Por: Walter Roque Teixeira (Médico Neurologista) **

Vamos esclarecer?
Realmente, não é possível conhecer totalmente a Maçonaria, pois, do ponto de vista vivencial pode-se conjecturar a existência de muitas formas de ser Maçom; por vezes, exagero pensando que a sua prática seja quase individualizada; há um senso comum, contudo, reina uma série enorme de convicções individuais.
Assim pensando, cada Loja, unidade legal básica e fundamental, para não nos estendermos além deste microambiente, tem características próprias e isto, naturalmente, faz com que, do ponto de vista prático, afora os Rituais e a legislação específica, a Instituição, igualmente ao seu elemento mais básico, o Homem Maçom, acabe comportando-se como um mosaico.
Dizendo isto, esclareço que a Maçonaria que conheço é aquela que convivo e vivo, em níveis diversos, sem especificidades e sem rotulações; enfim, é como diz a letra da música “Victória” de Noel Rosa [1]: “O que eu falo é bem pensado. Não receio escaramuça. E que aceite a carapuça quem se sente melindrado”.
TDAH? Sim, significa “Transtorno do Défice de Atenção com (… ou sem) Hiperactividade”.
Mas “que negócio é este?”, pergunta-me um amigo e irmão; e isto acrescido a factos que ultimamente ocorreram no nosso meio motivou o desenvolvimento da ideia.
Metáfora, escolhendo a parte da definição que me interessa, é uma figura de linguagem em que se transfere o nome de uma coisa para outra com a qual é possível estabelecer uma relação de comparação.
Vamos lá! Sabemos que comparar, do ponto de vista comportamental, Maçonaria com TDAH é muito injusto e muito inadequado! Não passa, pois, de uma metáfora!
Sim, talvez o título devesse mudar para “parte dos líderes maçónicos comporta-se como se tivesse TDAH”, pois a Maçonaria tem a organicidade de uma Instituição juridicamente reconhecida e, antes de tudo, é iniciática, filosófica, filantrópica, progressista e evolucionista. Logo, não é portadora de TDAH!
Já neste início de discussão, desde o título, devo ter conseguido algumas escaramuças como dizia Noel Rosa [1]; mas que fazer? Vamos continuar a saga e tentar desenvolver o raciocínio (ou a metáfora).
Neste contexto, apenas me utilizo do conceito para gerar, confesso, uma crítica e esclareço que para meu uso, crítica é somente uma figura linguística que se refere à expressão de uma reacção pessoal que algo, seja um tema ou comportamento, me provoca; desta forma, como visão individual não pode pretender representar verdades e, assim, não deve ter outra interpretação além da intenção de estimular discussões que possibilitem mudanças.
Não ocorrerão mudanças sem discussões!
A passividade e acomodação não são boas conselheiras para ninguém, muito menos, para uma instituição secular como a Maçonaria.
Para não me apoiar em compêndios médicos e nem numa bibliografia técnica extensa tentando demonstrar o que não se é, um especialista na área de TDAH, busquei uma definição de fácil acesso numa associação reconhecida [2]: “O Transtorno do Défice de Atenção com Hiperactividade é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade”. Embora, actualmente, haja fortes convicções sobre o início na adolescência e talvez mesmo, no adulto.
Vamos, pois à metáfora como suporte à crítica, sem obviamente, entrar em discussões controversas sobre variações conceituais do problema, pois não é o foco.
Como base comportamental do portador de TDAH, especialmente no adulto, para a qual devemos atentar-nos e priorizar é a habitual e prejudicial característica de desatenção às consequências futuras do que fazemos ou deixamos de fazer no presente [3].
As decisões, estabelecimento de prioridades, acções e atitudes adoptadas no presente é que determinarão como será o nosso futuro. O “presente nada mais é do que a preparação para as consequências futuras” [3]. E esta, como dito e para reforçar, é uma das maiores dificuldades dos portadores de TDAH!
Temos um condicionamento neurobiológico no funcionamento dos nossos lobos frontais, especialmente e sem entrar em detalhes, que aproxima o futuro do presente.
Isto inclui um sistema de recompensas voltado para, socialmente, obter-se algo no futuro a partir do se faz agora. A conquista de metas planeadas dá prazer e prestígio. Se estivermos desatentos para o que pode acontecer depois, não conseguiremos dar a importância, o peso real, para fazer o que se deve fazer agora; ou seja, se não estivermos atentos às consequências futuras, não daremos a necessária importância ao que ocorre no momento.
O que vai acontecer no futuro [8] [3] – probabilidades e consequências que depende do conjunto de experiências pessoais e culturais (que nada mais é do que a representação do passado, do adquirido), circunstâncias/contexto do momento que caracteriza o presente e, o mais importante, que é desenhar mentalmente os diversos cenários que nos prepararão para as consequências futuras [3].
Temos que ter aquela sensação sistémica de angústia, aquele “frio na barriga ou na espinha” que gera a ansiedade e o medo; aquela sensação de mal estar, ao imaginarmos que se algo acontecer no futuro que não trabalhamos preventivamente no presente, seremos responsabilizados por não termos feito o que devíamos.
Se a isto não dermos a devida importância, acabaremos cumprindo o básico das nossas obrigações, deixando apenas o tempo passar, esperando sair aparentemente ilesos das responsabilidades que, social e institucionalmente, nos foram atribuídas. Como alguém já disse: se me cobrarem, não pago; se não me cobrarem, esqueço!
Muitos indivíduos agem na sua comunidade buscando caminhos para antecipar consequências e são taxados pejorativamente de “extemporâneos”, “apressados”, “nervosos” ou “ansiosos”; agem hoje pensando no futuro e parecem estar sempre buscando recompensas, quase nunca para si, mas para a comunidade em que vivem; mas invariavelmente são pouco entendidos ou valorizados no presente; com sorte o serão no futuro! E aí, já não interessará mais!
Outros não conseguem enxergar este futuro; são mais voltados para o presente e não se preocupam com as consequências futuras dos seus actos. Agem como se as consequências futuras não fossem a chave que regulam o funcionamento no presente [3].
Têm, portanto, uma insensibilidade às consequências futuras dos seus actos no presente. Não activam o sistema de recompensas futuras, pois as buscam agora, no presente, no imediato. E estes, pelas suas aparentes “proactividades” (ou impulsividade?) são taxados como “realizadores” e valorizados. Este resolve! Mas a que preço?
E estas são características comumente encontradas naqueles portadores de TDAH! Foco no presente e sem condições neurobiológicas de planear o futuro!
E isto seria comum na nossa Instituição? Deixo a resposta ao leitor deste texto, se houver algum.
Aí surgiu na minha mente, há algum tempo, um questionamento padrão: porque a “Maçonaria que conheço” dedica tão pouco tempo (ou, em muitos casos, nenhum) à análise dos cenários futuros?
Cenários que, inclusive, vêm preocupando analistas e estudiosos há muito e que sabemos, ameaçam a sua magnitude! Mesmo quando exemplos e alertas claros e objectivos são expostos ao redor do mundo, inclusive, vindos de países berços ou daqueles que tínhamos como exemplos; e não precisamos filosofar; é só olharmos números! [4] [5] [6] [7] [8] [9] [11]
Há um ditado popular que cabe bem aqui: “O pior surdo é aquele que não quer ouvir”! [12]
E mais – só para lembrar: não devemos esquecer que
“somos responsáveis não só pelo que fazemos, mas também pelo que deixamos de fazer” (Molière)
O futuro sempre é responsabilidade do presente! E ele cobrará dos que no presente apenas continuam procrastinando, ou seja, “coleccionando um almanaque de desculpas” [3]. Ou, por outro lado, também cobrará dos que realizam acções no presente sem atentarem para as consequências futuras.
E não estamos defendendo mudanças nas bases filosóficas-institucionais, conquistas de tantos e ao longo de tanto tempo, mas sim, de discutir ideias como as do Irmão Michael W. Walker [8] que sugere “… melhorar a embalagem e torná-la mais atractiva a potenciais “clientes” e mais apetecível aos actuais. No primeiro caso, podemos activamente adoptar um novo perfil e, suave, mas firmemente, “deixar a nossa luz brilhar perante os homens” (…)”. E continua no mesmo discurso: “… há que definir um programa de acção com um objectivo fundamental: tornar as sessões de Loja atractivas, onde se está presente porque se quer e não porque há obrigação em o fazer” [8]. Ou ainda: “Qualquer pessoa é ocasionalmente um pouco introspectiva, ao perguntar-se “quem sou eu e para onde vou?”. Mesmo uma organização como a Maçonaria deve fazer-se a si mesma esta pergunta”. [8]
Existem, portanto, sintomas que poderiam ser considerados comuns, como dificuldade de focar e persistir, procrastinação e subvalorização do tempo, como se pudéssemos facilmente resolver qualquer problema tão logo surja; sabemos que, desta forma, sem qualquer dúvida, vai dar errado lá na frente!
Quantas ideias importantes vi serem entusiasticamente abraçadas e, após tempo considerável investido em inúmeras reuniões, se perderem ou mesmo serem apequenadas nos seus objectivos no interesse ou desinteresse de múltiplas causas.
Não devemos esquecer que as conquistas do presente só são importantes quando ancoradas nos resultados futuros.
A Maçonaria que conheço continua a navegar em “mar de almirante”, confiante de que nenhuma marola vai afectar o seu percurso, independentemente dos fartos exemplos existentes (“Somos um grupo que está fora de moda e com o número de membros a diminuir – talvez não nos países em desenvolvimento, mas no mundo desenvolvido, somos vistos como um anacronismo, com um modo de estar que constitui um embaraço [8]). Não vai acontecer aqui! Ora se vai…
Será? Posso até estar, como denominou Daniel Kahneman [10], na ilusão cognitiva do Viés da Validade ou Heurística da Auto Validação, contudo, não me arriscaria!
O que vejo é uma inércia total, uma absoluta desatenção às consequências futuras! Como nos portadores de TDAH! [3]
E se continuarmos desatentos, despreocupados com o que pode acontecer depois, nunca conseguiremos dar o real peso (valor) para fazer aquilo que tem que ser feito agora e, assim, preventivamente, evitar danos irreversíveis no futuro.
Aprender a aproximar o futuro do presente, estratégia psicoterapêutica frequentemente usada nos portadores de TDAH deveria também ser fonte de discussão e ensinamento persistente nas Lojas Maçónicas criando cenários e preparando a Instituição para possíveis impactos negativos no futuro do que já está a acontecer hoje e desta forma, termos consciência do bem-feito na busca de resultados futuros melhores para todos! E cumprirmos assim, os nossos deveres para com esta incrível Instituição!
Bibliografia
[1] Noel Rosa: https://pt.wikipedia.org/wiki/Noel_Rosa;
[2] ABDA – Associação Brasileira do Déficit de Atenção;
[3] André Palmini – Professor Neurologia PUC – Rio Grande do Sul – Brasil – Desatenção às consequências futuras como base do TDAH no adulto -– Palestra – 16/07/2021 – Academia Brasileira de Neurologia.
[4] A visão de Thomas Jackson sobre a Maçonaria na actualidade;
[5] Thomas W. Jackson – Comunicação à Grande Loja de Montana, 27.06.2009;
[6] Thomas W. Jackson – O que é que estamos a tentar salvar?
[7] Kennyo Ismail – Dois mundos e uma verdade nua e crua;
[8] Michael W. Walker – Grande Secretário da Grande Loja da Irlanda – Considerações pessoais – Tradução de APF – R∴ L∴ Mestre Affonso Domingues;
[9] León Zeldis Mandel – O Futuro da Maçonaria: desafios e respostas – Tradução de Ranvier Feitosa Aragão;
[10] Daniel Kahneman – Rápido e Devagar, duas formas de pensar – tradução de Cássio de Arantes Leite – 1ª ed. – Rio de Janeiro; objectiva, 2012;
[11] Brian Louis Chaytor e Brian Lawrence Chaytor – Será a Maçonaria ainda relevante? – tradução de António Jorge;
[12] Tiago Valenciano – A “velha” versus a “nova” Maçonaria: os desafios da Irmandade na pós-modernidade;
[13] FH Becker Silva – Zur Friedenspalme;
** Walter Roque Teixeira (Médico Neurologista) – GOB – GOB/SC – CIM 184.372 – ARBLS Palmeira da Paz nº 2121 – Nome dado em Homenagem à primeira Loja de Blumenau – “Zur Friedenspalme”[13] – Oriente de Blumenau – Santa Catarina – Brasil