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Grau 28 – Cavaleiro do Sol ou Príncipe Adepto (REAA)

Publicado em FREEMASON.PT

Por João Anatalino Rodrigues

Avental do Grau 28 – Cavaleiro do Sol ou Príncipe Adepto (REAA)
Avental do Grau 28 – Cavaleiro do Sol ou Príncipe Adepto (REAA)

O objectivo do grau

O grau 28 do REAA, representa uma formulação simbólica da jornada que o iniciado Maçom deve fazer em busca da luz. A busca da luz, nesse caso significa a aquisição de uma sabedoria semelhante àquela que o iniciado nos Antigos Mistérios pretendia obter. Trata-se de obter uma Gnose, agora conforme com os conhecimentos actuais, onde a tradição religiosa interage com os mais modernos concertos científicos. O homem sábio, para a Maçonaria, é o homem virtuoso, que “constrói” a si mesmo, através de um comportamento ético e moral adequado e em consequência torna a sociedade em que vive mais harmónica e feliz. Ele não precisa ser religioso, porém não despreza as virtudes da religião porque sabe que esta, bem dirigida e praticada com sabedoria é um vigoroso alimento para o espírito. Não precisa colocar um carácter místico nas suas atitudes, mas não dispensa a verdadeira espiritualidade na formação da sua sensibilidade. E por verdadeira espiritualidade, ele entende a aquisição das virtudes que farão dele um homem justo nas suas decisões, sensato nas suas apreciações, tolerante nas suas visões perante opiniões e atitudes que contrastem as suas. Por outras palavras, o homem novo, o homem universal, amante da virtude e das belas-artes, que a Maçonaria, em pregação original releva, é um indivíduo sensível, que acredita na magia da natureza e procura, através da prática ritualística, fazer com que ela trabalhe a seu favor.

Neste sentido ele pode ser considerado um novo gnóstico. Unindo a mística à acção social pura, ele ergue as suas construções morais e sociais, e torna-se, pelo mérito da sua actuação, o pedreiro de Deus, ajudando-o dessa forma a construir o edifício cósmico, dando-lhe beleza e equilíbrio.

O simbolismo do grau

O véu de Ísis

Neste grau o véu de Ísis é levantado para que o candidato possa ver a luz. Este simbolismo está no cerne da verdadeira origem da tradição iniciática maçónica. É um ritual que já era praticado em todos os Antigos Mistérios, que tinham por fulcro histórico os cultos solares. Nos Mistérios de Mitra, por exemplo, praticado pelos persas desde tempos imemoriais, o iniciado aguardava numa caverna escura, os antros de Mitra, o momento de ser iniciado. Dali ele saia para cumprir sete provas que dele exigiam coragem, força, constância, e sobretudo, uma robusta fé. Depois de cumpridas tais provas, era-lhe mostrado o universo gnóstico, com os seus sete céus e astros. Depois era-lhe explicado o significado dos movimentos desses astros, determinante das acções humanas. Este ritual, com as suas variantes, também aplicado ao iniciado nos Mistérios de Elêusis e nos Mistérios de Ísis e Osíris [1].

Após cumpridas todas as etapas da iniciação, o candidato tornava-se, segundo cada influência astrológica, soldado, leão, corvo, persa, sol ou padre. Para cada atributo astrológico (ou divino) de um corpo celeste, correspondia um atributo humano na terra. Alguns elementos deste ritual foram mantidos nos graus superiores da Maçonaria [2].

Para os persas (e os gregos e romanos que adoptaram esse culto) a prática do Mitraísmo equivalia a reproduzir, simbolicamente, o processo pelo qual os astros (ou os deuses) se moviam no céu para formatar o universo. Imitando este processo e dirigindo-o com inteligência, o universo humano poderia ser organizado de forma a produzir ordem, harmonia e felicidade. Neste sentido, essa crença assemelhava-se à tradição da Maat, a deusa da Justiça, que no panteão dos deuses egípcios realizava essa mesma finalidade.

Foram estas ideias que influenciaram as obras dos filósofos da Renascença, especialmente aqueles que deram origem ao Movimento Rosa-Cruz.

O selo de Salomão

O Selo de Salomão é um símbolo tradicional na cultura hebraica. Também chamado de Escudo de Davi, era o sinete com o qual se reconhecia a autenticidade dos documentos na comunidade israelita. Considerado um símbolo místico, tornou-se uma marca pela qual os judeus se reconhecem no mundo. Denota o poder e a união desse povo com Deus, razão pela qual se tornou um símbolo de larga utilização, não só pelos judeus, mas também por todos os místicos de um modo geral. Ele simboliza a união do céu com a terra. Para os cristãos esse símbolo é a representação da estrela guia que levou os três reis magos até a estrebaria onde o menino Jesus nasceu.

Composto por um par de triângulos superpostos um sobre o outro, ele forma uma estrela de seis pontas. É um símbolo extremamente significativo. Iremos encontrá-lo em vários produtos ligados aos cultos esotéricos e até em marcas de cervejas. O seu significado místico, porém, é mais profundo. Na verdade, o Selo de Salomão representa o hexagrama do universo, onde em cada ponta está reflectido um atributo essencial da matéria universal. É, portanto, uma representação simbólica do universo.

Esta alusão ao preceito hermético e a sua relação com o Selo de Salomão mostra a influência hermética na liturgia do grau 28. É por isto que o Orador, ao invés da usual Bíblia Sagrada, tem na sua mesa um exemplar das obras de Hermes Trismegisto, geralmente a Tábua de Esmeralda. E toda a liturgia do grau evoca detalhes das obras desse personagem mitológico, com os seus arcanjos e querubins, as suas acções, as suas lutas para restaurar o equilíbrio do universo, perdido em consequência do pecado de Adão, tudo conforme desenvolvido na tradição hermética e cabalística. Ressalte-se que, na tradição arcana, o Rei Salomão também seria uma reencarnação de Hermes [3].

A Tábua de Esmeralda

A Tábua de Esmeralda é outro símbolo que aparece no Ritual do grau 28 para dar a este grau um sentido hermético, inspirado pela prática da alquimia.

Trata-se de um texto hermético escrito por um (ou alguns) alquimista nos primeiros séculos da era cristã, o qual fala das excelências da pedra filosofal e alude à sua fórmula de obtenção.

A pedra filosofal é um velho sonho do homem. No antigo Egipto já se acreditava que todos os metais possuíam uma “alma comum”, ou seja, que todos eram feitos de uma mesma essência, e que somente os arranjos combinatórios dos seus átomos é que lhes davam conformações diferentes. Assim, quem conseguisse descobrir a fórmula primitiva segundo a qual eles eram constituídos adquiria a magna sabedoria. Esta fórmula, se descoberta, permitiria ao seu possuidor, não só efectuar transmutações de metais comuns em ouro, mas também dotar o operador de uma consciência superior, capaz de abarcar todos os mistérios do céu e da terra, além de lhe conferir a imortalidade.

A tradição hermética sustenta que os sacerdotes de Heliópolis, antigo santuário egípcio, descobriram essa fórmula, razão pela qual havia tanta abundância desse metal no Egipto dos faraós. Esta é a razão de o texto da Tábua de Esmeralda ser assinado pelo lendário personagem chamado Hermes Trismegisto, tido como fundador das primeiras civilizações instaladas na terra.

Hermes teria ensinado aos seres humanos não só os rudimentos de todas as ciências, mas também uma sabedoria secreta que somente alguns iniciados poderiam conhecer. Por isso essa ciência ficou conhecida como hermética.

Hermes Trismegisto (Hermes Trismegistus em latim), significa três vezes nascido. Este é o nome que lhe foi dado pelos filósofos neoplatónicos, e também pelos gnósticos e alquimistas, em razão da sua identificação com o deus egípcio Thoth, que na Grécia era conhecido como Hermes, o deus das transmutações e da ciência.

O Corpus Hermeticum

Para os antigos povos Hermes simbolizava a lógica organizada do universo. Por isso no antigo Egipto ele era identificado com os ciclos lunares, cujas fases expressavam a harmonia universal. Na hagiografia greco-romana, Hermes ganhou status de escriba e mensageiro dos deuses, enquanto no Egipto, na época helénica, ele era tido como autor de um conjunto de textos sagrados, contendo ensinamentos esotéricos e comentários sobre artes, ciências, religião e filosofia. Este conjunto de ensinamentos ficou conhecido como Corpus Hermeticum e quem os conseguisse decifrar alcançaria a chamada iluminação.

O Corpus Hermeticum foi escrito provavelmente entre os séculos I, II e III, da nossa era, por vários autores diferentes. Foi à fonte de inspiração do pensamento hermético e neoplatónico renascentista que se convencionou chamar de Gnose. Na época dizia-se que o Corpus Hermeticum era mais antigo que a Bíblia Sagrada e que Moisés, Salomão, Zoroastro e o deus egípcio Osíris eram reencarnações de Hermes, por isso ele era detentor de tão vasta sabedoria.

Clemente de Alexandria, um dos mais famosos bispos da Igreja Romana, que viveu nos primeiros séculos do Cristianismo, afirmava que o Corpus Hermeticum era composto originalmente de 42 livros subdivididos em seis conjuntos. O primeiro conjunto tratava da educação dos sacerdotes; o segundo, dos rituais do templo; o terceiro falava de geologia, geografia botânica e agricultura; o quarto tratava de astronomia, astrologia, matemática e arquitectura; o quinto era dedicado aos hinos que louvavam aos deuses e era também um guia de acção política para aqueles que detinham autoridade; o sexto tratava de medicina. Era, portanto, uma verdadeira enciclopédia do saber universal.

Conclusão

Eis, pois, do que é composto o simbolismo do ritual do Grau 28. É um dos mais belos graus do currículo maçónico. Além do apelo místico que ele contém, releva-se o carácter essencialmente filosófico dos ensinamentos que ele pretende passar ao iniciado Maçom. Visa, em última análise, mostrar a necessidade que o homem tem de purificar a sua alma através da prática das virtudes pregadas pela Maçonaria. E que essa purificação não é necessária somente para que ele alcance um mérito puramente espiritual, mas também para que, na vida prática, ele alcance um perfeito equilíbrio nas suas acções.

Notas

[1] Muitos destes “antros de Mitra” são ainda observáveis nas ruínas dos templos desta seita. Eles assemelham-se às Câmaras de reflexão das Lojas maçónicas.

[2] Segundo as antigas tradições do Zoroastrismo, estas eram as etapas pelas quais o espírito humano deveria passar para cumprir o seu destino cármico. Evidentemente, cada uma dessas etapas simboliza uma qualidade do espírito humano, já que a doutrina de Zoroastro (ou Zaratustra) reconhecia a existência, na psique humana, de uma face predadora (leão), uma face guerreira (soldado), uma face destruidora (corvo), uma face mística (padre), e uma face dominadora (persa).

[3] Esta é uma ideia desenvolvida pela Cabala, especialmente aquela ministrada por Isaac Lúria. O pecado de Adão provocou uma desordem cósmica (um desequilíbrio universal) quebrando os “vasos sagrados”, ou seja, a vestimenta sagrada na qual a alma do homem (centelha divina) tinha sido encerrada. Para recompor este equilíbrio Deus escolheu entre os povos um povo (Israel) para realizar a Tikun, ou seja, a reunião dos “cacos sagrados” para que assim as almas possam encontrar novamente a sua vestimenta original (de luz) e o universo possa, enfim, realizar a finalidade para a qual foi criado.