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Psicologia de Massas da Classe Média Baixa Fascista

Por Prof. Fernando Nogueira da Costa (UNICAMP)

Wilhem Reich, no livro Psicologia de Massas do Fascismo, publicado em 1933, afirma: “o êxito de Hitler não se deve à sua ‘personalidade’ nem ao papel objetivo que a sua ideologia desempenhou no capitalismo. Também não se deveu a um mero processo de embotamento das massas adeptas”.

Ele colocou em relevo o cerne da questão: o que se passa na psicologia das massas? Qual é a razão de as levar a seguir um partido fascista, cuja liderança é, objetiva e subjetivamente, oposta aos interesses das massas trabalhadoras?

Na resposta a esta pergunta, salienta o movimento nacional-socialista [nazista], na sua primeira arrancada vitoriosa, ter se apoiado em largas camadas das chamadas classes médias. Eram os milhões de funcionários públicos e privados, comerciantes de classe média e de agricultores de classe média e baixa.

Do ponto de vista da sua base social, o nacional-socialismo foi sempre um movimento da classe média baixa, onde tenha surgido: na Itália ou na Hungria, na Argentina ou na Noruega. Esta classe média baixa, anteriormente ao lado das várias democracias burguesas, sofreu, necessariamente, uma transformação interna, responsável pela sua mudança de posição política.

A situação social e a correspondente estrutura psicológica da classe média baixa explicam tanto as semelhanças essenciais como as diferenças existentes entre as ideologias dos fascistas e da burguesia liberal.

A classe média baixa fascista é igual à classe média baixa liberal-democrática. Apenas se distinguem porque vivem em diferentes fases históricas do capitalismo.

Nas eleições de 1930 a 1932, o nacional-socialismo obteve seus novos votos quase exclusivamente do Partido Nacional Alemão e dos Partidos de facções menores do Reich alemão. Apenas o centro católico manteve a sua posição, até mesmo nas eleições de 1932, na Prússia.

Foi só nestas eleições quando o Partido Nacional-Socialista conseguiu penetrar na massa dos trabalhadores da indústria. Mas a classe média continuou a ser o principal baluarte da suástica.

Na mais grave crise econômica jamais atravessada pelo sistema capitalista (1929-1932), a classe média, representando a causa do nacional-socialismo, tomou o poder político e impediu a reconstrução revolucionária da sociedade. A reação política soube apreciar devidamente a importância da classe média.

“A classe média tem uma importância fundamental para a existência de um Estado”, afirmava um panfleto do Partido Nacional-Socialista Alemão, em 8 de abril de 1932.

A questão da importância social da classe média foi amplamente discutida pela esquerda, depois de 30 de janeiro de 1933. Até essa data, tinha-se prestado pouca atenção à classe média, em parte porque todo o interesse se concentrava na observação do desenvolvimento da reação política e do governo autoritário, e em parte porque os políticos desconheciam a linha de questionamento da psicologia de massas.

Agora, começava-se a pôr em primeiro plano a chamada “revolta da classe média”. Quem seguir atentamente as discussões sobre este tema poderá ver as opiniões se dividirem em dois grandes blocos:

  1. um deles defendia a ideia de o fascismo não ser nada “mais” além do bastião partidário da classe média alta;
  2. o outro, embora compreendendo este fato, atribuía maior importância à “revolta das classes médias”, valendo de defesa por seus representantes da acusação de encobrirem o papel reacionário do fascismo.

Para fundamentar esta acusação, mencionava-se o autêntico caráter reacionário do fascismo. Ele se tornou cada vez mais evidente a partir de fins de junho de 1933.

Nas inflamadas discussões sobre o assunto, alguns pontos permaneciam obscuros. O fato de o nacional-socialismo, depois da tomada do poder, revelar-se cada vez mais claramente como um nacionalismo imperialista, decidido a eliminar tudo imaginado como “socialista” e a preparar a guerra com todos os meios.

Não é contraditório em relação a outro fato: o de o fascismo ser, do ponto de vista da sua base de massas, um movimento da classe média. Se não tivesse feito a promessa de lutar contra a grande empresa, Hitler nunca teria ganho o apoio das classes médias.

Estas contribuíram para a sua vitória porque eram contra a grande empresa. Sob a sua pressão as autoridades foram forçadas a tomar medidas anticapitalistas. Mas depois tiveram de abandonar, sob a pressão da grande empresa.

São inevitáveis os mal-entendidos, quando não se estabelece uma distinção entre os interesses subjetivos da base de massas de um movimento reacionário e a sua função reacionária objetiva. Esses fatores estão em contradição, mas foram reconciliados na totalidade do movimento nazista.

Os primeiros referem-se aos interesses reacionários das massas fascistas, e os últimos, ao papel reacionário do fascismo. Na oposição entre estes dois aspectos do fascismo se fundamentam todas as suas contradições e a sua conciliação em uma única forma — o “nacional-socialismo” —característico do movimento de Hitler.

O nacional-socialismo foi verdadeiramente anticapitalista e revolucionário, enquanto foi obrigado a acentuar o seu caráter de movimento da classe média, antes da subida ao poder e imediatamente depois. Contudo, como não privou a grande empresa de seus direitos, e teve de conservar e consolidar o poder adquirido, sua função capitalista destacou-se cada vez mais, até finalmente se transformar em defensor acirrado e representante do imperialismo e da ordem econômica capitalista.

Quanto a isso, não importa nem um pouco se e quantos dos seus dirigentes tinham uma orientação socialista honesta ou desonesta (no sentido dado à palavra) e, também, não importa se e quantos eram (à sua moda), embusteiros ou fanáticos do poder. Uma política antifascista radical não pode ser baseada nessas considerações.

A história do fascismo italiano poderia ajudar na compreensão do fascismo alemão e sua ambiguidade. Isto porque também no fascismo italiano se fundiam em um todo as duas funções rigorosamente contraditórias a quais Reich fez referência.

Aqueles negacionistas (ou sem apreciarem devidamente a função da base de massas do fascismo) surpreendem-se perante o fato de a classe média, não possuindo os principais meios de produção nem trabalhando neles, não pode ser uma força motriz permanente na história e, por isso, oscila invariavelmente entre o capital e os trabalhadores.

Esses mesmos não percebem a classe média pode ser e é “uma força motriz na história”, se não permanentemente, pelo menos temporariamente como provam o fascismo italiano e o alemão. Isso não significa apenas a destruição das organizações de trabalhadores, as inúmeras vítimas, a erupção da barbárie, mas também, e principalmente, o impedir da crise econômica resultar em uma revolta política, isto é, na revolução social.

Uma coisa é certa: quanto maior é o peso e a dimensão das camadas da classe média em uma nação, tanto maior é a sua importância, como força social de ação decisiva. Entre 1933 e 1942, assistiu-se ao seguinte paradoxo: o fascismo conseguiu superar o internacionalismo revolucionário social como movimento internacional.

Os socialistas e os comunistas estavam tão certos do progresso do movimento revolucionário em relação ao progresso da reação política, a ponto de cometerem o suicídio político, embora motivados pela melhor das intenções. Este problema merece a maior atenção.

O processo pelo qual passaram, no último decênio, as camadas da classe média de todos os países merece muito mais atenção em relação ao fato conhecido e banal de o fascismo ser o expoente mais extremo da reação e política. A natureza reacionária do fascismo não constitui uma base para uma política de oposição, como o comprovam largamente os fatos ocorridos entre 1928 e 1942.

A classe média começou a movimentar-se e apareceu como força social, sob a forma do fascismo. Assim, não se trata das intenções reacionárias de Hitler e de Göring, mas sim os interesses sociais das camadas da classe média.

A classe média tem, em virtude da estrutura do seu caráter, uma força social extraordinária. Ela em muito ultrapassa a sua importância econômica. É a classe capaz de reter e conservar, com todas as suas contradições, nada mais nada menos senão vários milênios de regime patriarcal.

A própria existência de um movimento fascista constitui uma expressão social indubitável do imperialismo nacionalista. Mas é o movimento de massas da classe média o possibilitador da transformação desse movimento fascista em um movimento de massas e a sua subida ao poder, cuja meta é cumprir a sua função imperialista.

Somente levando em consideração estas oposições e contradições, cada uma delas per si, é possível compreender o fenômeno do fascismo.

A posição social da classe média é determinada:

  • pela sua posição no processo de produção capitalista;
  • pela sua posição no aparelho de Estado autoritário, e
  • pela sua situação familiar especial, consequência direta da sua posição no processo de produção, constituindo a chave para a compreensão da sua ideologia.

A situação econômica dos pequenos agricultores, dos burocratas e dos empresários de classe média não é exatamente a mesma, do ponto de vista econômico, mas caracteriza-se por uma situação familiar idêntica, nos seus aspectos essenciais.

O rápido desenvolvimento da economia capitalista no século XIX, a mecanização contínua e rápida da produção, a reunião dos diversos ramos da produção em consórcio e trustes monopolistas, constituem a base do progressivo empobrecimento dos comerciantes da classe média baixa. “Não conseguindo concorrer com a grande indústria, de funcionamento mais barato e mais racional, as pequenas empresas estão irremediavelmente perdidas”, dizia equivocadamente Wilhem Reich.

“A classe média nada tem a esperar deste sistema, a não ser a aniquilação. Esta é a questão: ou todos nos afundamos na grande tristeza cinzenta da proletarização, onde todos teremos o mesmo — isto é, nada — ou então a energia e a aplicação poderão colocar o indivíduo na situação de adquirir propriedade por meio do trabalho árduo. Classe média ou proletariado! Esta é a questão.”

Estas advertências foram feitas pelos nacionalistas alemães antes das eleições para a presidência, em 1932. Os nacional-socialistas não foram tão estúpidos, tiveram o cuidado de não criar um hiato muito grande entre a classe média e os trabalhadores da indústria, na sua propaganda. Esta tática lhes proporcionou um êxito maior.

A luta contra as grandes casas comerciais tinha um lugar de relevo na propaganda do Partido Nacional-Socialista. A contribuição entre a função de o nacional-socialismo desempenhar para a grande empresa e os interesses da classe média, sua principal fonte de apoio, está patente, por exemplo, no diálogo de Hitler com Knickerbocker:

“Não faremos depender as relações germano-americanas de uma loja de miudezas referente ao destino das lojas Woolworth em Berlim… a existência de tais empresas encoraja o bolchevismo… Elas destroem muitas pequenas empresas. Por isso não as aprovaremos, mas pode ter a certeza de as suas empresas na Alemanha não serem tratadas de modo diverso como as demais empresas alemãs do mesmo tipo”.

As dívidas privadas aos países estrangeiros sobrecarregavam muitíssimo a classe média. Mas, enquanto Hitler era a favor do pagamento das dívidas privadas, porque, em política externa, dependia do cumprimento das exigências estrangeiras, os seus adeptos exigiam a anulação dessas dívidas.

A classe média baixa revoltou-se, pois, “contra o sistema”. Ela entendia ser o “regime marxista” da socialdemocracia então no poder na Alemanha pré-nazista.

Mas, embora essas camadas da classe média baixa tentassem se organizar, em uma situação de crise, o certo é a concorrência econômica entre as pequenas empresas impedir se desenvolver um sentimento de solidariedade comparável ao dos trabalhadores das indústrias.

Já pela sua própria situação social, o indivíduo da classe média baixa não podia se solidarizar nem com a sua classe social, nem com os trabalhadores da indústria — com a sua classe social porque nela a competição era a regra; com os trabalhadores da indústria, porque o que mais temia era, exatamente, a proletarização.

Contudo, o movimento fascista provocou a união da classe média baixa. Qual foi a base dessa aliança, em termos de psicologia de massa?

A resposta a esta pergunta reside na posição social dos funcionários públicos e privados da classe baixa e média. O funcionário público encontra-se, geralmente, em uma posição econômica inferior à do trabalhador industrial especializado.

Esta posição inferior é parcialmente compensada pelas pequenas perspectivas de fazer carreira e, especialmente no caso do funcionário público, pela pensão vitalícia. Extremamente dependente da autoridade governamental, esta camada desenvolve um comportamento competitivo entre colegas, contrário ao desenvolvimento da solidariedade.

A consciência social do funcionário público não se caracteriza pelo fato de ele compartilhar o mesmo destino com os seus colegas de trabalho, mas pela sua atitude em relação ao governo e à “nação”. Isso consiste em uma total identificação com o poder estatal, e, no caso do funcionário de uma empresa, em uma identificação com a empresa na qual trabalha.

Ele é tão submisso quanto o trabalhador industrial. Por qual motivo não desenvolve o mesmo sentimento de solidariedade existente entre os trabalhadores industriais? Isso se deve à sua posição intermediária entre a autoridade e os trabalhadores manuais.

Devendo obediência aos superiores, ele é simultaneamente o representante dessa autoridade diante dos abaixo dele e, como tal, goza de uma posição moral, mas não material, privilegiada. O mais perfeito exemplo deste tipo psicológico é o sargento de qualquer exército.

A força desta identificação com o patrão está patente no caso de empregados de famílias aristocráticas, como mordomos, camareiros etc. Eles se transformam completamente, em um esforço para esconder sua origem inferior assumindo as atitudes e a maneira de pensar da classe dominante, aparecendo muitas vezes como caricatura das pessoas a quem servem.

Essa identificação com a autoridade, com a empresa, com o Estado ou com a nação se traduz na expressão: “Eu sou o Estado, a autoridade, a empresa, a nação”. Essa ilusão de patriotários se revela uma realidade psíquica e constitui um dos melhores exemplos de uma ideologia transformada em força material.

O empregado ou funcionário público começa por desejar assemelhar-se ao seu superior, até quando, gradualmente, a constante dependência material acaba transformando toda a sua pessoa, de acordo com a classe dominante. Sempre disposto a se adaptar à autoridade, o indivíduo da classe média baixa acaba criando uma clivagem entre a sua situação econômica e a sua ideologia.

A sua vida é modesta, mas tenta aparentar o contrário, chegando, frequentemente, a tornar-se ridículo. Alimenta-se mal e deficientemente, mas atribui grande importância a “andar bem-vestido”.

A roupa torna-se símbolo material desta estrutura do caráter. Poucas coisas são tão adequadas a uma primeira apreciação de um povo, do ponto de vista da psicologia de massas, senão a observação da sua maneira de vestir.

É a sua atitude de “olhar voltado para cima” capaz de diferenciar especificamente a estrutura do indivíduo da classe média baixa da estrutura do trabalhador industrial.

Por identificação, a psicanálise entende o processo pelo qual uma pessoa começa a formar uma unidade com outra, adotando as características e as atitudes daquela, colocando-se, em sua fantasia no lugar da outra pessoa. Esse processo provoca, de fato, uma mudança nessa pessoa com a qual se identifica, pois ela “internaliza” características do seu modelo.

Qual a extensão exata dessa identificação com a autoridade? Ela existe, já se sabe. Mas a questão é saber como, a despeito dos fatores econômicos sentidos diretamente, os fatores emocionais fundamentam e consolidam de tal maneira a atitude do indivíduo da classe média baixa

Sua estrutura se mantém absolutamente firme. Isto mesmo em épocas de crise, ou em épocas quando o desemprego destrói a base econômica imediata.

Reich afirmou, anteriormente, a posição econômica das diferentes camadas da classe média baixa não ser a mesma, mas a sua situação familiar ser idêntica, nos traços essenciais. É precisamente na situação familiar – e repressão sexual – onde é encontrada a chave para o fundamento emocional da estrutura descrita.


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