Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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A Concepção do Grande Arquiteto do Universo no Rito Francês ou Moderno

Texto retirado do Boletim do Grande Oriente do Brasil n.º 3 – 4 – 5, do ano 86, 1961, E:. V:., págs. 68-78. Mantida a grafia original, menos quando houve claro erro de digitação.

A Concepção do Grande Arquiteto do Universo no Rito Francês ou Moderno

Conferência realizada no Salão Nobre do Grande Oriente do Brasil pelo Pod:. Ir:. Dr. Álvaro Palmeira, Gr:. Orad:. Da Sob:. Assemb:. Federal, em 6 de fevereiro de 1961 E:. V:.
Presidiu a sessão o Pod:. Ir:. Prefessor Altamiro Meireles Grilo, Gr:. Secr:. Geral do Grande Oriente.

Prezados Irmãos,


Agradeço vivamente ao estimado e culto Ir:. Dr. Tito Ascoli de Oliva Maia a solicitação, com que me distinguiu, para que participasse deste ciclo de conferências sobre o Rito Moderno ou Francês.
Os afazeres do mundo profano impediram-me de assistir às reuniões anteriores, em que os eminentes Irmãos Alfredo Nogueira da Costa e Oscar Pereira dos Santos versaram assuntos do maior interêsse. Lamentei não ter estado presente, tantas foram as referências elogiosas, de que tive notícias, sôbre o trabalho, que produziram, e do que me comprazi.
Hoje estou aqui, para atender ao vosso convite fraterno, apreciando o tema: “A concepção do Grande Arquiteto do Universo no Rito Moderno”. Diz-me o Ir:. Oliva Maia que fui eu quem escolheu o assunto. Não sei bem se assim foi. Todavia, êle é da mais alta importância e significado e merece o devido estudo por alguém capaz de fazê-lo, que não eu. O que ides ouvir é apenas uma pequena investigação de modesto estudioso de matéria maçônica.
1. Como se constituíram o Grande Oriente de França e o Rito Francês ou Moderno.
A Maçonaria introduziu-se na França, de modo permanente, em 1721. Nesse ano, constituíram-se as Lojas “Amizade e Fraternidade”, ao Or:. De Dunquerque e a “Perfeita União”, ao Or:. De Mons.
Em Paris, as primeiras reuniões maçônicas surgiram em 1725. Criaram-se até 1732 quatro Lojas: a do Lord Carlos Radcliff, a do lapidário Gustand, a “São Tomaz” de André-François Lebreion e a Loja d’Aumont, do duque desse nome. Na época (e ainda muitos anos depois) quem criava Loja era seu Venerável perpétuo.
Em 1738 os membros dessas quatro Lojas parisienses reuniram-se em conjunto e elegeram um Grão-Mestre, o duque d’Antin, aclamando no castelo d’Aubigny, em 24 de junho, como “Grão-Mestre Geral e Perpétuo dos Maçons no Reino da França”. Em 1743 esses maçons das quatro Lojas deliberaram constituir um órgão geral, que denominaram Grande Loja Inglesa da França, sob a direção do conde de Clermont, que sucedera a d’Antin; era como uma Grande Loja Provincial, se bem que Londres não lhe outorgasse Carta Constitutiva.
Essa Grande Loja publicou as “Ordenações Gerais”, que eram uma adaptação do “Livro das Constituições”, de Anderson, que a Grande Loja de Londres, em 1723, solenemente aprovara; e, como esta, também só admitiu a Maçonaria de três graus.
Em 1758 a Grande Loja Inglesa de França suprimiu a expressão “Inglesa” e tornou-se a Grande Loja de França (1). Na época, cada Loja praticava o Rito, que entendia. Em 1761 criou-se o Rito Francês, de três graus, num esfôrço para dar unidade maçônica à França.
O conde de Clermont morreu em 1771, sucedendo-lhe Sua Alteza Sereníssima Luiz-Felipe de Orléans, duque de Chartres, conhecido na História como Felipe-Egalité, o qual nomeou como “administrador geral” o duque de Luxemburgo, que foi um maçom extraordinário.
O duque de Luxemburgo fez reunir, em Paris, no hotel de Chaulnes, entre 5 de março e 26 de junho de 1772, os maçons franceses, em 15 assembléias solenes, de que resultou a unidade e a soberania da Maçonaria francesa, com a criação de uma autoridade central: o Grande Oriente de França, sendo entronizado Grão-Mestre o duque de Chartres.
Foi o duque de Luxemburgo quem estabeleceu a “palavra semestral”, para reconhecimento da regularidade.
A nova potência, ao libertar-se da hegemonia inglesa, constitui oficialmente em 24 de dezembro de 1772 o Rito Francês e o proclamou em 9 de março de 1773, com a instalação de suas três câmaras. Convém esclarecer que a adoção do Rito Francês não impedia o exercício de outros Ritos no seio do Grande Oriente de França, como ainda hoje se procede, através do Grande Colégio dos Ritos da aludida Potência.
Felipe de Orleans, em nome da ortodoxia maçônica, entendeu de coibir a proliferação dos Altos Graus. Querendo discipliná-los, nomeou em 1774 uma Comissão, para que estudasse todos os sistemas conhecidos, inclusive o Francês, e compusesse um novo Rito, que fôsse uma síntese do que houvesse de melhor. Na época, praticavam-se 11 Ritos na França, com variado número de graus, quase todos baseados no capricho ou na vaidade e até na política, do que se originavam grandes abusos.
A comissão compunha-se dos Irmãos: Bacon de la Chevalerie, o conde de Stroganoff, o barão de Troussaint, e outros. Depois de longos estudos, a Comissão concluiu pela oposição a todos os Altos Graus. O Grande Oriente aceitou a drástica conclusão e dirigiu, em 3 de agosto de 1777, uma Circular a todas as Lojas subordinadas, declarando só admitir os três graus do simbolismo.
Os partidários dos Altos Graus levantaram grande protesto e abriram tenaz campanha, compelindo o Grande Oriente a reabrir o assunto em 1782, com a criação de uma Comissão Especial, sob o título de Câmara de Ritos. Essa Comissão trabalhou mais de cinco anos e apresentou em 1786 ao Grande Oriente um projeto de reforma, composto de 7 Graus, sendo três simbólicos e quatro Altos Graus (“Quatro Ordens do Grande Oriente de França”) (2), projeto que foi aprovado por unanimidade e imediatamente pôsto em prática, mantido o mesmo título de Rito Francês, porque fôra apenas ampliado. A inovação, entretanto, fê-lo conhecido também pelo nome de Rito Moderno.
Observa-se a data: 1786, isto é, o mesmo ano em que Frederico da Prússia estabelecia o Rito Escocês Antigo e Aceito de 33 graus.
A Inglaterra nada objetou a Frederico II da Prússia. Entretanto, porque era maçônicamente inamistosa com a França (e também o era politicamente), declarou-se contra os quatro Altos Graus criados pelo Grande Oriente e proscreveu a Maçonaria
francesa no que foi acompanhada pela Holanda, Dinamarca e Rússia. O motivo era desconcertante: os partidários da Maçonaria de três graus consideravam afrontosa a criação de mais quatro e os detentores de Altos Graus traduziram essa criação como uma profanação e um acinte, por se apresentar condensada a Maçonaria Filosófica em apenas quatro graus. Entre êsses dois fogos, os maçons franceses, que adotavam o novo sistema, foram impedidos do direito de visitação.
O Grande Oriente de França enfrentou, porém, com êxito, a oposição levantada. Com o tempo, o Rito espalhou-se por tôda a França e suas possessões e implantou-se na Bélgica, Suissa, Portugal, Brasil e Espanha.
2. Os antigos Rituais do Rito Francês ou Moderno de 7 Graus, conforme a reforma litúrgica de 1786.
O Rito Francês ou Moderno de 7 Graus existe desde 1786; tem a mesma idade do Grande Colégio do Ritos do Grande Oriente de França, cuja origem remonta à mesma data. Houve, porém, em 1877 a reforma da Constituição do Grande Oriente, a qual impôs a reformulação dos Rituais o que foi feito em 1886.
O Rito Francês ou Moderno de 7 Graus tem, assim, duas fases e elas são totalmente diversas: a primeira, de 1786 até 1877 (quase um século); e a segunda, de 1877 até o presente.
Os Rituais da primeira fase são totalmente deístas. Os Estatutos de 1742 declaram: “Ninguém será recebido na Ordem sem que tenha prometido e jurado afeição inviolável à Religião, ao Rei e aos costumes”. Às vésperas da Revolução muitas Lojas têm por veneráveis: abades, cônegos, oratórianos, beneditinos, cistercenses. Havia Lojas compostas exclusivamente de membros do clero, como a “Perfeita União” de Rennes e a “Amizade Comprovada”, de Narbonne. A Constituição do Grande Oriente de França, de 1849, em seu artigo1.º § 2.º proclamava como princípio fundamental da Maçonaria a crença em Deus e a imortalidade da alma.
Analisemos, rapidamente, esses Rituais da primeira fase. Tenho comigo a 5.ª edição do “Manual da Maçonaria”, de André Cassard, vindo à luz nessa época (1867), em Nova York. No tomo 2.º se lêem as passagens, bem expressivas, que vamos transcrever.
No catecismo do 1.º grau:
Pergunta – Que significa a luz ?
Resposta – O emblema de todas as virtudes e o símbolo do Gr:. Arq:. Do Universo.
P. – Como fostes introduzido em Loja ?
R. – Por três grandes golpes.
P. – Que significam esses golpes ?
R. – Correspondem às três palavras do Evangelho: pedi e obtereis; buscai e encontrareis; tocai e se vos abrirão.
P. – Como estáveis, quando fizestes o juramento ?
R. – Em um quadrado perfeito: tinha o pé esquerdo descalço, o joelho direito desnudo, a mão direita sôbre a Bíblia, etc.
P. – Lembrai-vos da obrigação ?
R. – Sim, Venerável Mestre.
P. – Começai, pois.
R. – Eu, F., de minha livre e espontânea vontade, prometo e juro solenemente, ante o Grande Arquiteto do Universo, etc.
Na página 14 o catecismo diz que a “sabedoria está em Deus”.
No catecismo do 2.º grau assegura-se que “a fôrça está em Deus”, a Loja é dedicada a São João de Jerusalém e a Estrêla Flamígera é o centro de onde derivou a Verdadeira Luz.
No catecismo do 3.º grau, vê-se a tumba de Hiram, o ramo de acácia e repete-se que a Loja é consagrada a São João. O compromisso é prestado de joelhos, as mãos sôbre a Bíblia e em presença do Gr:. Arquiteto do Universo; termina com a expressão: “Assim Deus me ajude”. É contada tôda a lenda de Hiram e ensinam-se os Cinco Pontos Perfeitos da Maçonaria. Aconselha-se: “O coração do Maçon deve ser puro, para formar com êle um Templo, agradável a Deus”. Faz-se nesse grau a descrição do Templo de Salomão. O Evangelho constitui uma das três joias da Loja e significa a Verdade.
No grau 4: a Loja chama-se Conselho e se persevera na descoberta dos assassinos de Hiram.
No grau 5: a Loja é a Abóboda Secreta. Ela contém o Delta precioso, achado após a morte de Hiram.
No grau 6: a Loja tem três peças e busca-se a reedificação do Templo do Gr:. Arq:. Do Univ:.
Todos êsses graus são profundamente religiosos e servem de preparação no sétimo.
No grau 7:
P. – Que horas São?
R. – “A hora em que foi desgarrado o véu do Templo, as trevas se estenderam por toda a Terra; foram espedaçadas as colunas e as ferramentas da Maçonaria; em que se ocultou a Estrêla Resplendente, a pedra cúbica porejou sangue e água e a Palavra se perdeu”.
Os Cavaleiros vão procurar a Palavra Perdida, que é o mesmo tetragrama do escocismo. Ao encerrar-se o Capítulo, a pedra cúbica se transformou em Rosa Mística. Notem-se ainda: o sinal de Ordem é o Bom Pastor e a cerimônia da Ceia repete o Rito Escocês.
Tudo isso se lê no trabalho de Cassard, editado em 1867. É curioso, porém, que dois autores modernos, os IIr:. Frau Abrines e Arus Arderiu, no tomo III do seu “Diccionário Enciclopédico de la Masoneria”, edição de 1947, pág. 593, afirmem que o 1.º grau do Rito Francês ou Moderno “conduza o neófito `a admiração e ao reconhecimento do Gr:. Arq:. Do Univ:.”, conforme ensina Ragon, no Ritual de Aprendiz. A Loja abre-se sob os auspícios do Gr:. Arq:. do Univ:., de quem se invoca a bênção para os trabalhos, com uma prece. No Testamento há, entre outras, esta pergunta: “Que deve o homem a Deus?” e o discurso do Orador constitui um hino de graças.
Frau Abrines e Arus Arderiu parecem desconhecer a reforma de 1877. Tudo quanto dizem nos nossos dias é o Rito Francês ou Moderno em sua primeira fase.
No grau 2, por exemplo, o companheiro viu a Estrêla Flamígera e soube que há cinco beneméritos da humanidade: Solon, Sócrates, Licurgo, Pitágoras e INRI.
No grau 3 admitem-se questões filosóficas e teológicas, e as ciências ocultas, que tratam da transformação dos corpos e da imortalidade da alma, conforme Ragon, no Ritual
do 3.º grau. Ainda no 3.º grau, ao responder à conhecida pergunta, diz o Mestre: “a acácia me é conhecida” (pág. 604). A Estrêla Flamígera encerra-se dentre de um triângulo, com a letra G no centro. Conta-se a história de Hiram e os Mestres perseguem “a Verdade Eterna” (pág. 606).
Os graus 4, 5 e 6 mantém a mesma orientação, já assinalada em Cassard, bem como o grau 7. Há, nesse último, as colunas: Fé, Esperança e Caridade e a Palavra Perdida é o tetragrama do escocismo.
Os IIr:. Abrines e Arderiu não levaram em conta a reforma de 1877. Repita-se, porém, que seu Dicionário Enciclopédico é de nossa época e traz até a inovação recentíssima do grau 8: Kadosch Perfeito Iniciado, conforme se lê a pág. 808 do tomo III.
3. Os novos Rituais, isto é, os Rituais da segunda fase, após a reforma da Constituição do Grande Oriente de França, em 1877. Os debates da reforma.
O Grande Colégio dos Ritos não era, nem é, soberano. Em 1877, a Assembleia Geral do Grande Oriente de França decidiu suprimir o preceito até então proclamado como o princípio fundamental da Maçonaria: a crença em Deus e a imortalidade da alma. Essa supressão, vitoriosa, obrigou o Grande Colégio dos Ritos a reformular os Rituais, o que só ocorreu em 1886, porque foram muitas as resistências a vencer. A supressão daquele princípio fundamental produziu o abandono da fórmula: “A Glória do Grande Arquiteto do Universo”, bem como à retirada da Bíblia do Altar dos Juramentos.
A Constituição do Grande Oriente de França, após a reforma de 1877, estabelece em seu art. 1.º, depois de definir os objetivos e princípios da Instituição: “A Franco-Maçonaria, considerando que as concepções metafísicas são do domínio exclusivo da apreciação individual de seus membros, recusa-se a qualquer afirmação dogmática”.
Em homenagem ao Grande Oriente de França, convém deixar bem claro os motivos por que ele operou essa reforma. Sua atitude não traduziu, como poderia parecer, reação ao Sillabus, o código de intolerância do Papa Pio IX, decretado em dezembro de 1864. (3).
O Grande Oriente não passou da posição deísta para a posição ateia.
Absolutamente. Não se impunha ateísmo a ninguém. O voto n.º 9, em virtude do qual a Assembleia suprimiu aquela afirmação dogmática de crença em Deus e na
imortalidade da alma, tem a sua genuína interpretação nos Boletins do Grande Oriente de França, dos anos de 1876 e 1877 (4).
No Boletim de 1876, a pág. 373, se lê:
“Só a má fé pode assimilar a supressão, que se pretende, a uma negação da existência de Deus e da imortalidade da alma. Pleiteamos, sim como bases exclusivas da Franco-Maçonaria a solidariedade humana e a liberdade de consciência, mas essas bases comportam a crença em Deus e em uma alma imortal, tanto quanto autorizam o materialismo, o positivismo ou qualquer outra doutrina filosófica”. (5).
No mesmo Boletim de 1876, a pág. 378, se diz: “A Franco-Maçonaria não é deísta, nem ateia, nem mesmo positivista. Como instituição, afirmando e praticando a solidariedade humana, ela é estranha a todo dogma e a todo e qualquer credo religioso. Ela tem por princípio único o respeito absoluto à liberdade de consciência.
Em matéria de fé, ela não afirma nem nega. Ela respeita, de modo igual, todas as convicções, doutrinas e crenças sinceras. Assim, as portas de nossos Templos se abrem diante do protestante, como diante do católico, diante do muçulmano como diante do cristão, diante do ateu como diante do deísta, desde que sejam homens de bem”.
A página 380 do mesmo Boletim de 1876 se acentua:
“Nenhum homem inteligente e honesto poderá dizer seriamente que o Grande Oriente de França quis banir de suas Lojas a crença em Deus e na imortalidade da alma, quando, ao contrário, em nome da liberdade absoluta de consciência, ele declara solenemente respeitar as convicções, as doutrinas e as crenças de seus membros. Nós não afirmamos nem negamos nenhum dogma, para nos mantermos fiéis aos nossos princípios e à prática da solidariedade humana. Se convém aos Grandes Orientes estrangeiros nos caluniar, deturpando nossos pensamentos e desnaturando nossos sentimentos, que o façam: são livres”.
Em 1877, quando a Assembleia ainda debatia o assunto, proclamava-se (Boletim, pág. 243):
“Deixemos aos teólogos o cuidado de discutir os dogmas. Deixemos às igrejas totalitárias o cuidado de formular os Syllabus. Mas que a Maçonaria se torne o que deve ser: uma instituição aberta ao progresso, a tôdas as idéias morais e elevadas, a tôdas as aspirações largas e liberais. Que ela não desça jamais à arena ardente das discussões
teológicas, que não têm trazido senão dissenções e perseguições. Que ela se guarde de querer ser uma Igreja, um Concílio, um Sinôdo! Porque tôdas as Igrejas, Concílios e Sinôdos têm sido violentos e perseguidores, porque o dógma é, por sua natureza, inquisidor e intolerante. Que a Maçonaria paire, pois, majestosamente, acima de tôdas as questões de igrejas ou de seitas; que ela sobreleve, do alto, tôdas essas discussões; que ela se torne o vasto abrigo, sempre aberto a todos os espíritos generosos e bravos, a todos os perquiridores conscienciosos e desinteressados da verdade, a tôdas as vítimas, enfim, do despotismo e da intolerância”.
A Moção, que adotou o voto n.º 9, supressivo, consta, finalmente, a fls. 248 do Boletim de 1877: “A Assembléia, considerando que a Franco-Maçonaria não é uma religião, não pode, por conseqüência, afirmar em sua Constituição doutrinas ou dogmas”. (6).
O texto aprovado estabelecia: “A Franco-Maçonaria, instituição inteiramente filantrópica e progressista, tem por objetivo a procura da verdade, o estudo da moral universal, das ciências e das artes e o exercício da beneficência. Tem por princípios a liberdade absoluta de consciência e a solidariedade humana. Não exclui ninguém por suas crenças. Tem por divisa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, (“Les Francs-Maçons”, de Serge Hutin, ed. 1960, pág. 109, coleção “LeTemps qui court”). É curioso assinalar-se que a aprovação se deu, após um discurso muito aplaudido do Ir:. Desmons, que não era livre pensador, mas um pastor protestante.
Prestemos, assim, estimados Irmãos, homenagem aos maçons francêses de 1877, que não operaram a supressão, movidos por espírito de combate às concepções espiritualistas ou cristãs. Absolutamente.
Ainda no Boletim de 1877, pág. 382, o Conselho da Ordem, em sua sessão de 24 de novembro, mais uma vez esclarecida:
“Modificando um artigo de seus Estatutos, o Grande Oriente de França não pretendeu fazer profissão de ateísmo ou materialismo, como se poderia crer. Nada mudou, nem nos princípios nem nas práticas da Maçonaria. A Franco-Maçonaria francesa permanece o que sempre foi: uma Maçonaria fraterna e tolerante. Respeitando a fé religiosa e as convicções políticas de seus adéptos, ela deixa a cada um, nessas delicadas questões, a liberdade de consciência. Visando ao aperfeiçoamento moral e intelectual dos homens e seu bem estar, ela só exige àqueles que querem se admitidos em seu seio,
sentimentos de honra e de amor ao bem, para que possa cooperar ùltilmente na obra do progresso e da civilização”.
O Grande Oriente de França suprimiu a afirmação dogmática, pelo respeito à liberdade de consciência de seus membros. Uma grande prova de tolerância, deu-a o mesmo Conselho da Ordem, quando, doze anos mais tarde, em 1899, em sua sessão de 28 de outubro, afirmou com superioridade (Boletim, pág. 455):
“É preciso, para transpor os umbrais dos Templos maçônicos da América do Norte, fazer uma profissão de fé deista. Nós não somos neles recebidos. Tem-se pedido que o Grande Oriente use de reciprocidade, em relação aos maçons americanos, mas não entra em nosso caráter e em nossos princípios partilhar as idéias de intolerância de nossos irmãos da América; eis porque nós os acolhemos, quando êles nos procuram”.
Conclúo aqui as citações dos Boletins oficiais do Grande Oriente de França. Parece-me plenamente fixado o motivo, que ditou reforma constitucional de 1877, o que iria determinar a revisão dos Rituais, até então vigentes.
É evidente desnecessário a maçons do Rito Francês ou Moderno dizer quais são as principais características de seus Rituais atuais, isto é, os Rituais da segunda fase, derivados da reforma da Constituição do Grande Oriente de França, em 1877. Todavia, em atenção ao desenvolvimento didático dêste trabalho, acentuarei:
No grau 1. O juramento é sôbre a Constituição; o candidato não ajoelha. Define-se a Maçonaria como uma instituição, cujos princípios são: a Tolerância, o Respeito Mútuo e a Liberdade de Consciência. Sua divisa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Não há Bíblia, nem outro L:. S:., nem preces, nem se invoca o Grande Arquiteto do Universo.
No grau 2. Faz-se a glorificação do trabalho, mas a letra G é gravitação, gênio, geometria, e a Estrêla Flamejante simboliza a estrêla polar ou o astro do livre pensamento.
No grau 3. A acácia não é a imortalidade. Ela significa que a vida tira seus elementos da morte e lembra a renovação social pela liberdade, que sucede à opressão.
No grau 7. Não há referência e Jesus. A Palavra Perdida é a trilogia da Revolução Francesa.
Nos Rituais especiais, o mesmo sentido agnóstico:
na inauguração do Templo, invoca-se a Verdade, a Razão e a Justiça;
na confirmação do casamento, considera-se a cerimônia como um contrato, visando a perpetuação da espécie;
na pompa fúnebre: não há afirmação da imortalidade do espírito, nem a invocação do Grande Arquiteto do Universo. E se diz que “o corpo, que morreu, vai contribuir ao desenvolvimento da vida vegetal”.
Nos Rituais vigente do Rito Francês ou Moderno não há liturgia, porque não há cerimônia religiosa. Os Ritos podem compreender cerimônias religiosas e não religiosas. Segundo Jules Boucher, em seu conhecido livro “La Symbolique Maçonnique”, Rito é, em Maçonaria, “a codificação de certas cerimônias. É o cerimonial”.
Nos seus Rituais vigentes, O Rito Francês ou Moderno é um Rito, sem as práticas religiosas de um culto. Seus Rituais contém as regras ou preceitos, com os quais se realizam as cerimônias e se comunicam os SS:., TT:. e PP:. e demais instruções secretas dos graus.
4. Tinha a reforma de 1877 direito ao acatamento dos maçons do Rito, fóra da França?
Responde-se pela negativa. Demais, é preciso distinguir entre Ritos e Corpos Superiores Administrativos, que exercem o poder da Instituição em cada país. O Rito é independente do Poder.
A reforma de 1877 foi feita pela Assembléia Geral do Grande Oriente, não pelo Corpo Litúrgico. Êsse, em virtude da reforma constitucional, foi compelido a reformular os Rituais.
Evidentemente, a reforma só obrigava aos maçons franceses do Rito. Não aos maçons do Rito fora da França. Isso porque nenhuma Potência Administrativa ou Simbólica é dona de um Rito. Só a Potência Filosófica pode alterar os Rituais.
Entretanto, em verdade, pelo antigo prestígio político da Nação Francêsa, todos os Grandes Orientes, em que se praticava o Rito, inclusive o Grande Oriente do Brasil, acompanharam sem discrepância o Grande Oriente de França.
Há ainda uma aspecto a considerar. No Rito Escocês Antigo e Aceito realizam-se Congressos quinquenais dos Soberanos Supremos Conselhos, para disciplinar o Rito.
No Rito Francês ou Moderno jamais se reuniram os Corpos Litúrgicos Superiores dos vários países, para debater quaisquer assuntos de interêsse geral; de modo que cada Corpo Litúrgico é soberano para os maçons de sua alçada.
O nosso Muito Pod:. e Subl:. Grande Capítulo do Rito Moderno poderia repor, se o quisesse, os Rituais, conforme à sua fonte primitiva. Não só em virtude de sua soberania imanente, em matéria litúrgica, no Brasil, como também porque o nosso Grande Capítulo é anterior à reforma de 1877; êle foi fundado em 1842 sob o nome de Grande Capítulo Geral dos Ritos Azuis, tomando o nome de Grande Capítulo do Rito Francês ou Moderno em 23 de novembro de 1874.
5. É improcedente, por falsa, a arguição de irregularidade ao Rito Moderno ou Francês.
Não tem base nenhuma a imputação de irregularidade ao Rito Francês ou Moderno.
A Grande Loja Unida da Inglaterra rompeu com o Grande Oriente de França, após a reforma de 1877 (sempre a oposição inglêsa!), considerando o Grande Oriente Potência atéia, por possuir um Rito Oficial, que não exige a crença no Gr:. Arq:. do Universo. Igual procedimento tiveram as Grandes Lojas dos Estados Unidos da América do Norte. A atitude inglêsa tem raízes no velho imperialismo maçônico e frutificou, por que ingleses e americanos, na maioria protestantes, sentem-se bem em Maçonaria com o dógma e a Bíblia.
Entretanto, essa exigência do dógma é, maçônicamente, impertinente e falsa, por não se assentar nos postulados do “Livro das Constituições”, de Anderson, aprovado e promulgado pela Grande Loja de Londres, em 1723.
Como sabemos, o “Livro das Constituições” sanciona oficialmente o novo aspecto especulativo e universal, assumido pela antiga Maçonaria. Por êles se dá à Maçonaria reorganizada em 1717 seus Estatutos fundamentais. O trabalho de Anderson passou a constituir a base do Direito Internacional Maçônico. Os landmarques derivam dêsse trabalho.
A primeira edição foi aprovada, promulgada e impressa em 1723. É a edição princips. “Em 1738, porém, Anderson publicou uma segunda edição de seu Livro, dando um extrato dos atos da Grande Loja até aquela data, especialmente as decisões
referentes a acréscimos e emendas às velhas regras; com o escôpo de aclarar, condensar e corrigir, alterou a fraseologia dos Antient Charges; e, posto que sua obra fôsse aprovada pelos Grandes Oficiais, diz-se que a Grande Loja recusou sancionar essa nova redação, permanecendo a da primeira edição como versão verdadeira” (vide “Astréa”, ano II, n.º 1, pág. 15).
A versão primitiva de 1723 é ainda hoje a reconhecida ortodoxa pela própria Grande Loja Unida da Inglaterra e por tôda a Maçonaria anglo-saxonia. É o suporte doutrinário dessas Potências e é a Carta reconhecida por todos os maçons regulares em todos os países.
Lá está, no art. 1.º dos “Deveres dos Maçons – Concernente a Deus e à Religião”:
“Um maçon é obrigado a obedecer à Lei Moral; e se êle bem entender da Arte, nunca será um ateu estúpido nem um irreligioso libertino. Posto que nos tempos antigos, os MM:. tivessem a obrigação de seguir a religião do próprio país ou Nação, qualquer que ela fôsse, presentemente julgou-se mais conveniente obrigá-lo a praticar a religião, em que todos os homens estão de acôrdo, deixando-lhes plena liberdade às convicções particulares. Essa religião consiste em serem bons, sinceros, honrados, de modo que possam ser diferenciados dos outros. Por êsse motivo, a Maçonaria é considerada como centro de união e faculta os meios de se estabelecer leal amizade entre pessoas que, sem ela, não se conheceriam” (“Astréa”, acima citada, pág. 16: “Pequena Enciclopedia Maçônica”, de Otaviano Bastos, 1ª. Ed., 1929, págs. 197-198; “Les Francs-Maçons”, de Serge Hutin, ed. 1961, págs. 64-65).
Note-se: a Lei Moral Maçônica impede que o ateu se torne estúpido e libertino o irreligioso.
Como se vê, Anderson impôs condições morais, não condições espirituais. Êle fazia, realmente, da liberdade de consciência o fundamento da Ordem Maçônica.
A segunda edição, porém, do “Livro das Constituições”, quinze anos mais tarde (1738), inovou: pretendeu estabelecer a necessidade de crer na existência de um Deus Pessoal. Eis o famoso texto modificado:
“Se bem que nos tempos antigos os maçons fossem obrigados a submeter-se aos usos cristãos de cada país, êles são hoje obrigados a conforma-se à Lei Moral, como um
verdadeiro noaquita”. Em outras palavras: o noaquita ou noaquida é o descendente do Noé ou, genèricamente, todo aquele que observa escrupulosamente os preceitos determinados por Deus a êsse patriarca, após o dilúvio.
Essa 2ª. Edição do “Livro das Constituições” pretendia destarte impor uma formação religiosa ao maçom. Anderson e seu grande colaborador Desaguliers eram presbiterianos. Por isso, o retôrno à religiosidade pôde buscar inspiração no Velho Testamento, quando o mais espontâneo seria inspirar-se nas Antigas Obrigações (Old Charges) da Maçonaria inglêsa e nos Regulamentos dos Maçons operativos do continente (trabalhadores de pedra da Alemanha e de Veneza, por exemplo), que eram essencialmente católicos. Êsse aspecto de parcialidade religiosa, sem dúvida, influiu no abandono da 2ª. Edição do “Livro das Constituições”. Eram duas correntes religiosas, que se defrontavam: basta lembrar que Miguel Ramsay, da Escócia, católico, discípulo de Fenelon, pretendeu em 1728 lançar os fundamentos de uma nova Maçonaria e evitou qualquer contacto com Anderson e Desaguliers, por serem êsses protestantes.
Nada existe, pois, no texto vigente do “Livro da Constituições” de Anderson, que justifique a imputação de irregulidariedade, que se assacou ao Rito Francês ou Moderno, após a reforma de 1877.
E mais: os Ritos deístas estabeleceram, com o correr dos tempos um conjunto de requisitos ferais e especiais (êsses para graus simbólicos), necessários à regularidade maçônica. O Rito Francês ou Moderno satisfaz a tôdas essas exigências, absolutamente tôdas, salvo a adoção do símbolo do Grande Arq:. Do Univ:. e o uso consequente do L:. S:. sôbre o Altar dos Juramentos, como veremos; o Rito emprega Sinais, Toques e Palavras para cada grau; desenvolve as cerimônias por meio de fórmulas misteriosas e emblemáticas dentro dos Templos, com símbolos da construção universal; usa no 1.º grau o Gabinete de Reflexões para o neófito, desenvolve na iniciação o cultivo da Moral, da Fraternidade e da Tolerância e explica as viagens simbólicas; no 2.º grau glorifica, na cerimônia iniciática, o trabalho, e o emprêgo das respectivas ferramentas e o aprimoramento das ciências e das artes ; no 3.º grau adota a Lenda de Hiram e a sua analogia com o princípio científico de que a vida nasce da morte.
Tudo isso se contém nos três graus simbólicos do Rito Francês ou Moderno. Só não há nele a afirmação dogmática. Evidentemente, assim é, porque o Rito é agnóstico, o que aliás não contraria o cânone, já citado, do Livro das Constituições de Anderson,
solenemente aprovado como codificação da Lei Maçônica, em 17 de janeiro de 1723, pelos maçons inglêses, e ainda hoje obedecido em todo o mundo maçônico regular.
Demais, os Ritos deístas, que no caso importam, são o Rito Escocês Antigo e Aceito e o Rito de York, cujas raízes estão, respectivamente, no cristianismo e no mosaismo. É clara impertinência êsses Ritos estabeleceram regras de regularidade para qualquer outro sistema, erguido sôbre outros fundamentos. (7).
Há ainda uma terceira ordem de considerações. O Rito Francês ou Moderno, como é hoje praticado, continua observando todos os landmarques da Ordem, isto é, a súmula dos Preceitos Tradicionais ou a Regra Tradicional da Maçonaria, inspirada no Livro das Constituições.
No decorrer do tempo, várias têm sido as compilações dos landmarques. A mais conhecida é de Alberto Machey, autor da famosa “Enciclopedia da Franco-Maçonaria”. Machey era de Charleston, Estados Unidos. Professou o Rito de York e foi amigo dileto do Ir:. Pike, autor de outro livro famoso: “Moral e Dógma do Rito Escocês Antigo e Aceito”.
Os landmarques, compilados por Machey, incluem preceitos relativos ao Grão-Mestrado e, naturalmente por ser êle deista, os relativos ao Gr:. Arq:. do Univ:., à imortalidade da alma e ao L:. da L:. Se excluirmos aquela matéria não pertinente ao Rito e esta, que é dogmática e não exigida por Anderson, todos os demais landmarques tradicionais continuam observados pelo Rito Francês ou Moderno. Senão, vejamos: os processos de reconhecimento, a divisão da Maçonaria em três graus, a lenda de Hiram, a congregação dos maçons em Loja, o govêrno da Loja por um Venerável e dois Vigilantes, a Loja estará a coberto quando reunida, os direitos de representação e de recurso assegurados aos irmãos, o direito de visitação, a trolha ao visitante desconhecido, a proibição de uma Loja se imiscuir em assuntos de outra ou conferir grau a irmão de outra Loja, a submissão do maçom à lei maçônica de seu Oriente, sómente homem o candidato à iniciação, sendo isento de defeitos físicos, livre e maior; a igualdade dos maçons em Loja, não influindo a situação profana; o conservação secreta dos SS:., TT:. e PP:. e o uso dos símbolos como fontes de ensinamento moral.
Tudo isso está nos landmarques da Ordem. Tudo isso está também no Rito Francês ou Moderno. Onde a sua irregularidade?
6. Conviria ao Rito Francês ou Moderno voltar, no brasil, aos Rituais primitivos, isto é, aos Rituais deístas?
O Muito Pod:. e Subl:. Gr:. Cap:. do Rito Moderno poderia, se o quisesse, repudiar os atuais Rituais e adotar os anteriores à reforma de 1877, revisando-os ou não. A Oficina-Chefe de Rito, no Brasil, tem poderes para tanto. É mandatária exclusiva do Rito no Brasil.
Penso, porém, que não deve fazê-lo. É preciso que a Maçonaria mantenha a porta aberta para todos os homens livres e de bons costumes, sejam crentes ou não.
Em minha opinião pessoal, O Rito Moderno deve continuar com o seu caráter agnóstico.
Há tempos, em uma conferência no Oriente de Juiz de Fora, no Templo da Gr:. Ben:. Caridade e Firmeza, proferi estas palavras, que definem meu pensamento:
“Existem pessoas, notoriamente nobres e dignas, que entretanto não atingem o Gr:. Arq:. do Universo.
Não falo só dos que permanecem aprisionados e entediados no ceticismo; refiro-me também aos que investigam e procuram a solução de seus anseios filosóficos e religiosos e não o decifram; aludo ainda aos que procuram Deus com os cinco sentidos na Natureza, e não no íntimo do coração, e por isso não O acham; reporto-me por igual aos que não podem aceitar a imanência, em vez da contingência, àqueles cujo espírito rejeita a intuição e quer lógica. Esses constituem a imensa massa dos inconformados com a contradição da Vida e não podem conciliar as dores e as injustiças do mundo com a onipotência e a bondade de Deus. Surpreende-os a presença do Mal na Terra: um mistério, muitas vêzes triunfante, e o Bem espezinhado.
Êsses homens positivos, realistas e pragmáticos não encontram a resposta transcendente, porque teológicamente a humanidade se acha em estado peregrinal, êles, porém, precisam receber também fraterna acolhida na Maçonaria, por serem, consigo próprios, honestos e coerentes. Há, sem dúvida, merecimento no incréu que faz o bem pelo bem, sem esperar a recompensa de Deus, que êle não alcança, e sem temor do inferno, que êle desconhece. Concordo com aqueles que afirmam que o homem bom, crente ou não, sempre encontrará, no fim da jornada, a Deus, que o espera.
Só o Rito Moderno pode receber a todos os homens bons, crentes ou não. Êsse Rito é o único sistema de caráter agnóstico existente na Maçonaria Universal. Êle observa uma atitude rigorosamente abstencionista, em face de tôda crença, como de tôda crença. Êle não inclui, em sua doutrina, as exigências dogmáticas do Gr:. Arq:. do Univ:. e da imortalidade da alma. Perante essas categorias máximas da metafísica humana, o Rito, como instituição, passa de largo, sem conhecê-las, deixando-as à apreciação da consciência individual de cada um. Essa atitude abstencionista, que não é atéia, permite que trabalhem, sem constrangimento, nas Lojas do Rito Moderno, maçons deístas, ao lado de maçons agnósticos e de não crentes”.
Com estas palavras, pronunciadas no Oriente de Juiz de Fora, procurava exaltar a afirmação de Tolerância do Rito Moderno, que se situa na vanguarda da Maçonaria, porque proclama a sua universalidade, acima de tôda opinião, crença ou filosofia. (8).
Lamartine, que não era Maçom, mas admirava a Ordem, escreveu em 27 de setembro de 1858 aos irmãos da Loja Maçon estas palavras: “Na minha opinião, sois os grandes ecléticos do mundo moderno; escolheis em todos os sistemas, em tôdas as filosofias, os princípios evidentes, eternos e imutáveis da moral universal e com êles erigis a regra infalível e unânime da fraternidade. Repelis tudo quanto divide os espíritos, professais tudo o que une os corações, sois os construtores da concórdia. Vossos instrumentos de trabalho põem o cimento da virtude nos fundamentos da sociedade”. (Serge Hutin, op. Cit., pág. 27).
O grande escritor dirigia-se aos maçons de França. Nenhum elogio maior poderia receber o Rito Francês ou Moderno.
7. Conclusões
1.ª O Rito Francês ou Moderno foi criado em 1761, constituído em 24 de dezembro de 1772 e proclamado pelo Grande Oriente de França em 9 de março de 1773. Ampliado para 7 graus, pela reforma litúrgica em 1786.
2.ª A concepção do Grande Arquiteto do Universo existiu, durante um século, nos Rituais do Rito Francês ou Moderno, como princípio fundamental.
3.ª Em 1877, a Assembléia Geral do Grande Oriente de França, órgão soberano, suprimiu essa afirmação dogmática, em nome da liberdade de consciência, mas não em nome de nenhuma doutrina ou filosofia. O Grande Colégio dos Ritos do Grande Oriente
de França foi compelido, em conseqüência, a reformular os Rituais e a suprimir à Bíblia do A:. dos Jur:. Êsses Rituais, como Hoje os lemos, são agnósticos.
4.ª A reforma constitucional de 1877 evidentemente só alcançava a jurisdição do Grande Oriente de França, mas os demais Grandes Orientes, inclusive o Grande Oriente do Brasil, onde se praticava o Rito, acompanharam aquela Potência.
5.ª Não tem base ou fundamento a imputação de irregularidade ao Rito Francês ou Moderno, em virtude da reforma operada. Entre outras razões, porque atende a todos os landmarques, exceto os dogmas, não exigíveis no “Livro da Constituições” de Anderson.
6.ª É lícito a qualquer Corpo Filosófico do Rito Francês ou Moderno, em qualquer país, repôs os Rituais em sua fonte deista primitiva. O nosso M:. Pod:. e Subl:. Gr:. Cap:. do Rito Moderno poderia fazê-lo, tanto mais quanto é anterior à reforma constitucional de 1877.
7.ª Em minha opinião pessoal, a reforma de 1877 foi útil e necessária, porque permite o ingresso, na Maçonaria, de elementos prestantes, porém agnósticos ou não crentes.
* *
Quero, agora, prezados Irmãos, finalizar esta palestra, louvando esta Aug:. Loja José do Patrocínio pela sua iniciativa de realizar os trabalhos preparatórios do 1.º Simpósio Brasileiro da Maçonaria Simbólica.
Esta Aug:. Oficina está erguendo no Poder Central o facho do aprimoramento maçônico. Nossa Ordem necessita, urgentemente, de uma renascença espiritual, larga e profunda.
Estamos no limiar de uma nova era. Não prevalecerá totalmente o Oeste, nem tampouco o Leste. A História nos mostra que no embate da Tese e da Antítese, resulta necessariamente a Síntese.
E nós, maçons, que em tôda a parte fomos os Construtores do Futuro, não podemos ficar na penosa situação de expectadores inanes e inúteis, quando a missão do maçom é reger, dirigir e comandar.
Honra, pois, a esta Loja, que se empenha em despertar e esclarecer a consciência do Povo Maçônico do Brasil.

Notas explicativas

(1) Não se trata da atual Grande Loja de França, escocesa, da Rua Puteaux.
(2) François Favre, “Documents maçonniques”, Paris, 1866, pág. 5.
(3) Até a data da reforma de 1877, a Maçonaria foi objeto de dez condenações papais. Os atos pontifícios contra a Maçonaria são os seguintes:
Constituição “In Eminenti” de 24 de abril de 1738, de Clemente XII;
Constituição “Providas”, de 18 de maio de 1751, de Bento XIV;
Constituição “Ecclesian in Jesu Christo”, de 13 de setembro de 1821, de Pio VII;
Constituição “Quo Graviora”, de 13 de março de 1825, de Leão XII;
Encíclica “Traditi”, de 21 de maio de 1829, de Pio VIII;
Encíclica “Mirari vos”, de 15 de agôsto de 1832, de Gregório XV;
Encíclica “Qui Pluribus”, de 9 de agôsto de 1846, de Pio IX;
Encíclica “Quanta cura”, de 8 de dezembro de 1864, de Pio IX;
Alocução “Multiplices inter”, de 26 de setembro de 1865, de Pio IX;
Bula “Apostolicoe Sede”, de 12 de outubro de 1869, de Pio IX.
(4) Tôdas as citações dos Boletins do Grande Oriente de França constam das páginas 179 e seguintes do “Commentaire de la Constitution et du Règlement Général”, anexo ao volume da “Constitution et Règlement Général de la Federation”, ed. 1899, 11.ª tiragem, editado em Paris pelo Secretariat Général du Grand Orient de France.
(5) A expressão Franco-Maçonaria não quer dizer Maçonaria francesa e sim Maçonaria livre.
(6) O movimento de opinião para a supressão da fórmula: “À Glória do Grande Arquiteto do Universo”, considerada atentatória à liberdade de pensamento, durou mais de um decênio. Em 5 de junho de 1865, a Assembléia Geral adotou
um texto de conciliação, doze anos antes da adoção do texto supressivo: “A Franco-Maçonaria tem por princípio a existência de Deus, a imortalidade da alma e a solidariedade humana. Ela admite a liberdade de consciência como um direito próprio a cada homem e não exclui ninguém por suas crenças”.
(7) Aliás, a Declaração de Princípios do Congresso de Lausanne dos Supremos Conselhos do Escocismo, em 1875 (dois anos antes da supressão do dógma no Grande Oriente de França), proclamou “a existência de um Princípio Criador, sob o nome de Grande Arquiteto do Universo”. Note-se: afirma-se a “existência” de um princípio criador, mas não se exige “crença” em um “Deus Criador”.
(8) Mesmo no período anterior a 1877, o Grande Oriente de França não era discriminativo, não impedia a admissão de agnósticos ou ateus. Entre outras provas, temos a iniciação de Voltaire, em 1778.


8 comentários em “A Concepção do Grande Arquiteto do Universo no Rito Francês ou Moderno

  1. Na minha visão a Maçonaria Universal ela tem o ARQUITETO DO UNIVERSO como DEUS e não se trata de Darwin, nem da Evolução, nem do Átomo singular; isso é qual uma espinha dorsal.Com certeza erguer TEMPLO onde o GRANDE ARQUITETO pode ser qualquer coisa – é incoerência dos que buscam no passado uma ligação perdida espiritual.Assim, podemos aceitar e sugerir aos livres pensadores, que buscam uma e outra realidade, verificarem a VERDADE no histórico, onde por isso existem os dois caminhos: O GRANDE ORIENTE e A GRANDE LOJA UNIDA INGLESA.

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  2. A HUMANIDADE ELA CAIU NAS TREVAS A LENDA MOSTRA.NATURAL QUE A LOJA DESÇA NAS TREVAS E TEM QUE FALAR – EM CONCEITO – NA MESMA LÍNGUA DE QUEM ESTÁ OU FOI GERADO NAS TREVAS.ASSIM, COMO IMPOR A LUZ NAS TREVAS?..ENTREVEMOS PORÉM QUE O RITO FRANCÊS, ELE POR MAIS SUTIL E HONRADO QUE É, ELE ACABA SERVINDO DE PASSAGEM PARA O OUTRO RITO – O INGLÊS!

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  3. Se antigamente eram aceitos agnósticos e ateus, os dogmas modernos de obrigatoriedade da crença em uma deidade para ingresso vão de encontro às próprias premissas de liberdade de seus integrantes.

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  4. O texto tem uma boa Historia mais eu gostaria de saber muito mais, este texto tem pouco conhecimento, único uma pouca Historia do feito de uma Revolução Francesa, pela a Liberdade, Fraternidade e Igualdade, isto tem de único, e o mais a Maçonaria?

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    1. Acredito que a matéria foi perfeita, em se tratando do exposto. Em resumo, entregou o que prometeu no título.
      Mas esta sugestão Marco Antonio, acredito possa ser acatada em post posterior.

      Estudar um pouco dos jacobinos x girondinos, suas importâncias e simbolos.

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      1. Tudo é transversal. O verdadeiro caminho é de dentro para fora. Individual, introspectivo. Todos os grupos se degradam. Contaminados pelo ego, pela ganância, pela posse.
        Tudo tralha. O iluminado não precisa de luz, ele gera luz, nem de pertencer a nada, porque o que transporta vai com ele . O Criador criou, mas na sua criação também se deparou com aquilo que brota. E esse brotar trouxe o AMOR, que nem Ele estava à espera e seus desafios de maravilha e sofrimento . O resto é tralha

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