Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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A Escócia Imaginária dos Maçons

Tradução J. Filardo

Por Jean-Moïse Braitberg

Estátua do rei Robert I (Robert The Bruce), que garantiu a independência da Escócia da Inglaterra. As lendárias fundações da maçonaria escocesa fazem do rei Robert I o primeiro grão-mestre da ordem. Imagem da Shutterstock

O Escocismo, esse aparato de graus que se soma à maçonaria “azul” ou simbólica, tem muito pouco a ver com a Escócia. É especialmente na França e na Europa continental que devemos buscar a origem de um sistema que ampliou o rigor protestante das primeiras lojas simbólicas para uma escala de graus que tem uma semelhança familiar com a exuberância do ritual católico.

Ah, a Escócia! Suas brumas, seus castelos assombrados, seu uísque, o Lago Ness e seu monstro, seus maçons… É ao som de uma vibrante gaita-de-foles que a lista infinita de declinações maçônicas tem sido enumerada, há quase três séculos, que, dispostas em um aparato de degraus, diriam outros de estágios, formam o edifício do que é designado pelo termo Escocismo.
Por que a Escócia? Não faltam alegações, algumas baseadas em fatos tênues, mas reais, outras baseadas em lendas e outras, ainda, francamente rebuscadas. Comecemos pela última. Alguns quiseram ver na palavra escocês uma distorção da expressão ritual do 3º grau “A acácia me é conhecida”. Diz-se que a palavra Acácia, neste caso bastante desconhecida, tornou-se Escócia sob o efeito de uma oportuna, mas totalmente implausível, metamorfose fonética. Em um livro de muito sucesso[1], o autor argumenta que as origens da maçonaria escocesa podem ser encontradas na “maçonaria florestal”. Referências poderiam ser encontradas no grau de Cavaleiro do Machado Real – Príncipe do Líbano, grau 22 do Rito Escocês Antigo e Aceito. Não vemos, no entanto, como é que esta audaciosa afirmação de lenhador liga o escocismo à Escócia. Há também a lenda, ou, como você deseja, a fábula templária vendida tardiamente por mentes românticas ansiosas por reunir o que está espalhado sem preocupação com a história, com o único propósito de expandir a lenda maçônica. De acordo com esta versão, após a supressão da Ordem dos Templários pelo Papa Clemente V, os Cavaleiros Templários refugiaram-se na Escócia, onde estiveram na origem da Maçonaria. Alguns, incluindo a atual Grande Loja da Escócia, dão credibilidade a essa tese ao afirmar que a família St. Clair de Rosslyn, grandes proprietários de terras na área de Edimburgo, tinha ligações com esses templários enigmáticos. E se diz que a famosa Capela Rosslyn em Edimburgo está cheia de símbolos templários. O que é histórico, no entanto, é que dois documentos datados de 1601 e 1628, respectivamente, atestam relações estreitas entre a família Saint-Clair e as lojas de pedreiros operativos que se colocaram sob sua proteção. Essas cartas, chamadas de “estatutos” no século XVIII, foram apresentadas na época da fundação da Grande Loja da Escócia, em 1736, para sugerir que a Escócia há muito reconhecia a autoridade de um Grão-Mestre. Esses dois “estatutos” foram usados pelos criadores da lenda maçônica-esotérica-templária escocesa na atmosfera romântica do século 19. Assim, em 1843, um panfleto anônimo intitulado Estatutos da Ordem Religiosa e Militar do Templo, conforme Estabelecido na Escócia, foi publicado na Escócia, no qual se afirmava que os Templários da Escócia haviam participado decisivamente da Batalha de Bannockburn, em 24 de junho de 1314, na qual Robert Bruce, que reinou sobre a Escócia como Robert I,  obteve uma vitória esmagadora sobre as tropas inglesas de Edward II. Coincidentemente, a batalha ocorreu três meses após a execução em Paris do Grão-Mestre da Ordem do Templo, Jacques de Molay. Diz-se que o rei da Escócia jurou proteger os templários, integrando-os em uma nova ordem secreta, os maçons… Isso, é claro, é uma invenção pura e simples na qual, no entanto, os irmãos escoceses, mas não só eles, acreditaram, até que o historiador Robert L. D. Cooper, arquivista da Grande Loja da Escócia, a descartou em um livro publicado em 2011. [2]

Uma Maçonaria Antiga

Não obstante as lendas que pontuam a história mítica da Maçonaria em geral e da Maçonaria Escocesa em particular, o fato é que entre as Terras Altas e Spayside, não faltam evidências da Maçonaria antiga. Como não faltam, também na Irlanda… Sabemos, em particular, pelo que é conhecido como as Antigas Obrigações, esses antigos deveres registrados em mais de uma centena de manuscritos entre os séculos XIV e XVIII, que na Escócia foram codificados os costumes das chamadas lojas operativas de pedreiros, abertas no final do século XVII a vários “cavalheiros registrados” que eram estranhos ao ofício,  antes de inspirar a criação de lojas especulativas de maçons sem que houvesse sempre uma sucessão linear entre essas duas formas. 

Para a Escócia, são os manuscritos conhecidos como os Estatutos de Schaw de 1598 e 1599 que fornecem as primeiras informações sobre a organização de lojas de ofício. Eles se referem aos “Estatutos e Ordenanças a serem observados por todos os Mestres Maçons neste Reino”, elaborados por William Schaw, Mestre de Obras e Supervisor Geral do Ofício, arquiteto do rei Jaime VI que reinou sobre a Escócia a partir de 1567 antes de se tornar Jaime I da Inglaterra em 1603. O registro original desses estatutos ainda é mantido pela Loja Mary’s Chapel em Edimburgo.

Berço histórico da maçonaria. Litografia, ca. 1850. Distingue-se à esquerda um homem usando um kilt, o que ilustra a importância do imaginário da Escócia sobre a Maçonaria.

Entre as outras lojas mencionadas está a Loja Kilwinning que reivindicava e aparentemente ainda afirma ser a loja mais antiga do mundo, e cuja origem remonta ao século XII. Vai competir com a de Edimburgo pelo título de primeira loja da Escócia. Esta disputa continuou até 1807, quando a precedência reivindicada pela Loja Kilwinning foi reconhecida com o número ‘0’, permitindo que ela aparecesse à frente da loja da Grande Loja da Escócia, à frente da Loja Mary’s Chapel. Em troca, a Loja Kilwinning concordou em renunciar à sua independência e se filiar à Grande Loja da Escócia. Deve-se notar também que o nome Kilwinning permanece ligado às lendárias fundações da maçonaria escocesa que fizeram do rei Roberto I – Roberto, o Bruce – o primeiro grão-mestre da ordem. A partir do início do século XVII, quase uma dúzia de lojas que afirmam ser lojas Kilwinning nascerão em toda a Escócia e mais de um século depois surgirá primeiro na Inglaterra e depois na França uma ordem maçônica cristã chamada Heredom de Kilwinning que, na França, fará parte da nebulosa de altos graus escoceses agregada em 1804 ao Grande Oriente da França ao mesmo tempo que o Rito Escocês Antigo e Aceito. Nos 14 artigos dos novos estatutos produzidos por William Schaw em 1599, encontramos o primeiro uso da palavra loja, que define uma instituição ainda composta exclusivamente por operativos e que trata de assuntos do ofício. Nessas lojas, conforme evidenciado pelas atas da loja de Atchison, o Aprendiz Registrado passa de um a três anos como Aprendiz Aceito antes de ser admitido após sete anos como Mestre de Ofício depois de uma simples cerimônia “simbólica”. Também está previsto que o Deacon (Diácono) da loja compartilhará a autoridade com o Warden (Vigilante) da loja. Somente em 1634 é que encontramos qualquer vestígio da admissão em lojas de membros que não estavam familiarizados com a profissão. No entanto, podem ser agentes pertencentes a uma profissão diferente daquela federada pela loja. Ao mesmo tempo, o termo “Mason Word” – Palavra de Maçom – foi usado pela Loja Kilwinning. Mas a maneira de ser reconhecido por uma senha dada exclusivamente a certos “iniciados” é tão antiga quanto o mundo.

Por outro lado, o que mudou foi o uso de uma determinada palavra ligada a um estatuto na loja que foi primeiro operativa, depois especulativa durante o século XVII, com a entrada de membros de fora da profissão. Ou eram nobres ou grandes latifundiários, os lairds. Em 1634, a loja Mary’s Chapel recebeu um conde e vários nobres de status mais modesto, seguidos por quatro cavalheiros maçons no ano seguinte. De acordo com o Livro de Marcas da Loja de Aberdeen, que começou em 1670, a loja naquela data tinha 49 companheiros e mestres pedreiros, dos quais apenas dez eram pedreiros de ofício.

Retrato de Maria Stuart,

Herdeira da coroa da Escócia com a morte de seu pai James V em 1542, Maria Stuart (1542-1587) tem apenas seis dias de idade. Sua mãe Marie de Guise (1515-1560) é então declarada regente e governa a Escócia em nome de sua filha durante muitos anos. Marie Stuart é, então noiva em 1548 com seis anos de idade, do filho mais velho do Rei da França, François de Valois. Ele parte para viver na corte da França é  educada por sua família maternal, os Guise. Estes, originários da Lorena, são ultracatólicos. Ela ocupa o trono escocês em 1561 mas seu catolicismo não é compatível como a aristocracia escocesa amplamente convertida ao protestantismo. Ela não pode conservar o poder que por alguns anos. O fim de sua vida é trágico: no exilio na Inglaterra, seu nome é associado a numerosos complôs dirigidos contra Elizabeth I e esta a condenará à more e à execução em 1587. Elizabeth I deixando o trono da Inglaterra sem herdeiro, é o filho de Maria Stuart que se tornará em 1566 o rei dos Escoceses sob o nome de James VI e em 1567 rei da Inglaterra e da Irlanda sob o nome de James I. A revolução Gloriosa de 1688 obrigará um de seus descendentes, convertido ao catolicismo, James VII da Escócia (James II da Inglaterra) ao exilio na França.

Lojas protestantes

Para entender completamente o que estava acontecendo nas lojas escocesas na época e as mudanças radicais que mais tarde deixariam sua marca em toda a maçonaria, é necessário parar para examinar as  convulsões religiosas que então abalaram a Escócia. Na época em que as lojas começaram a adotar o ritual “palavra de maçom”, a Escócia já estava amplamente conquistada pela Reforma Protestante. E não qualquer uma. A reforma de John Knox (1514-1572), um “escocês puro” que se tornou um padre católico antes de conhecer Calvino em Genebra e se tornar seu fervoroso propagandista do calvinismo na Escócia a partir de 1559. Orador inflamado, embora gaguejasse, atacava violentamente em seus sermões a rainha católica Maria I Stuart que aos 17 anos, ainda estava sob a influência da regente francesa Marie de Guise. Sua morte em 1560 deu ao parlamento a oportunidade de aprovar uma confissão de fé escocesa em 17 de agosto e leis abolindo o catolicismo e promulgando sua substituição pelo protestantismo calvinista, que se tornou a religião oficial. A nova religião assumiu o nome de presbiterianismo, da palavra inglesa presbitery, que significa assembleia ou consistório. Rompendo com a organização hierárquica da Igreja Católica, a nova religião deu um lugar essencial aos fiéis organizados em conselhos paroquiais, e reconheceu para cada um deles o princípio do sacerdócio universal, ou seja, a noção de sacerdócio foi abolida, sendo cada crente igualmente investido do poder de pregar a palavra de Deus. Quanto ao pastor, ele não passa de um doutor da lei, um guia espiritual não desprovido de poder civil, mas de forma alguma investido do menor atributo divino. Essa visão igualitária teve um impacto considerável em toda a sociedade escocesa, depois na britânica, incluindo as lojas. Para estes, as principais modificações incluem a rejeição da invocação de santos, de qualquer coisa que lembre o ritual católico e, portanto, também de qualquer representação pictórica. Daí a ênfase colocada no simbolismo e no “de cor” que, por um lado, permite internalizar o ritual, mas também nos lembra que, de acordo com o princípio do sacerdócio universal, cada membro da loja é pessoalmente o depositário da autoridade moral compartilhada por todos, mas que deixa a todos uma margem de interpretação. Esta forma ainda é encontrada hoje na Escócia, onde a declaração do ritual varia de uma loja para outra. Para o estudioso de maçonaria francês Patrick Négrier, a influência calvinista dentro das lojas escocesas estaria na origem dos cinco pontos de companheirismo que se tornaram os cinco pontos de maestria que a tradição laboriosamente atribui ao erguimento do cadáver de Noé em uma primeira versão, depois o de Hiram.[3] De acordo com essa hipótese, que tem sobretudo o mérito de fornecer uma tentativa de explicação onde as conjecturas mais imaginativas se perdem nas areias das especulações mais ociosas, esses cinco pontos derivariam dos cinco pontos da profissão de fé calvinista, dando em inglês a sigla T.U.L.I.P. [4] Ela detalha o conceito um tanto complicado de predestinação à graça através da fé em Deus somente, independentemente de nossas ações, das quais nenhuma retribuição é esperada. 

Desaguliers em Edimburgo

Embora a transição da forma de lojas operativas para a de lojas maçônicas fosse provavelmente mais antiga na Escócia do que na Inglaterra, sua organização em uma Grande Loja ocorreu mais tarde. E pode-se até duvidar que isso aconteceria, tão forte era o princípio da independência. Mas as circunstâncias políticas decidiram o contrário. Em 16 de janeiro de 1707, o Parlamento escocês aprovou o Ato de União com a Inglaterra. Esse ato estava longe de ser unânime. O poeta e maçom Robert Burns disse sobre os deputados escoceses: “Eles foram comprados e vendidos pelo ouro inglês”. A maioria da população se opôs a essa união “antinatural”. Foi, portanto, em um clima ainda tenso entre a Inglaterra e a Escócia que a viagem de Jean-Théophile Desaguliers a Edimburgo ocorreu em agosto de 1721. Filho de um clérigo protestante francês que havia emigrado para a Inglaterra, Desaguliers tornou-se diácono na Igreja Anglicana e era um renomado cientista próximo a Newton. Maçom desde 1712, participou da criação da Grande Loja da Inglaterra em 1717, da qual pode ter sido Grão-Mestre e, mais provavelmente, Grão-Mestre Adjunto em 1724-1725. Ele também supervisionou a elaboração de constituições publicadas a partir de 1723 pelo pastor presbiteriano escocês James Anderson.
 Foi como engenheiro que Desaguliers foi chamado a Edimburgo para melhorar o sistema de distribuição de água. Pelo menos esse é o motivo oficial de sua visita. Pois os registros da Mary’s Chapel Lodge em Edimburgo nos dizem qual talvez tenha sido o verdadeiro propósito de sua visita: iniciar personagens influentes, todos partidários da união com a Inglaterra e alguns dos quais tinham sido próximos da família Stuart que governou a Escócia de 1371 a 1714 e a Inglaterra de 1603 a 1688. A visita de Desaguliers,  sem dúvida não desprovida de segundas intenções políticas, contribuiu para a constituição de uma Grande Loja da Escócia nos moldes da Grande Loja da Inglaterra. Alguns pensam que sim. O certo é que, a partir dessa época, os rituais ingleses e escoceses eram semelhantes, como mostra o relato do “tiling” (telhamento) de Desaguliers, cujas respostas foram julgadas conforme às exigências da loja de Edimburgo.

Cavaleiro Rosacruz de Heredom de Kilwinning

No outono de 1735, quatro lojas – Canongate Kilwinning, Kilwinning Scotys Arms, Leith Kilwinning e Mary’s Chapel – todas de Edimburgo, lideradas por cavalheiros maçons, uniram forças em um projeto comum. Em 30 de setembro de 1736, 32 lojas, dois terços dos delegados pertenciam a essas quatro lojas, reuniram-se em Edimburgo para finalizar a criação de uma Grande Loja da Escócia. Isso 21 anos após a criação da Grande Loja da Inglaterra. E foi só em 1738, sob influência inglesa, que o grau de mestre chegou às lojas escocesas que nunca tinham ouvido falar dele antes. O grau se referia pela primeira vez a Noé, antes de ele ser substituído por Hiram na lenda maçônica. Quanto às Constituições de Anderson, elas trouxeram uma dimensão filosófica, mas também, e isso não é pouca coisa, um espírito de tolerância e união que foi bastante útil em um Reino Unido dilacerado por inúmeras brigas religiosas, pretextos para guerras sangrentas. Não se pode dizer suficientemente até que ponto a introdução de um grau como o de mestre – enquanto se espera os próximos – que se baseia num personagem e numa lenda – abalou uma Ordem que até então apenas se referia à profissão cujos hábitos e costumes se tornaram simbólicos. Para os recém-chegados, sem dúvida, era mais fácil seguir o exemplo de uma figura mitológica alta, de preferência bíblica, do que o de uma espátula, um esquadro ou um fio de prumo cuja conceituação como símbolo exige mais esforço intelectual. Isso explica, ainda que incompletamente, o processo pelo qual os grandes homens deste mundo foram propostos a integrar uma ordem que não pertencia ao humilde povo dos pedreiros, mas os trouxe para a família das mais altas figuras da humanidade e também pretendia entregar os chamados segredos até então bem guardados aos quais apenas as almas mais nobres poderiam reivindicar acesso… à custa de sua influência e, às vezes, em troca de dinheiro vivo. Ser o “Centro da União”, como escreveu Anderson, não era apenas uma resposta ao desejo de pacificar a sociedade por meio da sociabilidade amável, mas também “… o desejo de dar uma doutrina a esses pequenos grupos […] que reivindicavam a mesma identidade a coberto de um segredo ilusório e inexistente e se reuniam para um banquete, participando assim da impressionante paixão geral da época pelas sociedades recreativas e báquicas.”[5] No início do século XVIII, a Maçonaria já estava amplamente estabelecida entre a aristocracia britânica. Não demorou muito para que ela acampasse nas imediações da corte da França. Ela também estava a serviço de Jaime II Stuart da Inglaterra, conhecido como Jaime VII da Escócia exilado em Saint-Germain-en-Laye desde 1689 com sua corte de mais de dois mil seguidores chamados jacobitas? [6] Muitos afirmam, poucos provam. De fato, a história hipotética dos Stuarts, iniciadores, protetores e organizadores da Maçonaria, estava ligada à lendária história dos Stuarts que foram protetores dos Templários. Que havia partidários jacobitas nas lojas de exilados britânicos que se formaram na França nessa época é certo. Mas que a Maçonaria fazia parte de um complô jacobita para restaurar os Stuarts ao trono da Escócia, Irlanda e Inglaterra é pura conjectura. Por outro lado, é verdade que, depois do próprio protestante Anderson, o homem que teve maior influência no futuro da maçonaria foi um católico, um defensor dos Stuarts e um escocês.

Anjo com escudo e emblema dos Templários, Capela de Rosslyn

Ramsay, os Stuarts e a França

Foi em 1730 que o Chevalier de Ramsay foi introduzido na maçonaria em Londres pela Loja The Horn. Andrew Michael Ramsay nasceu em Ayr, Escócia, em 1686, filho de mãe anglicana e pai presbiteriano. Depois de estudar teologia em Glasgow e Edimburgo e depois um desvio para a Holanda onde descobriu a obra filosófica de Espinosa, ele embarcou na França em uma carreira como tutor de famílias importantes próximas à corte. Mais tarde, em 1724, ele entrou para o serviço dos Stuarts no exílio, em Roma, e cuidou brevemente da educação do jovem pretendente Charles Edward. Isso, para alguns, dá credibilidade à ideia de conivência política entre os Stuarts e a Maçonaria. Isso é sem dúvida verdade, mas não dá credibilidade à ideia de uma participação excepcional dos Stuarts na organização da Ordem. Depois de várias viagens à Holanda, Escócia e Inglaterra, Ramsay embarcou em uma carreira literária. Em 1709 foi a Cambrai ver Fénelon, de quem foi discípulo, e depois, após a morte do autor de Telêmaco, tornou-se seu biógrafo, editor e propagador de suas ideias. Em particular, aquela que queria que as nações se unissem para fundar uma “república universal”. Foi com Fénelon que Ramsay se converteu ao catolicismo em 1710. Mas um catolicismo temperado por uma nova doutrina, o quietismo, idealmente localizado na intersecção do catolicismo e do protestantismo, professado por uma amiga de Fénelon, Jeanne-Marie Bouvier de la Motte, vulgo Madame Guyon. Foi em Haia, com o pastor calvinista Pierre Poiret, que Ramsay foi iniciado no quietismo, doutrina mística que, em um século marcado pelo problema da graça, defendia o “puro amor de Deus” para obter a paz da alma, sem a mediação de qualquer obra ou sacramento. Embora próximos do pietismo protestante, os partidários do quietismo procuraram reformar o catolicismo por dentro, sem romper com a Igreja. Mas para o Papa Clemente XII e Bossuet, fiel defensor da ordem católica, o quietismo era uma heresia que valeu a Fénelon, protetor de Madame Guyon, seu exílio em Cambrai e para Madame Guyon, a prisão e depois seu exílio em Blois, onde Ramsay será, por um tempo, seu secretário após a morte de Fénelon. Escritor, Ramsay ficou conhecido na França por uma história com vocação pedagógica:  O conto Cyropaedia ou as Viagens de Ciro, que lhe valeu o título de plagiador por Voltaire. Em seu dicionário filosófico sob o artigo “plágio”, o autor de Zadig escreve: “Ramsay que, depois de ter sido presbiteriano em sua aldeia na Escócia, depois anglicano em Londres, depois quaker, e que finalmente convenceu o famoso Fénelon, arcebispo de Cambrai, de que era católico (…)  Ramsay, digo, fez as Viagens de Ciro, porque seu mestre havia enviado

Alegoria maçônica do Suplico de Jacques de Molay, o mito fundador da maçonaria templária.

Telêmaco em uma viagem. Até agora, só há imitação (…)  Mas, ao levar Ciro ao Egito, ele usa as mesmas expressões usadas por Bossuet para descrever esse país singular, copiando-o palavra por palavra sem citá-lo. Maçom, Ramsay foi movido pela ideia de fazer da maçonaria uma grande coisa francesa. E, portanto, católica. Isso não poderia ser concebido de forma diferente em um país onde a igreja dirigia as almas tanto quanto a menor partícula de poder. Este foi, entre outros assuntos, um dos temas do famoso discurso que proferiu como orador em 27 de dezembro de 1736 diante da loja da qual Charles Radcliffe (1693-1746), 5º Conde de Derwentwater era mestre. Nas palavras de Roger Dachez, Derwentwater foi um “combatente desenfreado da causa stuartista, à qual dedicou sua vida até morrer no cadafalso, decapitado em Londres em 1746”.[7]  A loja, composta principalmente por escoceses e especialmente católicos irlandeses, não podia deixar de ser receptiva às palavras de Ramsay, que foi feito cavaleiro da própria Ordem Católica de São Lázaro em 1723 e que, depois de ter insistido na referência ao judaísmo e ao Antigo Testamento[8], carregou essa legitimidade para a epopeia dos cruzados na Palestina:

“Depois das deploráveis travessias das guerras sagradas,  o definhamento das armas cresianas […] durante a Oitava e Última Cruzada, o filho de Henry III, rei da Inglaterra, o grande príncipe Edward, vendo que não haveria mais segurança para seus companheiros maçons na Terra Santa, trouxe-os todos de volta, e essa colônia de adeptos estabeleceu-se na Inglaterra. […] Tendo subido ao trono, declarou-se Grão-Mestre da Ordem, concedeu-lhe vários privilégios e franquias, e a partir de então os membros de nossa irmandade tomaram o nome de franco-maçons. No ano seguinte, em 1737, Ramsay deixou suas intenções um pouco claras na nova versão de seu discurso. Foi-se a herança hebraica. No máximo, referiu-se a Moisés e Noé, passando rapidamente por cima dessa origem, que descreveu como “fabulosa”, para destacar a “Verdadeira História da Ordem”. Uma história igualmente fabulosa, supostamente extraída dos “anais muito antigos da história da Grã-Bretanha”, que propunham mais claramente do que a versão anterior a instituição da Ordem pelos cruzados. Que, elucidou Ramsay, os guardiões dos segredos pretendiam garantir sua proteção, uniram-se aos Cavaleiros de São João de Jerusalém.

“Essa união foi feita em imitação dos israelitas quando eles reconstruíram o Segundo Templo. Enquanto empunhavam a espátula e a argamassa com uma mão, carregavam a espada e o escudo com a outra.” [9]

Uma adição importante é que Ramsay acertou precisamente sobre o papel da Escócia na preservação da Ordem: “James Lord Steward da Escócia foi Grão-Mestre de uma loja estabelecida em Kilwinning no oeste da Escócia no ano de 1286 . . .  Pouco a pouco. Nossas lojas, nossas festas e nossas solenidades foram negligenciadas na maioria dos países (…) foram, no entanto, preservadas em todo o seu esplendor entre os escoceses, a quem nossos reis confiaram por muitos séculos a custódia de sua pessoa sagrada”. Esta é, sem dúvida, a fonte de grande parte da lenda em que os altos graus se basearam ao longo dos séculos XVIII e XIX para se autodenominarem “escoceses”. Ramsay é, portanto, o inventor do escocismo? Em parte, sem dúvida. E muito mais por sua herança do que por sua invenção pessoal. Mesmo que, segundo Pierre Mollier, ele esteja na origem do Chevalier d’Orient, que se tornou o grau 15 na escala de graus do Rito Escocês Antigo e Aceito. Mas Ramsay tinha outros objetivos mais políticos: garantir que a Ordem na França, como já acontecia na Inglaterra, protegesse no mais alto nível da realeza, trazendo o próprio rei para a Ordem Maçônica. Em 20 de março de 1737, apenas quatro dias antes da data prevista para entregar e imprimir a segunda versão de seu discurso, Ramsay escreveu ao cardeal de Fleury, ministro de Estado de Luís XV, para apresentar-lhe seu projeto, bajulando-o de passagem:

“Eu deveria pensar que deveria estar falhando na bondade com que Vossa Eminência me honra, se eu fosse imprimir este discurso,  sem comunicá-lo com antecedência…  Digne-se, Monseigneur, de apoiar a Sociedade dos Maçons nas grandes visões que eles se propõem, e Vossa Eminência tornará seu nome muito mais glorioso por essa proteção, do que Richelieu fez o seu pela fundação da Academia Francesa.” 

Dois dias depois, informado de que o cardeal poderia não estar em um estado de espírito tão bom quanto gostaria, Ramsay enviou-lhe uma segunda carta na qual não escondia seu desagrado.

“Acabo de voltar ao país e ouço dizer que as assembleias dos maçons estão desagradando a Vossa Eminência. Nunca os frequentei, a não ser com o objetivo de difundir máximas que tornariam a incredulidade ridícula, o vício odioso e a ignorância vergonhosa. […] É disso que eu acho que posso convencer Vossa Eminência se você se dignar a me conceder uma breve audiência em Issy. Enquanto aguardo este momento feliz, peço-lhe que me pergunte se devo voltar a estas assembleias e atenderei aos desejos de Vossa Eminência.

A resposta do cardeal foi negativa e a reunião foi cancelada ao mesmo tempo em que as esperanças que Ramsay mencionou na carta que escreveu ao inglês jacobita Thomas Carte em 2 de agosto de 1737 se foram:

“Eu era o orador e tinha grandes planos se o cardeal Fleury não tivesse me escrito proibindo. Eu havia enviado o discurso feito para a recepção, em diferentes momentos, de oito duques e pares, e duzentos oficiais de primeiro grau e alta nobreza, a Sua Alteza Nobre Sua Graça, o Duque de Ormond. Se o carro. (Nota do editor: cardeal) tinha atrasado mais um mês, eu teria a honra de harangar o rei da França como chefe da confraria e de ter iniciado Sua Majestade em nossos sagrados mistérios. “

O grande negócio maçônico de Ramsay, portanto, não era escocês, muito menos inglês, mas francês e católico. O que em seu tempo era equivalente. “A nação mais espiritual da Europa se tornará o centro da Ordem e espalhará graças, delicadeza e bom gosto em nossos estatutos”, escreveu ele na conclusão de seu discurso de 1736. Então, um ano depois, ele terminou com estas palavras: “É em nossas lojas (…) que os estrangeiros aprendam pela experiência que a França é a verdadeira pátria de todos os povos”. Um ano depois, em 28 de abril de 1738, o Papa Clemente XII pronunciou a primeira de uma longa série de condenações à maçonaria na bula In eminenti apostolatus specula. A bula nunca foi confirmada na França pelos parlamentos que tinham força de lei e lá eram contados por centenas os membros do clero, regulares e seculares, que se sentavam nas colunas das lojas até a Revolução. Isso certamente foi um golpe para as ambições políticas de Ramsay, mas não para a posteridade por seu discurso sob o disfarce do que seria chamado de “escocismo”.

Brasão do grau de Cavaleiro Kadosh do Rito Escocês Antigo e Aceito, pintura por Tattegrain

Do catolicismo ao Escocismo

Não se pode dizer, no entanto, que a avalanche de Altos Graus que desceu sobre a Maçonaria como gafanhotos na colheita, foi recebida com entusiasmo. O primeiro texto oficial que fala de “maçons escoceses” é o regulamento das Ordenanças Gerais produzido pela Grande Loja do Conde de Clermont em 1743. O artigo 20 diz: “Como parece que alguns irmãos ultimamente se apresentaram nas lojas como Mestres escoceses, reivindicando prerrogativas especiais e atribuindo a si mesmos privilégios dos quais nenhum vestígio foi encontrado nos arquivos e usos das lojas espalhadas por todo o globo, a Grande Loja, para cimentar a união e a harmonia que devem reinar na Maçonaria,  decidiu que tais maçons escoceses, a menos que sejam Oficiais da Grande Loja ou de qualquer Loja em particular, não serão mais estimados pelos Irmãos do que outros Aprendizes ou Companheiros, e que não usarão qualquer sinal distintivo.” Não poderia ser mais claro. Naquela época, embora os graus escoceses existissem, eles não eram semelhantes a qualquer rito reconhecido pela Grande Loja. Será coincidência que a multiplicação de lojas de perfeição, capítulos e diretórios tenha sido concomitante à condenação papal da Maçonaria? A criação de ordens de cavalaria, as referências aos Cavaleiros Templários, aos Evangelhos e ao próprio Cristo não são uma forma de dizer que se permanece na pura verdade de Cristo, elevando-se a uma perfeição espiritual que leva a crer a si mesmo mais católico do que o Papa? Alguns acreditaram nele. Como Jean-Baptiste Willermoz, fundador do Rito Escocês Retificado, que era ao mesmo tempo muito católico e muito anticlerical. Alguns ainda acreditam… Mesmo nas fileiras daqueles para quem, no fundo, a Maçonaria é a religião secular dos católicos que não vão à missa.

Em 1744, Bordeaux, que já havia dado abrigo a uma chamada loja inglesa, possuía uma loja de perfeição no rito de Heredom de Kilwinning. Em 1745, houve um capítulo em Arras, La Constance, que alegou ter sido criado por Charles-Edouard Stuart. Em 1747, foi em Toulouse que o capítulo dos fiéis escoceses, recomendando-se ao mesmo personagem, criou um rito de nove graus, conhecido como Vieille Bru. Em 1749, falou-se de Escossismo em Lille. Em 1750 ou 1751, a Loja de São João da Escócia, no leste de Marselha, estabeleceu-se como um capítulo que concedeu os graus de Mestre Perfeito, Escocês Perfeito da Escócia e Cavaleiro do Oriente. Onze anos depois, com uma mítica patente de Edimburgo, tornou-se a Loja Mãe Escocesa de Marselha. Em 1754, foi em Paris que o Chevalier de Bonneville fundou o capítulo de Clermont, e em 1758, o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente nasceu. Foi em 1761 que se imaginou o posto de Chevalier Kadosch, o 30º de uma série de fileiras das quais Pierre Mollier diz que “Podemos datar sua aparição, mas não sabemos como e por quem foram criados. A única coisa que podemos dizer é que quanto menores eles são na escala, mais velhos eles são, e quanto mais altos eles são e mais novos eles são.

” De modo que seria vão ver na sucessão de graus de uma escala de 33 no Rito Escocês Antigo e Aceito a menor continuação lógica em qualquer progressão iniciática. Não se é mais iniciado e não se progrediu em sabedoria e fraternidade quando se é Príncipe do Líbano (22º) do que quando se é Cavaleiro Prussiano (21º), e não se está mais apto a entender o simbolismo da arquitetura quando se é Grão-Mestre Arquiteto (12º) do que quando se é Intendente de Edifícios (8º).

Foi no final do século XVIII que surgiu o termo “Rito Escocês”, seguido do epíteto “filosófico” para distingui-lo da Maçonaria “simbólica”. Seu primeiro uso é atribuído em 1777 ao Dr. Boileau, um médico em Paris. O que, no mínimo, não demonstrou muita admiração de sua parte. Em seu livro de memórias para a maçonaria, Boileau culpa Ramsay pelo escocismo, que ele vê como uma degeneração da maçonaria:

“Filhos do orgulho e da ganância, uma série de graus cada vez mais distantes do velho espírito maçônico logo se juntaram àqueles que Ramsay acabara de criar. Oh, Ramsay, como você gemeria pelos males que fez à respeitável ordem que um dia o contava entre seus filhos! Ramsay, só você introduziu a desordem nele; Só vós destruístes o seu princípio fundamental, a igualdade feliz. Antes de você, o pedreiro que havia atingido o terceiro grau só via igual ao seu redor. Hoje, aquele que ostenta o honroso título de mestre tem vinte classes de superiores. Qual é o significado desses orgulhosos títulos de príncipes e soberanos? [10]

Em 1807, quando essa impertinência foi publicada, fazia três anos que o Rito Escocês Antigo e Aceito havia sido integrado ao Grande Oriente da França, depois de ter sido importado da América por Alexandre de Grasse-Tilly, fundador do Supremo Conselho da França, cujas intrigas, mentiras e fraudes André Doré denunciou de forma fundamentada, dizendo muito severamente que ele era

“[…] um pequeno capitão,  de inteligência mediana, de ambição desmedida, encerrando uma carreira militar inglória como líder de esquadrão depois de muitas e múltiplas reivindicações e apesar de poderosas proteções que não lhe faltavam, paranoico, megalomaníaco sem escrúpulos, constantemente desesperado por falta de dinheiro. [11]

Devemos nos afastar de um corpus “escocês” que hoje reúne a maioria dos irmãos e irmãs em todo o mundo e habita parcialmente o rito francês?

“O que eu gosto no Rito Escocês são as muitas vias culturais e simbólicas que ele oferece. Sou republicano e leigo e, quando cheguei ao grau  18 – Cavaleiro Rosacruz, quase me demiti pensando que estava na missa. E aí eu passei por isso. Todos são livres para vestir esse simbolismo como acharem melhor. E para mim há tanta liberdade na REAA quanto no rito francês”,

explica Jean-Marie Matisson, ex-grão-mestre adjunto e conselheiro da Ordem do Grande Oriente da França. O escocismo é um sistema de pesquisa intelectual e espiritual que extrai seus fundamentos de uma tradição iniciática específica de muitas civilizações. Mas não tem monopólio. Como resultado da história, tende ao autoconhecimento por meio da busca de “algo” que se perdeu. Esta pesquisa envolve rituais que o escocismo estruturou no contexto particular da herança judaico-cristã. Entendamo-lo como tal, com exceção de qualquer forma de dogmatismo que anule seu significado profundo.

A lenda templária e seus avatares escoceses

O primeiro grau iniciático templário aparece por volta de 1750 na França sob o nome de Sublime Chevalier Élu. Pertence à família dos Eleitos, também conhecidos como os Eleitos, que revelam que Hiram foi vingado por ordem de Salomão por nove bons companheiros, substituindo a figura de Hiram pela de Jacques de Molay, Grão-Mestre da Ordem do Templo. Diz-se que os templários que sobreviveram ao massacre se refugiaram nas montanhas da Escócia e se esconderam sob as insígnias da maçonaria. Um manuscrito de cerca de 1760 de Estrasburgo intitulado De la Maçonnerie entre les Chrétiens afirma que Beaujeu, sobrinho de Jacques de Molay, reconstruiu a Ordem do Templo na Escócia, onde Grão-Mestres secretos, Superiores Desconhecidos, se sucederam desde então. 
Foi especialmente na Escandinávia e na Alemanha, dentro da estrita observância templária, que a imaginação fértil de seu fundador, o Barão von Hund, deu forma à lenda templária nos anos 1740-50. Tão ingênuo quanto ansioso para adornar sua ordem com o ouro de um ilustre patrocínio, von Hund queria acreditar que a Ordem dos Templários havia sobrevivido sob a cobertura da maçonaria da qual Charles Edward Stuart, neto de Jaime II nascido no exílio em Roma, teria sido o grão-mestre secreto. Na França, o Rito Escocês Retificado fundado em 1778 em Lyon por Jean-Baptiste Willermoz assumiu a lenda templária no posto de Cavaleiro Beneficente da Cidade Santa, que segue o de Mestre Escocês de Santo André. O caráter histórico da filiação templária foi posteriormente rejeitado para se tornar uma filiação espiritual e simbólica.

Heredom, mais um mistério

“Irmãos reunidos nesse Templo,
Deixemos a alegria brilhar em nossos corações,
Verdadeiros maçons seguindo o exemplo,
Cubramos a Escócia com flores:
Joia da Maçonaria,
Corrente da grande união,
Cantemos o pacto que nos une ao famoso Heredom.”

Os versos desta canção, interpretados em 1806 perante a Loja Escocesa de Saint-Louis les amis réunis à l’Orient de Calais, acabam por celebrar o Heredom de maneiras diferentes. Mas o que é Heredom? Um lugar, uma cidade, uma montanha, um templo, um castelo, um país? O famoso Jean-Michel Ragon, que, depois de os ter denegrido, era um seguidor de todos os graus e ritos do escocismo, escreveu que esta palavra “só foi imaginada para servir de véu para os conselhos secretos estabelecidos no castelo de Saint-Germain-en-Laye”[12]. A origem da palavra Heredom, às vezes grafada Harodom, é dita por alguns como proveniente do latim haeredum, que significa herança, ou do hebraico harodim, que, na Bíblia, designa os mordomos encarregados por Salomão de supervisionar o corte das pedras do Templo. Anderson faz deles uma classe superior de trabalhadores a quem o Rito Escocês Antigo e Aceito atribui o grau 7 – Reitor e Juiz. A Ordem Heredom de Kilwinning foi estabelecida na França, em Rouen, em 1786, por maçons de Edimburgo. Ela se rebelou contra a absorção pelo Grande Oriente da França até que em 1806 Cambacérès aceitou a dignidade de Grão-Mestre.

Capela Rosslyn: dos Cavaleiros Templários ao Código Da Vinci

A Capela Rosslyn é uma igreja construída no século 15 na vila de Roslin, cerca de 11 km ao sul de Edimburgo. Foi projetada por William Sinclair, herdeiro de uma família nobre escocesa descendente dos Cavaleiros Normandos de Saint Clair e, segundo a lenda, ligada aos Cavaleiros Templários. A capela é conhecida pelo seu grande número de esculturas, gravuras e decorações, tanto no exterior quanto no interior. Dentre esses elementos, destacam-se dois de seus pilares: o Pilar do Aprendiz e o Pilar do Mestre, em ambos os lados do Pilar do Artesão. De acordo com um panfleto publicado pela Grande Loja da Escócia em 2000, a maçonaria escocesa tem farta documentação sobre a relação entre os maçons operacionais e as Saint Clairs de Roslin, uma família considerada sua “padroeira e protetora”. Muitos símbolos retomados três séculos depois pela Maçonaria estão presentes: compassos, esquadros, quadriculados, colunas, etc. Em seu livro The Second Massiah, Christopher Knight e Robert Lomas argumentam que as enigmáticas esculturas da Capela Rosslyn contêm símbolos templários e maçônicos, embora tenha sido construída um século e meio após o fim oficial da Ordem dos Templários e dois séculos e meio antes do aparecimento oficial da Maçonaria. Parte do romance de Dan Brown O Código Da Vinci e sua adaptação para o cinema se passa na Capela Rosslyn.

Publicado em FM-Franc-Maçonnerie Magazine, março-abril 2024

[1] Jean Palou, La Franc-maçonnerie  Ed. Payoot, 1989

[2] Rosslyn, Splendeur, mythes, réalité, Edi. Hutte, Paris, 2011

[3] La Tulip, Histoire du rite du Mot de maçon de 1637 a 1730. Croslay, Ivoire -clair, 2005

[4] T.U.L.I.P. é um acrônimo que captura sucintamente os princípios centrais do calvinismo, um sistema teológico protestante baseado na Bíblia.
Cada letra representa uma crença fundamental:

T significa Total Depravity (Depravação Total) Esta doutrina afirma que a pecaminosidade permeia todos os aspectos da existência humana – coração, emoções, vontade, mente e corpo. Como resultado, as pessoas não podem escolher Deus de forma independente ou salvar-se a si mesmas. Deus deve intervir para salvar os indivíduos, desde escolher aqueles que serão salvos até santificá-los ao longo de suas vidas até chegarem ao céu.

U significa Unconditional Election (Eleição Incondicional) De acordo com essa visão, Deus escolhe quem será salvo. As pessoas, estando mortas em seus pecados, não podem iniciar uma resposta a Deus. Na eternidade passada, Deus elegeu certos indivíduos para a salvação – os Eleitos – com base não no mérito pessoal, mas por Sua bondade e vontade soberana. A eleição não se baseia na presciência de Deus sobre a fé futura; alguns são escolhidos para a salvação, enquanto outros não.

L significa Limited Atonement (Expiação Limitada): Este ponto é mais controverso. Postula que Jesus Cristo morreu apenas pelos pecados dos Eleitos. O apoio a essa crença vem de versículos que mencionam Jesus morrendo por “muitos”. No entanto, alguns teólogos acreditam que o sacrifício de Cristo se estende ao mundo inteiro. O debate centra-se em saber se a expiação de Cristo é limitada ou universal.

I significa Irresistible Grace (Graça Irresistível) : A graça irresistível sustenta que Deus leva Seus Eleitos à salvação através de um chamado interno, ao qual eles são impotentes para resistir. Quando Deus chama, eles respondem, incapazes de rejeitar Sua graça.

P significa Perseverance of the Saints (Perseverança dos Santos): Também conhecida como “segurança eterna”, essa doutrina afirma que aqueles genuinamente salvos por Deus perseverarão na fé até o fim. Sua salvação é segura, e eles não podem perdê-la

Em resumo, TULIP encapsula esses cinco pontos-chave do calvinismo, moldando sua estrutura teológica e influenciando vários ramos do protestantismo.

[5] André Doré “Vérités et  Légendes de l’histoire maçonnique » P.51. EDIMAF,1999

[6] Ver Pierre Mollier, “Les Stuarts et la franc-maçonnerie, histoire ou légende ? » Franc-maçonnerie magazine nº 55, avril-mai 2017.

[7] Les premiers pas de la franc-maçonnerie française : retour sur les premières Loges de Paris dans Chroniques d’histoire maçonnique, 2017/2 (Nº 80)

[8] A diferença que existe entre nossas tradições e as de todas as outras sociedades humanas é que as nossas são baseadas nos anais do povo mais antigo do universo, do único que existe hoje sob o memo nome que antigamente, sem se confundir com outras nações enquanto disperso por todos os lados de o único, enfim, que conservou seus livros antigos, enquanto aqueles de quase todos os outros povos estão perdidos.”

[9] Versão em francês moderno dada pelo Supremo conselho nacional da França que administra os autos graus do REAA para os maçons da Grande Loja Nacional Francesa (GLNF)

[10] Extrato da memória sobre a maçonaria do Ir. Boileau, e membro da loja escocesa de Jerusalém, publicada em 1807 no tomo II dos Anais maçônicos editados pelo Ir. Caillot, impressor em Paris. Os anais são dedicados Sua Alteza Sereníssima o Príncipe Cambacérès Archi-chancelier de l’ Empire et Grand Maitres de l’ Ordre Maçonnique em France.

[11] Verités et légendes de l’histoire maçonnique, op cit, p. 186

[12] Residência dos Stuarts no exílio

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