Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Reflexões sobre Wikileaks

Reflexões sobre o Wikileaks, Spycatcher e Freedom of the Press – discurso proferido na Faculdade de Direito da Universidade de Sydney  em 31 de Março de 2011

Malcolm Turnbull, Deputado Federal na Austrália

Tradução José Antonio de Souza Filardo

220 anos atrás, os Estados Unidos da América ratificaram a Bill of Rights, cuja cláusula mais influente é a Primeira Emenda:

“O Congresso não fará qualquer lei relacionada com o estabelecimento da religião, ou proibindo o livre exercício dela; ou cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir petições ao Governo para a reparação de injustiças. ”

Desde então, na América e em todas as outras sociedades inspirado por um ideal de liberdade, incluindo a nossa, tem havido uma competição entre os governos que desejam manter suas atividades secretas e aqueles entre os seus cidadãos que desejam saber o que eles estão fazendo.

Tem sido sempre assim. E quando as sociedades estão ameaçadas pela guerra ou outras ameaças, as liberdades civis em geral, e a liberdade de expressão em particular, estão sempre sob ameaça ou constrangimento.

A este aniversário, talvez devessemos acrescentar uma outra pendência. Em Setembro deste ano, será completada uma década desde que as Torres Gêmeas foram derrubadas por terroristas da Al-Qaeda e que tem sido descrito como o dia em que a Guerra contra o terror realmente começou.

E assim, antes de nos voltarmos ao caso de Julian Assange, Spycatcher e o papel da Internet – vale a pena refletir que a causa que defendemos e pela qual, se for preciso, lutamos é a liberdade.

Em 1986, Lucy e eu representamos um ex-funcionário do MI5, Peter Wright, em seus esforços para publicar suas memórias “Spycatcher”.

Margaret Thatcher, então Primeiro Ministro da Grã-Bretanha, estava determinada que nenhum ex-funcionário do MI5 pudesse escrever sobre o seu trabalho independentemente de as informações ainda fossem confidenciais, tivesse impacto sobre  operações em curso, ou fosse de qualquer outra forma em detrimento dos serviços de inteligência.

Embora seja verdade que algumas das melhores mentes jurídicas da época tivessem avisado os editores de Wright de que ele não tinha qualquer esperança de sucesso, sempre pensei que o velho fantasma que virou criador de cavalos da Tasmânia, teria sucesso.

Isso foi por causa de uma decisão do Tribunal Superior da Austrália em 1980, a Commonwealth vs. Fairfax, na qual Sir Anthony Mason tinha sustentado que um governo só poderia restringir a divulgação de informações confidenciais, se pudesse estabelecer que a informação ainda era secreta e, mais importante, que sua publicação pudesse provocar não apenas um constrangimento, debate público e controvérsia .

“É inaceitável na nossa sociedade democrática que deva existir restrição à publicação de informações relativas ao governo, quando o único vício daquela informação é que ela permite que o público discuta, analise e critique a ação do governo.”

Foi também uma parte fundamental de nossa jurisprudência que um tribunal não restringsse a publicação de confidências, se a sua divulgação pudesse revelar a prática de crimes e atos ilícitos.

Vale lembrar também, neste contexto, as palavras do Desembargador do Supremo Tribunal dos EUA  Black no caso dos Papéis do Pentágono:

“A guarda de segredos militares e diplomáticos, às expensas do governo representativo informado não oferece qualquer garantia real para nossa República. Os autores da Primeira Emenda, plenamente conscientes tanto da necessidade de defender uma nação nova quando dos abusos dos governos inglês e  colonial, procuraram a esta nova sociedade a força e a segurança, prevendo que a liberdade de expressão, de imprensa, de religião e de reunião não pudesse ser restringida. ”

O Spycatcher preencheu todos os requisitos em Commonwealth vs. Fairfax. O conteúdo tinha pelo menos 20 anos de idade  e não tinha qualquer relevância para operações atuais. Quase todo ele tinha sido publicado anteriormente.

Não obstante isso, o Governo britânico tinha obtido facilmente uma ação cautelar, com base em quebra de confiança. Nosso argumento principal era que nada havia no livro que tivesse mais a qualidade necessária de confiança e, provavelmente, o documento mais importante no caso foi de um pesado volume chamados de elementos consolidados de domínio público provou, linha por linha, que nada havia, absolutamente, no livro que não tivesse sido publicado em outro lugar.

As informações contidas em Spycatcher tinham sido, de fato, fornecidas alguns anos antes por Wright a Chapman Pincher para seus livros “O comércio deles é Traição” e “Secreto Demais, por Tempo Demais” num acordo intermediado por Lord Victor Rothschild com a ajuda do MI6 e conhecimento prévio do MI5.

Também argumentamos que o livro revelava o cometimento de crimes e outros delitos.

Movendo-nos para um campo mais esotérico,  sustentamos que Wright não tinha uma relação de emprego com o MI5 e, consequentemente, dever de confiança, porque ele era um funcionário da coroa – uma criatura de status (como um soldado) e não contrato.

E na medida em que os britânicos estavam tentando indiretamente fazer valer suas obrigações ao abrigo da Lei de Segredos Oficiais, que era claramente insustentável como um esforço para fazer valer o direito público de outro país em um tribunal australiano.

Devo observar que este argumento sobre o direito internacional público recebeu pouca atenção no julgamento que enfocou devidamente os fatos, um pouco mais no Tribunal de Recurso, mas foi adequado no Supremo Tribunal onde ele foi a base de dois pareceres negando provimento ao recurso do Governo britânico.

O Supremo Tribunal foi muito claro ao declarar que um tribunal australiano não devia agir “para proteger os segredos de inteligência e informações políticas  confidenciais” de um governo estrangeiro, mesmo de um que era muito amigável e até mesmo em circunstâncias em que o governo australiano pedisse ao Tribunal que o fizesse.

Insisto neste ponto, porque ele tem uma relevância atual para o caso de Julian Assange a quem – vocês se lembrarão – nossa primeira-ministra, Julia Gillard, descreveu como alguém que tinha violado a lei ao publicar o conteúdo de informações confidenciais americanas em telegramas do Departamento de Estado.

Não só era perfeitamente óbvio que Julian Assange não tinha violado qualquer lei australiana (e apesar do grande esforço das autoridades americanas não há nenhuma evidência até o momento de que ele violou leis americanas), mas a decisão do Supremo Tribunal no caso Spycatcher deixa bem claro que qualquer ação em um tribunal australiano de impedir Assange de publicar os telegramas do Departamento de Estado teria falhado.

Estas declarações da Primeira-Ministra, que foram repetidos pelo seu Procurador-Geral foram particularmente lamentáveis, e não simplesmente porque ela estava tão obviamente errada do ponto de vista jurídico, mas não importa que se possa pensar de Assange, ele é um cidadão australiano.

Talvez mais importante, no momento em que estava sendo descrito como violando a lei pela Sra. Gillard, destacados políticos e jornalistas americanos o estavam descrevendo como um terrorista e, em alguns casos, pedindo que ele fosse assassinado.

Sarah Palin, possivelmente o próximo presidente dos EUA, pediu que ele fosse perseguido “com a mesma urgência com que buscamos a Al-Qaeda e os líderes do Taleban”. Sem dúvida, seus partidários podiam ler o que eles gostavam naquela observação.

Embora Assange esteja, sem dúvida, bastante seguro contra assassinato, quando um cidadão australiano está ameaçado desta forma, um Primeiro-Ministro australiano deveria responder.

Julia Gillard poderia ter muito apropriadamente ter lamentado sua publicação de informações confidenciais, simpatizado com nossos aliados americanos envergonhados; mas, ao mesmo tempo registrado nossa profunda infelicidade que um cidadão australiano esteja sendo ameaçado dessa forma por figuras de destaque em outro país, cujo compromisso com a liberdade de expressão e o Estado de direito nós tradicionalmente vemos como sendo nada menos do que o nosso.

Ela poderia, até mesmo, ter-se dado o trabalho de perguntar como, diabos,  as medidas de segurança dos Estados Unidos eram tão frouxas que centenas de milhares de documentos altamente confidenciais pudessemser copiados para um disco por um jovem de 23 anos, soldado do Exército dos EUA, Bradley Manning.

Afinal de contas, que não haja erro que Assange não teria sido objeto desse tipo de ataque se ele fosse americano e muito menos um jornalista americano. Você consegue imaginar um dos funcionários do Sr. Rupert Murdoch na Fox News pedindo o assassinato de um editor do Washington Post ou do New York Times, ou mesmo de qualquer cidadão dos EUA?

E se os telegramas do Departamento de Estado  Americano tivessem sido publicados pelo Wall Street Journal ou pela própria Fox News? Podemos imaginar que o congressista Pete King, então presidente da entrada do Comitê de Segurança Interna, teria pedido que a News Corporation fosse declarada uma organização terrorista estrangeira ou comparado o Sr. Murdoch a Osama bin Laden.

E o que dizer da Primeira-ministra Gillard?  Ela estava mais que feliz em acusar Assange de agir ilegalmente, mas eu não a ouvi descrever os editores de The Age e do Sydney Morning Herald nesses termos, quando eles publicaram o conteúdo dos telegramas do Departamento de Estado fornecido a eles por Wikileaks.

É fácil para os políticos em meio a um frenesi de mídia pulassem para o palanque e competissem paraa denunciar o vilão da hora, especialmente se ele ou ela é vista como vulnerável ou lhe falta poder.

Mas a liderança, e em particular a liderança nacional, exige cabeças mais frias.

A conduta de Assange pode ser equivocada, até mesmo condenável, mas nenhum Primeiro-Ministro australiano deveria acusar um de seus próprios cidadãos de infringir a lei quando não houve sequer uma acusação e muito menos uma condenação.

É uma pena que o comentário, tanto político quanto jornalístico, não manteve o nível de abordagem assumido por Robert Gates, secretário de Defesa, que responderam à liberação dos telegramas, descrevendo a descrição do vazamento como “colapso ou alterador de jogo” como sendo “significativamente exagerado.”

O secretário Gates observou:

“Muitos governos – alguns governos lidam conosco porque têm medo de nós, alguns porque nos respeitam e a maioria porque precisam de nós. Somos ainda essencialmente, como já foi dito antes, a nação indispensável. Então, outras nações continuarão a tratar conosco. Eles continuarão a trabalhar conosco. Continuaremos a compartilhar informações sigilosas entre nós. Isso é constrangedor? Sim. É estranho? Sim”.

Representando Peter Wright todos estes anos, procuramos em vão em Whitehall uma cabeça sensata, e fria como a do secretário Gates. Afinal, Wright era um homem velho e doente e  queríamos ter seu livro publicado e evitar a todo custo os atrasos e as tensões de um longo julgamento.

A resposta óbvia para o Governo britânico teria sido  divulgar amplamente as informações consolidadas de domínio público e dizer: “É um monte de velharias – ficaremos de olho nela nas seção de restos!”

Mas, ao invés disso, eles decidiram fazer de Wright um mártir e travar uma furiosa batalha jurídica não apenas na Austrália (onde vivia Wright), mas em todo o mundo fazendo Wright parecer bobo e tornando-o muito rico.

Em um esforço para ter o livro publicado antes de um julgamento, até oferecemos ao MI5 a possiblidade de vetos, para que, se houvesse alguma matéria de impacto sobre as operações em curso, ela pudesse ser extirpada. Eles se recusaram a cooperar – era tudo ou nada.

Embora a reação exagerada do governo britânico a Peter Wright seja ecoada na reação dos americanos a Assange – e com o mesmo resultado contraproducente, deve-se dizer que a natureza do material que Wright tentou publicar era muito diferente da revelações de Wikileaks.

O material de Wright era muito velho e não poderia impactar operações em curso. Era, em todos os sentidos, material para a história.

O material publicado pela Wikileaks é muito atual. Muito dele é muito sensível. Vale a pena examiná-lo em maior detalhe.

O WikiLeaks abriu suas portas virtuais como um site para publicação de segredos do governo em 2006, mas ele não se tornou muito importante até abril de 2010, com o lançamento de um polêmico vídeo do Exército dos EUA, que ficou conhecido como o vídeo de “assassinato colaterais”. Ele mostrava dois helicópteros Apache disparando contra um grupo de pessoas no Iraque. Entre os mortos estava um fotógrafo e um motorista contratados pela Reuters.

Este foi aparentemente o primeiro dos materiais fornecidos ao Wikileaks pelo Soldado Manning.

Assange tinha usado anteriormente o Wikileaks como uma câmara de compensação discreta – recebendo informações e as publicando. Nesta ocasião, ele começou a prática de liberar o material em colaboração com a midia estabelecida mídia estabelecida, que desde então incluiu o New York Times, The Guardian, Le Monde, Der Spiegel e Fairfax, na Austrália, entre outros.

O vídeo original do Exército tinha cerca de quarenta minutos de comprimento e Assange o editou para torna-lo, disse ele, mais compreensível. Escusado será dizer que a edição foi controvertida. Mas, ela indicou que ele estava fazendo mais do que simplesmente deixar o sol entrar – ele estava adicionando interpretação à revelação.

Em julho do ano passado, o Wikileaks obteve e posteriormente publicou os Registris de Guerra do Afeganistão, cerca de 92 mil relatórios do Exército dos EUA dos campos de batalha do Afeganistão entre 2004 e 2009. Ele coordenou o lançamento com os principais jornais, e deve ser dito que cada jornal abordou o lançamento e a análise dos documentos de forma diferente. Os aspectos mais referidos eram as alegadas provas que vítimas civis eram muito maiores do que o informado pelo governo dos EUA e que o Serviço de Inteligência do Paquistão estava ajudando ativamente elementos do Talibã. Nenhuma revelação, no entanto, veio como uma surpresa.

É interessante notar aqui que muitas pessoas, inclusive eu mesmo, manifestou grande preocupação que estes relatórios pudessem comprometer  operações atuais e colocar vidas em risco – especialmente as daqueles ajudando os Estados Unidos. Essa ansiedade é relevante para todas as revelações do Wikileaks e é particularmente o caso quando uma grande quantidade de material documental é liberada de uma só vez. Com a maior boa-vontade do mundo, como pode  tanto material ser editado com segurança para garantir que vidas não sejam colocadas em risco, ou até mesmo com nomes excluídos que se pode dizer, sentado em um escritório em Londres ou em Paris que não existe informação suficiente em um telegrama ou relatório de campo de batalha para permitir que nossos inimigos identifiquem um indivíduo e depois o mate?

No entanto, deve notar-se que em Outubro de 2010, o Secretário Gates respondeu a um inquérito parlamentar, afirmando que a revisão dos vazamentos “não tinha revelado qualquer fontes de inteligência e métodos sensíveis comprometidos pela divulgação.” [1]

Em Outubro, o Wikileaks liberou 400.000 relatórios de campo de batalha da guerra do Iraque, de teor semelhante àqueles anteriormente liberados sobre o Afganistão.

Diferentes jornais enfatizaram diferentes aspectos dos relatórios; o Yochai Benkler de Harvard, resume o impacto desta forma “os fatos fundamentais estabelecidos pelos relatórios foram aprovados: Baixas de civis iraquianos foram superiores aos relatados anteriormente; os militares dos EUA estava bem cientes de que a polícia e os militares do Iraque estavam sistematicamente torturando prisioneiros e, embora unidades discretas interviessem para por termo a estas localmente, não houve um esforço sistemático para interromper a prática “. [2]

A revelação mais polêmicas estava por vir em Novembro, com o primeiro lançamento de alguns dos 250 mil telegramas do Departamento de Estado. Mais uma vez, Assange trabalhou com a grande mídia para liberar o material e, geralmente, não publicou telegramas em seu site até que tivessem sido publicados, muitas vezes em um formato editado, pelos próprios jornais.

Cada um dos jornais aplicou seu próprio julgamento jornalístico aos materiais, e como Bill Keller, editor do New York Times descreveu, muitas vezes chegaram a diferentes interpretações e conclusões [3] .

Eles procuraram e obtiveram pareceres do Departamento de Estado dos EUA sobre os telegramas, com vistas a assegurar que operações de inteligência atuais não fossem comprometidas e que vidas não fossem colocadas em risco. Quando o Wikileaks procurou obter conselhos semelhantes sobre o conteúdo dos telegramas – na verdade solicitando uma edição – eles foram repelidos.

Quando o WikiLeaks se aproximou da Administração, eles responderam com uma carta do consultor jurídico do departamento, Harold Koh, que afirmava que eles não participarian de qualquer negociação sobre a liberação de material classificado do Governo Americano obtido ilegalmente e exigiam que eles não publicassem nada. [4] Ao fazer isso, o governo estava tentando colocar Assange em um quadro jurídico inteiramente diferente do que as organizações de mídia comuns com as quais ele tinha tantas vezes cooperado.

Quão prejudicial foi a liberação dos telegramas? A vergonha, o embaraço de tudo, deve ter sido absolutamente insuportável. A idéia de que a maior potência que o mundo já conheceu poder ter os seus segredos diplomáticos roubado por um soldado do exército cuja única história para trazer um CD para o trabalho era que ele estava ouvindo Lady GaGa é tão humilhante, que até mesmo os menos simpatizantes com nosso grande e poderoso amigo devem ter ficado com dó … enquanto rapidamente providenciavam a revisão de seus protocolos de segurança de TI.

Mas e quanto ao conteúdo? Bem, o melhor comentário geral foi feita por Gideon Rachman, que observou que o maior segredo de tudo era simplesmente como relamente pragmática, provida de princípios e inteligente é a política externa americana.

Que o governo norte-americano declare publicamente a sua posição como, geralmente, a mesma a posição que eles tomam privadamente, certamente deve ter sido uma surpresa agradável senão bem-vinda para muitos, incluindo, sem dúvida, o próprio Assange. [5]

Parece-me que se pode dizer que o conteúdo do material se enquadra em pelo menos três grupos. O mais importante é que o que realmente compromete as operações atuais de inteligência e/ou coloca em risco a vida daqueles que ajudam os Estados Unidos especialmente na luta contínua com o terrorismo fundamentalista islâmico.  Este tipo de material, evidentemente, não deve ser publicado.

Os jornais envolvidos na colaboração com o Wikileaks alegam que eles não o fizeram e até agora, sujeitos ao que se segue, não vi nenhuma evidência de que isso tenha ocorrido; mas, conforme observado anteriormente a dimensão da divulgação e da quase impossibilidade de edição cuidadosa e redação dele deveria dar a todos nós motivo para dúvidas muito sérias.

Há dois telegramas que foram citados como ameaças reais à segurança nacional e que sublinham minhas dúvidas. Um, de fevereiro 2009, listava determinados elementos de infraestrutura, tanto públicas quanto privadas, cuja interrupção prejudicaria os interesses dos EUA. Obviamente, isso seria de interesse para os inimigos da América, embora se era nova, ou se a caracterização era exata seja outra questão. Um segundo foi um telegrama que indicava que Morgan Tsvangirai tinha privadamente apoiado as sanções contra o Zimbabué como um meio de forçar Mugabe a se demitir. Este foi imediatamente utilizado contra Tsvangirai por Mugabe como uma possível base para uma acusação de traição. É óbvio que nenhum dos dois telegramas deveria ter sido publicado.

Uma segunda categoria é o material que é, na frase memorável de meu sogro, um “vislumbre penetrante do óbvio”. É divertido ler os relatos de um embaixador de que o primeiro-ministro italiano  gosta demais de moças, ou que o ditador líbio tem uma enfermeira ucraniana voluptuosa, mas  dificilmente é notícia.

As revelações sobre os MPS trabalhistas prontos a derrubar Kevin Rudd também se enquadram nesta categoria. Não é novidade ler um relato de um embaixador norte-americano sobre corrupção oficial no México – embora se deva reconhecer que o constrangimento causado por este telegrama, verdadeiro ou não, resultou em um diplomata muito competente ter sido obrigado a voltar a Washington.

Uma terceira categoria é o material que é diplomática e politicamente sensível e é definitivamente mais do tipo que um Governo não quereria publicado, mas que nenhum tribunal provavelmente proibiria. Estes incluem diplomatas americanos instruídos a espionar seus colegas da ONU; Príncipes Saudis exortando os americanos a atacar o Irã; a corrupção dos diferentes regimes, incluindo uma série de países árabes onde se diz que o conteúdo dos telegramas ajudou a inspirar as insurreições populares que depuseram os governos da Tunísia e do Egipto e que estão atualmente lutando para derrubar o regime na Líbia.

O teste para a censura prévia à publicação de segredos do governo é alta, tanto aqui quanto nos Estados Unidos, embora seja justo dizer que ela é mais desenvolvida na América, onde eles têm mais segredos e mais jornalistas.

No caso dos Papéis do Pentágono, o Desembargador Stewart da Suprema Corte  expressou que o teste era se a publicação deve “certamente resultar em dano direto, imediato e irreparável para a nossa Nação e seu povo.” Isto decorreu do caso de Near vs. Minnesota onde o Tribunal citou como exemplo de material que seria restringido como sendo “as datas de partida dos transportes ou o número e a localização de tropas.”

Pode ser que o telegrama sobre infraestrutura a que me referi anteriormente teria sido capturado por esse teste, mas eu suspeito que aquele sobre o Sr. Tsvangirai não o seria – por mais lamentável que sua publicação possa ter sido.

Tratar direito a saga do Wikileaks é a questão de saber se Julian Assange e o Wikileaks representam jornalismo. Alguns argumentaram que eles não têm direito à liberdade de imprensa garantida na Primeira Emenda, e muitos têm ido longe para tentar diferenciar Assange dos jornais que foram seus colaboradores na publicação do material.

E ninguém mais do que os próprios jornais. Em artigos publicados no New York Times e no The Guardian, explicando as experiências do jornal com Assange, ambos editores buscaram se distanciar de Assange e do WikiLeaks, explicitamente declarando que eles viam Assange como uma fonte e que lutariam para chamar o que ele fez de jornalismo. Escusado será dizer que as relações entre o Wikileaks e estes jornais está  esvaziada.

Mas há uma diferença?  O que significa “liberdade de imprensa” na era da Internet? Quando a Primeira Emenda foi ratificada, liberdade de imprensa significava a liberdade de panfletário, liberdade de cartazes com circulações medidas em centenas, se tivessem sorte.

Agora, qualquer um pode criar seu próprio blog na Internet e milhões de pessoas têm feito isso. Na verdade, você não precisa ir tão longe quanto isso – aqueles de nós que usam o Twitter estamos publicando, em muitos casos, a públicos extremamente grandes – as ruminações de Justin Bieber e Lady GaGa são lidas por milhões de pessoas (não mais pelo Soldado Manning, infelizmente).

Nos últimos anos, a tecnologia tinha feito da mídia um clube fechado. Você precisava de muito capital para publicar um jornal, você precisa de uma licença para ser uma empresa de radiodifusão. Havia barreiras consideráveis ​​à entrada no mercado de mídia.

A tecnologia de hoje demoliu essas barreiras. O Facebook e o Google entre si atingem bilhões de pessoas todos os dias – muito mais que qualquer barão da imprensa jamais poderia ter sonhado em ter como público. É a liberdade deles seja menos digna de proteção numa sociedade livre que o Sydney Morning Herald ou o Daily Telegraph?

E se assim fosse, isso significaria que se eu escrever uma opiniãoem minha página no Facebook ou no Twitter, ela é menos protegida do que se eu a escrevesse em uma carta a um jornal ou a imprimisse como um panfleto e a distribuísse a pessoa em pontos de ônibus?

A verdade é que a mídia deixou de ser uma loja fechada para ser um dos negócios mais vulneráveis ​​imagináveis. Rupert Murdoch estava sem dúvida pensando em várias de suas próprias propriedades, quando ele disse que a Internet destruirá mais negócios lucrativos do que ela criará.

O termo cidadão jornalista é frequentemente usado, mas em certo sentido todos nós que expressamos nossa opinião para outros lerem, e que é, provavelmente, o caso de todo esse público, estão fazendo a mesma coisa que os jornalistas fazem, mas geralmente sem pagamento. (Jornalistas diriam que o que eles fazem é por pouco pagamento, mas isso é outra história.)

Tem havido tentativas de articular um processo criminal contra Assange nos Estados Unidos com base no argumento de que ele conspirou com ou de outra forma induziu Bradley Manning a cometer o que, em seu caso, era sem dúvida, um crime. Nenhuma acusação foi feita e toda evidência de que dispomos (e que consiste em admissões online e uma sala de bate-papo pelo próprio Manning) sugere que sua transmissão dos materiais ao Wikileaks foi inteiramente de sua própria vontade.

Os motivos de Assange são relevantes? Eu não acredito que sejam muito, se é que são,  relevante juridicamente. Se boas intenções não são defesa – um jornalista que coloca escutas no telefone de um político para encontrar provas de corrupção ainda assim está violando a lei – eu não posso ver como maus motivos (um rancor pessoal) seriam pertinentes, com excepção a não ser no contexto de dolo em um caso de difamação .

Os motivos de Assange são muito relevantes, no entanto, de um ponto de vista político e moral.

Daniel Ellsberg vazou os Papéis do Pentágono, a fim de expor a enganação do Governo dos EUA sobre a Guerra do Vietnã e, com isso, destruiu sua própria carreira.

Ellsberg estava absolutamente ciente dos riscos ao liberar as informações, e sabia muito bem o significado do material que ele tinha, tendo o cuidado de não divulgar qualquer documento que pudesse revelar os esforços diplomáticos em curso para negociar um fim do conflito. [6] Ellsberg entendeu que alguns documentos deveriam, pelo menos por um período de tempo, permanecer em segredo. Ele também levou um tempo considerável pelos padrões de hoje para encontrar uma fonte confiável e adequada para que ele finalmente liberasse a informação.

Os motivos de Julian Assange não são tão claros. De acordo com Assange, “há uma questão de que qual tipo de informação é importante no mundo, que tipo de informação pode realizar a reforma. E há muita informação. Assim, as informações que as organizações estão fazendo esforço econômico para esconder, isso é um bom sinal de que quando a informação sair, há uma esperança de ela esteja fazendo algum bem. ” [7]

Há mais que um toque do anarquismo quando Assange diz: “A verdade não precisa de um objetivo político” [8] – um comentário um pouco hipócrita quando se considera como se tornaram secretas as da Wikileaks. Na verdade, assim como os governos apontam para seus inimigos para justificar seu segredo, também Assange aponta para seus inimigos para justificar a falta de transparência de sua própria organização.

Aqueles determinados a lidar de forma abrupta com Assange podem refletir que seu sucesso gerou muitos imitadores de organizações da mídia tradicional como a Al Jazeera, (cuja publicação dos “Papéis Palestinos”  adicionou combustível às revoltas no mundo árabe), e o New York Times a ONGs ativistas, assim como antigos funcionários do Wikileaks.

A capacidade da Internet de publicar instantaneamente uma vasta quantidade de material de uma forma que é praticamente impossível impedir a torna o meio perfeito para alguém determinado a divulgar essas coisas que outros querem manter em segredo.

E esta é uma lição fundamental para os governos aprender. Uma vez que a informação tenha saído do seu sistema seguro, ela raramente poderá ser recuperada, pois com o clique de um dedo, de um laptop ou um smartphone ou de um Internet café ela pode ser publicada para o mundo. O mundo da informação tornou-se binário – secreto em um segundo, universalmente disponível no próximo.

Então, o que estamos a fazer de Assange e seu site? Bem, creio ter deixado claro que, apesar de eu não o consider um criminoso, também não posso considerá-lo um herói. A inépcia dos seus detratores lhe deu glória maior e importância do que ele merecia, precisamente da mesma maneira que o ferro de Margaret Thatcher fará de Spycatcher um best-seller mundial. Melhor nestes casos é entrar no jogo, como fez o secretário Gates.

Haverá um impacto de médio prazo sobre a franqueza com que as pessoas falam com as autoridades americanas. Francamente, se eu fosse um cidadão americano, estaria menos indignado com Assange do que eu estaria com um Governo que pode permitir tamanha violação de segurança. Os Estados Unidos terão de demonstrar que mudaram seus modos, e isso não é tão difícil. A maioria das grandes organizações não permitirá o download de material para um meio externo, sem autorização expressa, conforme aqueles entre vocês que trabalham para as grandes empresas já devem saber.

E escusado será dizer que se um jovem Soldado pode copiar tanto material classificado por sua vontade própria, quão vulneráveis ​​são os sistemas americanos a operadores mais sofisticados, que tenham o respaldo e apoio técnico prestados por agências de inteligência estrangeiras.

Ficaremos para sempre, imagino eu, justamente irritados com a imprudência de receber e publicar tanto material confidencial. Até agora, parece que menos mal foi feito do que poderia ter sido o caso, mas os riscos são extraordinários e se apenas uma vida foi perdida; se apenas uma operação sensível foi comprometida, então a pesada responsabilidade deve caber a Assange.

Gostaria de ter a esperança de que as revelações no futuro sejam mais seletivas, mas é difícil de ser confiante.

A lição para os governos, além de melhorar a sua segurança, é assumir que tudo que é dito ou escrito, mais cedo ou mais tarde, verá a luz do dia. Isso pode não ser uma coisa boa, e certamente não torna a vida mais fácil, mas é, receio, uma realidade.

Os Governos, com mais a temer da divulgação são aqueles cujas declarações públicas estão em desacordo com as suas opiniões privadas – e, como disse anteriormente, até agora, parece, em seu favor, que os telegramas do Departamento de Estado dos EUA têm sido coerente com suas políticas públicas .


[1] Benkler “ A Free Irresponsible Press” forthcoming in Harvard Civil Rights – Civil Liberties Review p. 11

[2] Ibid at 12

[3] Bill, Keller, The Times’s Dealings With Julian Assange, New York Times,http://www.nytimes.com/2011/01/30/magazine/30Wikileaks-t.html

[4] Benkler, p.13.

[5] Gideon Rachman, America Should Give Assange a Medal, Financial Times,http://www.ft.com/cms/s/0/61f8fab0-06f3-11e0-8c29-00144feabdc0,s01=1.html#axzz1HxhrwLNg

[6] Christian Caryl, New York Review of Books, Why WikiLeaks Changes Everything,http://www.nybooks.com/articles/archives/2011/jan/13/why-wikileaks-changes-everything/

[7] Julian Assange, TED, Why the World Needs WikiLeaks,http://www.ted.com/talks/julian_assange_why_the_world_needs_wikileaks.html

[8] WikiLeaks, This Time It’s Different, The Economist,http://www.economist.com/node/17361416

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Publicado em http://www.malcolmturnbull.com.au/blogs/malcolms-blog/reflections-on-wikileaks-spycatcher-and-freedom-of-the-press-speech-given-to-sydney-university em 1º de Abril de  2011

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