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Isaac Newton, o herege – Parte IV

Tradução José Antonio de Souza Filardo

PARTE IV

‘OS SÁBIOS ENTENDERÃO’: NEWTON, PROFECIA E A SEGUNDA REFORMA

Os trabalhos teológicos de Newton revelam que ele tanto desejava uma reforma mais profunda quando achava que ela era providencialmente inevitável. Mesmo assim, embora tivesse o poder para influenciar, ele nunca fez qualquer tentativa aberta de reforma. (84) De acordo com Haynes, era o medo de perseguição e pressões da ortodoxia que paralisava a língua de Newton, enfraquecido em seu zelo e o impedia de liderar esse retorno ao cristianismo primitivo. (85) Assim, acabamos de ver como a teologia remanescente de Newton e o desgosto por disputas teria limitado a sua evangelização. Outra limitação decorre da sua interpretação de profecia. Um crente firme na profecia bíblica, Newton lia a história com Daniel e o Apocalipse ao seu lado e com eles previu o final da era. Entretanto, embora a sua leitura antitrinitária da profecia tivesse implicações para o presente, incluindo a Igreja contemporânea, ele não comentava apocalipticamente sobre os acontecimentos de sua época. História passada era profundamente moldada pelo Altíssimo, o futuro seria carregado com sinais providenciais, mas o presente é desprovido de atividade profética. Para Newton, não haveria qualquer Apocalipse agora. Suas cronologias proféticas confirmam esta dormência apocalíptica em relação ao presente. Embora relutante em definir datas, quando ele fez o Millennium foi adiado para não antes do século XX. (86) Isso estava em contraste direto com pontos de vista comuns, de que o fim ocorreria no século XVIII. Em um manuscrito ele definia o fim “no ano do Senhor [sic] 2060”, acrescentando:

Menciono este período não para afirmá-lo, mas apenas para mostrar que há poucas razões para esperar que seja mais cedo, e, assim, acabar com as conjecturas incômodas de intérpretes que estão frequentemente atribuindo o momento do fim, e, assim, colocando as sagradas Profecias em descrédito tão frequentemente quanto suas conjecturas não chegam a acontecer. Não nos cabe saber os tempos e estações que Deus colocou em seu próprio peito. (87)

Não só Newton colocou o final bem além de sua própria vida, mas à medida que envelhecia, ele empurrava a data ainda mais para longe. Ele mudou a data para o início da apostasia de 1260 anos de 607 na década de 1670, para datas cada vez mais tarde que sugeriam que o fim viria no século XXIII ou XXIV. (88)

A apostasia foi profeticamente decretada para durar 1.260 anos, um período da história que ele acreditava seria ‘de todos os tempos, os piores’. (89) Newton acreditava que a pregação do evangelho eterno a todas as nações e ‘ o estabelecimento da verdadeira religião’ ocorreria somente durante ou após a queda de Babilônia . (90) Em seu sentido mais amplo, a apostasia deveria durar desde o tempo dos Apóstolos até a Segunda Vinda de Cristo (91). Em que os exegetas protestantes teriam visto como uma descentralização chocante da Reforma, ele escreveu que a ‘pureza da religião’ tinha ‘desde então diminuído’ desde a época do Apóstolo, e continuaria a ‘diminuir mais e mais até o final’ (92) e que, porque ‘os Gentios se corromperam podemos esperar que Deus, no devido tempo, fará uma nova reforma’. (93) De fato, Whiston relata que Newton tinha ‘ uma conjectura muito sagaz’ de que a apostasia ‘deve ser interrompida e despedaçada pela prevalência da infidelidade, por algum tempo, antes que o cristianismo primitivo pudesse ser restaurado’. (94) Só após esta ‘decadência maior da religião’, haveria uma ‘pregação universal do Evangelho’. Caso pudesse haver qualquer dúvida quanto ao momento deste grande evento, Newton continuava afirmando que ‘isto ainda não está cumprido; não há nada feito no mundo como isso, e, portanto está por vir’. (95) Nenhum esforço contemporâneo em reforma poderia antecipar-se este plano mais do que se podia lutar contra Deus. Além disso, a mensagem iria cair em ouvidos moucos. (96) Um longo período de corrupção estava por vir.

Frustrado que Newton não tinha emprestado seu grande nome à causa do Cristianismo Primitivo, após a morte de Newton, Whiston soltou uma bomba. Ele supôs que a noção profética de Newton de `um longo futuro Estado corrupto da Igreja’ podia ser um desestímulo para Newton ‘fazer esforços públicos para a Restauração do Cristianismo Primitivo’, assim como as ‘Expectativa da aproximação do fim do estado corrupto’ do próprio Whiston, e por consequência o momento em que o cristianismo primitivo devia ser restaurado, muito o incentivou ‘a trabalhar por sua Restauração’. (97) Para Newton o crescimento de infidelidade tornava temporariamente fútil a evangelização aberta. Embora a ansiedade sobre a possibilidade de exposição deva ter sido um fator, o que Whiston e Haynes interpretaram diretamente como medo e falta de zelo era uma postura mais complicada. Não era falta de fé, era uma estratégia baseada em crença. Newton não esperava o retorno iminente de Cristo. Em vez disso, ele sequestrou-se e viveu os dias escuros e ruins em silêncio virtual. Ele esperou enquanto Deus esperava, e a contínua infidelidade de sua época era um sinal de que o fim não estava próximo. Não era um tempo de ousadia profética. (98)

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NOTAS

(84) Compare com preocupação do clérigo escocês Robert Wodrow de que ideias heréticas de um homem como Newton seriam ‘engolidas por multidões’. R. Wodrow, Analecta, 4 vols., Edinburgh, 1842-3, iii, 462.

(85) H. Haynes, Causa Dei contra Novatores: or the Religion of the Bible and the Religion of the Pulpit Compared, London, 1747, 30, 57.

(86) See Keynes MS 5, f. 138v.

(87) Yahuda MS 7.3g, f. 13r; cf. MS 7.3i, f. 54r.

(88) Westfall, op. cit. (10), 132, 135-6, 139; Westfall, op. cit. (1), 325.

(89) Yahuda MS 1.2, f. 62r.

(90) Yahuda MS 1.3, f. 53r; cf. MS 9, f. 158r.

(91) Bodmer MS 4A, f. 2r.

(92) Yahuda MS 1.4, f. 1r.

(93) Keynes MS 3, p. 35.

(94) W. Whiston, An Essay on the Revelation of St. John, London, 1744, 321.

(95) Yahuda MS 1.4, f. 2r (cf. f. 1r).

(96) Cf. I. Newton, Observations upon the Prophecies of Daniel, and the Apocalypse of St. John, London, 1733, 250.

(97) Whiston, Clarke, op. cit. (46), 157; cf. Westfall, op. cit. (1), 815-16.

(98) Ver também S. Snobelen, ‘Caution, conscience and the Newtonian reformation: the public and private heresies of Newton, Clarke and Whiston’, Enlightenment and Dissent (1997), 16, 151-84, que inclui apresentações iniciais mais curtas de alguns dos argumentos apresentados neste trabalho.

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