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A Estrutura do Craft inglês e a questão da religião em Maçonaria

Por J. Filardo M.’.M.’.

A palavra Craft pode ser traduzida em Português por “ofício” e é o nome dado ao rito adotado pela maçonaria anglo-saxã. Ele evoluiu desde o Rito das Antigas Obrigações, passou pelo calvinista “Palavra do Maçom”, permaneceu algum tempo sob a constituição de 1723 e finalmente foi estabilizado em 1813 quando a Grande Loja de Londres recuou em seu posicionamento revolucionário em relação à religião natural e presença do Livro da Lei em loja, e adotou os costumes dos Antigos com a criação da Grande Loja Unida da Inglaterra. A essa altura, os graus de Mestre e Real Arco já se consolidaram, visto que não existiam na maçonaria inglesa antes de 1740. Entre os Maçons Antigos, originários da Irlanda, o grau já existia, inclusive com o grau lateral do Real Arco que se transmitiriam depois à maçonaria inglesa.

Sendo a Maçonaria originária das guildas de pedreiros e não uma ordem cavalheiresca de cruzados, ela se organiza em três graus, o Entered Aprentice (Aprendiz), o Fellow Craft (Companheiro) e o Master Mason (Mestre) e baseia-se na simbologia ligada à profissão de pedreiro e construtor. Seguindo a tradição, eles se agrupam em “Lojas” que se reúnem em salas especialmente decoradas.

É importante destacar que as lojas existiam muito antes de 1717. O que não existia era uma organização centralizada que coordenasse ou tivesse autoridade sobre o “ofício”. Isso só começou a surgir na Escócia no século XVII quando William Schaw organizou as lojas dispersas e as colocou sob um regulamento e a chefia de um Grão-mestre e foi também quando começaram as adesões de homens alheios à profissão de pedreiro que se tornavam “maçons”, um pouco como existem hoje os títulos honorários, os maçons especulativos e não operativos.

Pouco a pouco, com a queda de encomendas de grandes obras, as guildas entraram em decadência e aceleraram a admissão desses “cowans” ou “profanos” como eram chamados os não-maçons, entre eles nobres que ofereciam proteção e prestígio.

As lojas também se tornaram populares entre os militares, onde cada regimento tinha sua própria loja itinerante, o que contribuiu para a disseminação da maçonaria por todo o Reino Unido e mesmo no Continente.

O final do século XVII na Inglaterra, bem como o início do século XVII foram muito tumultuados pelas disputas dinásticas pelo trono inglês que dividiram o reino entre católicos e protestantes.

A Inglaterra era protestante desde o século XVI quando Henrique VIII rompeu com o Papa e criou a Igreja Anglicana. A partir de então, os reis ingleses passaram a ser protestantes. Mas, entre os pretendentes ao trono havia nobres escoceses católicos que tinham direito ao trono por dinastia, o que tumultuou muito a sociedade da época.

Nesse contexto, as lojas de origem escocesa e irlandesa, devido à influência da Igreja Católica naqueles países, posicionaram-se a favor do pretendente católico escocês da Casa de Stuart, ao passo que a Sociedade inglesa protestante apoiava o pretendente protestante da casa de Hanover.

A sociedade inglesa, ou Establishment, visando contrabalançar o apoio das lojas escocesas e irlandesas ao Pretendente, encomendaram aos Iluministas da Royal Society, uma constituição de loja maçônica isenta de filiação religiosa, que seria usada para galvanizar apoio ao candidato alemão da Casa de Hanover. Sendo assim, o pastor Desagulliers designou o pastor Anderson para esse trabalho. Sendo um produto do novo espírito iluminista que surgia na época, a nova instituição introduziu um conceito revolucionário de religião natural, que laicizava a instituição, rompendo com a tradicional vinculação da Loja à Santa Madre Igreja e permitindo, assim, a filiação de homens de todos os credos e teoricamente de todas as raças que não eram necessariamente pedreiros. Eram as lojas especulativas dedicadas ao estudo e não à construção de edifícios.

Os organizadores reuniram algumas lojas operativas (de pedreiros de verdade) que se congregavam alegremente em tabernas londrinas e constituíram uma Grande Loja, uma superestrutura que passaria a organizar, autorizar e fiscalizar a atividade de lojas maçônicas na Inglaterra. Passaram a cobrar taxas para autorizar o funcionamento de novas lojas, como uma franquia.

As Constituições de Anderson encomendada pelo Pastor Desagulliers continham visões diferentes da tradição das guildas até então mantidas pelas lojas. Seu Artigo Primeiro é:

“Em relação a Deus e a Religião

Um maçom é obrigado por sua condição a obedecer à lei moral e, se compreende bem a arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso. Embora nos tempos antigos os maçons fossem obrigados em cada país a praticar a religião daquele país, qualquer que fosse ela, agora é considerado mais conveniente apenas obrigá-los a seguir a religião com a qual todos os homens concordam, isto é, ser homens bons e verdadeiros, ou homens de honra e probidade, quaisquer que sejam as denominações ou confissões que ajudam a diferenciá-los, de forma que a Maçonaria se torne o centro de união e o meio para estabelecer uma amizade sincera entre homens que de outra forma permaneceriam separados para sempre”.

Se compararmos à visão dos Maçons Antigos contida no Ahiman Rezon, a constituição da Grande Loja de Toda a Inglaterra:

“Em relação a Deus e a Religião

Um maçom é obrigado por seu mandato a obedecer à Lei Moral com um verdadeiro Noachita e se compreende bem a arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso nem agirá contra a Consciência. Em tempos antigos os maçons eram obrigados a cumprir os usos Cristãos de cada país onde ele viajasse ou trabalhasse, sendo encontrado em todas as Nações, mesmo de Religiões diferentes.

Eles são geralmente obrigados a aceitar aquela Religião com a qual todos os homens concordam (deixando cada Irmão à sua própria Opinião particular) , isto é, ser homens bons e verdadeiros. Homens de honra e probidade, sob quaisquer denominações, religiões ou confissões que ajudam a diferenciá-los, pois todas concordam com os três grandes Artigos de Noé, suficientes para preservar o Cimento da Loja.

A Maçonaria é o centro de sua União e o meio feliz de conciliar pessoas que de outra forma permaneceriam separados para sempre”.

Constatamos uma divergência profunda no que se refere à religião, o que sustentou uma querela entre as duas Grandes Lojas que só chegaram a um acordo em 1813, quando a Grande Loja de Londres aceitou a posição da Grande Loja da Inglaterra e constituíram a Grande Loja Unida da Inglaterra.

Conforme dissemos acima, as lojas eram compostas de Aprendizes e Companheiros chefiados por um Mestre que era eleito por um determinado período. Assim, pouco a pouco o grau de Mestre de Loja foi surgindo e subsequentemente surgiu o grau “lateral” do Real Arco. Esse “grau lateral” surgiu na Irlanda e foi adotado pelos ingleses, primeiramente como um complemento ao grau de Mestre, daí o nome de “grau lateral”. Atualmente ele é, na prática, um quarto grau na estrutura do Craft.

Essa maçonaria, mesmo depois de 1813, quando prevaleceram os usos e costumes da Maçonaria Antiga, representada pelos irlandeses e escoceses de influência católica, é fiel à noção de que todas as religiões são aceitas na Maçonaria. Nos três primeiros graus, pelo menos.

Dessa forma, o Craft exige uma fé, obrigatoriamente, para o ingresso na Ordem, independente de grupo étnico, opiniões políticas e condições econômicas ou religião. Na Inglaterra, diferentemente da maior parte das maçonarias do restante do mundo, o interessado em ingressar na Maçonaria manifesta seu desejo a um maçom conhecido, ou atualmente, pode preencher um formulário online.

Seu pedido será analisado, uma pesquisa de antecedentes discreta será realizada e, uma vez liberado, será encaminhado para a loja mais próxima de seu endereço, onde será “feito” maçom em loja.

Terá assim, ingressado no grau de Aprendiz, onde permanecerá por um curto período, aprendendo as noções básicas da instituição, após o que “subirá” para o grau de Companheiro e daí para o de Mestre.

Sua carreira pode, se assim o desejar, se encerrar nesse grau e nele permanecer por toda a sua vida maçônica. Ou poderá pleitear, de pleno direito, a presidência da loja, quando passará a ser Mestre de Loja. Este é o ápice da hierarquia. Terminado o mandato, passará a ser um Past-Master (ex-Venerável) da loja.

Essa é a estrutura da chamada Maçonaria Simbólica que funciona da mesma forma em todo o mundo.

Entretanto, nem todos os Maçons se limitam às possibilidades da Maçonaria Simbólica e querem prosseguir. Para esses irmãos, existem outras ordens complementares à Maçonaria que têm como pré-requisito o grau de Mestre Maçom para o ingresso. São organizações independentes do Craft, no caso.

É interessante notar que os mesmos ingleses que não discriminam religiões nos três primeiros graus, impõe o Cristianismo Trinitário à maior parte das Ordens suplementares à Maçonaria, principalmente nos níveis mais altos da estrutura.

Sendo assim, qualquer Mestre pode ingressar na Ordem do Santo Real Arco, ou na Ordem de Maçons Mestres de Marca, ou na Ordem do Monitor Secreto. Mas, só poderá ingressar na Societas Rosicruciana in Anglia, na Real Ordem da Escócia, ou no Rito Antigo e Aceito se for Cristão Trinitário.

E não para aí. Depois de ingressar na Ordem de Maçons Mestre de Marca, ele só poderá ingressar na Fraternidade de Marinheiros da Real Arca e fim de carreira. Ou se tiver o grau de Real Arco além de Marca, poderá pleitear a entrada na Ordem de Athelstan, ou na Ordem de Graus Maçônicos Aliados, ou na Ordem de Cavaleiros Maçons e na Ordem dos Mestres Reais e Seletos e daí na Ordem da Trolha De Prata que é o mais alto nível a que pode chegar um maçom não-cristão trinitário.

Se escolher a Ordem do Monitor Secreto, somente poderá entrar para a Ordem do Cordão Escarlate. E fim de carreira.

Entrando na Ordem do Santo Real Arco, ele ainda tem mais chances de progresso. Poderá, se tiver o grau de Santo Real Arco, além do grau de Mestre de Marca, por exemplo, ingressar na Ordem de Athelstan, ou na Ordem de Graus Maçônicos Aliados, ou na Ordem de Cavaleiros Maçons. E se ingressar, como pode, na Ordem dos Mestres Reais e Seletos ainda terá uma chance de entrar na Ordem da Trolha De Prata que é o mais alto nível a que pode chegar um maçom não-cristão trinitário.

Agora, se for Cristão Trinitário, poderá ingressar na Ordem da Cruz Vermelha de Constantine, e fim de carreira.

Mas, se ingressar na Ordem de Cavaleiros Templários e Cavaleiros de Malta, as portas se abrem para o nível mais alto da estrutura, onde só se ingressa se for Cristão Trinitário. Terá como opções a Ordem de Sacerdotes Cavaleiros Templários da Santa Real Arca, a Ordem de S. Tomás de Acon e a Ordem de Cavaleiros Beneficentes da Cidade Santa.

E finalmente, se ingressou na Ordem de Sacerdotes Cavaleiros Templários da Santa Real Arca, poderá entrar para a Ordem as Sabedoria Santa.

Complicado, não? Tudo porque muitos maçons não se identificam com a simplicidade do ofício de pedreiro e sentem uma necessidade imperativa de serem vistos como cavaleiros andantes à procura de donzelas em perigo.

Curiosa era a posição da Grande Loja Unida da Inglaterra, muito crítica em relação às Ordens, como podemos ver em uma carta do Grão Mestre da GLUI – Thomas Manningham em 1757:

“As únicas ordens que conhecemos são três, Mestres, Companheiros e Aprendizes, e nenhuma delas chegou à honra de Cavalaria pela Maçonaria; e eu acredito que você mal pode imaginar que, em tempos antigos, a Dignidade da Cavalaria florescesse entre os Maçons; cujas lojas até agora consistiram de maçons operativos e não maçons especulativos. Cavaleiros da águia, Cavaleiros da Espada, eu li em romances, o próprio grande Dom Quixote foi feito Cavaleiro do Capacete de Bronze, quando ele venceu o barbeiro. Cavaleiros da Terra Santa, São João de Jerusalém, Templários, etc., existiram, e acredito que agora existem os Cavaleiros de Malta, mas o que é isso para a Maçonaria?”

(in https://bibliot3ca.com/afinal-somos-pedreiros-ou-cavaleiros-andantes/ )