Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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As Constituições de Anderson de 1723 e de 1738

Tradução J. Filardo

por Victor Guerra

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Há um texto em La Tulip, [1] que parcialmente atinge o alvo quando diz que “a distinção entre operativos e especulativos nunca poderá ser absoluta por dois fatores: o primeiro, que as Antigas Obrigações contêm parte de natureza especulativa na forma de uma espécie de lenda alegórica do Ofício; o outro fator exposto é que as primeiras lojas da Grande Loja de Londres eram nessa época operativas, apesar da aceitação de numerosos cavalheiros, ou seja, aqueles que sabem como desempenhar bem o seu ofício, que estão em posição de ocupar um cargo de responsabilidade social; que têm um senso de honra, pelo qual é respeitado pelos demais. Aprendeu mais com as viagens que faz e com a experiência direta com as coisas do que com os livros. Que foi formado com um critério pessoal, com o qual é capaz de julgar as coisas. E quem tem conhecimento sólido e útil para a vida. Além da virtude de saber como dominar seus sentimentos e subordiná-los à razão, antes de agir de acordo com eles.

Mas em 1723 elas não eram numerosas o suficiente, a tal ponto que várias prescrições foram consagradas no mesmo ano, como o parágrafo V das Antigas Obrigações”. [2]

Nessas questões se misturam, por um lado, a petição de Payne como Grão-mestre para recolher todos os manuscritos sobre Maçons e a Maçonaria, a fim de conhecer em primeira mão os usos antigos, que certamente já deviam ser conhecidos se atentarmos para o pastor James Anderson, que afirma que em 1716 havia seis lojas, e em 1718 já havia meia centena, o que resulta em que deve haver um grande número de maçons entre todos esses membros, o que indica, por sua vez, que a referida herança não era fácil de dissolver, pois era muito evidente e ativa entre as lojas fundadoras da Grande Loja em 1717, fossem elas operacionais ou quase especulativas.

Exceto que a estratégia de que falam Roger Dachez e Alain Bauer era justamente a de conseguir todas as cópias possíveis e depois livrar-se delas, [este é um argumento desenvolvido por um bom amigo Anselmo Vega em seu romance El Muro de Piedra,[3] cuja tese se conecta muito bem a toda essa estratégia] porque mais tarde, na época do Grão Mestrado do duque de Montagu, ele declara “que havia encontrado todas as cópias [aquelas cópias das Antigas Obrigações que foram submetidas pelos membros da Grande Loja] para que fossem reformuladas em um método novo e melhor.”[4]

Nesse contexto, em que se indica ter uma série de lojas promovido a redação das Constituições de 1723, denominadas de Anderson, cujo texto não só não é assinado, mas só tem uma dedicatória ao Grão-Mestre, o duque de Montagu., escrito e assinado por Theophilus Desaguliers, Grão-Mestre Adjunto em exercício, terminando com a aprovação da obra pelo duque de Warthon, mas uma vez terminado o mandato de Montagu.

O fato de que as Constituições não tiveram o nihil obstat da Grande Loja, supunha-se que era devido a que estas eram entendidas como um trabalho coletivo e, apesar da supervisão de quatorze membros da Grande Loja, a situação de aprovação não fica clara. que segundo Anderson foi aprovado com algumas emendas, mas pode-se duvidar sobre algumas dessas questões,[5] dado que a Grande Loja teve dificuldade em aprovar o trabalho de Anderson, um fato que Anderson estava interessado em esconder.

O texto das Constituições ainda estava na gráfica em janeiro de 1723, por isso era necessário emitir uma segunda aprovação muito mais curta e mais séria com os nomes do grão-mestre Wharton e de seus adjuntos, tais como Desaguliers, alegando que o livro havia sido produzido em forma impressa na comunicação trimestral em 17 de janeiro de 1723, sendo ordenada a publicação e recomendado para o uso das lojas.

Alguns dias depois, em 23 de janeiro de 1723, o seguinte anúncio apareceu no Daily Journal: “Em benefício da antiga Sociedade dos Maçons Livres. Agora está pronto para publicação, um novo conjunto de constituições e ordens, muito diferente do Antigo, pelo qual a referida Sociedade está feliz e silenciosa, regulado por muitas eras passadas.

Serve o presente para informar a todos os amantes da pura Maçonaria, retiradas as Inovações e Interesses pessoais, que terá uma preparação rápida e entregue a eles, gratuitamente, as antigas constituições e ordens, tiradas das melhores cópias; onde tais erros na história e na cronologia, que, devido ao descuido des vários transcritores, que se infiltraram entre eles, será completamente retificados

A extensão extravagante das referidas novas Constituições e Ordens, superior aos quatro sermões comuns, torna mais evidente que nele se calculam os gastos e danos da sociedade, simplesmente para servir ao interesse de um único membro, o autor, cuja segurança era tal que ele os imprimiu antes de oferecê-los à Censura Geral da Fraternidade. Por quais razões, esperamos que a Irmandade não se apresse agora para incentivar o referido Inovador. Para mostrar de forma honrosa e justa que trata com seus amados Irmãos Maçons, seu livro completo de dois e seis centavos será publicado rapidamente, em um papel tão bom quanto o dele, pelo preço de seis centavos; dos quais aviso oportuno será apresentado neste documento “.[6]

De qualquer forma, temos essa significante dedicatória inserida nas Constituições de 1723: “À Sua GRAÇA O DUQUE DE MONTAGU SENHOR: Por Ordem de Sua Graça, o Duque de Wharton, atual justamente honorável Grão Mestre dos Maçons, e como seu Adjunto, dedicou humildemente a Vossa Graça este Livro das Constituições de nossa antiga Fraternidade, em testemunho de vosso honroso, prudente e vigilante desempenho do cargo de nosso GRÃO MESTRE durante o ano passado.

Não preciso dizer a Vossa Graça, do trabalho que nosso instruído AUTOR realizou para compilar e codificar este Livro dos antigos Arquivos e quão escrupulosamente ele comparou e expôs tudo sobre a História e a Cronologia, para que essas NOVAS CONSTITUIÇÕES sejam uma descrição justa e perfeita da Maçonaria, desde o começo do mundo até o GRÃO MESTRADO de Vossa Graça, preservando tudo o que é verdadeiramente autêntico nos antigos: porque o trabalho agradará a todo Irmão que saiba que Vossa Graça a leu e aprovou; e Imprima-se agora para uso pelas Lojas, depois de aprovado pela Grande Loja quando Vossa Graça era GRÃO MESTRE. Todos os irmãos se lembrarão da honra que lhes fez Vossa Graça. Toda a Fraternidade sempre se lembrará da honra que lhes destes, bem como do vosso zelo pela Paz, Harmonia e Fraternidade duradoura, que ninguém sente mais intensamente que Meu Senhor.

De Vossa Graça reconhecido, servo obediente e irmão fiel. J.T. DESAGULIERS Grão-Mestre Adjunto”.

Para piorar as coisas, esta primeira edição Andersoniana provocou uma cópia pirata que reproduzia o essencial do que Anderson havia exposto nessas Constituições, sendo posta à venda no A Pocket Companion, sob a responsabilidade de um certo William Smith.

Em fevereiro de 1735, Anderson interporá com duas reclamações à Grande Loja, uma porque a primeira edição das Constituições estava esgotada e se supunha que alguém deveria estar encarregado de reeditá-las, e a outra era motivada porque o tal William Smith havia plagiado material de seu livro para redigir seu libelo no Free Mason’s Pocket Companion, uma vez que, segundo Anderson, as Constituições eram sua propriedade exclusiva.

Mas a realidade é que, a julgar por essas divulgações, as Constituições de Anderson de 1723, tampouco parece que fossem propriedade da Grande Loja.

O texto que se pode ler na página de rosto da obra deixa claro que os editores e detentores dos direitos autorais eram John Senex e John Hooke.

Anderson, na época, trabalhava na tradução de Conversations in the Realms of the House of the Dead de David Fassmann e recebia seu pagamento de Hooke e Senex, sob a forma de pagamento por página (copy money), então presumivelmente, algo semelhante aconteceu com o volume das Constituições. Tanto é que por mais que Anderson reivindicasse à Grande Loja, a edição de 1723, não era propriedade dele, nem parece ser propriedade da Grande Loja, mas dos editores.[7]

Por outro lado, é verdade que as Constituições de 1738 são assinadas por sua própria vontade e assinatura: James Anderson A.M. O autor deste livro. Mestre, de tal forma que assume inteiramente sua paternidade, embora mais tarde tenha tido bastante problemas com a distribuição da edição e sua posterior venda.

O que parece claro, realmente, quando se lê as Constituições é que as Antigas Obrigações são sempre referenciadas em seus escritos, embora os fundadores da Grande Loja de Londres pareçam estar interessados em querer se afastar daqueles conhecimentos antigos clássicos que os precederam.

Os referidos textos ainda na época tinham certo prestígio e presença, mas, mesmo assim, ainda queriam deitar abaixo por meio dele, com referência ao modelo operativo, o que não deveria ser nada fácil, pois eram necessárias táticas, estratégias e muita paciência para desenvolver a força dos vestígios identitários do conjunto corporativo operativo, por mais em declínio que este parecesse estar.

Estamos falando de um ambiente profissional e social com implicações políticas e religiosas, bem estabelecido por décadas na sociedade inglesa, para poder apagar com um toque de pena a sua importância e transcendência.

Um ano antes do trabalho publicado por Anderson, editaram-se as Constituições de Roberts (1722) que se estabeleceram por meio da ação da Grande Loja de York que permaneceu independente, cobrindo várias lojas operativas que não assumiram os predicados da Grande Loja de Londres de 1717, atuando como contrapeso diante do modernismo e ecumenismo desenvolvidos pela Grande Loja Londrina de 1717.

Esse é um assunto que dificilmente é discutido na literatura especializada em Maçonaria. Refiro-me à semelhança entre as Constituições de Roberts e as de Anderson, e ainda assim as semelhanças são incríveis, tanto que alguém poderia ousar dizer que Anderson teria conhecido de antemão o libreto de Roberts e teria deliberadamente tomado partes do referido trabalho, especialmente no que se refere a alguns de seus capítulos, e que mais tarde foram curiosamente adicionados nas modificações de 1738.[8]

Roberts era o nome do impressor da obra intitulada: As Constituições Antigas pertencentes à Sociedade Antiga e Honorável de Maçons Livres e Aceitos. [9]

Voltando à questão que nos preocupa, talvez esse método “novo e melhor” de que falava o Grão-Mestre Montagu, não era outra coisa senão as Constituições de 1723, ou seja, a primeira fundação de um projeto que queria se afastar, apesar do fato de que Seu redator querer remontar as origens maçônicas até o Paraíso Terrestre, para assim se distanciar de uma proposta tradicional reunida em um estrato popular, como eram os primeiros componentes, membros do Ofício, que eram a maioria neste primeiro momento da criação da Grande Loja acima mencionada.

Nesse contexto, temos o pastor, um membro da comunidade presbiteriana e não-conformista, James Anderson, trabalhando para dar uma Constituição ao projeto inglês, um objetivo que ele muito habilmente realiza com uma prosa dura com a qual tenta comunicar que a ideia da fundação existia desde tempos imemoriais, dessa forma as Antigas Obrigações eram sutilmente modificadas pelas novas Constituições de 1723, ou seja, pelos novos Regulamentos Gerais de uma nova organização assentada sobre bases operativas, mas aspirando que o caráter especulativo seria seu maior expoente, embora por enquanto fosse cativa de sua origem e tivesse que operar com três planos inseparáveis no contexto em que se movia, com um desejo intenso, não muito extrovertido, de alcançar uma certa unidade nacional em bases que poderíamos chamar de liberais dentro de uma Grande Loja monárquica mas de caráter protestante e newtoniano.

Três planos que se sobrepõem paralelamente, por um lado, o plano político onde a dinastia Hanoveriana desempenhará um papel importante, em cujo contexto a figura dos Desaguliers é importante, embora em um primeiro momento os jacobitas, [10] em posição permanente de combate, farão parte das elites maçônicas, em cuja trama a jovem Grande Loja queria desempenhar o papel de árbitro da reconciliação, ou pelo menos essa era a intenção que aquelas elites começaram e desejavam alcançá-lo através de uma caridade muito ativa, ao mesmo tempo em que afirmavam sua vocação para constituir um espaço de consenso.[11]

Eles tinham a antiga esperança de conseguir unir a disjecta membra da diáspora protestante no meio de uma monarquia europeia e um poder parlamentar fundado nos conceitos liberais dos quais partiam após a Revolução Gloriosa de 1688, fundindo-se ao mesmo tempo na tolerância religiosa que Locke defendia e cujos postulados foram recolhidos em Uma Carta Relativa à Tolerância de 1689.

Este poderia ser um bom exemplo da maneira de Desaguliers entender o projeto de fundação de uma nova estrutura maçônica, na qual as primeiras lojas tiveram um caráter inter-religioso, cujo objetivo será reunido nas Constituições de 1723 no título II de Obrigações Da autoridade civil, superior e inferior: “O maçom deve ser uma pessoa calma, submissa às leis do país onde está estabelecida e não deve participar ou se deixar arrastar pelos motins ou conspirações forjados contra a paz e contra a prosperidade do povo, ou mostrar-se rebelde à autoridade inferior, porque a guerra, a efusão de sangue e os distúrbios, sempre foram funestos para a Maçonaria.”

Estava-se falando da ameaça jacobita à sucessão de Hannover e da supremacia do parlamentarismo e da governança legislativa, vez que não estava no plano de apoio ao monarca, mas sim a um sistema constitucional do monarca, mas com o Parlamento e o poder judiciário e legislativo como intermediários; em suma, uma separação de poderes.

Embora o desenvolvimento do plano político tenha tido dificuldades devido às rivalidades entre hanoverianos e estuardistas, o conflito no contexto religioso não era menor, o que o colocava na própria raiz do contexto político após a decorrência de anos de guerras entre protestantes e Jacobitas, [12] questão que ocupava um lugar importante nas preocupações do latitudinário Desaguliers, enquanto redator da parte legislativa das Constituições de 1723.[13]

Ele encaixava essas preocupações no desenvolvimento de um importante Título 1 das Constituições: Obrigações em relação a Deus e à Religião: “Um Maçom está obrigado por sua condição (tenure) a obedecer a lei moral e se compreende bem a Arte, nunca será nem um Ateu estúpido, nem um Libertino irreligioso.”

“Embora em tempos antigos os Maçons fossem obrigados em cada país a adotar a religião daquele país ou aquela Nação, qualquer que fosse ela, hoje pensa-se ser mais acertado somente obrigá-los a adotar aquela Religião com a qual todos os homens concordam, guardando suas opiniões particulares para si próprio, isto é, serem Homens bons e leais, ou Homens de honra e probidade, qualquer que seja a denominação ou crença que os possam distinguir; por isso a Maçonaria se torna um centro da união e um meio de assegurar uma verdadeira Amizade entre Pessoas que de outra forma permaneceriam em perpétua distância.”

Essa questão, que no fundo nada mais é do que uma tensão entre o teísmo Noaquita e o deísmo como heresia cristã, faz com que entre esses dois extremos encontraremos os relativistas cuja crença na ideia divina lhes parecerá útil, ou a dos racionalistas que colocavam a razão acima da fé, sem esquecer os agnósticos que deixam ao domínio íntimo a origem das coisas, ou os ateus incipientes que negam a existência de deus, marcarão com suas atitudes todo o desenvolvimento posterior da Maçonaria, tanto inglesa, quanto aquela outra, que não tardaria a atravessará o Canal da Mancha a caminho da França católica.

Por fim, seria necessário analisar o plano intelectual, embora se possa dizer que grande parte de seus membros participavam de tramas filosóficas transversais, não resta dúvida de que o aparato administrativo das lojas operativas federadas à Grande Loja, com inclusão cada vez maior de maçons especulativos tentará cooptar as elites culturais inglesas; daí que não demorará muito para que se vejam nos bancos maçônicos a presença de muitos membros ligados, por exemplo, à prestigiada Royal Society, até porque eles haviam sido, ou serão, e muitos deles como fellow (membro).

Falou-se de um grande número de membros, e alguns deles muito famosos, com certeza sabemos que pertenciam à maçonaria: Martin Folkes (1719-1742) ateu e libertino da loja de Bedford Head, Maid´s Head; William Jones (1711-1740), da Loja Queen’s Head, William Stukeley (1718-1752) da Loja Fountain; John Machin (1730-1741) membro da loja Bedford Head; Thomas Pellet (1733-1740) da Loja Bedford; ou T. Desaguliers (1728-1735) pertencente à Loja Horn, University Bear-Harrow.

Dessa forma, é possível encontrar até oitenta membros “fellow” da Royal Society, que eram ou foram maçons entre 1725 e 1730, embora tal adesão perdesse força ao longo do tempo, sem esquecer os encontrões pessoais entre eles, o mais notável dos quais foi o que se deu entre Folkes e Stukeley, que disse do primeiro aquilo de “losing his teeth, he speaks so”.

A partir da década de 1740, essas presenças se tornaram cada vez mais raras, época em que havia duas grandes tendências políticas, os Whigs e os Torys, estes últimos alinhados com os jacobitas, somando aos partidários de Stuart James VII da Escócia, reinando sobre o trono da Inglaterra em 1685, quando James II da Inglaterra já convertido ao catolicismo.

Por sua vez, os Whigs da tendência protestante seguiam William de Orange, que subiria ao poder como William III, graças à revolução que James II desencadearia no exílio francês. Enquanto George I, Eleitor de Hanover, de tendência protestante, era apoiado por estes, tornando-se mais tarde rei da Inglaterra. Os maçons especulativos, fundadores da Grande Loja de Londres, apoiavam majoritariamente George I, visto que ele era Hanoveriano e Whig.

De toda forma, há que se enfatizar que os antecedentes maçônicos durante o século XVIII serão marcados pela marca cristã com a nova proposta da “religião natural newtoniana”, a cuja estrutura o corpus maçônico especulativo vai aderir e da qual vai se tornar uma bandeira da Grande Loja de Londres.

Dada a multiplicação de teólogos racionalistas nesse ambiente intelectual e maçônico, ocorrerá uma série de mutações que operarão no mesmo centro nevrálgico do Iluminismo, dando voltas no axioma de que o problema não era demonstrar a existência de Deus, mas sim que sua própria existência estava ameaçada.

Esse mesmo paradigma será desenvolvido dentro de uma maçonaria latitudinária que acusa essa herança newtoniana de um Deus filósofo, como um Grande Arquiteto do Universo que dota o mundo de leis racionais, mas que faz de sua distância uma incógnita, onde ele aparece como o autor do mundo, um mundo que os newtonianos designaram com o apelo ambíguo do sensoriun Dei, que se confunde com a natureza, em que ele é criticado por seu intervencionismo, mas sem, por isso, que os maçons reneguem a fé.

Uma herança contraditória no mundo dos maçons newtonianos de caráter hanoveriano e, é claro, dos maçons operativos jacobitas, que se explica com base nessa mistura de misticismo e racionalismo que caracteriza a maçonaria da época “que se reforça de forma resistente diante dos racionalismos clássicos, tanto como cristãos em oposição à philosophia naturalis, que transplantada para a esfera francesa-cristã, retém seu duplo aspecto de philosophique et philantrophique, mas perde seu caráter igualitário, se não de palavra, pelo menos pelos atos”.[14]

Esse sentimento também se reflete nos campos filosóficos, especificamente em um artigo de Chesneau du Marsais, Le Philosophe (1743)[15] “A existência de Deus é a mais difundida e profundamente enraizada de todos os preconceitos; e em seu lugar, Le Philosophe coloca a sociedade civil: ‘esta é a única divindade que ele reconhecerá na Terra’. Presa pelos sistemas doutrinários das igrejas estabelecidas, a atenção ao governo se torna fútil, quando alguém é mantido em cativeiro sob o jugo da religião, torna-se incapaz das grandes visões que atraem para o governo e que são tão necessárias para situações públicas “.[16]

E Robert Kalbach exemplifica isso muito bem, quando explica que a irreligião na França se tornou uma paixão geral, ardente, intolerante e opressiva.

Assim, os filósofos do Iluminismo atacavam a Igreja como um poder político, mas também apoiavam a tradição, reconhecendo a autoridade superior da razão individual baseada na hierarquia. “A peculiaridade da Revolução Francesa é que ela desgosta aos homens, derrubando leis religiosas e civis ao mesmo tempo”.[17]

Mas a contradição é tão grande que, por exemplo, as propostas newtonianas de um cristianismo razoável como alternativa ao panteísmo dos livre pensadores, apesar da boa acolhida entre os membros da maçonaria e a posição vacilante dos teólogos anglicanos, tanto ortodoxos quanto latitudinários terá uma forte rejeição por parte dos livre pensadores e místicos exaltados, embora Newton não poderá ser a referência para o futuro da Grande Loja por sua paixão ardente pela Bíblia; nesse sentido, temos a figura de Desaguliers, que aparecerá como o principal barqueiro entre ambas as margens do newtonismo, talvez na crença de que as Escrituras permitiam descobrir o esoterismo e retirar ensinamentos iniciáticos da mais alta importância.

Este é um assunto que parece não ter sido estudado em profundidade, ou seja, as relações entre a Maçonaria e a Royal Society, além de algumas abordagens como a de Richard Berman,[18] que nos explica que parte dos numerosos abandono ocorridos por parte das elites cooptadas na época poderia ter vindo da forte crise que sofreu a Grande Loja e, principalmente, a partir da querela entre Antigos e Modernos, que lembro, estava em parte enraizado nas concepções deístas de uns e teístas de outros, o que abriu um cisma de entendimento sobre as realidades maçônicas no conceitual, mas também no administrativo, e que no fundo deve ser considerada uma rebelião, enquanto que a segunda Grande Loja era abertamente muito mais teísta cristã em todos os sentidos e com todas as consequências.


[1] Patrick Négrier La Tulip. Historie du rite du Mot de maçon 1637a 1739. Éditions Ivorie-Clair. 2005.

[2] Op. Cit. La Tulip… Pág.71.

[3] Vega Junquera, Anselmo. El Muro de Piedra. Editorial MASONICA.2013.

[4] Op. Cit. Nouvelle historie… Págs.81-90.

[5] Mereaux, Pierre. Les Constitutions d´Anderson. Vérité ou Imposture. Éditions du Rocher. 1995.Pág. 232-282.

[6] Daily Journal. 25 de janeiro de 1723.

[7] Prescott A. e Susan Mitchell Sommers. Searching for the Apple Tree: Revisiting the Earliest Years of Organized English Freemasonry, en Reflections on Three Hundred Years of Freemasonry, ed. John S. Wade (Surrey, UK: Lewis Masonic, 2017). Pág. 172-174. Tradução para o espanhol por Rogelio Aragón, publicada em 300 anos da Maçonaria: Maçonaria e Maçons 1717-2017. Volume V Cosmopolitismo. Editorial Palabra de Cio.México 2017; pode-se dar uma olhada no artigo de Pierre Nöel: Une forgerie autour de 1721? https://www.hiram.be/blog/2019/03/26/uneforgerie-autour-de-1721/?

[8] Op. Cit. James Anderson… Pág. 197 Sgtes.

[9] https://freemasonry.bcy.ca/history/old_charges/robertsconstitutions1722.pdf.

[10] A Maçonaria Jacobita. https://masoneriaantigua.blogspot.com/2014/10/la-masoneriajacobita.html.

[11] Beaurepaire, Yves-Pierre. O templo maçônico do século XVIII. Um espaço de paz religiosa e diálogo inter-religioso. https://www.victorguerra.net/2018/04/el-templo-masonico-del-siglo-xviii.html

[12] Berman, Richard. 1717 and All That. The Political and Religious Context. Prestonian Lecturer. Oxford Brookes University. 2016.

[13] https://racodelallum.blogspot.com/2016/02/las-constituciones-de-anderson.html.

[14] Porset, Charles. La religion des Philalèthes. Franc-maçonnerie et religion dans l´Europe des Lumières. Éditions Honore Champion. 2006. Pág. 89-100.

[15] http://cerphi.ens-lyon.fr/spip.php?article73.

[16] Jacob, Margaret. The Enlightenment as Lived. Late Eighteenth Century European Reformers. Revista REHMLAC. Ano 2011. Vol.3. Nº 1.

[17] Kalbach, Robert. Montmorency-Luxembourg et son temps. Fondateur du Grand Orient de France. Éditions Dervy.2009. Pág. 258.

[18] Berman, Richard. Schism: The Battle That Forged Freemasonry. Edit. Sussex Academic Press.2013.