Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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A Maçonaria e a Padrecada Romana

A.J. de Macedo Soares 

Gr.’. M.’. G.’. Com.’. da Ord.’.

Maçons e Padres romanos em Campinas e na capital de S. Paulo.
—O Ir.’. Maximiano de Camargo.
-Carlos Gomes.
-Errônea interpretação da tolerância maçonica. 
-Fernando Osório. 
-Attitude digna nesta emergência.

Desdobram-se os acontecimentos; succedem-se os factos vertiginosamente; e d’entre os Ilr.’. moços bem pouco viverá quem não assistir á queda, pouco ruidosa, como a do doente que agonisa mezes e dias, mas muito odiosa, como a do perverso, á queda da egreja romana, da egreja dos papas.

Roma, a pagã, Roma, a dos Césares, cahiu com grandeza das mentalidades que, seculos e seculos, governaram a humanidade, conduzindo-a nas vias do progresso e do aperfeiçoamento até chegar aos seus mais elevados fins. Roma, a christã, Roma, a dos Papas, afunda-se no esterquilinio dos Borgias, ficando, felizmente, livre a humanidade d’esse trambolho immenso e enorme, collocado por Satanaz, o deus do mal, no caminho da perfeição.

Dizia Voltaire, o gênio mais assombroso do século passado, que a humanidade só seria feliz depois de enforcado o ultimo rei com a tripa do ultimo frade. Alludia ao padre de Roma, ao fanático, ao ímpio, ao sodomita, ao incendiario ao vendilhão de missas e absolvições, ao cupido roubador dos fieis com o abuso de confiança de quem crê em tolos dogmas e ainda mais tolas doutrinas de penas eternas do inferno!…

Está outra vez declarada no mundo, e, pela segunda vez, no Brazil, a guerra entre a egreja romana e a Maçonaria. Derrotada na primeira campanha, ha vinte annos, resurge a egreja, não mais capitaneada por homens de talento, como os bispos do Recife e do Pará, frei Vidal e D. Antônio de Macedo Costa, mas, por uns individuos que ninguém sabe donde surdiram, uns Arcos-verdes e uns Esmeraldos ou Eswerardos, verdadeiros anonymos, nutrindo a estulta esperança de derrocarem a Maçonaria, muito mais antiga e poderosa que o christianismo, e muitíssimo mais que o romanismo, esse degradante rebaixamento da egreja pura de Christo, e que só data do século X da nossa Era.

Levantamos a luva; acceitamos o repto; e maldicto seja quem recuar, quem arrear no caminho ou quem pedir misericordia.

A’vante, hastes maçonicas! Filhos da Viuva, a postos! O nosso lar é invadido; os nossos templos, assaltados; os nossos principios, combatidos; escarnecidas as nossas aspirações, vilipendiada a nossa honra. A postos, FFilh.’. da V.’. ! A’vante legiões MMaçon.’. !

Ao grito de guerra!, rouquejado pelos padres romanos de Campinas, respondamos guerra !

Guerra de extermínio aos inimigos da nossa tão sancta causa !

Guerra sem tréguas, como a sabem sustentar nas Philip-pinas e em Cuba os nossos destemidos Ilr.-. hespanhóes contra os padres hespanhóes de Roma !

Ha pouco, falleceu em Campinas, na bella e culta cidade de Campinas, no florescente e livre estado de S. Paulo, o nosso prestimoso e prezadissimo Ir.-. Maximiano de Camargo, membro illustre de uma das mais antigas e mais nobres famílias de S. Paulo, onde se entrelaçára com outras legendárias, fundadoras da esperançosa colônia, desde o primeiro quarto do século XVII.

E’ a familia Camargo, coeva dos Buenos, dos Lemes, dos Rondons, dos Prados, Pizas, Toledos, Castros, Bicudos, Lessas, Pires, Pompêos e tantas outras portuguezas e hespanholas, estas em maior numero, que vinham das metrópoles ao novo mundo tentar a fortuna que os pobres e acanhados solos da Europa não lhes podiam proporcionar; e aqui prosperaram e

fundaram  casas, e entrelaçaram-se, e  deixaram descendentes, cuja historia é o mais bello capitulo da gloriosa historia política de S.Paulo.

Moço ainda, activo, trabalhador e enérgico, moralizado, dedicado á familia, ao torrão natal, ao seu Estado, á patria, um verdadeiro maçon, na extensão da palavra, chega a hora do desengano, e Maximiano de Camargo morre, deixando sensível vácuo no seio da sociedade campineira e mais profunda desolação no lar doméstico. Consternaram-se a família  e os amigos, commoveu-se o povo, deploraram estranhos; só os padres romanos sorriam á socapa, alegres, contentes por mais essa bôa ocasião, que deparava-lhes a sorte, de fazerem um truc de deslealdade, um lance de perfídia,  tratando a compra e venda de missas, para, no dia e na hora aprazados, serem a família e os amigos do morto logrados, cynicamente caloteados pela padrecada romana. Atocaiados na sacristia, espreitavam anciosos o momento aprazado para um escandalo, que incomodasse a Maçonaria.

Que gente vil!

Foi isso em 25 de Novembro ultimo.

O povo revoltou-se, indignado, não pela falta de missa, mas  pela pérfida dos padres; e sangrentos conflictos ter-se-hiam dado  a não ser a benéfica intervenção do Ir.’. Bento Bicudo, que evitou formal desacato ao vigário e ao padre Damaso.

Houve então, na adeantada cidade paulista uma festa escolar: o encerramento dos trabalhos  do Kindengarten, o jardim da infância, uma das  mais bellas creações do insigne pedagogista Pestalozzi, aperfeiçoada na Allemanha. Appareceu no prestito, desfraldada aos ventos da democracia um bandeira maçonica. Estavam presentes o Presidente e o Vice presidente do Estado e o secretario dos negócios interiores, que viram  com bons olhos a Maçonaria associada aos progressos moraes da sua terra.

Mas, para os padres, inde irae! Maximiano de Camargo não tem missa…

«Em Campinas (conclue um telegrama para a Gazeta de Noticias de 26) em Campinas, onde Camargo era muito querido, receia-se que a persistencia do clero em não rezar a missa dê motivo a conflicto serio, dada a tensão de ânimos alli.»

E accrescenta :— «A esta cidade (S. Paulo) chegaram hoje vários cavalheiros que vêm assistir a missa, que amanhã (26) será rezada na Sè, sufragando a alma de Maximiano de Camargo.»

Foi. com effeito, celebrada a missa, na cathedral (na Cathedral, a residência official do Sr. bispo Arco-Verde), no dia 26, com assistência do Dr.Campos Salles, presidente do Estado, Júlio de Mesquita, Jorge de Miranda, senadores, deputados e a maioria dos cidadãos Campineiros residentes em S. Paulo, segundo um telegramma para o Paiz de 27.

Moralize-se o facto; e digam-me depois os Maçons tibios, medrosos, sem fé na instituição, digam-me si a tolerancia maçonica é isto :—Quando te derem uma bofetada na face direita, offerece-lhe a esquerda para nova injuria. Parábola do Christo, nosso Ir.’. do rito essenio, que nunca foi comprehendida pelo clero romano; e tendia simplesmente a significar a humildade dos maçons perfeitos contra a soberba das seitas dos phariseus e sadduceos, muito cheios da sua falsa sciencia theologica e, sobretudo, dos seus preconceitos aristocraticos. Parábola sublime, n’uma só phrase de fiat lux!; mas incomprehensivel para exegetas que, atidos á lettra, não podiam atinar que a lettra mala e o espirito vivifica.

Teve Carlos Gomes o sublime cantor do Guarany e da Fosca, os mais acendrados obséquios fúnebres no Pará, em S. Paulo, no Rio de Janeiro; e nos prestitos mortuarios, porfiavam padrecos romanos na honra de hombrearem com Maçons. encorporados em lojas, estandartes á frente. Cobardes! Temiam a reproducção, da nossa parte, do S. Barthélemy, d’essa tragédia infame, sanguinolenta, a mais estupenda vergonha do catholicismo, esse escarro atirado ás faces do Christo pelos padres escravos da Curia romana, pelos escravos do Papa. Hypocritas sempre, fingiam receiar-se da Maconaria, como se fossemos nós da sua lei e da sua laia.

E Carlos Gomes foi victoriado, ao subir ás regiões ethereas do gênio, até por esses corvos do papismo !

Malditos! malditos da humanidade esses miseráveis, únicos inimigos, únicos, da Maconaria universal! Nada de reservas de linguagem. Franqueza, lealdade, isenção de animo para dizer a verdade, só a verdade, mas toda a verdade- a verdade plena e inteira.

Terminávamos este artigo, quando sobrevem a tristíssima e inesperada morte do nosso presadissmo Ir.’., collega e amigo Fernando Osório, Gr.’. M.’. Adj.’. Log.’. Ten.’.. Comm.’. ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-Ministro Plenipotenciario da Republica dos Estados-Unidos do Brazil junto ao governo da Republica Argentina, ex-deputado gerai e digníssimo filho de Manoel Luiz Osório, marquez do Herval, marechal do exercito, o Napoleão dos pampas na guerra do Paraguay.

Manifestou o Gr.’. Or.’. o seu profundo pezar por tão deplorável acontecimento, ordenando as formalidades do estylo e apparelhando-se para posteriores e mais calorosas demonstrações da altíssima estima e consideração que professava para com o seu Gr.’. M.’. Adj.’.

Não tardou a apparecer, por parte do clero, le bout d’oreille da fábula. Lá estava a ponta do chifre da besta do Apocalipse. A Egreja catholica-apostolica-romana que não passa da egreja papista, prohibiu missas pelo grande Maçon.

Fez muito bem.

Nem nós, nem elle, nem a sua illustre e Exma. Família, ninguém se doeu por isso.

O padre, como qualquer outro taberneiro, vende a sua missa a quem a quer comprar. Si não lhe tôa o freguez, diz que teve o genero, mas já se acabou. Ou, sinão, pede fiador. Ou, si está zangado, fecha a porta. E’ um vendilhão, como qualquer outro, e dos mais reles.

Com gente assim não se questiona; é descer dos cothurnos, para lidar com gente que nem sabe calçar os seus tamancos.

Em falta de annuncio de missa, aliás procurada pela digna Familia do illustre morto, appareceu nos jornaes do dia a seguinte communicação:

Dr. FERNANDO LUIZ OSÓRIO

«Ernestina de Assumpção Ozorio e filhos, Barão de Jaráo (ausente), Dr. Cypriano da França Mascarenhas, D. Manoela L. Ozorio Mascarenhas (ausentes), Dr. Francisco Luiz Ozorio e senhora (ausentes) Dr. Joaquim Augusto de Assumpção e familia (ausentes), Gabriel Ozorio Mascarenhas e irmãos (ausentes), profundamente penhorados, agradecem a todos os parentes e amigos que se dignaram acompanhar até sua ultima morada os restos mortaes de seu idolatrado e sempre chorado esposo, genro, irmão, cunhado e tio DR. FERNANDO LUIZ OZORIO, communicando-lhes que não se celebrará a missa de sétimo dia, porque a igreja prohibiu a todos os seus sacerdotes de dispensarem aos maçons este acto de religião, e o Dr. Fernando Luiz Ozorio, era Grão-Mestre Adjunto da Maçonaria».

A’ vista d’isso, resolvemos, de accôrdo com o nosso Pod.’. Ir.’. Gr.’. Secr.’. Ger.. da Ord.’., suffragar a memória do nosso querido morto, distribuindo, em nome do Gr.’. Or.-. do Brazil, esmolas pelos pobres, a cargo das folhas mais antigas e de maior circulação n’esta cidade, a saber: o Jornal do Commercio, a Gazela de Noticias e o Paiz, pedindo-lhes uma prece em homenagem a Fernando Osório, junto do Supr.‘. Arch.’. do Univ.’.

E n’esse acto está a indicação do nosso proceder na actual emergência.

Guerra á padrecada romana! guerra á parte mais sensivel para os escravos do Papa :—guerra á algibeira ! Nada de missa, que nada aproveita á alma do defuncto, mas sempre e muito aquece o bolso do padre ! Nada de condescendencias com os nossos figadaes inimigos! Lembre-nos sempre o proverbio popular:—Quem o seu inimigo poupa nas mãos lhe morre!

O padre vive da missa: é o seu pão quotidiano. Tiremo-lhe a missa. Nada de missas, nada de padre !

Educação civica, a par de bem norteada educação scientifica e artística.

Artes liberaes e artes mecânicas. Todo o officio é nobre; toda a profissão nobilita o homem na sociedade.

São preceitos da nossa Subl.’. Ord.’. Sigamol-os, preguemol-os. E quem se não sentir com animo recto, varonil, para pratical-os, melhor é que se abstenha de uma sociedade, fundada nas leisa da liberdade, igualdade e fraternidade, e que exige de seus membro pureza e animo e energia de vontade.

Nada de indecisões! A fraqueza da Maçonaria está n’aqueles de seus membros que entendem licito acender uma vela a Deus e outra ao Diabo. Nada de submissão aos padres, aos ignorantes e servis padrecos romanos!

Ferro em braza á chaga; e essa mazella da Maçonaria brazileira ha de ser curada em breve.

(Publicado no Boletim # 10 do Grande Oriente do Brazil – Dezembro de 1896)

2 comentários em “A Maçonaria e a Padrecada Romana

  1. A maçonaria, inimiga da religião, criou um mundo ateu, um mundo de revoluções e genocídios. É uma anomalia, como todo produto da Modernidade não deixa de ser. Ainda bem que está em decadência.

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