Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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A Maçonaria e a Revolução Farroupilha

Por Rubens Pantano Filho[1]

Fig. 1 – Proclamação da República de Piratini.[2]

Introdução

Motivada por critérios políticos, econômicos e sociais, a Revolução Farroupilha foi um movimento que ocorreu ao Sul do Brasil, entre os anos de 1835 e 1845. O evento, iniciado em 20 de setembro de 1835, quando as tropas lideradas por Bento Gonçalves marcharam para Porto Alegre, tomando a capital gaúcha e dando início à guerra, tomou proporções tais que, em 11 de setembro de 1836, declarou-se a independência daquela que passou a ser denominada República Rio-Grandense ou República de Piratini (Figura 1). O episódio contou com agentes de grupos pertencentes a diversos setores, tais como comerciantes, charqueadores, estancieiros, sacerdotes e militares, destacando-se neste processo a atuação da Maçonaria (Becher, 2013). Também na caracterização dos protagonistas, Bidinoto (2005) registra que o movimento revolucionário envolveu diversas representações da sociedade: os militares, os charqueadores, latifundiários, os comerciantes, os escravos negros e também os sacerdotes.

Ainda sobre o evento, Zalla e Menegat (2011, p. 49-50) assinalam que:

A Revolução Farroupilha se configurou, historicamente, como evento emblemático da memória pública no Rio Grande do Sul. Seus lances de batalha são, ainda hoje, narrados em tom épico, e seus protagonistas transformados em heróis da ‘pequena’ e da ‘grande’ pátria, ora pela suposta resistência à opressão do centro político e econômico do Brasil, ora pela também hipotética aspiração à liberalização e ‘republicanização’ do país, o que incorre na afirmação de seu caráter nacionalista. Em ambos os sentidos, como mito, a revolta tem sido matriz para discursos políticos, debates historiográficos, criações artísticas e projetos identitários.

            Os farroupilhas se inspiraram em ideias revolucionárias, nas ideologias políticas universais do século XIX. O movimento foi organizado por líderes latifundiários e militares que ocupavam o vértice da pirâmide social da época (Flores, 1996). O movimento separatista se justificava pela má administração do dinheiro público, pela falta de investimentos em portos e estradas na região Sul e também pelos altos impostos que eram cobrados pelo governo sobre as terras e sobre o charque[3], o principal produto de exportação (Eitelven, 2007).

            Além de ser um tema da pauta das pesquisas no meio acadêmico, a Revolução Farroupilha também proporcionou representações que conduziram à exaltação do passado riograndense, o qual é, constantemente, colocado como elemento de diferenciação do povo do Sul em comparação com o restante do Brasil. A Revolução constitui um ato heroico para a maioria dos gaúchos, que consideram que o mesmo deve ser relembrado e comemorado todos os anos, como símbolo máximo do estado (Eitelven, 2007).

Considera-se que a palavra farroupilha deriva de “farrapo”, com o significado de “pano velho” ou “tecido gasto”. Na época da Revolução Farroupilha, as expressões farrapo e farroupilha denominavam os revoltosos separatistas sul rio-grandenses. O termo farroupilha é motivo de discórdia. Alguns afirmam que a expressão caracteriza o estado da indumentária do exército revoltoso, cujos recursos financeiros tornaram-se exíguos, principalmente na metade final do conflito. Também se encontra a afirmação de que a terminologia era utilizada para designar os grupos liberais de ideias exaltadas. Outras fontes argumentam que seria um termo anterior à guerra e inspirado nos sans culottes, revolucionários franceses. Há ainda a versão de que o termo teria sido inspirado nas roupas rústicas de um dos líderes dos liberais, Cipriano Barata, que circulava pela cidade, quando em Lisboa, usando chapéu de palha e roupas propositadamente despojadas.

No cenário político, os farroupilhas constituíam um dos grupos mais exaltados e que defendiam ideias como a adoção de um regime republicano ou, ao menos, de um regime de federação, em que as províncias tivessem maior autonomia. Eles contrapunham-se aos conservadores, que eram então denominados “caramurus”. Também afirma-se que esse termo era utilizado pelos farroupilhas para designar os soldados imperiais. O confronto entre liberais e conservadores era, no Rio Grande do Sul, particularmente acentuado. No embate, os moderados não tinham nenhuma expressão, sendo, por isso, alcunhados de “chimangos”, termo que designa a caça com a qual não vale a pena se gastar chumbo.

A Maçonaria naquele período

A Maçonaria começa a ganhar espaço no Rio Grande do Sul a partir de 1830. Este atraso em relação a outras regiões do país pode estar atrelado às características próprias de um espaço incorporado tardiamente, como foi a região Sul. Assim, na primeira metade do século XIX, a elite do Rio Grande do Sul passa a sofrer forte influência do pensamento liberal, presente e divulgado através da Maçonaria, que em função da sua forma de organização e disciplina, conquistou um número relativamente grande de membros desta elite regional (Colussi, 2011).

Um participante da Maçonaria nesse período se colocava como integrante de uma sociedade/grupo que exercia influências na forma de pensar do indivíduo, bem como lhe permitia um estreito contato com outros membros da ordem (Marques, 2012).

Sabe-se que a maioria dos movimentos liberais ou emancipacionistas, nos séculos XVIII e XIX, teve na Maçonaria seu núcleo formador. Constituem exemplos: A Conjuração Mineira (1789), a Conjura Baiana (1798), a Revolução Pernambucana (1817) e a Confederação do Equador (1824). Da mesma forma, a atuação dos maçons não foi diferente com relação às questões do espaço fronteiriço platino (Padoin, 2000). Posteriormente a esses eventos elencados, a Ordem Maçônica também marcou presença na Abolição da escravidão (1888) e na Proclamação da República (1889) (Gil, 2011).

A Loja Maçônica Philantropia e Liberdade

As primeiras Lojas rio-grandenses foram de iniciativa de um pequeno número de maçons, já iniciados na Ordem no centro do país ou no exterior, e que buscaram espaços nos clubes ou sociedades de cunho liberal. O exemplo mais significativo para este fato foi o gabinete de leitura “O Continentino”, instalado na cidade de Porto Alegre, além de outras sociedades ou gabinetes de leitura que se constituíram em núcleos maçônicos (Colussi, 2011).

A Loja Filantropia e Liberdade, fundada em 25 de dezembro de 1831, na capital gaúcha, tinha estreita vinculação com gabinete de leitura “O Continentino”, caracterizando uma das primeiras formas de atuação da Maçonaria no Rio Grande do Sul. Os integrantes das Lojas atuavam com discrição, tendo em vista o caráter sigiloso da Ordem, bem como pela necessidade de se protegerem de possíveis perseguições políticas ou religiosas (Colussi, 2011).

A Maçonaria na Revolução Farroupilha

            A historiografia sobre a Revolução Farroupilha – evento que adquiriu feições republicanas e revolucionárias – por analisar um episódio de conflito de armas, ocasionando assim a ausência de documentos maçônicos daquele momento, registra indícios, ainda que um tanto nebulosos, sobre a participação da Maçonaria na revolta. No mínimo, sabe-se que a Ordem Maçônica abriu seus templos para a discussão das ideias em voga na época e promoveu a grande admissão de líderes revolucionários em seus quadros (Schmidt, 2006).

            Alguns autores, tal como Flores (1996) não aceitam que a Revolução Farroupilha tenha sido de orientação maçônica, devido à pluralidade de interesses e de opiniões (azuis, vermelhos, legalistas e farroupilhas). Da mesma forma, Colussi (2011, p. 167) assinala que:

A Revolução Farroupilha, ao invés de ter sido um resultado da atuação maçônica, gerou as condições para a divulgação de um corpo de ideias sustentadas no pensamento europeu em voga, permitindo no rastro dessa difusão a penetração do movimento maçônico por meio, inicialmente, da ação daquele tipo de associativismo.

            Ao lado dessas considerações, pelas pesquisas documentais também se sabe que a iniciação da maioria dos revolucionários farroupilhas deu-se durante a própria revolução, o que indica que, no período do conflito, a instituição cresceu e difundiu seu ideário no seio dos chefes farrapos (Schmidt, 2006).

Segundo Fagundes (1989, apud Colussi, 2011), nos levantamentos históricos sobre o evento revolucionário podem ser encontrados documentos do período farroupilha que confirmam a ocorrência de rituais de iniciação maçônica, tal como o de Thomas Ferreira Valle, em 1839, na cidade de São Gabriel, e o de David Canabarro, em 1841, na cidade de Alegrete. Assim, o fato de vários líderes farrapos terem sido maçons confirmaria a influência da instituição naquele contexto. Outro autor, Bidinoto (2005), em seu trabalho sobre a participação do clero no movimento Farroupilha, também cita a preparação das revoluções, através de reuniões promovidas pela Maçonaria e demais sociedades secretas.

Um episódio bastante valorizado por alguns historiadores, e que também confirmaria a relação entre Maçonaria e a Revolução dos Farrapos é o da fuga de Bento Gonçalves, líder farroupilha, do presídio onde se encontrava recluso, na Bahia. Segundo alguns pesquisadores, Bento Gonçalves fora aprisionado em 1836 e enviado, inicialmente, para o presídio Fortaleza da Lage, no Rio de Janeiro, sendo transferido, logo depois, para o Forte de São Marcelo, na Bahia. Os autores fazem menção à existência de uma trama maçônica com a finalidade de libertar Bento Gonçalves, e executada tão logo que o mesmo foi identificado como Irmão. Se tal episódio se deveu à ação de maçons ou de liberais simpáticos aos farrapos é, ainda, uma questão que precisa ser pesquisada. No entanto, não se pode deixar de considerar que, efetivamente e de forma surpreendente, Bento Gonçalves retornou ao Rio Grande do Sul, em setembro de 1837 (Colussi, 2011).

Não havia unanimidade

A Revolução Farroupilha se caracterizou pela tomada de determinadas cidades, tanto na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, quanto na breve República Juliana, proclamada na Província de Santa Catarina, sendo que nem todos nas Províncias defendiam os revoltosos. Algumas cidades nunca foram dominadas pelos farroupilhas; nas que foram, os farroupilhas também enfrentaram resistência daqueles que defendiam os interesses imperiais (Becher, 2013).

Além das divergências entre os dois lados da guerra – imperiais e farroupilhas -, os próprios revoltosos não se caracterizavam como um grupo homogêneo, uma vez que, entre eles, havia uma série de divergências de ideias e de projetos políticos. Assim, a elite política que esteve na vanguarda da Revolução Farroupilha pode ser dividida em duas principais correntes: uma minoritária, representada por David Canabarro e Vicente da Fontoura, que almejava apenas maior autonomia para a Província, sem separação do Império do Brasil; e outra, majoritária, representada por Bento Gonçalves da Silva, Antônio de Souza Neto e Domingos José de Almeida, que almejava a independência da Província em relação ao Império (Padoin, 2001).

Na Maçonaria também havia divergências

            Nesse período, também não havia homogeneidade de pensamento na Ordem Maçônica rio-grandense, uma vez que existiam diversas tendências e conflitos entre os pedreiros livres. Por exemplo, na segunda metade do século XIX, os maçons gaúchos se dividiam entre os que defendiam uma abolição imediata da escravidão, e os que propunham uma abolição gradual; havia aqueles que defendiam a monarquia parlamentarista e constitucional e os que defendiam a república presidencialista, ou seja, a mudança do regime (Costa, 2006).

            No período revolucionário, havia a Maçonaria azul e a vermelha. A primeira defendia a Monarquia Parlamentar, e a segunda, a República Constitucional. Os farroupilhas pertenciam à Maçonaria vermelha, cor utilizada na bandeira como identificação do grupo. As sociedades criadas em Rio Grande e Rio Pardo adotaram o lema “igualdade, liberdade e fraternidade”. Os lenços farroupilhas foram traçados com símbolos maçônicos, posto que a maioria de seus participantes era maçom ou foi integrando-se durante a revolução. Bento Gonçalves era azul e antirrepublicano, porém, eleito presidente, aceitou os vermelhos republicanos (Eitelven, 2007).

Maçons pela Revolução

Na Revolução Farroupilha, destacam-se maçons que lideraram a revolta contra o Império. Entre esses, destacam-se:

Bento Gonçalves da Silva é o símbolo da memória rio-grandense sobre a Revolução Farroupilha. Ele foi um estancieiro-militar (caudilho), deputado na Assembleia Legislativa Provincial, e denominado “chefe e protetor da república e liberdade rio-grandense”. Nasceu em Triunfo, em 1788, e era filho de grande estancieiro (Padoin; Pereira, 2011). O principal líder da Revolução Farroupilha era membro da Ordem Maçônica, tendo sido Venerável Mestre da Loja Philantropia e Liberdade, importante agremiação maçônica daquele período.

David José Martins, conhecido como David Canabarro, nasceu na estância de Pinheiros, a uma légua de Taquari, foi um militar brasileiro que, na Revolução Farroupilha, de início conservou-se indiferente aos acontecimentos políticos, tendo se juntado ao movimento tardiamente. Galgou postos e assumiu o comando dos Farroupilhas em junho de 1843, quando Bento Gonçalves da Silva, para evitar a cisão entre os republicanos, desligou-se do comando e passou a servir sob as ordens de Canabarro (Daroz, 2009).

Em trabalho sobre a participação de negros e mulatos na Revolução Farroupilha, Marques (2012) destaca a participação de José Marianno de Mattos, mulato, membro da Maçonaria, Deputado da Província, Ministro da Guerra, da Marinha e do Exterior, Vice-Presidente da República Rio-Grandense e Presidente em Substituição a Bento Gonçalves em algumas passagens de período, entre 1839 e 1841. De acordo com a autora, Mattos foi o farrapo que chegou mais alto na hierarquia militar, sendo que, após o final da Revolução, foi anistiado e reincorporado às forças Imperiais, chegando a ocupar o Ministério da Guerra em 1864, quando então já era Brigadeiro.

            Outro maçom importante que teve seu nome ligado ao movimento Farroupilha foi Giuseppe Garibaldi. Sabe-se que, em 1836, Bento Gonçalves, preso no Rio de Janeiro, recebeu a visita do imigrante italiano que havia chegado há pouco e que começava a circular pelo ambiente da Maçonaria brasileira. Suas relações com a Maçonaria foram motivadas por comuns ideais humanitários, internacionalistas e republicanos. No Brasil, criou-se um mito em torno da figura de Garibaldi que, após a libertação de Bento Gonçalves, lutou ao lado dos rio-grandenses na tomada de Laguna, em Santa Catarina, onde foi fundada a breve República Juliana, em 1839. Após a Revolução Farroupilha, Garibaldi instalou-se no Uruguai, onde lutou ao lado dos republicanos na guerra civil uruguaia (Fanesi, 2008).

Na Figura 2, a seguir, observa-se uma ilustração de selo comemorativo do nascimento de Giuseppe Garibaldi, em emissão conjunta Brasil-Uruguai, com o símbolo da Maçonaria no canto superior direito da estampilha.

Fig. 2 – Selo Brasil/Uruguai em comemoração ao nascimento de Garibaldi.[4]

Maçons do lado Imperial

Colussi (2011) cita duas lojas maçônicas que se aliaram às tropas imperiais: a Loja União Geral, da cidade de Rio Grande, fundada no ano de 1840, ou seja, em meio ao movimento revolucionário. Nessa loja que ocorreu a iniciação de Manuel Luís Osório, o Marquês do Herval. Na primeira fase revolucionária, Osório compunha as forças farroupilhas, entretanto, quando da Proclamação da República Rio-Grandense, em 1838, suas divergências afloraram e então ele aderiu às tropas imperiais. Outra situação similar teria ocorrido em São Leopoldo, na Loja União e Fraternidade. Um dos maçons de destaque que assumiu a posição das forças imperiais foi o líder da comunidade alemã, João Daniel Hillebrand, médico humanitário, presidente da Câmara dos Vereadores de São Leopoldo, fundador da Companhia de Voluntários Alemães e chefe geral da Colônia. Nos dois casos, fica evidenciado que a ordem maçônica não ficava imune aos confrontos e disputas políticas e ideológicas inerentes a cada realidade histórica.

A Arte Real na bandeira do Rio Grande do Sul

A bandeira do estado do Rio Grande do Sul é originária dos desenhos de rebeldes durante a Revolução Farroupilha, mas sem o brasão de armas até então. Historicamente, ela aparece pela primeira vez em Piratini, no dia 6 de novembro de 1836, sendo conduzida pelo coronel Teixeira Nunes, pois o coronel Bento Gonçalves se achava ausente. Essa bandeira foi adotada oficialmente pelo decreto de 12 de novembro de 1836, que a denominou “Escudo de Armas”. Foi o primeiro decreto da República Rio-Grandense. A Figura 3 ilustra a bandeira Farroupilha utilizada nos anos iniciais da Revolução.

Fig. 3 – Ilustração da Bandeira Farroupilha, sem o brasão.[5]

A autoria da bandeira Farroupilha é controversa, pois alguns apontam Bernardo Pires como o criador do pavilhão, enquanto outros a consideram de autoria de José Mariano de Mattos. Seja um ou outro o criador, os dois foram iniciados na Ordem Maçônica.

Posteriormente, o centro da bandeira recebeu um brasão de armas, que apresenta características de inspiração maçônica: duas colunas que ladeiam o losango invertido, idênticas às encontradas em todos os Templos Maçônicos; os ramos de acácia; e a inscrição “Liberdade, Igualdade e Humanidade”.

Acredita-se que o brasão foi desenhado originalmente pelo Padre Hildebrando, recebendo a arte final do Major Bernardo Pires. Há outras fontes que creditam a autoria ao Padre Francisco das Chagas Martins Ávila. O desenho foi produzido originalmente para estampar o lenço farroupilha, que foi mandado confeccionar nos Estados Unidos por Bernardo Pires, em 10 de maio de 1942. A Figura 4 mostra uma ilustração do brasão de armas.

Fig. 4 – Brasão de Armas da bandeira Rio-Grandense.[6]

O pavilhão atual do estado do Rio Grande do Sul foi adotado oficialmente, como símbolo do estado, logo nos primeiros anos da República, recuperando a bandeira de inspiração Farroupilha. A Figura 5 mostra a bandeira Rio-Grandense.

Fig. 5 – Ilustração da Bandeira do Rio Grande do Sul, com símbolos maçônicos no brasão.[7]

Uma data comemorativa

A Revolução Farroupilha é o mito fundante da cultura gaúcha. É a partir dela que se estabeleceu a identidade do povo gaúcho, com suas tradições e seus ideais de liberdade e igualdade.

Atualmente, a cultura gaúcha é reverenciada não só no estado do Rio Grande do Sul, mas no país e no mundo, através dos milhares de Centros de Cultura Gaúcha – CTGs espalhados por todos os cantos.

Em 20 de Setembro de cada ano, o gaúcho reafirma o orgulho de suas origens e o amor por sua terra.

Hino Rio-Grandense

Letra: Francisco Pinto da Fontoura

Música: Joaquim José de Mendanha

Harmonia: Antônio Corte Real

Como a aurora precursora

Do farol da divindade

Foi o Vinte de Setembro

O precursor da Liberdade

Mostremos valor, constância

Nesta ímpia e injusta guerra

Sirvam nossas façanhas

De modelo a toda a terra

Mas não basta pra ser livre

Ser forte, aguerrido e bravo

Povo que não tem virtude

Acaba por ser escravo

Mostremos valor, constância

Nesta ímpia e injusta guerra

Sirvam nossas façanhas

De modelo a toda a terra

Conclusão

            Alguns historiadores consideram que a Maçonaria teve importante papel na Revolução Farroupilha. Há também aqueles – principalmente os autores maçons – que consideram que o evento foi de inspiração e iniciativa maçônica, no entanto, não há documentação que comprove essa afirmação. Não obstante, mesmo que a última consideração não seja verdadeira, há documentos suficientes que confirmam a participação de maçons, inclusive nos principais postos de comando, naquele importante episódio da história Rio-Grandense.

Um documento interessante, porém fictício

Muitos são os autores que consideram a participação da Maçonaria na Revolução Farroupilha partindo de um documento amplamente divulgado pela Internet, que seria a ata de uma sessão maçônica na qual se estabeleceu a data de início da Revolução. Eu mesmo já o considerei essa informação em outra oportunidade em que esse artigo foi publicado. Corrijo a informação a seguir.

Mais recentemente, surgiram informações outras sobre o tal documento. Consta que, no final da década de 1990, o maçom Dante Bósio, já falecido, teria sido convidado a ministrar uma palestra na cidade de Camaquã, na época da Semana Farroupilha, evento anual durante o qual se comemora a Revolução Riograndense. Nosso Irmão de Ordem teve então uma brilhante ideia: redigir o que poderia ter sido uma provável Sessão Maçônica em 1835, dois dias antes de iniciada a Revolução Farroupilha (Ribeiro, 2019).

Com imaginação, o referido Irmão colocou-se na função de Secretário da fictícia Sessão, incorporando a figura de Domingos José de Almeida, revolucionário proprietário de uma charqueada em Pelotas. Assim, redigiu o que ficou conhecido como Balaústre 67, colocando personagens ilustres em funções distintas, tal como Bento Gonçalves (codinome Sucre), como Venerável Mestre da Loja Philantropia e Liberdade (Ribeiro, 2019).

A tal Ata de autoria do maçom Dante Bósio fez tanto sucesso que, com o tempo, o escrito passou a ser divulgado como um documento comprobatório da participação da Maçonaria na Revolução.

Os maçons participaram sim da Revolução, porém a Ata é mera ficção. Mesmo assim, pela criatividade do Irmão Dante Bósio, segue o interessante documento.

Ata nº. 67 da Loja Maçônica Philantropia e Liberdade

Aos dezoito dias do mês de setembro de 1835 E.·. V.·. e 5835 V.·. L.·., reunidos em sua sede, sito à Rua da Igreja, nº 67, em lugar Claríssimo, Forte e Terrível aos tiranos, situado abaixo da abóbada celeste do Zenith, a 30º sul e 5º de latitude da América Brasileira, ao Vale de Porto Alegre, Província de São Pedro do Rio Grande, nas dependências do Gabinete de Leituras onde funciona a Loj.·. Maç.·. Philantropia e Liberdade, com o fim de, especificamente, traçarem as metas finais para o início do movimento revolucionário com que seus integrantes pretendem resgatar os brios, os direitos e dignidade do povo Riograndense. A sessão foi aberta pelo Ven.·. Mestre, Ir.·. Bento Gonçalves da Silva. Registre-se, a bem da verdade, ainda as presenças dos IIr.·. José Mariano de Mattos, ex-Ven.·., José Gomes de Vasconcellos Jardim, Pedro Boticário, Vicente da Fontoura, Paulino da Fontoura, Antônio de Souza Neto e Domingos José de Almeida, o qual serviu como secretário e lavrou a presente ata. Logo de início o Ven.·. Mestre, depois de tecer breves considerações sobre os motivos da presente reunião, de caráter extraordinário, informou a seus pares que o movimento estava prestes a ser desencadeado. A data escolhida é o dia vinte de setembro do corrente, isto é, depois de amanhã. Nesta data, todos nós, em nome do Rio Grande do Sul, nos levantaremos em luta contra o imperialismo que reina no país. Na ocasião, ficou acertada a tomada da capital da província pelas tropas dos IIr.·. Vasconcellos Jardim e Onofre Pires, que deverão se deslocar desde a localidade de Pedras Brancas, quando avisados. Tanto Vasconcellos Jardim como Onofre Pires, ao serem informados, responderam que estariam a postos, aguardando o momento para agirem. Também se fez ouvir o nobre Ir.·. Vicente da Fontoura, que sugeriu o máximo cuidado, pois certamente, o Presidente Braga seria avisado do movimento. O Tronco de Beneficência fez a sua circulação e rendeu a medalha cunhada de 421$000, contados pelo Ir.·. Tes.·. Pedro Boticário. Por proposição do Ir.·. José Mariano de Mattos, o Tronco de Beneficência foi destinado à compra de uma Carta da Alforria de um escravo de meia idade, no valor de 350$000, proposta aceita por unanimidade. Foi realizada poderosa Cadeia de União, que pela justiça e grandeza da causa, pois em nome do povo Riograndense, lutariam pela Liberdade, Igualdade e Humanidade, pediam a força e a proteção do G.·. A.·. D.·. U.·. para todos os IIr.·. e seus companheiros que iriam participar das contendas. Já eram altas horas da madrugada quando os trabalhos foram encerrados, afirmando o Ven.·. Mestre que todos deveriam confiar nas LL.·. do G.·. A.·. D.·. U.·. e, como ninguém mais quisesse fazer uso da palavra, foram encerrados os trabalhos, do que eu, Domingos José de Almeida, Secretário, tracei o presente Balaústre, a fim de que a história, através dos tempos, possa registrar que um grupo de maçons, homens livres e de bons costumes, empenhou-se com o risco da própria vida, em restabelecer o reconhecimento dos direitos desta abençoada terra, berço de grandes homens, localizada no extremo sul de nossa querida Pátria. Oriente de Porto Alegre, aos dezoito dias do mês de setembro de 1835 da E.·. V.·., 18º dia do sexto mês, Tirsi, da V.·. L.·. do ano de 5835. Ir Domingos José de Almeida – Secretário. (LOJA MAÇÔNICA PHILANTROPIA E LIBERDADE, 1835).

Bibliografia

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Notas

[1] ARLS Cedros do Líbano II, Oriente de Valinhos/SP e membro da Academia Campinense Maçônica de Letra. E-mail: pantanof@uol.com.br

[2] Fonte: Tetraktys. Proclamação da República de Piratini. 1914. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Antonio_Parreiras_-_Proclamação_da_Repúblicablica_Piratini_-_1915.jpg. Acesso em: 09 set,. 2023.

[3] Charque: carne salgada e seca ao sol com o objetivo de mantê-la própria ao consumo por mais tempo.

[4] Fonte: Filatelia Halibunani. Selo 200 Anos Giuseppe Garibaldi. Disponível em: https://filateliahalibunani.com/produto-tag/giuseppe-garibaldi/. Acesso em: 09 set. 2023.

[5] Fonte: Tito Lívio Zambeccari. Proclamação da República de Piratini. 2006. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Flag_of_Piratini_Republic.svg. Acesso em: 09 set,. 2023.

[6] Fonte: Guilherme Paula. Brasão de Armas do estado do Rio Grande do Sul. 2011. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brasão_do_Rio_Grande_do_Sul.svg. Acesso em: 09 set,. 2023.

[7] Fonte: Srfortes. Bandeira do Estado do Rio Grande do Sul. 2007. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bandeira_do_Rio_Grande_do_Sul.svg. Acesso em: 09 set,. 2023.

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