-americano, através da nomeação, para a direção da política exterior do país, o barão do Rio Branco, filho do visconde do Rio Branco e, como este, Maçom, iniciado em fevereiro de 1872.

Essa tranquilidade, todavia, seria abalada por uma revolta, que teve, como pretexto, o projeto de vacinação obrigatória contra a varíola, apresentado ao Senado Federal, a 29 de junho de 1904, o qual dava, ao governo, a expressa autorização para regulamentar as providências necessárias. Diante disso, houve forte celeuma na opinião pública e mesmo no Senado, onde se fizeram ouvir as vozes dos senadores Maçons Lauro Nina Sodré e Silva – que fora eleito Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil , empossado a 21 de junho de 1904 – e Barata Ribeiro, que representavam o Distrito Federal. Sodré, opondo-se à votação da lei, declarava que os membros de sua família haviam sido vacinados, mas isto fora feito voluntariamente, segundo orientação do médico da família, Dr. Carlos Seidl, que viria a ser diretor da Saúde Pública. O que preocupava a Sodré, a um grupo de senadores e a uma grande parcela do povo, era a maneira despótica pela qual o governo pretendia fazer cumprir a medida : só teriam valor os atestados emitidos por médicos oficiais, o que, certamente, poderia gerar uma série de abusos.

O projeto foi, na realidade, apenas a gota d´água que encheu as medidas, pois já estava em curso uma conspiração contra a situação política, que era alarmante, principalmente em relação aos Estados, em função, ainda, da “política dos governadores”, implantada por Campos Salles. Sodré, o Grão Mestre da Maçonaria, lançava, da tribuna do Senado, críticas contundentes a essa situação:

“…o abastardamento do regime republicano, convertido nesse produto teratológico que aí está: regime de liberdade em que imperam os tiranos; regime de igualdade em que predominam os mais odiosos preconceitos, convertendo muitos dos nossos Estados em propriedades de famílias dinásticas quase fora do Direito Penal; regime de fraternidade em que o ódio dos que governam fulmina e assassina o governados”.

A insurreição já vinha sendo preparada e estava marcada para estourar a 15 de novembro, por ocasião da parada militar, sob a liderança de Sodré. Mas a agitação popular, causada pela obrigatoriedade da vacina iria precipitar os acontecimentos, pois o governo decidira, diante da situação, cancelar a parada. Impressionados pela fala de Sodré, os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, da qual o general Sodré era o ídolo, iriam promover a insurreição na noite de 14 de novembro de 1904, liderados por Sodré. Malograda, porém, a rebelião, Rodrigues Alves implantou o estado de sítio e Sodré, apesar de suas imunidades parlamentares, foi recolhido preso a bordo do encouraçado “Deodoro”, onde passaria vários meses, indo, depois, para o encouraçado “Floriano”, enquanto o processo se arrastava. Mas o projeto de vacinação obrigatória iria malograr.

Logo aconteceram protestos das Lojas, pela prisão do seu Grão Mestre, e o Grande Oriente do Brasil, em Assembleia Geral, de 5 de julho de 1905, manifestava, pela unanimidade dos presentes, a mais irrestrita solidariedade pessoal a Sodré. O Grão Mestre Adjunto, senador Antônio Gonçalves Pereira de Sá Peixoto, exercendo o Grão Mestrado e tendo sido um ferrenho defensor do governo federal, no episódio da vacinação obrigatória, julgou-se impedido de presidir a essa Assembleia, passando, então, a direção ao presidente do Tribunal de Justiça maçônica, senador Francisco Glicério, que, na Câmara Alta, também defendera a malograda lei, mas que não hesitou em auxiliar na defesa do seu Irmão e Grão Mestre Sodré, atingido pela discricionária atitude do governo. O processo, todavia, se arrastava , sendo negados dois pedidos de habeas-corpus, até que, a 5 de agosto de 1905, Ruy Barbosa, em sessão do Senado, propôs a anistia em favor dos implicados na revolta. A proposta, que continha a assinatura de onze senadores, entre os quais Sá Peixoto, foi aprovado, em votação final, a 2 de setembro, por 102 votos contra 5.

Sucedendo a Rodrigues Alves e iniciando a alternância São Paulo – Minas Gerais no poder, o mineiro Affonso Augusto Moreira Pena também teve um governo relativamente calmo e pleno de realizações, principalmente no arrojo demonstrado ao pretender um país industrializado, rico e militarmente potente, com Davi Campista, na pasta da Fazenda, ousando atacar as velhas estruturas da economia liberal.

Tendo sido eleito por uma coligação dos partidos situacionistas estaduais – os verdadeiros donos da política – que se haviam oposto a um candidato da preferência de Rodrigues Alves, Affonso Pena encontraria o Congresso comandado por uma maioria liderada pelo senador José Gomes Pinheiro Machado, líder político e maçônico da época, o que fazia pressupor que os problemas sucessórios deveriam ser submetidos, necessariamente, à apreciação desse grupo político, composto por uma maioria de Maçons de vários Estados. Tendo surgido a candidatura de Davi Campista, em 1908, e tendo a mesma, suscitado grande resistência, pois ele se proclamava um intervencionista, o grupo liderado por Pinheiro Machado esposou a candidatura do Maçom Hermes Rodrigues da Fonseca que, em sua gestão no ministério da Guerra, criara fama de grande administrador.

Ocorreria, então, o falecimento de Affonso Pena, no auge da crise, com a consequente ascensão ao poder, de Nilo Procópio Peçanha, também líder maçônico que iria ser Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, de 1917 a 1919; em torno dele, iria se fixar o oficialismo político em relação à candidatura de Hermes da Fonseca, o que provocou pela primeira vez na república, uma séria candidatura de oposição, através de Ruy Barbosa. Hermes, todavia, venceria as eleições, pois tinha o apoio dos principais Estados e da maioria do Congresso que era o órgão apurador das eleições; tinha também o ostensivo apoio dos grandes centros maçônicos liderados por Pinheiro Machado e Nilo Peçanha.

Hermes da Fonseca teria um período governamental tumultuado, enfrentando a revolta dos marinheiros, liderados por João Cândido, exigindo a cessação dos castigos com a chibata, e a campanha do Contestado, ocorrido em um região em litígio, entre o Paraná e Santa Catarina e provocada pelo beato José Maria. O fato mais grave ocorrido em seu governo, entretanto, foi o movimento chamado “salvacionismo”, feito com o apoio de pessoas ligadas ao presidente e empenhado em acabar com as oligarquias, tendo deposto o governo de vários Estados, o que causou choques com o grupo de Pinheiro Machado, sustentáculo parlamentar do governo. No início do governo Hermes da Fonseca, Pedro de Toledo, Grão Mestre do Grande Oriente de São Paulo, federado ao Grande Oriente do Brasil, era nomeado para o ministério da Agricultura e, posteriormente, para a diplomacia, como ministro do Brasil no Uruguai. Pedro de Toledo viria a ser figura de proa na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo.

O BRASIL E OS MAÇONS NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

No final do mandato de Hermes da Fonseca, os nomes mais cotados, para a presidência da República, eram os dos Maçons Ruy Barbosa e Pinheiro Machado. Todavia, um acordo entre os partidos republicanos dominantes, de São Paulo e de Minas Gerais, traria à baila o nome do vice-presidente da República, WENCESLAU BRÁS PEREIRA GOMES, Maçom iniciado no interior de São Paulo na Loja “Caridade Mocoquense”, de Mococa, São Paulo, em 1896, o qual foi eleito sem oposição, enquanto o mundo começava a enfrentar a Primeira Grande Guerra, eclodida a 28 de julho de 1914, entre a Sérvia e o Império Austro-Húngaro, logo se alastrando pela Europa e pelo mundo, tendo, de um lado, além do Império Austro-Húngaro, as Potências Centrais, principalmente a Alemanha, e, do outro, os Aliados, principalmente a França, a Inglaterra, a Rússia, a Itália e os Estados Unidos. Com base na rivalidade comercial entre os grandes estados europeu do século XIX, a guerra se estenderia por quatro anos, com a participação do Brasil apenas a partir de 26 de outubro de 1917.

Desde o início desse conflito bélico, o Grande Oriente do Brasil pugnava, através do Grão Mestre Lauro Sodré, pela manutenção da neutralidade das nações que não estavam envolvidas diretamente nele, através de um manifesto, intitulado “Um Apelo Pro-Pace – Le Grand Orient du Brésil aux Puissances Maçonniques du Globe” (Um Apelo pela Paz – O Grande Oriente do Brasil às Potências maçônicos do Mundo), de 28 de agosto de 1914, o qual seria publicado e comentado no “Masonic Home Journal” , de Louisville, EUA, em nota constante do número de abril de 1915:

“O Grão Mestre Dr. Lauro Sodré, logo ao começar a guerra europeia, dirigiu, às potências maçônicas do Universo, uma circular fazendo um apelo pro-pace a todos os países não envolvidos na grande conflagração, no sentido de, consoante as lições da História, manterem-se nessa neutralidade. O Dr. Lauro Sodré é senador do Brasil, homem ilustradíssimo, culto, de conhecimentos profundos, tendo estudado, com viva atenção, os tratados de paz e as alterações e modificações neles introduzidas antes de declarada a guerra, bem como a cooperação que lhes prestou a Maçonaria. Aproveitando a oportunidade, o Dr. Sodré demonstra, no seu apelo, o absurdo dos que julgam a Maçonaria responsável pelas guerras e suas horrorosas consequências”.

Nessa mesma época, o Grande Oriente do Brasil começava a enviar contribuições financeiras à maçonaria francesa, destinadas ao socorro das vítimas da guerra. A 02 de março de 1915, o ministro da França no Brasil, E. LANEL, enviava, a Sodré, uma carta em que agradecia o envio de dez contos de réis, destinados à Grande Loja da França, para aquela finalidade:

“Petrópolis, 02 de março de 1915.

Sr. Senador,

Tenho a honra de acusar a recepção do cheque no valor de 10:000$000 réis, que v. ex. fez chegar às minhas mãos, pelo amável intermédio do sr. Optato Carajuru, e representa o produto de uma subscrição dos Maçons brasileiros, para auxiliar as vítimas da guerra em França. Estou muito comovido por esse testemunho da generosa simpatia dos membros do Grande Oriente do Brasil pelas vítimas da guerra e peço-vos, em nome de meu país, receberdes a expressão de nossa muito viva gratidão. De acordo com o desejo que v. ex. me exprimiu, faço chegar essa soma ao poder do sr. General FEIGNÉ, presidente da Grande Loja da França, em Paris. Recebei, sr. Senador, a segurança de minha consideração a mais distinguida”.

Nesse mesmo mês de março, como Obediência maçônica de um país neutro, o Grande Oriente do Brasil recebia do Grão Mestre do Grande Oriente dos Países Baixos, HUGO VAN GIJN, uma carta, enviada de Haya, onde aquele dirigente, depois de lamentar as inimizades entre Irmãos, provocadas pela guerra, fala do papel da Maçonaria no pós-guerra e convida o Grande Oriente do Brasil a participar dessa cruzada, nos seguintes trechos de sua missiva:

“… eis que sobre nós se desencadeia a grande guerra mundial, destruindo todas essas belas ilusões e sublimes ideais, parecendo até que os Irmãos de diversas nacionalidades estão mais separados do que nunca ; ao mesmo tempo em que as expressões de inimizade que se observam na própria imprensa maçônica, demonstram um ressentimento nacional de amarga existência entre as nações beligerantes, tão violento e apaixonado, que se chega a duvidar da do restabelecimento das relações fraternais entre elas.

(…) As perdas materiais que a guerra atual tem produzido no mundo inteiro, são incalculáveis; não são, porém, menores as expressões deprimentes de caráter espiritual e moral que se ouvem, mesmo nos países neutros.

Depois da conclusão da paz, será necessário, mais do que nunca, que se encontre uma Instituição que oriente a opinião pública e olhe para a frente, mesmo no meio da maior perplexidade, a um melhor futuro, na firme convicção da vitória dos mais elevados ideais de moral , de humanidade e de progresso, embora tais ideais sejam de difícil reconhecimento, impalpáveis como se tornaram, justamente agora, pela perplexidade do caráter nacional e pessoal.

Essa Instituição não pode ser outra senão a Maçonaria.

Sua primeira tarefa será tomar as medidas necessárias para que, antes de tudo, se estabeleçam relações duradouras entre as diversas grandes potências maçônicas, conservando, é bem de ver, cada uma, sua rigorosa liberdade em cingir-se aos seus pontos de vista em questões de princípio.

Nutrimos, pois, a ardente esperança de ser nossa Ordem capaz de atingir o fim que almeja, porquanto a guerra, não obstante ser portadora de incalculáveis misérias, pode também trazer esse proveito, que todos os homens bem intencionados, e entre os quais, em primeiro lugar, os Maçons de diversos países, há de, finalmente, reconhecer que, sendo eles uma união de obreiros, só serão capazes de adquirir mais força e vigor, pela mutua estima.

Aos que, neste momento, empregam todos os seus esforços, de corpo e alma, na defesa de seu país, não podemos pedir que se ocupem já do exame da questão do restabelecimento das relações fraternas atualmente cortadas.

Ficaremos, no entanto, gratos a esses mesmos Irmãos, se não se deixarem levar por tão grandes amarguras e se, vendo essa separação momentânea de Irmãos, declarem que, depois da conclusão da paz, darão seu auxílio para o reatamento mutuo das relações fraternais (…)”.

A carta era oportuna, pois havia, na realidade, a citada animosidade entre Maçons, demonstrada, por exemplo, muito claramente, na carta que o Grande Oriente Lusitano enviou, a 13 de dezembro de 1914, à Grande Loja da França, comunicando seu rompimento de relações com as Grandes Lojas de Frankfurt e Hamburgo, pretendendo manter esse rompimento enquanto a Maçonaria alemã não demonstrasse a sua reprovação às incursões teutônicas na Bélgica e na França. No meio maçônico brasileiro, tal hostilidade a tudo o que fosse germânico era patente, como se pode aquilatar pelo que ocorreu com o comendador ANTÔNIO ZERRENER, que fora eleito, no início de 1915, Grão Mestre do Grande Oriente do Estado de São

Paulo, tendo, como Adjunto, o coronel ARTHUR DA GRAÇA MARTINS: na Assembleia Geral, de 16 de janeiro de 1916, os representantes das Lojas “italianas” de São Paulo provocaram grande tumulto, atraindo a atenção do povo e da polícia, ao protestar contra o fato do presidente da Assembleia e Grão Mestre – Zerrener – ser de origem alemã, embora ele tivesse sido eleito já no período da guerra e fosse cônsul de uma nação neutra, a Holanda. Diante do protesto da Loja “Piratininga”, da qual Zerrener era membro honorário, o Grande Oriente, pelo decreto nº 69, de março de 1916, suspendia, para que fossem regularmente processadas, as Lojas “1º de Maggio”, “Roma”, “Antiga Roma”, “União Espanhola”, “Prudente de Moraes”, “14 de Julho”, “Giustizia”, “Giuseppe Mazzini”, “Fratelanza Universale” e “Guglielmo Marconi”, responsáveis pelos distúrbios.

O presidente da República, o Maçom Wenceslau Brás, mantinha a neutralidade brasileira na guerra. No Grande Oriente, todavia, mudaria o pensamento, já que Sodré, reeleito para um quarto mandato, em maio de 1916, nem chegaria a tomar posse, já que havia sido eleito para governar, mais uma vez, o Estado do Pará. Com sua saída, assumiu, como Grão Mestre em exercício, o seu Adjunto, almirante VERÍSIMO JOSÉ DA COSTA, que passou a defender a entrada do Brasil na Grande Guerra, ao lado das nações amigas. Ainda em 1916, Ruy Barbosa, representante do Brasil, no centenário da independência da Argentina, pronunciava, na Faculdade de Direito de Buenos Aires, a famosa conferência, em que definia o conceito jurídico de neutralidade, o que representou o passo decisivo para a ruptura de relações com a Alemanha e o abandono da posição de neutralidade.

A 28 de outubro de 1917, depois de nota alemã de 31 de janeiro, sobre o bloqueio submarino total no Atlântico, e depois do torpedeamento de vários navios da Marinha Mercante Brasileira, foi declarado o estado de guerra entre o Brasil e a Alemanha, tendo, o Brasil, enviado, à batalha, cruzadores e contratorpedeiros, além de um grupo de dez aviadores do Campo de Aviação Naval. Dos oito países sul-americanos, que participaram da guerra, ao lado dos aliados – Brasil, Cuba, Costa Rica, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua e Panamá – só Brasil e Cuba o fizeram por meio de forças bélicas.

No Grande Oriente do Brasil, o ex-presidente da República, Nilo Peçanha, fora empossado no Grão Mestrado, a 23 de julho de 1917, e, diante do rompimento de relações do Brasil com a Alemanha, com o consequente aumento das hostilidades contra os Maçons originários de países inimigos, tentava evitar os atritos interfraternais, através do disposto no decreto nº 579, de 30 de novembro de 1917, cujo texto principal era o seguinte:

“A fim de se manterem os laços da fraternidade que une os Maçons, sem distinção de raças ou nacionalidades, de crenças políticas ou religiosas, e assegurar a concórdia dentro da Ordem – enquanto durar o estado de guerra em que se encontra o Brasil – é inconveniente que compareçam a quaesquer reuniões maçônicas, de qualquer corpo da Federação, os Irmãos nascidos no Império da Alemanha ou nos países seus alliados , pelo que os presidentes de Lojas e corpos maçônicos devem advertir nesse sentido os Irmãos visados nesta resolução, aconselhando-os a se absterem de comparecer a quaesquer reuniões maçônicas, enquanto o Brasil se conservar em estado de guerra”

O decreto era assinado pelo Grão Mestre, pelo Grande Secretário, LUIZ SOARES HORTA BARBOSA, e pelo Grande Chanceler, MÁRIO BEHRING.

A Primeira Grande Guerra iria terminar, com a assinatura do armistício de 11 de novembro de 1918; mas o Brasil e o mundo já eram assolados por uma nova praga: a epidemia de influenza, a “gripe espanhola”, ocorrida em 1918 e que dizimou populações.

EMANCIPAÇÃO FEMININA E LUTAS OPERÁRIAS

Após a Primeira Grande Guerra, a atividade cultural e social dos Maçons voltou-se para o plano interno, onde se tratava da emancipação feminina e dos direitos dos operários, numa fase em que ia acelerada a industrialização do país, principalmente de São Paulo. Nessa luta destacou-se, entre os Maçons, de maneira extraordinária, EVERARDO DIAS e a sua Loja “Ordem e Progresso”, de São Paulo.

Nascido na Espanha, Everardo Dias veio cedo para o Brasil, pois seu pai, prof. Antônio Dias, Maçom, envolvido em um fracassado levante armado, para a implantação da república em seu país, conseguiu, auxiliado pelos Maçons, embarcar e chegar a São Paulo com uma carta de apresentação dirigida ao Irmão MARTINICO PRADO, um dos líderes republicanos brasileiros.

As primeiras letras, ele aprendeu com os pais e, ao atingir a idade regulamentar exigida, em 1888, foi matriculado em escola primária. Ao chegar aos 13 anos de idade, aprendeu o ofício que seu pai exercia – além do magistério primário – o de tipógrafo, ingressando, depois, como meio oficial, no jornal O Estado de São Paulo, onde permaneceu até completar os seus estudos na Escola Normal da Praça da República.

Diplomado, conseguiu cadeira num longínquo lugarejo do Estado de São Paulo – Aparecida de Monte Alto – que ficava a três léguas da cidade de Monte Alto. Lá residia um velho Maçom de origem italiana, VICENTE PICARELLI, que fora iniciado e militara na Maçonaria argentina e que, ao vir para o Brasil, não descansou enquanto não criou uma Loja em Aparecida do Monte Alto. Nessa Loja, criada sob o título de “Filhos do Universo”, do Grande

Oriente Estadual de São Paulo, é que Everardo foi iniciado, em junho de 1904.

Depois de um ano em Aparecida, regressou a São Paulo e, como não conseguiu sua transferência para a Capital, abandonou o magistério e regressou ao jornalismo. Matriculou-se, depois, na Faculdade de Direito de São Paulo, onde só fez o primeiro ano, pois dificuldades financeiras o impediram de continuar os estudos; anos depois, iria conseguir o seu certificado pela Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Em São Paulo, filiou-se, inicialmente, à Loja “União Espanhola”, onde possuía muitos amigos; lá, recebeu o grau de Cavaleiro Rosa+Cruz em março de 1906. E, a 03 de maio de 1908, ingressava na Loja “Ordem e Progresso”.

Esses eram anos de grande efervescência política mundial, à qual a Ordem maçônica não ficara indiferente. No plano internacional, saíra-se da revisão do rumoroso e apaixonante processo Dreyfus, em que ficara provada a inocência desse oficial do exército francês, vítima dos fascistas da época, que dominavam o Estado-Maior e eram aliados aos grupos reacionários existentes em todas as nações da Europa, principalmente nas monarquias, os quais conspiravam contra o regime republicano francês. Nomes como Waldeck-Rousseau, Combes e Clemenceau pontificavam na defesa da República Francesa, fazendo com que os liberais do mundo inteiro apoiassem a sua luta e o desassombro com que expulsaram do país os grupos políticos e congregações religiosas, acusados de conspirar contra o Estado.

O governo brasileiro, com Rodrigues Alves, conservador e clericalista, abriu as portas a esses elementos indesejáveis, o que provocou o protesto dos verdadeiros e intransigentes republicanos, veementes debates no Congresso Nacional e o repúdio do Grande Oriente a essa onda imigratória. Também a crise política brasileira atingia grau de pressão intolerável, resultando no levante da Praia Vermelha, liderado, como já foi visto, pelo senador Lauro Sodré, Grão Mestre do Grande Oriente – e pelo general de divisão Silvestre Travassos, comandante da 1ª Região Militar.

Enquanto isso, um projeto-de-lei do deputado Medeiros e Albuquerque procurava cercear a entrada, no país, dos elementos indesejáveis, expulsos da Europa. As Lojas, apoiando as medidas saneadoras, transformavam-se em cátedras de civismo, de liberdade de consciência e de defesa da lei. No Grande Oriente Estadual de São Paulo, com a ascensão, ao Grão Mestrado, do líder republicano Pedro de Toledo, essa orientação tomou força, sendo organizado um programa de conferências no Estado. Everardo Dias, por sua evidência, foi incumbido de diversas palestras, onde, como professor de História Geral em colégios, partia para a interpretação dos fatos históricos, tirando as lições necessárias àquilo que queria expor.

Encarando a História sob os pontos de vista filosófico, político, econômico e social, abordava a messe dos estoicos da Antiguidade, de Zênon a Sêneca, de Epiteto a Marco Aurélio; dos humanistas da Renascença, de Erasmo a Damião de Góes, de Montagne a Descartes, de Dante a Moliére, de Cervantes a Swift; dos reformadores, de João Huss a Giordano Bruno; dos utopistas, como Thomas Morus e Campanella; dos pensadores, economistas e filósofos do século XVIII, os enciclopedistas, como Diderot, Voltaire, Rousseau, D’Alembert, Necker, Turgot e outros, Maçons, em sua maioria. Foi nessa época que ele adquiriu fama de anticlerical, porque responsabilizava a Igreja de Roma pelo estancamento anterior, que levara ao ódio à razão e exaltara a ignorância como sinal de perfeição espiritual e a certeza de ganhar o reino dos céus.

Em sua pregação, Everardo não se limitou à capital – sob a égide das Lojas “Amizade”, “Ordem e Progresso”, “União Espanhola”, “Fidelidade” e “Firmeza” e outras – e ao interior do Estado, indo, também, aos Estados do Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. Nem sempre as palestras públicas terminavam em calma, pois elementos provocadores eram enviados aos locais do acontecimento, pelos grupos atingidos, ou, então, estes pressionavam os proprietários de salões, para que eles não os cedessem, ou alugassem aos Maçons. Everardo, todavia, nessa época, assumia, como lema de sua luta, o pensamento de Victor Hugo: “Abrir escolas é fechar cadeias, dar instrução ao povo é abolir os crimes”. Defendendo, também, em suas palestras, a emancipação feminina, ele traduziu o livro de Victor Marguerite, “La Garçone”, que havia produzido grande escândalo na França. Com sua atividade cultural, ele dava a sua contribuição ao progresso moral, intelectual e social do país.

Nessa época, é que Everardo, atuando, politicamente, ao lado dos trabalhadores de São Paulo, foi preso, acusado de subversão da ordem pública e expulso do país. Seu crime? Foi, simplesmente, seguir o postulado da doutrina, sempre seguida, no país, desde Lauro Sodré: “O direito de rebelião contra atos do poder arbitrário, é um direito dos povos”. Ele tomou a defesa de trabalhadores, que pediam melhoria em seus salários, um direito legítimo, que representa a defesa da família e, portanto, o futuro da Pátria, ao qual a Maçonaria não pode ficar alheia. Como político que era, fez parte de uma facção discrepante da política oficial, dirigida pelo Partido Republicano Paulista – PRP – ao lado de Pedro de Toledo. Seus artigos, polêmicos, lhe traziam inimizades e rancores; por diversas vezes ele escapou de agressões e ciladas. Batalhou contra a reforma da Constituição de 1891, que considerava perfeita e inatacável; quando, aproveitando uma dissensão no PRP, seus companheiros aderiram ao governo, passando a ocupar altos postos na administração estadual, ele, apesar de instado, recusou, com altivez, mantendo coerência com seus princípios morais e éticos.

Tornou-se, aí, mais radical, passando a fazer parte de um Partido Operário, que pretendia fazer um governo ao lado do proletariado. Foi um dos propagadores da greve de 1917, que paralisou o Estado; seus artigos e comícios iam fazendo com que seu prontuário policial ficasse volumoso. Em 1919, durante outra greve reivindicatória de funcionários da Light, da construção civil, de têxteis, de metalúrgicos e de ferroviários, Everardo foi responsabilizado pelo movimento, preso, esbordoado, martirizado com violência, metido num navio com outros líderes operários e expulso do país. Esse fato colocou à mostra o caráter bestial com que a polícia agia nos casos de greve, fazendo com que, no Congresso Nacional, a voz eloquente e desassombrada do Maçom e deputado MAURÍCIO DE LACERDA (pai de Carlos Lacerda), unida à de outros deputados independentes, tomassem a defesa de Everardo e das demais vítimas. No âmbito maçônico, a Loja “América” destacou-se em sua defesa. E, no Grande Oriente Estadual, o deputado e Grão Mestre recém-empossado, JOSÉ ADRIANO MARREY JÚNIOR, acompanhado do senador e Maçom LUÍS DE TOLEDO PIZA, da Loja “América”, foi ao palácio entender-se com o governo estadual, conseguindo a desaprovação da atitude policial e a revogação da expulsão. Ao retornar, Everardo foi saudado em todos os portos, pelos Maçons e pelos membros das organizações proletárias; ao chegar ao Rio de Janeiro, o Grande Oriente do Brasil, em sessão magna, prestou-lhe homenagens.

Quando do levante de 1922, ele foi visado, porque montara um comitê pró Nilo Peçanha, que era candidato à presidência da República, contra Artur Bernardes. Foi preso, levado ao cárcere da ilha das Cobras e, daí, à fortaleza de Santa Cruz, enquanto o senador e ex-Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil, Nilo Peçanha, era preso, sob palavra, em sua residência. Ao estourar a revolta de 1924, com o levante de forças do Exército e da Força Pública, em São Paulo, e de guarnições do norte, Everardo, que fora libertado e estava no Rio de Janeiro, era novamente preso e enviado para os campos de concentração existentes nas ilhas distantes da costa brasileira, onde ficou encarcerado vários anos, principalmente na ilha das Flores.

Em 1927, posto em liberdade, voltou ao seio da família, com a saúde abalada e as finanças destroçadas, pois, sendo, em 1924, dono de uma livraria e editor de obras de crítica, de História e de Filosofia, teve todo o seu patrimônio removido para os porões do edifício da polícia. E de nada adiantou apelar à Justiça, pois o confisco fora feito durante o estado de sítio, implantado por Artur Bernardes, quando os direitos dos cidadãos eram postergados. Por isso, voltou ao jornalismo, como membro do corpo redatorial do Diário Nacional, jornal recentemente fundado, como órgão do Partido Democrático, o qual tinha, como diretor, Marrey Júnior; e ali permaneceu até ao fim da publicação, após a Revolução de 1932.

Mesmo se dedicando ao jornalismo, Everardo era constantemente vigiado pela polícia, que o detinha por qualquer motivo e invadia, constantemente, a sua casa. Era duro, no final da década dos vinte, ser oposição no Brasil! Por isso, quando do golpe de 1930, ele apoiou os insurgentes. Antes disso, ele tivera que fugir de São Paulo, para não ser novamente preso; e foi uma fuga difícil, porque todas as estradas, rodoviárias e ferroviárias, eram vigiadas pela polícia política. Após a vitória do movimento de 1930 e apesar de ele tê-lo apoiado, sua situação não mudou, pois continuava vigiado pela polícia. A Revolução de 1932 colheu-o à testa da redação do Diário Nacional, cuja ação foi importantíssima na preparação desse movimento cívico, esmagado pela força e pela corrupção.

Em 1935, ocorreria o levante comunista – ver este – promovido pela Aliança Libertadora Nacional. E, embora não houvesse nenhuma prova de seu envolvimento no levante e nem houvesse, em São Paulo, qualquer tentativa de perturbação da ordem pública, ele foi preso e penou quase dois anos nas prisões do Estado, até ser absolvido pelo Tribunal de Segurança Nacional, depois de ter sido defendido, no Congresso Nacional, pelo deputado Café Filho. Voltou, então, ao seu trabalho, com as finanças arrasadas, documentos desaparecidos e sua casa destruída, tendo que reconstruir tudo.

Foi depois desse agitado período e já com sua vida regularizada, que Everardo voltou à atividade maçônica, batendo às portas da Loja “Ordem e Progresso”, que o acolheu com carinho fraternal. Foi autor das obras maçônicas “Semeando”, “À Sombra da Acácia” e, em colaboração com OCTAVIANO BASTOS e OPTATO CARUJURU, do Livro maçônico do Centenário; escreveu, também, livros sobre a sua luta político-social. Foi redator e diretor do Boletim Oficial do Grande Oriente de São Paulo e dos jornais “Folha de Acácia” e “Mensageiro Romano”. Faleceu em 1966. E, a 04 de abril desse mesmo ano, perpetuou-se na memória maçônica, através da fundação da Loja “Everardo Dias”.

O lema de sua vida pode ser resumido numa frase, pinçada de uma de suas obras:

“Lutar? Por que, para que? Sempre tem porquê e para que lutar os que fazem da vida uma afirmação e colocam o porvir do homem na Terra”.

UM PERÍODO CONTURBADO E O GOLPE DE 1930.

Em 1918, eleito para um novo mandato presidencial, Rodrigues Alves viria falecer antes de tomar posse, tendo assumido o vice-presidente DELFIM MOREIRA DA COSTA RIBEIRO, até julho de 1919; Delfim, cansado e doente, não tinha condições de conduzir a política nacional, tendo sido eleito, então para completar o quatriênio. EPITÁCIO DA SILVA PESSOA, que teve que enfrentar graves crises políticas internas, como a violenta sucessão do governo de Pernambuco e o clima de rebelião em que se processou a sucessão do governo da Bahia, ocasionando a intervenção federal, com grande revolta dos oposicionistas.

A política maçônica, liderada por Nilo Peçanha, que foi Grão Mestre de 1917 a 1919, foi geralmente, de oposição a Epitácio Pessoa, pois Nilo Peçanha havia indicado Ruy Barbosa para completar o período governamental de Rodrigues Alves; essa posição seria mantida, embora com menor intensidade durante o Grão Mestrado do general THOMAZ CAVALCANTI DE ALBURQUERQUE (1919-1922).

Ao término do mandato de Epitácio, deu-se a sucessão em clima altamente conturbado que iria refletir no quatriênio seguinte. As forças majoritárias da política nacional haviam indicado o nome de ARTUR DA SILVA BERNARDES, contra o qual levantou-se a denominada “Reação Republicana”, lançando a candidatura de Nilo Peçanha.

Havia, na época, intensa agitação no ambiente político nacional, com a publicação de cartas, atribuídas a Artur Bernardes – que depois, foram consideradas falsas e atribuídas ao falsário OLDEMAR LACERDA – contendo pesados insultos ao Exército. Liderando a revolta contra as cartas, achava-se o Clube Militar, presidido pelo Maçom Hermes da Fonseca ; tal revolta provocaria a reação governamental, com o fechamento do Clube e a prisão de Hermes, o que levaria ao total inconformismo da Força terrestre, o qual estouraria com a revolta do Forte de Copacabana, a 5 de julho de 1922, no episódio conhecido como o “dos Dezoito do Forte”, que iniciou a mística do movimento conhecido como “Tenentismo”, o qual iria assumir o poder com o Golpe de 1930.

Eleito e empossado na presidência da República, Artur Bernardes teve um dos mais agitados períodos presidenciais, só comparável ao de Floriano, governando, praticamente, sob estado de sítio e intervenção federal nos Estados, embora combatido por alguns poucos destemidos, como os Maçons Nilo Peçanha e MONIZ SODRÉ. Nilo, liderando a “reação Republicana”, diria, em 1923:

“O povo fluminense não tem armas para se defender. Se as tivesse não se lhe apresentaria outro recurso senão a revolta”

A 13 de maio 1925, o jovem senador Moniz Sodré, companheiro de Nilo, na “Reação”, proclamaria, em discurso no Senado:

“Quando a liberdade está em perigo, a rebelião não é um direito, a rebelião é um dever, o mais imperioso de todos os deveres: “Suprema Lex”. A tirania não é um crime. São todos os crimes ! Em frente à tirania, não há senão um crime: sofrê-la. O crime da rebelião é um crime imaginado pela tirania para castigar a liberdade. É o Código de Tibério. Nas épocas de decadência e despotismo a palavra se prostitui ao capricho do poder. E a tirania, que tudo corrompe, acaba por corromper o dicionário. Então se vê o triste espetáculo de que a virtude seja proclamada sedição e aquele que resiste, heroicamente, ao crime, é chamado de faccioso. A palavra sedição tem o privilégio de assustar as almas que nasceram para a escravidão e de encolerizar aquelas em que a servidão é um estado mental insuperável”.

E quando Artur Bernardes propôs a “lei de imprensa”, como condição para revogar o estado de sítio, levantou-se, mais uma vez, em protesto, a voz viril de Nilo Peçanha:

“O Brasil precisa, muito mais, que contenhamos os governos no seu arbítrio, que a imprensa nos seus excessos”.

Ainda no governo Bernardes, eclodiria, em São Paulo, a revolta de 5 de julho de 1924 – durante a qual as Lojas maçônicas foram fechadas – chefiada pelo general ISIDORO DIAS LOPES e sufocada em vinte e dois dias. No mesmo ano, estouraria, no Rio Grande do Sul, outro movimento rebelde, liderado pelo capitão LUÍS CARLOS PRESTES, que, juntamente com os remanescentes da revolta paulista, formou a “Coluna Prestes”, que realizou a marcha de 30.000 quilômetros pelo interior do Brasil, sempre perseguida pelas forças governamentais.

Depois do agitado governo de Bernardes, o Brasil iria conhecer um breve período de tranquilidade, com a ascensão, à presidência da República, do Maçom WASHINGTON LUÍS PEREIRA DE SOUSA, em 1926. Fluminense de nascimento e paulista por adoção, Washington Luís era membro do dominante Partido Republicano Paulista – PRP – que já sofrera uma defecção, em 1926, quando ocorria uma desunião nos meios políticos paulistas e na própria maçonaria de São Paulo, dirigida, então, por JOSÉ ADRIANO MARREY JÚNIOR e à qual pertenciam os maiores nomes da política paulista ; formara-se, então, o Partido Democrático, ala dissidente do PRP, o qual receberia, em 1929, o apoio do Partido Republicano Mineiro, prenunciando a crise político-social de 1930.

Assim, a 15 de novembro de 1926, quando foi empossado Washington Luís, homem de extraordinária dignidade e integridade, abriu-se a esperança de que o país emergisse daquela longa noite de autoritarismo, com o restabelecimento das garantias constitucionais. Aproveitando tal disposição, já a 30 de dezembro de 1926, cerca de 30 dias após a posse do novo presidente, um grupo de membros da Assembleia Geral do Grande Oriente do Brasil propunha, ao presidente da República, durante sessão ordinária daquele Alto Corpo, a anistia de todos os presos políticos, através da seguinte:

“INDICAÇÃO

Attendendo a que a Instituição maçônica, já pela nobreza e elevação dos seus ideaes, já porque nunca cessou de agir e de actuar em prol de uma situação melhor e mais perfeita para a Humanidade, não póde deixar de interessar-se pela solução dos grandes problemas políticos e sociaes, que ora preoccupam e agitam os povos da quase totalidade da superficie do globo terrestre;

E attendendo mais a que, em particular, no que diz respeito ao Brasil, pode-se dizer, sem medo de errar ou incorrer em exaggero de affirmação, que á Maçonaria Brasileira coube sempre um papel salientissimo na elaboração e desdobramento dos acontecimentos políticos, dos quaes resultaram as mais bellas conquistas liberaes, que ainda registra a historia do povo brasileiro, em um justo e legitimo anceio de independência e perfectibilidade;

Por outro lado, considerando que á situação anormal, de profunda anarchia e agitação política que, há um quinquennio, vem perturbando a vida da Nação e levando a intranquilidade e a desolação ao seio da família brasileira, não se póde quedar indifferente, em uma passividade mussulmana, a acção da Maçonaria Brasileira, sem desmentir o seu passado de glorias ou trahir os princípios em que se alicerça o monumento da sua destinação histórica.

Além disso, considerando que de todos os ângulos do paiz, num brado unisono, que é a própria voz da Pátria, se exora, reclama, exige e protesta contra o estado de inquietação de espíritos e de asphyxia das liberdades publicas, de que, infelizmente, ainda não se póde libertar a Nação, como si as trevas da noite, iniciada em 5 de julho de 1922, parecessem eternisar-se;

Finalmente, considerando que qualquer attitude que porventura venha a Maçonaria Brasileira a tomar, no sentido de contribuir para a cessação desse estado de coisas, com a pacificação geral do povo brasileiro e a instauração das garantias constitucionaes, terá de ser posta em pratica, energicamente e sem perda de tempo, para que não resulte meramente platônica ou simplesmente tardia;

Indicamos

que a Sob. Ass. represente aos Poderes Públicos da Nação, assim ao Presidente da República, como ao Congresso Nacional, sobre a necessidade palpitante e inelutável da decretação de uma amnistia geral, que envolva e beneficie a todos os implicados nos últimos acontecimentos políticos, sem distincção de classe ou situação jurídica, e bem assim sobre a conveniência da suspensão do estado de sitio, com o restabelecimento das garantias constitucionaes;

que deste seu acto dê a Sob. Ass. Ger. conhecimento o Sob. Gr. Mestr. e aos demais corpos e OOff. da Federação, para que cada qual, na esphera da sua actividade funccional, promova uma acção convergente e efficaz, no sentido da realisação e consecução de tão nobre e alevantado objectivo.

Sala das sessões da Sob. Ass. Ger., a 17 de Dezembro de 1926 E. V..

(Ass.) Francisco Prado, 7º; Gomes de Almeida, 7º; Deodoro Hermes, 7º; Eugênio Pinheiro, 7º; Antonio D´Avilla, 30º; Alberto Brigagão, 7º; Agenor Moreira, 7º; Henrique Pasqualette, 12º; Abílio Álvares, 30º; Raymundo Maria, 7º; Abelardo Albuquerque, 18º; Corrêa Lopes, 30º; Octavio Baptista, 18º; Júlio Moreira, 33º; John Bloomfeld, 30º; Ildebrando Pinto, 30º; Djalma Reis, 18º; Jayme Mesquita, 30º; Adriano Monteiro, 7º; Mouco e Silva, 7º; Júlio Diniz, 7º; Silva Alves, 18º; Mario Bulhão, 7º; Drummond Alves, 13º; Constantin Hambour, 18º; Alcides Paiva, 18º; Costa Lamin, 30º; Victor Martins, 18º”

Washington Luís faria um governo tranquilo até 1929, quando a grande crise mundial, provocada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York, trouxe graves problemas econômicos ao país, cuja economia agrícola era baseada cultura – monocultura, na realidade – do café, principal produto de exportação do Brasil. Isso ensejou um grande aumento dos estoques de café, situação que foi agravada pela recusa do governo em auxiliar, financeiramente, a lavoura em crise.

O ano de 1930 começaria, então, para todo o Brasil, sob o signo da intranquilidade, graças à crise econômica. Já antes da crise de 1929, a política de valorização do café, mantida pelo governo, encontrava adversários dentro do próprio PRP, que reunia a burguesia cafeeira de São Paulo, o que redundaria na criação do Partido Democrático, como já foi visto, o qual, após o Convênio Cafeeiro Nacional, de 1929, receberia o apoio do P.R. Mineiro. Estava, desta maneira, armado o cenário da derrubada do PRP, baseada nos anseios da classe dominante não ligada à exportação do café – que desejava a mudança de política – e nos desejos da classe média – que desejava a mudança de homens, no comando do país. A classe média, junto com uma parte da pequena burguesia, formava uma ala radical, que recebeu o nome de “tenentismo”, por ser apoiada e defendida por um grupo de tenentes do Exército, no qual se incluíam antigos comandantes do destacamento da Coluna Prestes.

Ao se aproximarem as eleições para a presidência da República, o PRP indicava, para suceder a Washington Luís, o ex-presidente do Estado de São Paulo, líder do governo na Câmara e Maçom JÚLIO PRESTES DE ALBUQUERQUE, deixando de lado dois nomes de projeção nacional: BORGES DE MEDEIROS, ex-presidente do Rio Grande do Sul, e ANTÔNIO CARLOS RIBEIRO DE ANDRADA, presidente de Minas Gerais. Este último, então, passou à franca oposição, estabelecendo, com o Rio Grande, uma coligação política denominada

“Aliança Liberal”, que lançaria a chapa GETÚLIO VARGAS – JOÃO PESSOA, para se opor àquela formada por Júlio Prestes e VITAL SOARES. Realizadas as eleições, a 1º de março de 1930, vencia, como era esperado, a máquina eleitoral do PRP, tendo funcionado, em ambos os lados, a fraude eleitoral. A oposição, diante disso, passou a conspirar, para promover um levante armado, cujo estopim seria aceso quando do assassinato de João Pessoa, morto a tiros por JOÃO DUARTE DANTAS, por simples questões familiares da Paraíba, Estado de João Pessoa, e sem qualquer conotação política, mas que foi explorado pelos rebeldes.

Eclodida a revolta em Porto Alegre, a 3 de outubro de 1930, ela culminaria com o golpe da deposição do presidente constitucional e a entrega do poder a Getúlio Vargas.

A ATUAÇÃO NA REPÚBLICA NOVA

A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA E A NOVA CONSTITUIÇÃO

Assumindo o poder como chefe do Governo Provisório, Vargas postergava a reconstitucionalização do país, acentuando os motivos para dissenções entre os revolucionários e os grupos políticos e econômicos do país, principalmente de São Paulo, onde a inquietação e a agitação eram mais fortes, levando à extrema irritação aqueles que, antes, eram os mais fervorosos defensores da revolta: os políticos do Partido Democrático de São Paulo que se sentiam esbulhados do poder por interventores militares estranhos ao estado paulista.

Da pena do jornalista, advogado e tribuno Ibrahim Nobre, Maçom originário da Loja “Fraternidade de Santos”, de Santos, São Paulo, saíam libelos contra a situação, já a partir de janeiro de 1931, nas páginas do jornal “A Gazeta”. E, no início de 1932, o pensamento da população paulista foi cristalizado na exigência “civil e paulista”, para a interventoria, a qual viria a ser atendida por Vargas, com a nomeação de Pedro de Toledo, ex-Grão Mestre do Grande Oriente do Estado. O fato, todavia, não serviu para aliviar a tensão e o mal-estar reinantes em vários pontos do país, começando, desta maneira, a fermentar a revolta, que iria propiciar a revolução constitucionalista de 1932, feita por São Paulo, que teve o auxílio de importantes homens de outros Estados, como os gaúchos Borges de Medeiros, João Neves da Fontoura e coronel Mário da Veiga Abreu, e o mineiro Artur Bernardes.

As reuniões preparatórias do movimento foram efetuadas na sede do jornal “O Estado de São Paulo” – fundado, como “A Província de S. Paulo”, em 1875, com ideias republicanas, pelos Maçons Américo de Campos e Francisco Rangel Pestana – sob o comando de seu diretor, Júlio de Mesquita Filho – o maior líder civil da revolta – Maçom da Loja “União Paulista II”, como seu pai, Júlio Mesquita, que fora membro da Loja “Amizade”. Dessas reuniões, participavam outros destacados Maçons, como Paulo Duarte, Cesário Coimbra, Joaquim Celidônio dos Reis e Altino Arantes, assim como a quase totalidade dos membros do Partido Democrático.

A 9 de julho, um sábado, às 11h40., sob o comando do coronel Euclydes Figueiredo – até que a chefia geral passasse ao general Bertholdo Klinger – eclodia a revolta. No dia seguinte, às 15 horas, Pedro de Toledo era aclamado governador de São Paulo, perante uma plateia onde se encontravam Maçons de destaque no cenário político-social do Estado e do país: Menotti Del Picchia, Francisco Morato, Altino Arantes, Thyrso Martins, Paulo Duarte, César Vergueiro e outros. O movimento, que contou com a participação de diversos segmentos da sociedade paulista, teve participação ativa das Lojas, não só em auxílio aos serviços de retaguarda e contribuição aos hospitais de sangue, mas também na frente de batalha, através de muitos de seus membros.

A 28 de setembro, a luta chegava ao fim, com os rebeldes paulistas exauridos, diante da superioridade numérica e bélica das forças federais, sendo assinado o armistício, a 1º de outubro. Embora derrotada, a revolta conseguia uma vitória, com a colocação em vigor da Constituição de 16 de julho de 1934, a qual era, todavia, de uma inquietante fragilidade, por tentar conciliar interesses de grupos antagônicos, não dando a mínima segurança e tranquilidade em relação ao futuro da nação. O Poder Legislativo mesmo era cheio de graves falhas, pelo aproveitamento de ideias divergentes e de experiências europeias, como o corporativismo fascista italiano e a manutenção de duas câmaras, uma política e outra econômica, reunidas num só corpo híbrido, prenhe de antagonismos e, por isso, fraco.

No dia seguinte ao da promulgação da Constituição, a Assembleia elegia, por voto indireto, o presidente da República. E, como era esperado, Vargas vencia, com 175 votos, contra 59 atribuídos ao seu adversário, Borges de Medeiros. Iniciava-se a Segunda República, como foi chamada, sob o signo das lutas entre facções extremistas, de direita (a Ação Integralista, dirigida pelo escritor Plínio Salgado) e de esquerda (a Aliança Libertadora Nacional, comunista, liderada por Luís Carlos Prestes). A Ação Integralista Brasileira foi fundada para combater o comunismo e era baseada no lema “Deus, Pátria e Família”, ou seja, no catolicismo, na organização corporativista do Estado e na organização patriarcal da sociedade.

Com base na agitação provocada por essas lutas e em um plano de revolução comunista, chamado Plano Cohen[18], Vargas solicitou ao Congresso a decretação do estado de guerra, não tardando a dar um golpe de Estado, a 10 de novembro de 1937, dissolvendo o Congresso e declarando extinta a Constituição de 1934. Estava implantado o Estado Novo, regime ditatorial de direita que duraria até 1945.

O ESTADO NOVO E O FECHAMENTO DAS LOJAS MAÇÔNICAS.

Em 1935, o ambiente político-social ia agitado. O integralismo teria, durante algum tempo, a simpatia do governo de Vargas e de alguns círculos militares, que se mostravam dispostos a adotar algumas propostas do programa integralista, sem, contudo, dar participação, no poder, aos seguidores de Plínio Salgado. Iniciou-se, então, uma intensa luta entre as duas facções. Em julho de 1935, o governo fechava a Aliança Libertadora Nacional e iniciava forte repressão aos comunistas, com o apoio do Congresso ; e, em novembro, iria estourar uma revolta em Natal e Recife, logo seguida, no dia 27, pelo levante do 3º Regimento de Infantaria, sediado na Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, o qual aclamava Luís Carlos Prestes como chefe da nação. A revolta, porém, foi logo dominada, sem, contudo, ser evitada a perda de muitas vidas.

No Grande Oriente do Brasil, em sessão do Conselho Geral da Ordem, a 5 de novembro de 1935, a primeira depois da revolta da Praia Vermelha, o Grande Tesoureiro Geral comunicava que havia representado o Grande Oriente nas exéquias dos militares mortos durante os combates, e o Grão-Mestre lia o texto de uma moção, que seria aprovada e aplaudida, na qual se lavrava um protesto contra a violência dos insurretos e se aplaudia os que haviam mantido a ordem, destacando, porém, que isso não envolvia nenhum procedimento político, especialmente partidário:

“Não é nenhum partido político o Grande Oriente do Brasil. Não se conserva, porém, de braços cruzados em face dos grandes problemas nacionais. Desta sorte, em toda a história da Pátria, sempre se revelou solidário com os defensores da liberdade, do direito, da justiça, guardando o maior respeito às convicções políticas e religiosas não só de quantos mourejam nos seus templos senão também dos cidadãos outros que se não arrolam nos quadros da emérita Instituição.

Está, portanto, à vontade, protestando contra a violência dos perturbadores da ordem, aqui no Distrito Federal e ali no Rio Grande do Norte como no Estado de Pernambuco. E, nestas condições, registra, o Cons. Ger. da Ord., na ata dos seus trabalhos, na primeira sessão que ora se realiza depois da tristíssima desordem, que encontrou veemente repulsa em todos os corações bem formados, os mais vivos aplausos aos que souberam cumprir os seus deveres, desde o presidente da República e Ministro da Guerra até aos mais modestos soldados obscuros concidadãos, todos lutando, abnegadamente, pela vitória do regime legal. Não envolve, este voto de aplausos, nenhum proceder político, sobretudo de aspecto partidário. Está, a Maçonaria, em sua obra essencialmente moral, acima dos partidos.. Mas, nessa mesma obra, é transparente o seu amor à Pátria, tudo envidando, a Maçonaria, pela grandeza moral da mesma Pátria”.

O integralismo, por outro lado, já havia sido condenado, pela maçonaria, como sistema incompatível com ela. Em outubro de 1934, começavam os tumultos provocados pelos integralistas, em vários locais do país, principalmente em São Paulo, onde, na tarde do dia 07, um domingo, durante cerimônia de entrega da bandeira de benção à corporação dos “Camisas Verdes” – como eram conhecidos os integralistas – na praça da Sé, ocorreram distúrbios diversos, inclusive com disparo de tiros do alto de alguns prédios. A 06 de novembro, uma circular do Grande Oriente do Brasil comunicava que o Conselho Geral, atendendo às consultas de várias Lojas, com relação à atitude a tomar diante da Ação Integralista, aprovava o seguinte parecer da Comissão de Justiça:

“O integralismo e a Maçonaria são instituições que se repellem ; não deve a maçonaria admittir integralistas em seu seio, o que motiva em considerações que expõe; os Maçons integralistas renegam os princípios liberaes maçônicos, prova já dada pelos respectivos procedimentos na Itália, em Portugal e na Alemanha ; ás Lojas compete deliberar sobre a conveniência de conservar ou eliminar de seus quadros os Maçons que agem contra os princípios maçônicos”

Em 1937, o ambiente político voltava a ficar agitado, pois aproximavam-se as eleições para a presidência da República – já que o mandato de Vargas terminaria em 1938 – tendo sido apresentados dois candidatos: JOSÉ AMÉRICO DE ALMEIDA, político, literato e figura de projeção no Nordeste, desde o golpe de 1930, e o governador de São Paulo, ARMANDO DE SALLES OLIVEIRA, sendo, o primeiro, ostensivamente apoiado pelo governo federal. E o ambiente foi se tornando tumultuado, pela inquietação produzida pelo próprio governo federal, para facilitar a execução de seus planos de continuísmo. Já no início de 1937, sabia-se, no governo, que uma nova Constituição havia sido elaborada por Francisco Campos, ministro da Justiça, e que participavam da operação golpista o ministro da Guerra, EURICO GASPAR DUTRA, o chefe do Estado-Maior do Exército, general GÓIS MONTEIRO, e o ministro do Trabalho, AGAMENON MAGALHÃES.

Nessa ocasião, Vargas aproveitou-se, maus uma vez, das circunstâncias políticas, para se manter no poder. José Américo, em seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, em 1967, foi quem bem traçou o perfil do caudilho:

“Não era o tipo reservado que se julga. Ocultava, discretamente, o pensamento, para não ser discutido. Não era, também, o calculista. Ao contrário, esperava tudo das circunstâncias, deixando que as coisas seguissem seu rumo, até amadurecerem ou se retirarem de cena. E não vacilo em desfazer uma lenda: a de sua habilidade política. Deverão objetar que é um absurdo. Como poderia ele, sem essa arte, deter o poder, ilimitadamente, interrompendo um sistema de temporariedade democrática? Tinha sorte para galgar posições e era destituído de qualidades para conservá-las . Em 1937, sofrera tal desgaste no governo, que perdera a base parlamentar e o apoio dos grandes Estados. Foi preciso que o ministro da Guerra desse um golpe de força, derrubando as instituições, para mantê-lo no Catete”.

A 25 de outubro de 1937, antes do golpe – embora já arquitetado – o general NEWTON CAVALCANTI, membro do Conselho de Segurança Nacional, aconselhava o governo federal a fechar as Lojas maçônicas, por julgar, a mesma, contrária ao regime político que iria se instaurar no país. E tinha razão, evidentemente, pois a maçonaria, através de sua doutrina moral e social, sempre abominou as ditaduras. E, embora não haja um ato governamental ordenando esse fechamento, o certo é que a polícia política de Vargas fez com que as Lojas fossem fechadas, como pode ser constatado em atas de diversas Lojas, em vários pontos do país, algumas delas se referindo, porém, à “ordem das autoridades do país”, ou à “Lei Federal editada pelas autoridades do país”, enquanto outras, mais específicas, referiam-se ao “fechamento pela polícia”. O fato é que podem ter existido ordens, mas não uma lei federal nesse sentido.

A exceção foi o Distrito Federal – então no Rio de Janeiro – onde as Lojas permaneceram em atividade, provavelmente em atenção à submissão do então Grão Mestre do Grande Oriente, general JOSÉ MARIA MOREIRA GUIMARÃES, ao governo ditatorial, inclusive com apoio ostensivo, como quando publicou o decreto nº 1.179, de 02 de junho de 1938, o qual exigia que as Lojas eliminassem de seus quadros os obreiros que professassem ideologia contrária ao regime político-social brasileiro. Contrariando sua índole libertária, os Maçons ficavam proibidos de raciocinar e de falar, submetidos, pelo seu próprio Grão Mestrado, à mais abominável censura. A reação à arbitrariedade partiria, principalmente, de São Paulo, não só através do Grande Oriente de São Paulo, com seu Grão Mestre, Marrey Júnior, e Adjunto, BENEDITO PINHEIRO MACHADO TOLOSA, mas também através da Grande Loja do Estado de São Paulo, criada em 1927, junto com outras, por cisão no Grande Oriente do Brasil, onde se destacavam nomes que já haviam sido importantes no movimento de 1932, como Júlio de Mesquita Filho e Paulo Duarte.

As Lojas só iriam ser reabertas a partir de 1940.

Essa foi a época, todavia, em que começaria o lento declínio político da Instituição maçônica no Brasil, pois Vargas, tendo que aceitar a legalidade maçônica no país, começou a minar a Instituição, através da infiltração de elementos a ele ligados, inclusive os esbirros de sua polícia política, nas hostes maçônicas. Repleta de espiões getulistas, deixou a Maçonaria, de ser uma tribuna livre, imperando a censura disfarçada da ditadura; isso iria levar a uma progressiva negligência na seleção de candidatos à iniciação, ocasionando a admissão de homens culturalmente despreparados e, muitas vezes, de duvidosos dotes morais, fato que contribuiria para deteriorar a atividade político maçônica que, saída das mãos de homens altamente capacitados, iria cair nas mãos medíocres de grandes nulidades sociais.

O BRASIL E OS MAÇONS NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A essa altura dos acontecimentos, já fora iniciada a Segunda Grande Guerra, quando, a 1º de setembro de 1939, a Polônia fora invadida pelas tropas alemãs do líder nazista Adolf Hitler.

O estado de guerra, que envolvia grande parte do mundo, preocupava a população brasileira e suscitava pronunciamentos da sociedade e das Lojas, favoráveis à integração do Brasil às forças bélicas aliadas, que combatiam o Eixo, formado pela Alemanha, pela Itália e, depois, pelo Japão. O governo do Estado Novo, todavia, demorava a tomar uma atitude, mesmo depois que os demais países da América entraram na guerra, por força do que havia sido aprovado na Conferência de Havana, realizada em 1940: um dispositivo de segurança continental coletiva, de acordo com o qual o país americano, que fosse agredido, contaria, incondicionalmente, com o apoio de todos os demais países integrantes da União Panamericana. Em maio de 1939, o ditador brasileiro havia recebido a visita do Maçom americano, general George Marshall, retribuída pela do general Góis Monteiro aos Estados Unidos, marcando o começo dos entendimentos para um programa de cooperação militar entre os dois países, quando os norte-americanos ainda não estavam em guerra.

O ataque japonês à base naval norte-americana de Pearl Harbour – sem ter havido qualquer declaração de guerra do Japão – a 7 de dezembro de 1941, colocou em prática o que fora resolvido em Havana, havendo a imediata reação de várias nações americanas: Cuba, Panamá, Costa Rica, República Dominicana, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras e Nicarágua declararam guerra aos países do Eixo, enquanto o México, a Venezuela, a Colômbia e o Equador rompiam relações diplomáticas com eles. O Chile, então, sugeriu que fosse organizada uma conferência de chanceleres no Rio de Janeiro, em 1942; nesta conferência ficou acertada a ruptura de relações diplomáticas das nações americanas com o Eixo. Foi só então que o governo brasileiro tomou essa atitude de rompimento; mas, para que chegasse a isso, fora necessária uma grande pressão popular e a grande influência do presidente americano Franklin D. Roosevelt, Maçom.

Diante da realização da conferência, o Grão Mestre em exercício do Grande Oriente do Brasil, Joaquim Rodrigues Neves emitia dois decretos nº 1.277, de janeiro de 1942, e o nº 1.278, de 28 do mesmo mês, elogiando a realização do encontro e decretando feriado maçônico, nos dias em que ele se desenvolvesse. E, a 14 de março de 1942, considerando que existia, contra Maçons de origem italiana, alemã e japonesa, radicados no Brasil, o mesmo tipo de animosidade, que já havia sido notado durante a Primeira Grande Guerra, o Grande Oriente do Brasil publicava o decreto nº 1.279, através do qual reeditava as medidas tomadas pelo Grão Mestre Nilo Peçanha, em 1917.

Depois da ruptura de relações do Brasil com os países do Eixo e diante da série de torpedeamentos de navios mercantes brasileiros, por submarinos alemães, o governo reconheceu, a 22 de agosto de 1942, o estado de guerra com aqueles países. Resolveu-se, então, enviar uma Força Expedicionária à Europa, mas a organização dessa Força só foi possível a 09 de agosto de 1943, quando, pela Portaria Ministerial nº 47-44, foi criada a 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária, a qual, junto com o 1º Grupo de Caça da Força Aérea Brasileira, combateu, na Itália, em 1944 e 1945.

A movimentação maçônica em várias partes do mundo, principalmente nos EUA e na Inglaterra, onde os dirigentes – Roosevelt e Churchill – eram Maçons e apoiados pela forte Maçonaria de seus países, já foi, aqui, abordada, assim como o apoio maçônico à Resistência Francesa, por parte de várias Obediências maçônicas, incluindo o Grande Oriente do Brasil, como já ocorrera na guerra de 1914-18. Em abril de 1943, o Grande

Oriente recomendava, às Lojas, que adquirissem bônus de guerra, para auxiliar o esforço bélico dos países aliados.

A REDEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS E OS TUMULTUADOS ANOS POSTERIORES

A 8 de maio de 1945, o mundo veria, aliviado, o término da guerra na Europa, com a rendição incondicional da Alemanha às forças aliadas; e, a 2 de setembro, o governo japonês rendia-se, incondicionalmente, ao general DOUGLAS MACARTHUR – Maçom – comandante das tropas aliadas, em cerimônia realizada a bordo do encouraçado “Missouri”, ancorado na baía de Tóquio.

O término da guerra significava a vitória dos princípios democráticos, o que colocava a ditadura de Vargas em posição quase insuportável, em relação às demais nações. Vargas anunciara, em fevereiro daquele ano, a sua intenção de realizar eleições por sufrágio popular, para a presidência da República. Mas, tratando-se de Vargas, era possível uma guinada de última hora, o que fez com que aumentassem as manifestações coletivas contra o regime — inclusive nas Lojas maçônicas – com a totalidade da imprensa brasileira clamando por um regime de liberdade e de representação. Organizavam-se os partidos nacionais e eram lançadas duas candidaturas : a do brigadeiro Eduardo Gomes, pela União

Democrática Nacional, e a do general EURICO GASPAR DUTRA, pelo Partido Social Democrático. Surgiu, então, no seio de um terceiro partido, o Trabalhista Brasileiro, o “queremismo” – de “queremos Vargas” – que lutava pela continuação do ditador e que seria, estranhamente, apoiado pelo Partido Comunista Brasileiro, no movimento “Constituinte com Vargas”.

A crença de que Vargas não cumpriria o compromisso de eleição direta fortaleceu-se diante da nomeação de seu irmãos, BENJAMIM VARGAS, para a chefia de Polícia. Isso provocou um entendimento entre os dois candidatos, fazendo com que o ditador fosse intimado, pelas Forças Armadas, a 29 de outubro de 1945, a deixar o poder, que seria assumido, interinamente, pelo ministro JOSÉ LINHARES, presidente do Supremo Tribunal de Justiça. A eleição presidência seria realizada a 02 de dezembro, com Vargas apoiando, escancaradamente, a candidatura de Dutra, que sempre fora seu fiel aliado, até nos golpes, e que seria eleito por maioria absoluta.

Dutra faria um governo tranquilo, graças ao seu temperamento tolerante. Mas, avesso aos extremismos, conseguiu, em 1947, que a Justiça Eleitoral declarasse a ilegalidade do Partido Comunista e rompeu as relações diplomáticas com a União Soviética, estabelecidas desde o final da guerra.

À sua sucessão, concorriam o brigadeiro EDUARDO GOMES, pela oposição udenista, e CRISTIANO MACHADO, pelo PSD, o que ensejou uma divisão, da qual se aproveitou o Partido Trabalhista Brasileiro, para lançar o nome de Getúlio Vargas, que acabaria, então, voltando ao poder, desta vez por eleição e não por golpes.

O novo governo de Vargas não foi tranquilo, pois, já em 1953, previa-se uma fase de grave crise política e institucional. O presidente enfrentava grave situação financeira do país, provocada por uma inflação acelerada, e a irritação da classe média, que ia se proletarizando, fazendo com que, em função do descontentamento popular, fosse se avolumando a oposição, temerosa de que estivesse sendo tramado um novo golpe de Estado. Em 1954, multiplicavam-se as denúncias de escândalos administrativos e de corrupção no seio do Executivo, aproveitadas pela oposição, à frente da qual se encontrava o jornalista CARLOS LACERDA, filho do político e Maçom MAURÍCIO DE LACERDA. A 4 de agosto de 1954, ao retornar de uma conferência, Lacerda foi vítima de um atentado a tiros, no qual foi morto um oficial da Aeronáutica, major RUBENS VAZ ; e a situação iria se tornar muito grave, quando o inquérito, então instalado, mostrou que o assassino era dirigido por um áulico do presidente, GREGÓRIO FORTUNATO, segurança do presidente e com muito poder nos bastidores da República, um verdadeiro mar de lama. Vargas, a 23 de agosto, crendo que venceria a crise, entrava com um pedido de afastamento temporário no cargo; na manhã seguinte, vendo que isso não satisfazia à oposição e se poder contornar a crise, suicidou-se, com um tiro no coração, segundo a versão oficial.

Assumindo em meio à crise, o vice-presidente JOÃO CAFÉ FILHO – que, apesar de algumas versões, sem base, de alguns autores, não foi Maçom – presidiu à eleição do ex-governador de Minas Gerais, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, que também não foi Maçom, tendo, como vice-presidente, JOÃO GOULART. O resultado da eleição provocou descontentamento e a reação chegou à intimidade do governo, criando uma nova crise, que seria agravada pela doença de Café Filho ; este fora internado em uma clínica, com problemas circulatórios, entregando o poder ao presidente da Câmara Federal, CARLOS LUZ. Este, acabaria incrementando a crise política, ao decidir substituir o poderoso ministro da Guerra, general HENRIQUE DUFFLES TEIXEIRA LOTT, após um incidente gerado pela punição disciplinar do coronel JURANDIR MAMEDE, que havia feito declarações políticas. Vendo nomeado, para o seu cargo, um general reformado, Lott, que pertencia à corrente denominada “legalista” , provocou o movimento que ele chamou de “retorno aos quadros constitucionais vigentes”, ou seja, o antigolpe, quando tanto Café Filho quanto Carlos Luz foram declarados impedidos de assumir a presidência da República, sendo chamado a ocupar o cargo, na ordem constitucional, o

Maçom catarinense NEREU RAMOS, vice-presidente do Senado – na época, o Senado era presidido, constitucionalmente, pelo vice-presidente da República – o qual empossaria Kubitschek, a 31 de janeiro de 1956.

Kubitschek, embora tenha relegado as relações internacionais brasileiras a um segundo plano, foi bem no âmbito interno, programando uma série de metas a serem atingidas, das quais a principal era a mudança da capital federal para o Planalto Central, a qual, embora já fosse uma antiga aspiração – lembrada já, na Constituinte do Império, de 1823, e na republicana, de 1891 – jamais fora levada adiante. Com a firmeza do governo, lançando as bases de Brasília, a nova capital, diversas entidades, incluindo o Grande Oriente do Brasil, trataram de planejar sua futura mudança para o novo Distrito Federal.

O Grande Oriente do Brasil, apesar dos percalços sofridos com a ditadura getulista, procurava atuar, levando a sua opinião aos órgãos governamentais. Em circular nº 14-60, de 10 de maio de 1960, eram relatados todos os pronunciamentos feitos pelo então Grão Mestre, CYRO WERNECK DE SOUSA E SILVA, paulista de Jaú. Todos eram sem caráter político-partidário, mas visavam, apenas, resguardar a pureza dos princípios maçônicos e democráticos. Eis alguns deles:

Sobre a moralização de nossos lamentáveis hábitos políticos e administrativos e a reafirmação de crença no regime.

Sobre a necessidade de sanear-se e moralizar o voto, com a adoção da cédula única, para todas as eleições e outras providências.

Condenando qualquer tendência de descambamento para os regimes totalitários, quer da direita quer da esquerda, sob os quais não é possível a liberdade e nem o respeito aos sagrados direitos individuais.

Pela inclusão, em nossa legislação, do divórcio a vínculo e de dispositivos que defendam a supremacia do casamento civil sobre o religioso.

Sobre a necessidade de maior difusão da instrução em todos os graus, como único meio de podermos sustentar o regime democrático e as conquistas liberais de nossos maiores, envidando todos os esforços para se garantir a gratuidade do ensino primário, secundário e profissional, que deverá ser público e acessível a todos.

Pelo estabelecimento de uma legislação agrária que proporcione, ao trabalhador rural, um mínimo de assistência e conforto, de forma a sentir-se um cidadão e não um paria em relação ao trabalhador das cidades.

Pela organização cooperativa, como solução para os problemas econômicos e sociais dos produtores e consumidores em geral.

Pela fixação de melhores condições entre o capital e o trabalho, que não são antagônicos, valorizando o homem e o trabalho honesto.

Pela ampla assistência à maternidade, à infância e à velhice, setores em que a maçonaria foi pioneira em todo o mundo, substituindo a caridade de esmoler pela dignificante filantropia, baseada no princípio da solidariedade humana.

Sobre a necessidade de absoluta liberdade de imprensa e de rádio, com a consequente responsabilidade não só daqueles que desceram a injúrias, calúnias e difamações, atacando sem motivo a honra e a boa fama de cidadãos e entidades.

Manifestando a formal repulsa contra a selvagem discriminação racial na África do Sul, em obediência ao princípio maçônico de igualdade de direitos, independente de raça, cor, credo religioso ou ideologia política.

Várias dessas propostas seriam, depois, realidade, como, entre outras, a cédula única, que evitaria as antigas grandes fraudes eleitorais, e o projeto do divórcio, do senador NELSON CARNEIRO, que sempre esteve em contato com a Maçonaria, já que esta o apoiou, abertamente, abordando, inclusive, a medida, em suas Lojas, e remetendo-lhe as conclusões.

O GOLPE DE 1964 E A REPERCUSSÃO NAS LOJAS.

Terminado o período de Juscelino Kubitschek, depois da inauguração de Brasília, a 21 de abril de 1960, o ano de 1961 começava com a posse, na presidência da República, de Jânio da Silva Quadros, que empolgando a opinião pública tivera a maior votação da história republicana – 48% dos votos – derrotando o marechal Lott e o ex-governador de São Paulo, Adhemar de Barros, que fora iniciado Maçom, mas pouca atividade maçônica tinha. Jânio também havia sido iniciado Maçom através da Loja “Libertas”, de São Paulo, em 1946, mas se afastara em 1947, só retornando à atividade em 1985, ao ser eleito prefeito de São Paulo.

Tomando posse em janeiro, ele, rapidamente, implantou uma série de reformas nos métodos administrativos e determinou a abertura de diversos inquéritos e investigações, em atenção à sua promessa de estabelecer um clima de absoluta austeridade no serviço público. Também inaugurou uma política internacional mais agressiva, não fazendo restrições baseadas em ideologias políticas, na procura de parceiros comerciais e políticos para o Brasil; assim, reatou as relações com a União Soviética, as quais haviam sido cortadas durante o governo Dutra, e chegou a condecorar o líder guerrilheiro argentino Ernesto “Che” Guevara, que participara da revolução cubana liderada por Fidel Castro, em 1959, além de defender a autodeterminação do povo cubano.

O presidente, todavia, insurgia-se contra a oposição que sofria no Congresso – já que fora eleito por partidos minoritários – principalmente por parte do Partido Social Democrático e do Partido Trabalhista Brasileiro, que comandavam o Legislativo. E, além disso, sofria, evidentemente, pressão norte-americana, tendo em vista suas posições internacionais. A 25 de agosto de 1961, Jânio surpreendia a nação, ao renunciar ao cargo, por motivos aparentemente ignorados e obscuros, mas, provavelmente, para poder retornar através de um golpe, nos braços do povo, com poderes totais e sem as peias políticas que lhe eram impostas pelo Congresso Nacional.

Isso desencadeou séria crise política, pois, depois do cargo ser entregue na forma constitucional, ao presidente da Câmara Federal, Paschoal Ranieri Mazzilli, já que João Belchior Marques Goulart, o vice-presidente, estava viajando pela Ásia, os ministros militares, considerando perigosa a entrega do poder a Goulart, queriam que o Congresso declarasse seu impedimento para o exercício do cargo. Vários segmentos da sociedade levantaram-se em defesa da intangibilidade do mandato, tendo, o Grão Mestre Cyro Werneck, em nome do Grande Oriente do Brasil, se manifestado, publicamente, pelo respeito à Constituição, com a consequente posse de Goulart. Diante disso, a “solução” política surgiu na forma de Ato Adicional à Constituição, que instituía o regime parlamentarista no Brasil, o que deixaria o presidente sem poderes. A 7 de setembro de 1961, Goulart assumiria o cargo.

Em 1963, Goulart encontrava-se fortalecido pela vitória no Plebiscito de janeiro que aprovou a volta ao regime presidencialista, derrubando o parlamentarismo, que havia sido imposto à nação.

Com esse fortalecimento e contando com o apoio de alguns setores das forças armadas, de alguns grupos econômicos, de uma parcela do clero e das classes trabalhadoras, o presidente resolvia, então, propor ao Congresso, várias reformas de base, como segue:

Reforma agrária com a desapropriação dos latifúndios improdutivos e indenização através de títulos da dívida pública;

Reforma fiscal com a modernização do sistema tributário;

Reforma política com a extensão do direito de voto aos analfabetos; 4. Reforma universitária com a extinção da cátedra vitalícia.

A maioria oposicionista do Congresso, todavia, embora concordando com a necessidade das reformas estruturais, discordava da maneira como elas seriam feitas, principalmente em relação à reforma agrária, combatendo a intenção de pagamento das desapropriações com títulos da dívida pública, com pequeno índice de correção monetária. Graças a isso, os atritos entre o governo e a oposição avolumaram-se, fracassando todas as tentativas de conciliação, o que fazia prever o aparecimento de um processo de radicalização política.

Dois outros fatos viriam, no início de 1964, a tumultuar mais ainda, o já conturbado ambiente político; a estimulação, pelo presidente, da concentração de trabalhadores, no Rio de Janeiro, a 13 de março, proclamando a legitimidade das pressões sobre o Congresso, e a mensagem presidencial anual ao Congresso Nacional, solicitando a delegação de poderes ao Executivo, para a reforma constitucional e a elaboração legislativa, recebida com total frieza, o que fez com que o presidente, ocupando integralmente os limites de suas atribuições, baixasse os diversos decretos relativos, principalmente ao monopólio estatal da importação do petróleo e à regulamentação da lei de remessa de lucros para o exterior.

Alargava-se o abismo entre o governo e a oposição e esta via manobras continuístas de Goulart nas mensagens que mostravam um ensaio para a anulação do capítulo constitucional das inelegibilidades; passaram os oposicionistas, então, a acusar o presidente, como responsável pelo atentado contra o sistema federativo do país, pela omissão perante o processo inflacionário, pela adoção de uma política de progressiva estatização e pela infiltração dos “comunistas” na administração do país.

A crise política atingia a situação econômica do país e o próprio meio social, quando os órgãos políticos e sindicais, como o Comando Geral dos Trabalhadores e a Frente de Mobilização Popular, manobrados pelas forças radiais de esquerda e com o total apoio do governo, pressionavam abertamente o Congresso para que este aprovasse as reformas propostas por Goulart.

A situação de extrema conturbação iria envolver todas as áreas do pensamento político brasileiro, incluindo-se a Maçonaria. Esta mostrava, na época, ao lado dos meros expectantes que, por inércia ou mediocridade, se omitiam, duas correntes de tendências opostas, imitando o contexto geral da política brasileira: uma formada pelos elementos de esquerda que haviam começado a se infiltrar na Maçonaria a partir dos anos trinta, como se haviam infiltrado em outras instituições, sem excluir a Igreja católica; e outra que, sem manifestar tendências radicais de direita, era radical na luta contra o envolvimento esquerdista da Ordem maçônica, tradicionalmente contrária aos extremismos.

Todavia, mesmo perante essa divisão ideológica, o contingente maçônico mais numeroso era representado pela segunda corrente que, defendendo os valores básicos da cultura e do meio social brasileiros, além da tradição maçônica, que fez uma Instituição de cunho político, mas sem ser ligada a qualquer corrente partidária, passou a lutar ativamente pela legalidade constitucional, ameaçada pelos propósitos continuístas do presidente da República.

A essa altura, a crise se avolumava, proporcionando a intensificação das articulações no plano civil, com Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar de Barros, e na área militar, com os generais Cordeiro de Farias, Olímpio Mourão Filho, Nelson de Melo, Odylio Dennis, Costa e Silva, Carlos Luís Guedes, entre outros, contra os atos do governo.

A gota d’água que faltava para o desencadeamento da revolta foi dada pelo próprio João Goulart que, abandonando a tática conciliatória em relação às oposições, partiu para atitudes desafiadoras, das quais as principais foram: a falta de punição dos líderes de uma revolta de marinheiros e o discurso presidencial, a 30 de março de 1964, dirigido aos membros da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia do antigo Estado da Guanabara. Esses atos feriam o princípio da hierarquia militar, causando o início de um processo de desagregação nas forças armadas. No mesmo dia, o governador mineiro Magalhães Pinto, onde afirmava que as forças sediadas em Minas Gerais consideravam como um dever a entrada em ação, para assegurar a legalidade ameaçada pelo próprio presidente.

Articulando o movimento revolucionário, a ação militar que fora marcada para o dia 3 de abril, acabou sendo antecipada para a madrugada de 31 de março, pela rebelião da guarnição de Minas que se deslocou em direção à Guanabara, sob o comando dos generais Mourão e Guedes, recebendo no mesmo dia, a adesão do I, do II e IV Exércitos, sediados no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Pernambuco, respectivamente.

Irrompido o movimento político-militar, que iria depor o presidente, este empreendeu fuga para o Exterior, sendo, em seguida, emitido um Ato Institucional, que suspendia as garantias constitucionais e iniciava um expurgo na vida pública do país. A 15 de abril, eleito pelo Congresso, assumia a presidência da República o marechal Humberto de Alencar Castello Branco.

Naqueles agitados dias, embora houvesse uma divisão de opiniões, na Maçonaria brasileira, a maioria dos Maçons apoiou, inicialmente, o movimento, diante da situação caótica em que se encontrava o país e diante da disposição do presidente de dar um rumo ordeiro à nação e devolver o seu governo aos civis, o que não aconteceria, já que uma ala radical do Exército dispunha-se a continuar no poder. A Maçonaria, como Instituição, não foi molestada em nenhum momento, embora a repressão, que se seguiu à posse de Goulart, tivesse atingido a intimidade das Lojas maçônicas, não diretamente através do governo, mas por meio da corrente que apoiara o movimento e que iniciava, no seio da Instituição, um expurgo dos elementos radicais, o qual iria ser incrementado a partir de 1968, quando, durante o governo do general Arthur da Costa e Silva, que sucedeu a Castello Branco – e também eleito pelo Congresso – quando foi fechado o Congresso Nacional e editado o Ato Institucional nº 5, que acabava por pulverizar, totalmente, quaisquer garantias constitucionais, inclusive com férrea censura à imprensa, tão intensa quanto a da época da ditadura Vargas.

Ao lado, porém, de homens sérios, que julgavam que, naquele momento, estavam fazendo o melhor pela Maçonaria brasileira, surgiam os aproveitadores, que, por interesses pessoais na política maçônica e não por idealismo, passaram a usar a tendência política dominante, para se desembaraçar de seus adversários: e muitos Maçons passaram a ser levianamente acusados, sem nenhum fundamento, e “premiados” com o adjetivo mais perigoso e contundente da época: comunista! A Justiça Militar, onde tais acusações eram analisadas, acabaria por arquivar todas as denúncias, diante da inconsistência delas.

Graças a essa situação, a atividade maçônica externa diminuiu muito, restringindo-se, então, aos fatos administrativos internos.

Depois de Costa e Silva, o Brasil seria governado por Emílio Garrastazu Médici – o mais duro de todo o período autoritário – que implantou a mais profunda censura a todos os órgãos da mídia nacional, impedindo qualquer tipo de manifestação da sociedade, que já ia se cansando do autoritarismo. A 15 de março de 1974, o governo seria assumido pelo general Ernesto Geisel, que foi quem iniciou a lenta abertura política, afrouxando os nós apertados da ditadura Médici.

A 16 de maio, Geisel recebia a visita, em audiência, do Grão Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil e de seu Adjunto, que, sendo senador e do partido situacionista, leu um ofício em que o Grande Oriente reafirmava seu apoio regime de governo, que se havia instalado em 1964. Isso, sem consulta ao chamado “povo maçônico”, que, passado o período inicial, com Castello Branco, e percebendo que seria longa a estrada para a volta ao estado democrático, já não dava, em sua maioria, apoio ao sistema vigente.

A ABERTURA POLÍTICA: A ANISTIA E A RECONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA

Em 1979, já sob novo governo, o Brasil começava a respirar ares menos opressivos. E a 28 de agosto, atendendo às pressões da sociedade brasileira, o presidente JOÃO BAPTISTA DE OLIVEIRA FIGUEIREDO sancionava a lei de anistia, nos termos em que fora aprovada pelo Congresso Nacional, a partir de projeto seu, de 27 de junho. A lei, que seria regulamentada a 1º de novembro, beneficiava os que haviam sido punidos após a implantação do regime autoritário. Como a de outros setores da sociedade, as Obediências maçônicas também se fizeram ouvir em favor da anistia, embora ainda existissem alguns setores contrários, já que muitos dos anistiados haviam se revelado como de alta periculosidade.

Em 1984, aproximando-se a nova eleição para a presidência da República e considerando-se estar praticamente exaurido o regime advindo do golpe de 1964, a Maçonaria brasileira, notadamente o Grande Oriente do Brasil, juntando-se a outros segmentos da sociedade, apoiava, abertamente, a realização de eleições diretas, ou seja, pelo voto do povo, o que não acontecia desde 1960, quando foi eleito Jânio Quadros. Todavia, a emenda constitucional, apresentada à Câmara Federal, instituindo eleições diretas, foi rejeitada por pequena margem de votos, atendendo a interesses pessoais e de grupos políticos, que queriam o poder. E, pela via indireta, foi eleito o político mineiro TANCREDO NEVES, que, doente, veio a falecer sem tomar posse, a 21 de abril de 1985, sendo entregue, o mandato inteiro, a JOSÉ SARNEY (JOSÉ RIBAMAR FERREIRA DE ARAÚJO COSTA), que, por interesse político, saíra do partido situacionista, ao qual o sistema de sustentação política de Tancredo se opunha. Sarney, com seu Ministério da Fazenda, criou um plano supostamente anti-inflacionário, mudando a moeda e congelando preços e salários; o plano, feito para durar alguns meses, mas esticado para mais de um ano, com interesses puramente eleitorais, revelou-se uma bomba de efeito retardado, a qual jogaria o país na mais violenta inflação de sua História: 84% ao mês, no final do mandato de Sarney.

Em 1989, aproximava-se um momento histórico para o Brasil: a eleição direta para a presidência da República, depois de quase 30 anos de eleições indiretas e sem representatividade. Diversos Maçons colocaram-se na linha de frente da campanha eleitoral, o que motivou uma reunião de Grão Mestres estaduais do Grande Oriente do Brasil, em setembro, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, para o lançamento de um manifesto alusivo ao ato, sem indicar um candidato preferido, evidentemente, mas solicitando que não deixassem, os Maçons, de participar daquele evento histórico.

No segundo turno da eleição, foi eleito, para a presidência, FERNANDO AFONSO COLLOR DE MELLO, empossado a 15 de março de 1990, o qual abriria a economia brasileira aos demais países, embora a positividade dessa medida fosse empanada pelo fracasso de dois planos econômicos para conter a inflação.

Em 1992, o Brasil passava por uma séria crise política, com as denúncias de corrupção ativa e passiva, que pesavam sobre diversas figuras proeminentes da República, incluindo o próprio presidente. Começavam, então, a surgir manifestações de rua, principalmente de estudantes, insuflados, como sempre, pelos partidos oposicionistas de esquerda, provocando o lento, mas progressivo processo de rebelião popular e desagregando a já frágil estrutura socioeconômica do país.

Aproveitando, então, dentro do Plano Estratégico, criado pelo Grande Oriente do Brasil, um pouco antes, as comemorações alusivas aos 170 anos de fundação da Obediência maçônica, MOACYR SALLES, no exercício do Grão Mestrado do Grande Oriente do Brasil, diante da licença do Grão Mestre, JAIR ASSIS RIBEIRO, apresentava, à Câmara dos Deputados, o manifesto intitulado “O Grande Oriente do Brasil aos Representantes da Nação Brasileira”, um documento vigoroso de análise da situação do país e que seria enviado a diversas autoridades da República e dos Estados brasileiros, situando a posição do Grande Oriente, diante dos graves fatos que afligiam a nação.

O manifesto teve grande repercussão entre os parlamentares e na imprensa, mostrando que a Obediência maçônica nacional continuava a ser respeitada. Num dos comentários, o deputado MORONI TORGAN afirmava:

“São importantes esses 170 anos. São 170 anos de uma sociedade de homens de bem. Sou testemunha do apoio que recebo contra o narcotráfico, contra o crime organizado, contra a sem-vergonhice, contra a safadeza. Isso é importante, para podermos gritar, ao país, que temos, em nosso meio, homens que querem defender a honra, a justiça e a sociedade”.

A 29 de setembro, em situação inédita na História da República, no Brasil, a Câmara declarava o impedimento do presidente, o qual era logo afastado do cargo, assumindo o vice-presidente, ITAMAR FRANCO. O processo de impedimento do presidente fora muito traumático para o país, pois suscitara manifestações populares, pacíficas algumas, turbulentas, a maior parte, espontâneas, algumas, manipuladas, a maior parte, com partidos políticos de esquerda e uma parte da imprensa neles engajada, estimulando movimentos de protesto, principalmente entre a parcela menos amadurecida da população, ou seja, crianças e adolescentes das escolas brasileiras, facilmente manipuláveis. A grande maioria da população, todavia, embora exigindo providências, que resgatassem a moral e a ética no trato da coisa pública, não participara das manifestações de rua, mesmo porque, com precavida maturidade, receava que os movimentos descambassem para uma conflagração civil, ou suscitassem uma intervenção militar, como a de 1964. A 2 de outubro, diante das solicitações, de Lojas e Maçons, para que houvesse um pronunciamento maçônico oficial, o Grão Mestre em exercício do Grande Oriente do Brasil, mandava divulgar o documento apresentado à Câmara dos Deputados e mostrava a posição da Instituição.

Itamar Franco, assumindo naquela situação, faria um governo opaco, onde os atos “folclóricos” eram mais evidentes, só se sobressaindo pelo lançamento, em seu governo, do Plano Real, elaborado pelo Ministério da Fazenda, o qual iria ter mais sucesso do que os anteriores, contendo a inflação brasileira. Graças a esse sucesso, o ocupante do Ministério, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO seria eleito e, depois, reeleito presidente da República, abrindo mais a economia brasileira e diminuindo a participação estatal nas empresas.

Na última década do Século XX, a Maçonaria brasileira teria oportunidade de atuar na área do combate às drogas – como no programa “Maçonaria Contra as Drogas – Um Projeto a Favor da Vida”, do Grande Oriente do Brasil – no combate ao trabalho infantil, em colaboração com a O.I.T. (Organização Internacional do Trabalho) e no apoio à abertura da economia brasileira, em contatos com empresários, que procuravam ouvir a opinião das lideranças maçônicas, em Brasília.

Santos, Joaquim Felício dos – in “Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio” – pág. 253.

Santos, L. J. – in “A Inconfidência Mineira – Papel de Tiradentes na Inconfidência” – págs. 90 e 91.

Torres, L. W., in “Tiradentes, a Áspera Estrada para a Liberdade” – pág. 103.

Oliveira Marques, A. H., in “História da Maçonaria em Portugal” – Vol. I: Das Origens ao Triunfo” – Lisboa – 1990.

Gonçalves, R. M., in “A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve”, de Castellani, J. e Costa, F. G., págs, 19 a 21.

Apud Assis Cintra, in “Brasil de Outrora” – Monteiro Lobato e Co. Editores – 1922 – pág. 221.

José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Visconde do Rio Branco (N. E.).

Para maiores detalhes, inclusive com comprovação documental, v. “História do Grande Oriente do Brasil – A Maçonaria na História do Brasil” – Brasília: Editora do Grande Oriente do Brasil; 1993; e “Os Maçons na Independência do Brasil” – Londrina: A Trolha; 1994; ambas as obras do autor desta. (N. A.)

Apud Ferreira, T.L. e Ferreira, M., in “A Maçonaria na Independência Brasileira”.

Apud Assis Cintra, in op. Cit. – pág. 47.

Anexo: Proclamação de D. Pedro, príncipe regente, aos Paulistas.

Apud Assis Cintra, in op. Cit. – págs. 240 e 241.

Bonavides, Paulo & Vieira, R. A. Amaral. “Textos políticos da história do Brasil (Independência — Império — I)”. Fortaleza: Imprensa Universitária da Universidade Federal do Ceará, S. D., pág. 306.

Extraído do opúsculo “Cinquentenário da República”, publicado pelo “Correio Paulistano”, em março de 1940 – pags. 40 a 42 – Apud Reynaldo Carneiro Pessoa, in “A ideia Republicana no Brasil, Através dos Documentos” – Alfa-Ômega – 1973 – pags. 63 a 66.

O Estado de São Paulo, desde a implantação da República e até ao golpe de 1930, teve uma expressiva maioria de presidentes de Estado que foram Maçons: Prudente de Moraes (18891890); Jorge Tibiriçá (1890-1891), Américo Brasiliense (1891-1891), Bernardino de Campos (1892-1896), Campos Salles (1896-1898), Fernando Prestes (1898-1900), Bernardino de Campos (1902-1904), Jorge Tibiriçá (1904-1908), Albuquerque Lins (1908-1912), Altino Arantes (1916-1920), Washington Luís (1920-1924), Carlos de Campos (1924-1927) e Júlio Prestes (1927-1930). (N. A.).

À época, declarações posteriores do general Góis Monteiro afirmavam que o Plano Cohen era falso e fora forjado por um oficial integralista do Estado Maior. Recentemente, pesquisas realizadas nos arquivos da KGB, o serviço secreto da ex-União Soviética, demonstraram realmente a existência do Plano Cohen, em uma tentativa de implantação de uma nação socialista no Brasil. (N. A.)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dos fatos expostos, embora sinteticamente, é possível fazer-se uma ideia da atuação política da Maçonaria moderna ou Maçonaria dos Aceitos, nos últimos trezentos anos, embora essa atuação tenha sido, quase sempre, secreta, não chegando ao conhecimento público.

Nos dias de hoje, existem pessoas e muitas delas bastante esclarecidas que acreditam que a Maçonaria é anacrônica e que se transformou, simplesmente, em uma associação filantrópica e em um cenáculo, onde os homens se entregam a especulações metafísicas e etéreas, destituídas de caráter prático. No caso particular do Brasil, muitos dos próprios Maçons são os responsáveis por essa maneira de pensar do grande público, pelo fato deles mesmos terem essa opinião sobre as finalidades da Instituição maçônica, crendo que, mantendo ou auxiliando asilos e creches, dando algum dinheiro aos necessitados e discutindo o sexo dos anjos, em intermináveis elóquios místicos, já cumpriram as suas obrigações maçônicas perante a Sociedade.

Na realidade, entretanto, a maçonaria continua politicamente ativa, a par de suas obras assistenciais em todos os países em que ela é permitida, legal, ou apenas tolerada, como é o caso de Cuba, onde ela não é proibida, mas onde as Lojas sofrem periodicamente inspeções governamentais, sujeitando-se a multas, suspensões e até dissoluções por infração à Lei, sendo uma dessas “infrações”, o auxílio que muitas Lojas dão aos familiares de Maçons presos como inimigos do Regime Cubano.

Na Europa é grande a atividade maçônica, principalmente na Inglaterra, em França, na Alemanha e na Bélgica; nesses países, a

Maçonaria praticamente reviveu, após o término da Segunda Guerra Mundial, pois, durante ela, a ocupação nazista colocou a Ordem maçônica na ilegalidade, como havia feito na própria Alemanha, a partir de 1933, com a ascensão de Hitler ao poder. Também em Portugal e em Espanha houve a reedificação maçônica, depois dos longos períodos totalitários de Salazar e Franco, respectivamente, valendo informar que durante a ditadura franquista em Espanha, fundaram-se, em vários países, os Grandes Orientes Espanhóis no Exílio, inclusive no Brasil, em São Paulo, com a finalidade de fazer propaganda ideológica, manter contatos secretos com o movimento subterrâneo de Espanha e angariar fundos para os Maçons que, no próprio território espanhol, combatiam o regime de Franco.

Todavia, é nos Estados Unidos da América, a maior potência maçônica mundial, com seus quatro milhões de Maçons que a atividade maçônica, em todas as áreas, é mais evidente, complexa e produtiva e onde os altos cargos maçônicos são revestidos de uma importância excepcional, fazendo com que Harry Truman, que foi Grão Mestre da Grande Loja de Missouri, tivesse afirmado em certa ocasião:

“Fui Grão Mestre e presidente dos Estados Unidos da América e, dos dois cargos, eu acho que ter sido Grão Mestre foi, para mim, o mais importante, o máximo.”

Para se ter uma ideia das dimensões da Maçonaria norte-americana, podem-se citar os seguinte dados, relativos às Grandes Lojas Estaduais dos Estados Unidos da América, segundo informações do pesquisador maçônico brasileiro, Erwin Seignemartin, ex-Grão Mestre da Grande Loja do Estado de São Paulo:

A Grande Loja de Missouri possui 550 Lojas, com 97.232 membros; graças a uma sábia política de investimentos e planos financeiros, ela pôde construir um abrigo maçônico, onde se encontram internadas 297 pessoas; o fundo beneficente da Instituição tem um saldo positivo de 18 milhões de dólares.

A Grande Loja de New Hampshire, com apenas 80 Lojas e 14.000 membros, também mantém um abrigo para idosos, cujo patrimônio líquido chega a mais de dois milhões de dólares.

O edifício da Grande Loja de Michigan, em Detroit, é o maior do mundo em seu gênero; sua importância no cenário da cidade é tal que a Prefeitura deu o nome de Temple Avenue – Avenida do Templo – onde ele se encontra. Para se ter uma ideia de seu tamanho, basta dizer que ele conta com dois auditórios com capacidade para 1.600 e 4.500 pessoas cada um.

Sempre que há, no Capitólio, uma cerimônia de lançamento de pedra fundamental, a Maçonaria a preside. O lançamento da pedra fundamental do edifício original, conforme já foi esclarecido nesta obra, foi uma cerimônia maçônica, presidida por George Washington; em 1851, quando do lançamento da pedra fundamental de um anexo, o presidente Filmore que, antes se declarava contrário à Maçonaria, convidou pessoalmente o Grão Mestre da Grande Loja do Distrito de Colúmbia a presidir a cerimônia idêntica na construção de mais um anexo sob a presidência do Grão Mestre e com a presença do presidente Eisenhower.

Além do Capitólio, a Maçonaria presidiu a cerimônia de lançamento da pedra fundamental dos seguintes edifícios públicos de Washington: Prefeitura (1820), o Instituto Smithsoniano (1847), o Monumento Steuben (1870), Universidade Americana (1896), Escola de Guerra (1903),Faculdade de Direito George Washington (1924) entre outros.

O auditório da Grande Loja de Illinois comporta 5.000 pessoas; ele já recebeu a visita de muitos famosos artistas, além de orquestras sinfônicas e filarmônicas que lá deram concertos; o grande regente Arturo Toscanini deu um concerto nesse auditório, qualificando suas acústica de magnífica.

Existem diversas bandas de música nos Estados Unidos cujos componentes são Maçons, sendo uma das mais famosas e que realiza frequentes concertos, a de Illinois, da organização maçônica Shriners.

A citada organização Shriners, existente nos Estados Unidos e no Canadá, mantém nada menos do que 22 hospitais, sendo três para crianças portadoras de defeitos físicos e três especializados em tratamento de queimaduras. Desses hospitais, dois estão no Canadá, um no México, um no Havaí e os demais no território norte-americano.

Em 1964, foi fundado nos Estados Unidos, o “Clube Esquadro e Compasso dos Advogados”, destinado a congregar Maçons juristas para prestar assistência jurídica aos Maçons carentes. Em 1980, esse clube já contava com 350 advogados, além de 35 juízes, atuando em diversas partes no Estado e cidade de Nova York.

Por ocasião da visita do papa João Paulo II à cidade de Chicago, no Estado de Illinois, a Cúria Metropolitana, reconhecendo o prestígio da Maçonaria americana, enviou convite ao Grão Mestre adjunto, através do convite especial, para assistirem à missa celebrada pelo Papa.

Esses dados mostram não só uma Maçonaria economicamente forte, como também, atuante, considerada e respeitada, atuando de maneira evidente na vida política e social dos Estados Unidos, inclusive no Conselho de Relações Exteriores do país. Além disso, a Maçonaria norte-americana não é estranha, assim como a inglesa, a alemã, a francesa e a italiana, às reuniões da “Bilderberg”, a ultra elite secreta que se reúne todos os anos em algum lugar da Europa ou dos Estados Unidos para decidir os destinos das nações e que é formada por políticos influentes, banqueiros e empresários que controlam o mundo das finanças, e dirigentes das maiores cadeias de jornais americanas e europeias que detêm o monopólio das informações.

Essas atividades, de maneira geral, não chegam ao conhecimento do grande público que, dessa maneira, cataloga a maçonaria como uma Instituição ultrapassada e inativa; e infelizmente, são necessários acontecimentos muitas vezes escabrosos, como o caso da Loja “P-2”, de Roma, para que o público tenha ciência de que a grande organização política internacional não desapareceu e continua viva.

É claro que o caso da “P2” não pode ser tomado como paradigma da atuação maçônica, uma vez que as atividades dessa Loja eram condenadas pela Maçonaria regular italiana, por usar métodos não muito éticos na sua atuação política; de qualquer maneira, o episódio serve para demonstrar que a força e o carisma da Instituição não desapareceram e que, lastreada em seu caráter internacional, ela pode influir, decisivamente, nos destinos políticos do mundo, embora, muitas vezes, essa força seja utilizada por oportunistas, em seu benefício pessoal, como no caso de Lício Gelli, o presidente da “P2” que se aproximando de personalidades do governo italiano tinha, nas mãos, todos os trunfos para se apoderar do poder no país, como entidade parda todo-poderosa.

No caso específico do Brasil, pergunta-se qual é a sua atividade atual e quais são as suas perspectivas para o futuro, diante do descrédito popular do qual não está ausente a campanha clerical antimaçônica, muito evidente, em um passado não muito remoto, principalmente nas pequenas cidades.

Realmente, embora tenha a Maçonaria nascido como Instituição operativa à sombra do clero medieval e por ele tutelada, o seu caráter liberal e libertário, assumindo por ocasião da transformação que deu origem à moderna Maçonaria, acabou cavando um fosso entre ela e a Igreja, uma vez que esta, conservadora, apoiava os regimes monárquico absolutistas, deles participando ou até comandando-os.

Assim, em 1738, Clemente XII condenava a Maçonaria pela encíclica “Eminente Apostolatus Specula”; em 1751, Benedito XIV a condenava pela “Apostalice Providas”; em 1821, Pio VII a condenava pela bula “Eclesian a Jesuchristo”; em 1825, Leão XII a condenava através da encíclica “Quod Graviora”; em 1832, a condenação partia de Gregório XVI através da encíclica “Mirarivos”; Pio IX, o papa que mais combateria a Maçonaria, iria condená-la através da encíclica “Qui Pluribus”, em 1846, a alocução “Multiplices inter Machinationes”, em 1865, a encíclica “Quanta Cura”, em 1864 e a bula “Apostolicae Sedis”, em 1869; em 1884, Leão XIII condenava a Maçonaria pela encíclica “Humanum Genus”.

Com a evolução social da Humanidade, principalmente no Século XX, tornaram-se irrelevantes todas essas condenações que foram baseadas em um momento político-social de grandes transformações. O subdesenvolvimento intelectual do povo brasileiro, todavia, iria proporcionar ao clero de pequenas e médias cidades, a base popular de suas difamações contra os Maçons, gerando até fatos pitorescos: párocos que afirmavam que os Maçons adoravam ao diabo, realizando missas negras e cultuando bodes negros, faziam com que os fiéis de seus rebanhos, ricos em fervor religioso, mas certamente, pobres em massa cinzenta, tivessem medo de passar em frente aos templos maçônicos e que se, forçosamente tivessem que fazê-lo, fizessem contritamente o sinal da cruz para se livrarem dos “maus fluídos” daquelas “casas do diabo”; outro fato pitoresco é que existia, muitas vezes, ampla camaradagem entre os padres e os Maçons que, para uso externo, se atacavam mutuamente, como no caso da cidade paulista de Jundiaí, nos primeiros anos do século, quando o pároco atacava os Maçons e o seu presidente (Venerável) grande importador de vinhos, mas estava, sempre presente na casa do dito presidente para degustar os seus bons vinhos portugueses, consubstanciando o “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”.

Hoje, a própria Igreja está abandonando o seu conservadorismo e apoiando as mesmas ideias liberais há muito defendidas pela Maçonaria, embora descambando, em muitos casos para o radicalismo de esquerda, com o apoio de “intelectuais progressistas” e de líderes sindicais que utilizam os seus liderados para fazer sua promoção pessoal, social e política. Esse novo liberalismo da Igreja tem proporcionado uma aproximação entre ela e a Maçonaria.

As marcas da luta do passado, todavia, ainda estão na mente popular, gerando descrédito e prevenção contra os Maçons, principalmente da parte dos menos evoluídos, intelectualmente. Esse fato, entretanto, não é o mais importante para justificar o relativo declínio da maçonaria brasileira, pois no passado, não influiu em suas atividades políticas.

Um fato mais importante, pelo menos para os Maçons muito ortodoxos, é o cerceamento imposto pelas constituições maçônicas em relação à livre manifestação do pensamento, no meio maçônico, em questões políticas e religiosas.

No Brasil, esse cerceamento teve início quando foi reerguido o Grande Oriente Brasílico, como Grande Oriente do Brasil, em 1831. Como o fechamento do daquele, em 1822, fora por motivos eminentemente políticos, o Grão Mestre José Bonifácio preconizava tal proibição – através do manifesto dirigido a toda a maçonaria mundial – feita no sentido de que assuntos políticos não viessem a causar danos à instituição.

Durante o Grão Mestrado do senador Lauro Sodré, através do decreto 353, de 24 de fevereiro de 1907, era colocada em vigência uma nova Constituição, onde as proibições eram explícitas e onde eram introduzidas grandes alterações administrativas. Essa Constituição, apesar de algumas modificações posteriores, é, em linhas gerais, mantida até hoje, inclusive pelas Obediências Maçônicas surgidas por cisões no Grande Oriente do Brasil, estabelecendo, em seu início:

“A Maçonaria reconhece, nos Maçons, o direito de opinar e intervir em todas as questões relativas à Instituição, mas lhes proíbe, expressamente, dentro das Lojas, a discussão ou controvérsia sobre matéria religiosa ou política, bem assim o exame ou crítica dos atos da autoridade civil”.

Ora, essa proibição acaba entrando em choque com a própria definição da Maçonaria, constante na mesma Constituição:

“A Maçonaria é uma Instituição educativa, filantrópica e filosófica que tem, por objetivo, o aperfeiçoamento moral, social e intelectual do Homem, por meio do culto inflexível do Dever, da prática desinteressada da Beneficência e da investigação constante da Verdade”.

Note-se aí uma incoerência, pois, se uma das metas maçônicas é a investigação constante da Verdade, a política, a religião e o exame dos atos da autoridade civil não podem ser excluídos dessa investigação, essencial ao aperfeiçoamento social do Homem. Excluindo-se tudo isso, sobrará, apenas a investigação da Verdade etérea e empírica da mística transcendental e metafísica que é o que, geralmente, tem sido feito, o que faz com que muitos Maçons cultos e politizados não vejam caráter prático na atividade maçônica.

Esse fato, apesar de ter certa importância para o arrefecimento da atividade política maçônica, não é o primordial, pois não impediu uma grande atividade política da Ordem maçônica até o advento do Estado Novo que, este sim, foi o grande responsável pelo esvaziamento cultural e cívico da Maçonaria brasileira, embora, atualmente, a situação esteja sendo corrigida, com a seleção de melhores candidatos à iniciação maçônica.

A partir do Estado Novo, notaram-se fatos fundamentais para o arrefecimento cultural e político da Maçonaria, causados pela infiltração de elementos ligados à ditadura e de homens despreparados que se aproveitaram da crise política que quase derrubou os templos para ingressar na Instituição.

Esses fatos, muito lamentáveis, foram os seguintes:

Constante e progressiva desisntelectualização do meio maçônico, através de homens sem capacidade suficiente para compreender a filosofia mística, social e política da Maçonaria; a Maçonaria não faz distinção de raça, cor, credo religioso e categoria social, todavia, devendo exigir dos candidatos à iniciação um certo nível intelectual, pois ela é uma Instituição cultural;

Carência total de lideranças efetivas e inatas sufocadas por oligarquias que se eternizavam no poder maçônico, criando falsos líderes nos tubos de ensaio e nos cadinhos de seus laboratórios políticos;

Surgimento de uma casta de vaidosos parasitas que procuravam ser “figurões” dentro da Instituição maçônica para compensar sua nulidade e mediocridade no meio social que viviam.

É claro que, hoje em dia, a partir de um melhor critério de seleção de candidatos, a tendência, a médio prazo, é a melhoria do nível cultural, a marginalização dos “pavões” e a derrubada das velhas oligarquias não representativas, proporcionando a ascensão das novas lideranças, mais atualizadas e mais conscientes de seu papel social. Não é possível que uma Ordem que teve à sua frente, homens como Bonifácio, Rio Branco, Cairu, Saldanha Marinho, Quintino Bocaiúva, Lauro Sodré, Nilo Peçanha, Deodoro da Fonseca e tantos outros de grande valor na História do Brasil, não tenha tido em sua cúpula nos últimos quarenta anos, salvo raras exceções, homens de projeção no meio político, no meio social, no meio cultural e no meio econômico da Nação.

Apesar desses percalços, não é verdade o que muitos Maçons dizem, quando afirmam que a Maçonaria vive das glórias do passado, pois ela, hoje em dia, procurando o seu caminho de volta às antigas grandes atuações, dá, ainda, a sua grande contribuição ao aperfeiçoamento do modelo político e social da Nação, não somente através da atuação das Lojas, mas também, através da voz dos Maçons presentes nos poderes legislativos federal e estaduais, na impressa, nas letras, no empresariado.

Uma velha batalha travada pela Maçonaria brasileira foi aquela pela implantação do divórcio no país, como meio de reconstituição da família e dos casamentos fracassados, para substituir a dubiedade e a hipocrisia do desquite, implantado para satisfazer o clero católico e que nunca resolveu a situação de ninguém, sendo um incentivo ao concubinato, por não desfazer o vínculo matrimonial. Essa luta, depois de muitos anos, seria coroada pela vitória do projeto apresentado pelo senador Nelson Carneiro, instituindo o divórcio no Brasil.

Em um congresso maçônico, em Maceió, Alagoas, foi dado a público um manifesto dirigido ao presidente da República, em favor da anistia ampla, da reabertura democrática, da valorização do Homem, do respeito aos direitos inalienáveis do cidadão e do aperfeiçoamento do regime democrático. Isso ocorreu em 1979 e o Manifesti, divulgado em diversas áreas, inclusive no Congresso Nacional, teve amplo apoio, prodigalizando muitos dos frutos desejados.

Embora lutando pelas franquias constitucionais e democráticas, a Maçonaria brasileira não tem confundido liberdade com licenciosidade, pois não entende liberdade sem disciplina e não aceita liberdade sem ética e sem moral. Isso significa a ampla riqueza das franquias democráticas existentes dentro da Maçonaria que admite toda a gama de ideias, divergentes e complementares, na busca de um denominador comum.

A par disso, a Instituição maçônica no Brasil trava, há muitos anos, e bem antes de qualquer outra Instituição, uma luta vibrante contra a disseminação e o uso de substâncias tóxicas e entorpecentes ao organismo, através de palestras esclarecedoras, de simpósios, de cursos, de livros e de artigos na imprensa diária. Nesta luta não existem divergências, nem contestações, pois um dos pontos básicos da doutrina maçônica é o combate a qualquer tipo de vício, pois este escraviza o Homem, avilta-o e tira-lhe toda a liberdade de consciência que fica atrelada aos meios usados para manter o vício.

Portanto, não é, hoje em dia, a Maçonaria brasileira omissa ou inativa. Ela ainda atua, embora com menos calor do que no passado, em decorrência dos fatos já apontados e que lhe proporcionaram um certo declínio, além dos lamentáveis acontecimentos de 1973, com uma grande cisão maçônica que não ficou limitada às Lojas ou aos tribunais maçônicos, chegando à justiça comum e às manchetes dos jornais.

Hoje ela procura apagar as marcas de lamentáveis refregas que a levaram ao nível mais baixo de sua história de duzentos anos no Brasil. Procura, também, renovar os seus quadros com homens de ideias mais arejadas e horizontes mais amplos para que possa voltar a ter uma influência política e social mais larga e profunda; esse seu renascimento intelectual, social e político, só poderá trazer benefícios ao país, pois a história mostra que os países mais desenvolvidos do mundo ocidental são, exatamente, aqueles cuja Maçonaria nacional é mais forte e atuante, como é o caso dos Estados Unidos da América, da Grã Bretanha e de França. Isso não pode ser mera coincidência.

Para a edificação de seu futuro pode a Maçonaria brasileira basear-se nas palavras de um Grão Mestre do Grande Oriente de França, onde este possuí um programa semanal na Rádio Nacional Francesa, sob o título de “O Grande Oriente de França vos fala”, durante a reunião da Assembleia Nacional do Grande Oriente em 1960, publicadas na revista “La Chaine d’Union – A Cadeia de União – segundo citação de Paul Naudon, no livro “La Franc-Maçonnerie”:

“Os amanhãs que nos esperam não dependem de nenhum determinismo e de nenhuma fatalidade. Não serão os dias queridos da Providência, nem os dias preparados pelos cuidados de uma magia qualquer. Nossos amanhãs serão os que tivermos feito, se os soubermos prever e preparar. Nesse trabalho prospectivo, alguns pontos fixos podem e devem guiar-nos como marcos permanentes de nossa obras e justificação de nossa existência. São eles:

O sentimento, aprofundado ao ponto de se tornar instinto da Fraternidade;

O sentimento cívico no estádio universal que é nossa vocação própria;

Enfim, a proteção do Homem e dos valores que ele representa, como que o caracteriza essencialmente: a aquiescência à razão, aos valores morais permanentes e à Liberdade.

Pois saber não é tudo. É necessário, primeiro, compreender, querer compreender. É mister amar, também, querer amar”.

Sinteticamente, o Grande Oriente de França que criou um Rito maçônico evolutivo e totalmente adaptável às diversas etapas da evolução do pensamento racional da espécie humana, mostra o caminho futuro da Maçonaria mundial.

Ao propor esse caminho, leva em consideração a lenta transformação do Homem em todos os setores: de empírico em científico, de místico em racional, de inconsciente em consciente de seus direitos. Embora o empirismo e o misticismo não possam e não devam ser marginalizados no universo dos conhecimentos humanos, cumpre fazer uma síntese, um equilíbrio, um ecumenismo, das tendências místicas e das racionais, coisa que está dentro das possibilidades da Maçonaria, pois ela é mística na armação de sua ciência doutrinária, decalcada na metafísica das antigas civilizações, mas é bastante racional na prática de seus deveres sociais,

Essa é uma lição que serve à Maçonaria brasileira no momento presente: só o sentimento, o instinto de Fraternidade pode impedir as trágicas dissenções e retaliações; só o sentimento cívico de caráter universal pode erradicar as enfraquecedoras tricas e tramas regionais; só a proteção dos valores racionais, morais e libertários do Homem pode trazer uma atividade altamente produtiva, formando o Homem integral, física e espiritualmente.

Impõe-se esse tipo de solução, impõe-se essa transformação com os olhos postos no futuro para que sejam uma realidade as palavras do pensador maçom Oswald Wirth:

“A Maçonaria está destinada a refazer o mundo e a tarefa não é superior às suas forças, contanto que ela se torne o que deve ser”

*** FINIS ***