Tradução José Filardo
Por Victor Guerra
Este trabalho pretende ser um texto didático sobre quem foi o inspirador do Rito Francês no Grande Oriente da França, e foi baseado em um texto de Tanang publicado na revista La Chaîne d’União n º 14 – 15 (2000 – 2001) relativo a uma entrevista imaginária feita com Roettiers de Montaleau, que se desenvolveu depois de fazer algumas perguntas:
- O que é o rito francês?
- Qual é a sua história, sua substância e seus ensinamentos?
- Que elemento simbólico ou filosófico pode trazer ao trabalho maçônico em relação a outros ritos de nossa rica tradição?
Para responder a algumas das perguntas que fizemos, teremos que subir aos altos picos do Oriente Eterno, para desta forma e pela mão desse grande animador que era Roëttiers de Monteleau, de uma equipe que estabeleceu nos primeiros anos da década de1780, o primeiro ritual do Rito Francês no seio do GODF, salvador dos arquivos do Grande Oriente da França durante o Terror, a quem se deve ter sido o principal artífice da reconstrução da Obediência após a Revolução.
P: Sereníssimo Grão Venerável … Alexandre Roëttiers de Montaleau
RDM: Meu querido Irmão, hoje como há dois séculos essa expressão tem uma acolhida confortável em meu coração. Depois de um século tumultuado, os irmãos do GODF especialmente os Irmãos de hoje estão preocupados com a dimensão iniciática da Maçonaria. Neste sentido, eles se perguntam sobre a natureza dos ritos que reestruturam a vida da Maçonaria. Os irmãos que praticam o Rito Francês têm, por vezes, dificuldade para defini-lo em relação aos outros ritos de personalidade forte.
P: VM, como você apresentaria o Rito Francês?
RDM: É preciso recordar em primeiro lugar que essa expressão, Rito Francês, é bastante tardia. Eu entendo que a primeira vez de que fala dele é nos anos 1780, mas seu uso generalizou-se após 1804 com o aparecimento do REAA. O surgimento de outros ritos leva a ser chamado Rito Francês o rito que era praticado na França, desde tempos imemoriais. Como se sabe, esse Rito reúne, em realidade, os usos maçônicos que chegaram a Paris em meados do ano 1720 com a própria Maçonaria.
Por muito tempo eram as únicas cerimônias maçônicas conhecidas em nosso país. O Rito Francês aparece como a versão francesa, ou seja a tradução dos rituais ingleses da primeira Grande Loja de Londres.
P: Por que, então, ele é chamado de “Rito Moderno”?
RDM: Como sempre acontece na Maçonaria, é necessário desconfiar das palavras … Seu sentido maçônico muitas vezes o leva para longe de seu significado comum, e portando, podem-se fazer interpretações e contraditórias! “Modernos e Antigos,” Na história da Maçonaria, estes termos não têm o mesmo significado indicado nos dicionários. Esses adjetivos se referem a uma antiga disputa que ocorreu na Inglaterra em meados do século XVIII, entre a primeira Grande Loja de 1717 e a segunda organização maçônica que aparece um pouco mais tarde, em 1753 – embora se pudesse considerar como mais nova ou moderna, visava preservar os costumes antigos, daí o título de “Antigos” . A Grande Loja dos “Antigos”, acusava a primeira Grande Loja de ter feito várias contribuições aos Rituais e de reunir em torno de si apenas os maçons chamados “Modernos” . Este adjetivo “Moderno” teria, portanto, um caráter pejorativo, dependendo de como a pessoa se posiciona na controvérsia.
A situação fez com que, paradoxalmente, se denominassem “Modernos” os irmãos da primeira Grande Loja de 1717, data que é sempre citada como o surgimento da Maçonaria Especulativa. Portanto, os “Antigos” foram os animadores da Grande Loja fundada em 1753. Este rito, o nosso, o Rito Francês, chega de Londres em torno de 1725, e foi a única prática ritual por um longo tempo na França, e era aquele praticado na primeira Grande Loja, e hoje é o ritual chamado dos “modernos” de 1717, traduzido para o francês.
P: Seria o Rito Francês, portanto, o herdeiro direto dos rituais da primeira maçonaria especulativa?
RDM: Completamente, e isso explica em parte sua sobriedade e essa forte coerência simbólica.Os outros ritos foram construídos pela incorporação de diversos usos maçônicos, tais como elementos teosóficos, conforme foi o caso do Regime Escocês retificado, ou o caso do REAA. Estes são compilações simbólicos feitas ao longo dos anos. O rito será chamado a partir do início do século XIX e de forma determinante, permanecerá conforme foi batizado: Rito Francês ou Rito dos “Modernos” devido à sua origem e a influência que teve durante todo o século XVIII, e ao fato de que é constituído em um aparato ritual muito simples, as duas colunas do templo e seu pórtico, o tríptico: sol, lua, e o Venerável Mestre da Loja, as três luzes, o prólogo de João. A aplicação do ritual implica, portanto, em uma meditação sobre as correspondências simbólicas entre esses elementos. De certa forma, pode-se dizer que o Rito Francês, é o que o escocês Robert Kirk dizia em 1696 dos mais antigos rituais maçônicos que conhecemos: Eles são uma classe de especulação rabínica sobre Jakin e Boaz, as duas colunas do templo de Salomão.
P: Seria o Rito Francês, portanto, o conservador dos mais antigos usos da antiga maçonaria?
RDM: Tenho aqui uma proposta que vai surpreender mais do que uma pessoa. Como toda apresentação sempre é, talvez, um pouco simples, e, portanto, deve ser um tanto matizada, enfatizando dois pontos. Todos os rituais se modificaram, em particular no Grande Oriente da França, e especialmente desde meados do século XIX. Minha posição talvez não tenha a altura suficiente, mas eu a menciono, pois às vezes eu tenho a impressão de que as ferramentas da maçonaria tornaram-se mais papel, borracha e lápis. Mas, sobretudo, creio que o Rito Francês continua a ser geralmente muito fiel aos usos primitivos da Maçonaria. Foi um Rito muito ativo nos anos 1740, pois continha um importante patrimônio simbólico que desenhou a própria personalidade da Ordem na França: o ideal de cavalaria, mas não inserindo tal ideal em uma mitologia medieval, mas em um Século das Luzes que via em tal ideal um conceito regenerador inflamado pela chamada de um autêntico ideal de cavalaria. É preciso não se esquecer de que a Maçonaria na França se via e se vivia como um ideal de cavalaria. Em uma sociedade especialmente rígida, com o Rito Francês como um ideal pretendia reunir a todos como iguais, reabrir o conceito de horizonte, restaurar o ideal de perfeição e o gosto pelo serviço aos outros.
P: Estas dimensões cavalheirescas não estão mais presentes nos altos graus?
RDM: É verdade, e se desenvolveram plenamente nos altos graus, mas também está presente nos graus simbólicos. O ponto da cerimônia para coroar a iniciação, o portar a espada em loja e a fita azul do Rito Francês são os sinais exteriores mais visíveis. O porte da espada por todos os Irmãos em Loja desaparece no último terço do século XIX, mas o cordão permanece como uma grande insígnia do maçom e chegou até nossos dias. Mas esses cordões, com seu tom de azul tão particular, sempre estiveram associados ao Rito Francês, embora fossem a imagem da Ordem do Espírito Santo, a Ordem de Cavalaria de maior prestígio na França antes da Revolução. Hoje eles representam e simbolizam o enquadramento dos irmãos na “Busca” pela verdade. A busca cavalheiresca é uma das grandes figuras do acesso ao ideal da perfeição no Ocidente. O cavaleiro renuncia aos confortos do cotidiano para ir em conquista de um ideal. Este arquétipo da cavalaria foi transmitido da Idade Média, por esses romances que então eram lidos, e cujas mitologias ainda inflamam nossa juventude. Nosso século – desculpam-me – meu século é o século XVIII, é um século de transição, um século que se interroga. A busca cavalheiresca nos pareceu um modelo atemporal do destino humano, seus anseios, suas lutas e suas esperanças.
P: Maçonaria e Cavalaria seriam, portanto, as duas fontes nas quais bebeu o Rito Francês?
RDM: Sim, é pelo menos um ideal que tem muita presença em meu tempo; por outro lado, a Cavalaria do Oriente, a terceira Ordem do rito, representa bem essa dupla natureza do Rito Francês. A exemplo dos israelitas que reconstruíram o Segundo Templo e os irmãos têm simbolicamente a paleta em uma mão e a espada na outra.
P: Mas estas características fundadoras do Rito Francês estão enterradas sob as reformas e modificações que sofreram as redações dos Rituais? Você mesmo foi um daqueles que fixou o Rito como o texto oficial que GOdF adotou em 1785.
RDM: Extensa questão, pelo menos no que diz respeito à minha participação na redação dos primeiros rituais oficiais do GODF nos anos 1780, eu diria que “criamos” um Rito. Nossa intervenção limitou-se a fixar os usos da época ¬ incluindo os usos nos graus superiores. A partir do final dos anos 1750, são constantemente praticados nas oficinas, a sequência de graus chamadas Eleito, Escoceses, Cavaleiro do Oriente e Rosa Cruz. O ritual de 1801, conhecido sob o nome de “Regulador do Maçom” é o texto de referência do Rito Francês é o mesmo que estabelecemos, meus amigos Graffin, Milton, Salivert, Tassin e que foi adotado pelo GODF em 1785.
P: Mas o Rito Francês praticado hoje pelos irmãos do GODF é realmente o mesmo que você nos descreve?
RDM: É verdade que o Rito Francês conheceu grandes evoluções que, às vezes compreendemos mal. Mas, é um ritual que tem sido usado há muito tempo entre os irmãos franceses, e os acompanha em seus projetos, suas esperanças, seus sonhos há mais de dois séculos, por isso eu entendo que os irmãos o tenham ajustado às suas perspectivas e a seus métodos intelectuais. Nem por isso fica obscurecida a sua mensagem. Observa-se na versão do Rito Francês certo positivismo, recolhido pelo irmão Amiable e adotado nos rituais do GODF em 1887. Mas, este é o resultado de um trabalho laborioso e o desejo dos homens do século do século XX, assim como aconteceu com o texto que fixamos em 1785. Nós, e eles hoje somos o fruto de nosso tempo.
P: Pode ser mais específico?
RDM: Concretamente, a própria estrutura da loja permaneceu a mesma: o lugar das colunas e os vigilantes, o estilo de abertura e a bateria. O Rito Francês é fiel aos primeiros usos da Maçonaria especulativa de 1717. Você sabe que na Inglaterra, a fusão entre as Grandes Lojas de “Antigos e Modernos” em 1813, deu lugar à Grande Loja Unida da Inglaterra e, em consequência isso produziu um rito muito próximo do rito dos “Antigos”. Muitos dos usos primitivos dos “Modernos” desapareceram da maçonaria de cunho anglo-saxão, mas não do Rito Francês. Além disso, por sua própria simplicidade, alguns elementos tiveram ao longo do tempo uma boa recuperação. Fico surpreso ao constatar, por exemplo, que a instrução para o grau de Aprendiz que o GODF divulgou na última edição do seu memorando, em setembro de 2000, é quase a mesma que fora estabelecida por nós em 1785 – e tal instrução do Aprendiz é, apesar de tudo, um elemento fundamental na vida maçônica!
P: Mas, como você se sente em relação à evolução do Rito Francês, que foi um dos seus grandes entusiasmo durante toda a sua vida?
RDM: Como vocês mesmos dizem, o Grande Oriente converteu-se em filosófico, com um claro enquadramento social e filosófico, e, embora siga presente, esta quota prometeica é muito diference da dimensão cavalheiresca do Rito Francês do século XVIII. Não deixa de ser curioso que, em uma época já referida em que se respeitava muito pouco certos elementos do ritual, o único elemento de decoração dos irmãos permaneça com este rigor, ou seja o Cordão e o Avental com essa cor característica do Cavaleiro do Espírito Santo, e que se rebatizou azul republicano. Basicamente, a Cavalaria não deixa de ser uma luta pela libertação e emancipação do outro … e, portanto ¬ talvez de si mesmo.
P: Como você vê hoje o Grande Oriente da França e seus GG. ·. MM. ·.?
RDM: A verdade é que o Grande Oriente de França tornou-se uma potência maçônica de primeira grandeza, onde o RF é um dos emblemas de sua bandeira e singularidade; como organização tem ele inclinou em direção ao trabalho e a proteção social. embora eu suponha que com esta quantidade de lojas haverá quem esteja trabalhando na discrição e no silêncio sobre as questões, diríamos, mais maçônicas, sem esquecer outros tipos de reflexão, Mas, eu estou feliz por que ao final tanto esforço tenha esta digna recompensa. Quanto à Obediência, esta é outra história, e sobre os GG. ·. MM. ·., eles existem e existiram como em uma drogaria, bons, maus e regulares, de todas as formas, eu acho, que está acontecendo todo um axioma no GOF e que embora em séculos anteriores, as elites culturais estivessem no comando das lojas e da Obediência, hoje parece ocorrer o contrário; as bases do trabalho maçônico do GOF, ou seja, o povo maçônico é de uma altíssima qualidade intelectual, e a mudança no comando da Obediência não está a esta altura; o Conselho da Ordem às vezes, se parece mais com uma República de policiais aposentados; não se vê mais que algumas ações, como a de Lambicchi respondendo a uma piada por meio de uma circular ao povo maçônico. Tenho dito.
Alexandre Roëttiers de Montaleau.
Pai do rito francês, do ritual de 1802, jamais será pai deste rito moderno que praticamos no Brasil (especialmente no GOB), este de autoria de Louis Amiable, que simplesmente modificou sem dó todo um ritual em prol do Adogmatismo e positivismo.
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