Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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O Estado Policial Americano

 Tradução José Filardo

 Tom Dispatch  / Por  Chase Madar


É Hora de ter Medo na América: O padrão assustador de emprego de poder policial contra Problemas Sociais. Os exageros de policiamento entraram no DNA da política social dos Estados Unidos.

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Crédito da foto: Shutterstock.com

08 de Dezembro de 2013

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Se tudo que você tem é um martelo, tudo começa a se parecer com um prego. E se a polícia e os promotores são a sua única ferramenta, mais cedo ou mais tarde, tudo e todos serão tratados como criminosos. Este é cada vez mais o modo de vida americano, um caminho que envolve “resolver” problemas sociais (e até mesmo alguns não-problemas), jogando policiais contra eles, com resultados geralmente desastrosos. Profusas leis criminais invadem cada vez mais a vida cotidiana, à medida que o poder da polícia é aplicado de formas que seriam impensáveis ​​apenas uma geração atrás.

Até agora, a militarização da polícia avançou a tal ponto que “a guerra contra o crime” e a “Guerra contra as Drogas” não são mais metáforas, mas brandas meias verdades. Existe uma  proliferação de equipes SWAT fortemente armadas, mesmo em pequenas cidades; o uso de táticas de choque e terror para prender bicheiros pés de chinelo; os ataques de surpresa para recuperar quantidades insignificantes de drogas que muitas vezes resultam na morte de cães da família, se não de membros da família; e em comunidades onde programas de tratamento de drogas antes eram fundamentais, trava-se uma versão de drogas de uma guerra de contrainsurgência. (Tudo isso é habilmente relatado no Blog  do jornalista Radley Balko e em seu livro,  The Rise of the Cop Warrior). Mas, o excesso de policiamento americano envolve muito mais do aumento da blindagem amplamente relatada dos distritos policiais. É também a forma como o poder de polícia entrou no DNA da política social, transformando praticamente todas as esferas da vida norte-americana em um caso de polícia.

A conexão Escola-até-Prisão

Ela começa em nossas escolas, onde a disciplina é cada vez mais terceirizada a pessoal da polícia. O que não faz muito tempo teria sido visto como mau comportamento infantil normal –  rabiscar uma mesa, peidar em sala de aula, uma petulância  no jardim de infância pode colocar um garotinho em algemas, retirado da escola, ou até mesmo fichado na delegacia local. Tais “criminosos” podem ser tão jovens quanto Wilson Reyes de sete anos de idade, de Nova York, que foi algemado  e interrogado sob suspeita de roubar cinco dólares de um colega de classe. (Descobriu-se depois que ele não fez isso.)

Embora seja um fenômeno nacional, o estado do Mississippi atualmente lidera o caminho para transformar o comportamento escolar em uma questão de polícia. O Estado da Hospitalidade apresentou  acusações criminais contra crianças em idade escolar por “crimes” tais como jogar amendoins em um ônibus. Vestir o cinto de cor errada para ir à escola fez com que uma criança fosse algemado a uma grade por várias horas. Tudo isso se passa sob a rubrica de disciplina de “tolerância zero, que acaba por ser apenas mais uma forma de violência legalmente importada para as escolas.

Apesar de uma queda de longo prazo na criminalidade juvenil, o estilo carcerário de educação continua a existir em grande estilo. Detectores de metal – uma forma horrível para qualquer criança começar o dia – são  instalados  em um número cada vez maior de escolas, mesmo aquelas com registros disciplinares  brilhantes, apesar do fato demonstrável de que tais scanners não proporcionam qualquer garantia contra  tiroteios  e  esfaqueamentos .

Cada tiroteio em escola, seja em Sandy Hook, Connecticut, ou Littleton, Colorado, só leva a mais polícia em escolas e também mais armas. É a única coisa em que a National Rifle Association e senadores democratas podem concordar. Existem abundantes maneiras  bem sucedidas de administrar uma escola organizada, sem criminalizar a sala de aula, mas os políticos e grande parte da mídia parece não querer saber sobre eles. A “conexão escola-prisão”, um termo cunhado por ativistas está entrando no vernáculo.

Ir para a Cadeia, Não só passar, Ir.

Mesmo uma questão tão simples de deslocar-se do ponto A para o ponto B pode, rapidamente, tornar-se uma questão de aplicação da lei, pois viagem e espaço público são cada vez mais policiados agressivamente. Esperando um ônibus? Tal “vadiagem” levou três jovens de Rochester à prisão. Dirigir sem cinto de segurança pode facilmente se transformar em uma prisão, mesmo que o motorista seja um juiz estadual. (Notavelmente, todos esses quatro homens eram negros.) Se a polícia achar que você pode estar carregando drogas, buscas em cavidades do corpo sem mandado no hospital mais próximo pode estar no programa – e o hospital enviará a você a conta depois.

Viagens aéreas implicam cada vez mais em revistas íntimas e regras arbitrárias que muitos especialistas vêem como nada mais do que “espetáculo de segurança“. Quanto a ficar em casa, isso traz seus próprios riscos, conforme o professor de Harvard, Henry Louis Gates descobriu quando um policial de Cambridge o confundiu com um assaltante e o arrastou para o distrito – um caso que dificilmente é único.

A super-criminalização no Trabalho

Trabalho em escritório e varejo pode não parecer uma área de crescimento promissora para a polícia e promotores, mas of direito penal vem achando seu caminho até o local de trabalho de colarinho branco também. Basta perguntar a Georgia Thompson, funcionária do estado de Wisconsin visada por um procurador federal pelo “crime” de processar incorretamente uma proposta de uma agência de viagens para negócios com o Estado. Ela passou quatro meses em uma prisão federal antes de ser transferida por um tribunal federal. Ou Judy Wilkinson, arrastada algemada por um policial disfarçado para servir mimosas sem licença aos clientes em sua loja de noivas. Ou George Norris, sentenciado a 17 meses de prisão por venda de orquídeas sem a documentação necessária a um agente federal disfarçado.

Cada vez mais, as transações econômicas básicas estão sendo policiadas sob a alçada do direito penal. Em Arkansas, por exemplo, uma seção da Human Rights Watch informa que uma nova lei encaminha locatários inadimplentes (ou supostamente inadimplentes) diretamente aos tribunais criminais, onde a falta de pagamento pode resultar em uma detenção rápida e encarceramento, apesar de prisão de devedores, como instituição ter supostamente terminado no século XIX.

E o clima está se espalhando. Tomemos o colapso da bolha de ativos de 2008 e os gritos crescentes de progressistas pelo processo penal dos perpetradores de Wall Street, como se de um sistema financeiro fundamentalmente sólido tivesse sido abusado por um pequeno número de criminosos que estavam escapando após o desastre. Em vez de pressionar por um debate sobre como reestruturar o nosso sistema financeiro predatório, os liberais em seu foco em processos judiciais individuais estão imitando o zelo punitivo dos autoritários. Alguns processos de alta visibilidade por tráfico de informações privilegiadas (que nada tiveram a ver com o último colapso) é claro, não mudaram Wall Street nem um pouco.

Criminalizando a Imigração

A última década testemunhou também a política de imigração abocanhada pelo direito penal. De acordo com outro relatório da Human Rights Watch – sua divisão dos EUA está cada vez mais ocupada – os processos criminais federais de imigrantes por entrada ilegal aumentaram de 3.000 em 2002 para 48.000 no ano passado. Essa nova aplicação de polícia e os promotores vêm separando famílias e alimentando a expansão de centros de detenção com fins lucrativos, mesmo que eles não tenham demonstrado qualquer efeito dissuasor mais forte sobre a imigração que o sistema de direito civil que a precedeu. Graças à lei SB 1070 do Arizona, a polícia daquele estado agora tem licença para parar e verificar os documentos de qualquer pessoa suspeita de estar em situação irregular – isto é, que pareça ser latina.

Enquanto isso, partes significativas da fronteira EUA-México estão agora militarizadas (assim como está cada vez a Fronteira com o Canadá) incluindo o que parece assemelhar-se a  zonas de tiro livre. E se alguém fosse deixar água engarrafada para imigrantes ilegais que atravessam o deserto e em perigo de morte por desidratação, aquele bom samaritano deve esperar enfrentar acusações criminais, também. Policiamento intensificado com metas agressivas de prisões e deportações estão garantidos como parte de qualquer futuro acordo bipartidário sobre a reforma da imigração.

Excesso de Policiamento Digital

Quanto à Internet, por algum tempo ela foi terra nova e assim relativamente livre de uma presença “bombada” de policiamento. Não mais. O falecido Aaron Swartz, um jovem gênio da Internet e ativista afiliado à Universidade de Harvard foi pego baixando enormes quantidades de artigos acadêmicos (todos subsidiados publicamente) de uma rede aberta no campus do MIT. Swartz foi processado pelo governo federal sob a espaçosa Lei de Fraude e Abuso Informático por violar “contrato de termos e serviços” – uma transgressão que alguém que nunca desativou um cookie no seu computador portátil também, tecnicamente, cometeu. Swartz cometeu suicídio no início deste ano, enquanto enfrentava uma possível sentença de 50 anos e até um milhão de dólares em multas.

Desde o verão, graças ao empreiteiro denunciante Edward Snowden, ficamos sabendo muito sobre a forma como a NSA pára e revista nossas comunicações digitais, tanto de email quanto telefônicas (e, aparentemente, a de todo mundo). Os benefícios de segurança de tal policiamento indiscriminado estão longes de ser claros, apesar das garantias inconsistentes  mas enfáticas do governo em contrário. O que entra em foco mais nítido a cada rajada de novas revelações é a infraestrutura digital emergente de que só pode ser chamado de um Estado policial.

Polícia do Sexo

O sexo é uma outra zona de exagero de policiamento em nossa terra pós-puritana. Ser colocado em um registro de criminosos sexuais é assustadoramente fácil – como tem sido feito  a crianças de até 11 anos de idade por “brincar de médico” com um parente, mais uma vez de acordo com a Human Rights Watch. Mas, retirar o registro mais tarde é extraordinariamente difícil. Em todo o país, os registros de criminosos sexuais têm se expandido enormemente, especialmente na Califórnia onde um em cada 380 adultos é agora um criminoso sexual registrado, criando uma nova classe de párias com sérios obstáculos ao emprego, habitação, ou qualquer tipo de vida comunitária. A pena adequada para, digamos, um jovem de 18 anos que tenha relações sexuais com uma menina de 14 anos de idade, pode ser debatida, mas a vida daquele jovem de 18 anos de idade deve, realmente, ser arruinada para sempre??

Igualdade perante a polícia?

Não vai surpreender ninguém que os americanos não são todos tratados da mesma forma pela polícia. Agentes da lei visam crianças mais do que adultos; homossexuais mais que héteros; muçulmanos mais de metodistas –  Muçulmanos  muito  mais  que  Metodistas – ativistas anti-guerra mais do que apolíticos. Acima de tudo, o nosso estado punitivo visa mais os pobres do que os ricos e os negros e os latinos mais do que os brancos.

Um caso em destaque: após o massacre de 1999 na Escola Columbine High, uma presença policial, incluindo câmeras de vigilância e detectores de metais, foi gradualmente aumentada  em escolas de todo o país, especialmente nas áreas urbanas com corpos discentes latinos e negros em grande parte de classe trabalhadora. Era tudo para “proteger” as crianças, é claro. Na própria Columbine, no entanto, nenhum detector de metal foi instalado e nenhuma forte presença policial introduzida. A razão era simples. Naquela escola no subúrbio de Littleton, Colorado, as famílias brancas mais abastadas não queriam que seus filhos fossem tratados como potenciais criminosos, e eles tinham o status e poder político para conseguir o que queriam. Mas comunidades sem tal influência são menos capazes de lutar contra usurpações do poder de polícia.

Mesmo nossas prisões são excessivamente policiadas

O excesso de criminalização da vida americana desemboca em nosso vasto e superlotado sistema prisional que é, em si mesmo, excessivamente policiado. A última forma de controle punitivo (e tortura) é o confinamento de longo prazo em solitária, em que 80.000 a 100.000 prisioneiros estão encerrados a qualquer momento. Isso é realmente necessário? Solitária não é mais reservada ao pior dos piores, ou aos mais perigosos prisioneiros, mas pode ser infligida sobre aqueles que usam penteados Rastafari, ter uma cópia de Arte da Guerra de Sun Tzu em sua cela, ou seja de qualquer outra forma suspeito, não importa quão tênue os motivos, de filiação a gangues.

Nem toda nação desenvolvida faz as coisas dessa maneira. Cerca de 30 anos atrás, a Grã-Bretanha mudou, de isolar prisioneiros para, sempre que possível, dar-lhes maior responsabilidade e autonomia – com resultados menos violentos. Mas nem se atreva a levantar a questão por aqui. Ela cairá em ouvidos moucos.

O policiamento extremo é agravado por sentenciamento extremo. Por exemplo, mais de 3.000 americanos foram sentenciados à prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional por crimes não-violentos. Estes são principalmente, mas não exclusivamente, crimes de drogas, incluindo a vida por um quilo de cocaína que um namorado escondeu no sótão; vender LSD em um show do Grateful Dead e furtos de três cintos de uma loja de departamento.

Nossa taxa de encarceramento é a mais alta do mundo, o triplo da agora extinta Alemanha Oriental. A taxa de encarceramento para homens afro-americanos é cerca de cinco vezes maior que aquela da União Soviética, no auge do “gulag”.

A destruição de Famílias

A prisão pode parecer o final lógico para esta ladainha de excesso de criminalização, mas a história não acaba realmente com aqueles detentos. À medida que as prisões armazenam um número cada vez maior de norte-americanos, muitas vezes a centenas de quilômetros de suas comunidades locais, os laços familiares se enfraquecem e se desintegram. Além disso, uma vez que um pai entra no sistema de justiça criminal, sua família tende a acabar nas telas de radar de agências estatais. “Estar sob vigilância da polícia torna uma família muito mais vulnerável ​os Serviços de Proteção à Criança”, diz a Professora Dorothy Roberts da escola de Direito da Universidade da Pensilvânia. Um pai encarcerado, e especialmente uma mãe encarcerada, significa uma probabilidade muito mais forte de que as crianças serão enviadas para um orfanato, onde, de acordo com um estudo recente, elas estarão duas vezes mais propensas que os veteranos de guerra a sofrer de Doença de Estresse Pós Traumático (PTSD).

No Estado de Nova York, a Administração de Serviços da Criança e o sistema de justiça juvenil recentemente se fundiram, colocando efetivamente milhares de crianças em um ambiente fortemente policiado baseado em penalidade até que atinjam a maioridade. “Estar em um orfanato te torna muito mais vulnerável a ser escolhido pelo sistema de justiça juvenil”, diz Roberts. Se você está em uma casa coletiva e você entrar em uma briga, você pode facilmente tornar-se uma questão de polícia”. Em todos os aspectos, o horripilante excesso de criminalização da vida cotidiana exerce um efeito corrosivo sobre as famílias americanas.

Vivemos em um Estado Policial?

O termo “estado policial” já foi afastado por intelectuais tradicionais como a hipérbole dos paranoicos. Hoje, nem tanto. Mesmo nos recintos mais refinados do sistema jurídico, o excesso de criminalização da vida americana é comentado com maior frequência e intensidade. “Você, provavelmente, é um criminoso (federal)” é o título acusador de um ensaio amplamente lido, de co-autoria do juiz Alex Kozinski da 9a Vara do Tribunal de Apelações dos EUA. Um nomeado republicano, Kozinski examina o emaranhado de leis penais que fazem de praticamente todos os americanos um alvo fácil para a polícia. O advogado veterano de defesa, Harvey Silverglate escreveu um livro inteiro sobre como um profissional americano médio poderia facilmente cometer três crimes em um único dia sem saber.

O exagero diário do poder de polícia nos EUA vai muito longe para explicar por que mais americanos não estão indignados com os “excessos” da guerra contra o terrorismo, que, como um professor de direito argumentou, são apenas os nossos hábitos penais cotidianos domésticos exportados para locais mais exóticos. Não é menos verdadeiro que o crescimento do poder de polícia doméstica é, neste ciclo de feedback positivo, o resultado parcial de nossas guerras estrangeiras distantes vazando de volta para a pátria (o “boomerang imperial” contra o qual advertia Hannah Arendt).

Muitos dos que há muito tempo vêm protestando contra o exagero cotidiano da polícia do nosso país reagiram às revelações de vigilância da NSA com exasperação perceptível: É claro que somos excessivamente policiados! Alguns até mesmo responderam com ressentimento impertinente: Por que tanta simpatia por esse garoto Snowden quando a rotina diária de nosso sistema judicial destrói tantas vidas sem qualquer comentário ou escândalo? Afinal de contas, em Nova York, a tática de “parar e revistar” do departamento de polícia, que visa jovens afro-americanos e latinos de classe trabalhadora para revistas rotineiras de rua, era até recentemente incontroversa entre a classe política e formadora de opinião. Se “a máscara caiu” depois de 11 de setembro de 2001, muitos americanos ficaram surpresos ao saber que isso já vinha acontecendo.

Um martelo é necessário em qualquer kit de ferramentas. Mas você não usa um martelo para apertar um parafuso, cortar um tomate, ou escovar os dentes. E, ainda assim, o martelo continue a ser nossa ferramenta preferida, tanto na condução da nossa política externa e da nossa ordem interna. O resultado não é a paz, justiça, ou prosperidade, mas sim um Estado que persegue e prende seu próprio povo enquanto grita de maneira cada vez menos inteligível sobre liberdade.

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Copyright 2013 Chase Madar

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