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ENTREVISTA MARIO BEHRING

MÁRIO BEHRING, GRÃO-MESTRE DA MAÇONARIA BRASILEIRA, CONCEDE ENTREVISTA AO JORNAL “A NOITE”, EM JUNHO DE 1922

 

Helio P. Leite

 

Recentemente, em 17 de junho de 2015, o Grande Oriente do Brasil completou mais um ano de sua existência, data esta que não pode ser festivamente comemorada por ser feriado maçônico, conforme previsão em nossa constituição maçônica.

No entanto, conforme é sabido, a nossa Potência maçônica foi fundada em 17 de junho de 1822, mesmo ano em que o Brasil tornou-se independente, graças ao trabalho e a luta de duas centenas de maçons, cuja data é anualmente comemorada no dia 7 de setembro em nosso país e em nossas Lojas Maçônicas.

Estas duas datas, portanto, são de grande importância para nós, maçons brasileiros e pensando nelas, desde o ano de 2014, estamos realizando pesquisa sobre os acontecimentos da maçonaria brasileira no ano de 1922, tendo encontrado no Boletim do Grande Oriente do Brasil, do mês de junho de desse ano, páginas 423/425, texto de uma entrevista concedida pelo então Grão-Mestre do GOB, Dr. Mário Bering, ao jornal “A Noite”, que a publicou no dia 26 de junho daquele ano, que a seguir transcrevemos em sua ortografia original:

“O que disse á “Noite”seu Grão Mestre actual, Dr. Mario Behring

Em virtude da passagem da data comemorativa do centenário da installação do Grande Oriente, no Brasil, fomos procurar o Sr. Dr. Mario Behring, que exerce, no momento, as funções de Grão Mestre da Maçonaria brasileira, cargo em que permanecerá até 1925. O Dr. Mario Behring, nosso prezado colega de imprensa que, é, recebeu-nos com a lhaneza e a simplicidade de sempre.

– Nós desejaríamos saber, Dr. Mario Bhering, qual a orientação da Maçonaria no Brasil, hoje que ella comemora o seu centenário…

– A resposta só pode ser dada por partes. A Maçonaria com ser um instituto internacional que as mesmas leis regem, em todo o globo, affecta outras modalidades, conforme o paiz em que se desenvolvem os seus trabalhos. Há uma orientação geral e uma particular, por isso que há problemas geraes da humanidade e peculiares a cada povo. Ainda ultimamente o Congresso Internacional Maçonico de Genebra (19-28 de outubro de 1921), adotou a seguinte declaração de princípios, esposada logo pelos representantes de 12 potencias maçônicas. ‘Inspirada pelo ideal comum, cada maçonaria nacional guarda na Associação Internacional sua soberania, seu caracter próprio e suas preferencias em material de ritual. A Maçonaria, instituição tradicional, filantrópica, philosophica, progressista,baseada no principio de que todos os homens são Irmãos, tem por objeto a indagação da verdade, o estudo e a pratica da moral e da solidariedade. Trabalha pelo melhoramento moral e material, bem como pelo aperfeiçoamento intelectual e social da humanidade. Tem por princípios a tolerancia mutua, o respeito aos outros e a si mesmo, a liberdade de consciência. E’seu dever estender a todos os membros da humanidade os laços fraternaes que unem os Maçons sobre toda a superfície do globo. Considera o trabalho como um dos deveres essenciaes do homem, honrando o trabalho intelectual e o manual. Fórma uma associação de homens probos, livres e abnegados que, unidos por sentimentos de liberdade, igualdade e fraternidade, trabalham individualmente e em comum para o progresso social, exercendo também a beneficência na sua expessão mais alta. Dentro desses princípios, assenta todo o programma maçônico universal’. Outro não póde ser o da Maçonaria brasileira.

– Mas falou em orientação particular…

– E´ahi que a resposta se torna um pouco mais difícil. Há no mundo duas correntes, duas grandes correntes de orientação maçônica, uma que limita o trabalho maçônico a obras puramente de philantropia. E’ a corrente anglo-saxonia. E é preciso adeantar desde logo que esse trabalho é gigantesco, especialmente nos Estados Unidos, onde cada grande loja mantém á sua custa um estabelecimento, asylo, orfanato escola profissional…que sei eu? Nação riquuissima, onde os maçons se contam por milhões, a instituição é forte e poderosa, documentando essa força e esse poder com essas magnificas creações de pura filantropia, mantidas á custa dos irmãos. A outra corrente, a que pertencem a maçonaria dos paizes latinos, certas grandes lojas alemãs, não tão ricas, não tão prosperas, se não desdenham essas obras de beneficência, buscam, todavia, estudar também os grandes problemas sociaes, concorrendo com o seu esforço e o seu prestigio para a sua solução pacifica em beneficio da humanidade.

Entre essas duas correntes e honrando a grande união histórica do povo helvético, a maçonaria suissa buscou sempre unificar o pensamento maçônico universal, fazendo da instituição, por seu internacionalismo e sua maravilhosa organisação, a grande operadora da confraternisação dos povos. E é isso o que ella vae aos poucos conseguindo graças ás frequentes trocas de idéas entre maçons que vão de todas as partes do mundo tomar parte nos congressos internacionais, como se verificou ainda em maio passado em Lausanne.

– E o Brasil, tem se feito representar nessas reuniões ?

– Sempre. E quando é possível por maçon brasileiro. Nesse congresso de Lausanne, por exemplo, esteve pelo Supremo Conselho do Brasil o nosso consul em Roma, Alberto Gracie.

– Então a orientação da maçonaria brasileira é a da segunda corrente ?

– Mas, naturalmente. Nós maçons brasileiros não nos contentamos em constituir uma grande associação, em nos considerarmos irmãos, prestando uns aos outros mutuo auxilio. Estamos convencidos de que a maçonaria tem ainda muito que fazer no mundo, uma grande obra proveitosa á humanidade. O nosso nome de maçon indica que somos constructores, constructores de um templo ideal, com material vivo que desbatamos com o aparelhamento do espirito; transformando o profano, grosseio, egoísta e ignorante em um iniciado plenamente esclarecido sobre tudo o que se relaciona com o trabalho constructivo humanitário da maçonaria.

– Nesso ordem de idéas então a maçonaria brasileira…

– Procurará agir. Passa agora o Centenario da nossa Independencia, como o centenário da maçonaria. Os estudos históricos daquele magno acontecimento tiveram a virtude de pôr em foco os trabalhos maçônicos em prol da nossa emancipação.Já hoje, ninguém, de bôa fé poderá negar a parte principal que teve a ordem maçônica no advento dos grandes passos progressivos que findaram em 12 de outubro com a aclamação do 1º imperador, maçom, também. As grandes figuras de José Bonifacio, Gonçalves Ledo, José Clemente, conego Jannuario e tantas outras são glorias da maçonaria, como glorias da Patria. Foi em uma modesta casinha da hoje rua Frei Caneca, quase a sair ao campo, onde se reuniam os Pedreiros Livres em 1822, que se tramaram os principais feitos que nos levaram á Independencia. E, era um grupo de uns duzentos patriotas, si tantos, dispersos log após á coroação, pelos ciúmes políticos até depois de 7 de abril.

– A maçonaria é, pois, uma associação que intervém na politica ?

– Não é. Associação de caracter internacional, nós temos no Brasil lojas compostas quase que exclusivamente de estrangeiros, que por isso mesmo não solicitaríamos se imiscuíssem em questões de nossa politica. Depois, aquella base de tolerância, essência mesmo da maçonaria não permitiria a adesão da Ordem Maçoncia a um partido politico. Mão indagamos daqueles que nos procuram das suas crenças, nem de suas inclinações politicas. Aliás nossas leis prohibem expressamente que esses dois assumptos, os mais próprios para crear dissídios entre pessoas que se estimam e fraternizem mesmo, sejam discutidos nas reuniões maçônicas.

– Como conciliar, pois, esse trabalho, essa orientação a que se refere, com essa proibição ?

– Os agrupamentos maçônicos são oficinas de trabalho, campo neutro onde podem ser expostas as doutrinas, sem que um voto, porém, possa implicar a adesão da maçonaria a essa ou áquella. A maçonaria é humanitarista, deve ser humanitária. Ella deseja ver a humanidade “una”; é internacional; o pensamento maçônico é “todos os homens são irmãos”. E’ um elemento de cultura. Suas idéas fundamentais ajudarão a humanidade a sair do chãos espiritual, della fazendo como quer Fichte: “uma só comunidade crente e moral pela propaganda; como quer Henry Moller, “da cultura do espirito e da moral em um sentido humanitário e sobre a base do amor universal”.

Nenhuma Instituição póde, como a maçonaria, ser a um tempo legisladora, guia e instructora na questão social.

Concluo, citando-lhe algumas palavras de um eminente irmão francez: “ A maçonaria tem um passado glorioso. Tem por ponto de apoio a tradição e por motor o ideal de progresso. Sem base, o agrupamento é instável; sem motor é imóvel, sem utilidade. Possue a maçonaria esses dois elementos de acção; é tradicional e inovadora. Estamos actualmente na phase social da maçonaria. Ella não deve hesitar um só momento em trabalhar para uma melhor repartição de riquezas e da felicidade”. E é o quanto lhe posso dizer e me permitem naturaes reservas.””

Voltando aos dias atuais ! Esta entrevista foi concedida a um jornal em circulação na cidade do Rio de janeiro, antiga capital do Brasil e sede do Grande Oriente do Brasil, em face do primeiro centenário da Maçonaria brasileira, que até o ano de 1926 foi mantida e desenvolvida por uma única potência maçônica.

Registre-se, que por motivos internos a data e o centenário do Grande Oriente do Brasil não foi comemorado, embora tivesse sido nomeado uma Comissão do Centenário e de ter sido disponibilizado verba orçamentária para cobrir gastos com eventos a ser realizados. Mas essa é uma outra história, que em outra oportunidade comentaremos.

No entanto, como é público e notório, no mesmo ano de 1922 comemorou-se o centenário de nossa Independência, com um calendário de festejos comemorativos que adentraram no ano de 1923, tema este que também será comentado em outro artigo.

Vale lembrar, por oportuno, que à época do centenário do centenário o Grande Oriente do Brasil administrava os graus simbólicos e os Altos Corpos, os quais somente foram apartados em 1927, ano que nossa potência passou a cuidar tão somente dos três primeiros graus dos Ritos então adotados.

Caro leitor, estamos caminhamos céleres para o bicentenário do Grande Oriente do Brasil, que acontecerá no dia 17 de junho de 2022 e esperamos que desta vez ele seja amplamente festejado, muito embora ainda não saibamos quem será o maçom que estará ocupando o honroso cargo de Grão-Mestre Geral do GOB, quem será o Grão-Mestre Geral do bicentenário, sendo certo que aquele que foi eleito para tal cargo nas eleições de maio de 2018, deverá incluir em suas metas a comemoração dos duzentos anos da Maçonaria no Brasil.

Helio Pereira Leite – Conselheiro Federal do Grande Oriente do Brasil.

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