Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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O periodismo maçônico oitocentista da Corte imperial brasileira

Thiago Werneck Gonçalves **

 

Notas introdutórias sobre o periodismo maçônico oitocentista

O periodismo maçônico oitocentista deve ser compreendido a partir de sua inscrição em um fenômeno histórico de maior amplitude: o desenvolvimento, valorização e consolidação da imprensa no Brasil. O surgimento dos impressos no país está diretamente vinculado ao processo de transferência da corte portuguesa para o Brasil. Mudanças significativas ocorreram no rastro do estabelecimento da sede do reino no território de sua colônia americana, a exemplo da implantação da imprensa oficial, cujo objetivo era publicar os atos governamentais e divulgar informações convenientes à Coroa.

O primeiro jornal impresso no Brasil foi a Gazeta do Rio de Janeiro , lançado em setembro de 1808 pela Impressão Régia. No entanto, diversos autores atribuem a Hipólito da Costa e ao seu Correio Brasiliense  o marco fundamental de fundação da imprensa brasileira.[1]  De fato, o seu periódico foi direcionado, sobremaneira, aos assuntos relacionados a Portugal e suas colônias. De acordo com Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca:

Oposicionista e crítico, o periódico era feito na Inglaterra, mas discutia os problemas da Colônia e atravessava o oceano Atlântico para circular por aqui. Assim, no mesmo ano em que a Corte portuguesa transferiu-se para o Rio de Janeiro fugindo de Napoleão, o jornal idealizado e realizado por Hipólito da Costa, disponível a nobres e plebeus do Novo Mundo, estava longe de ser um beija-mão dos poderosos.[2]

Devido às suas características, o Correio Brasiliense  sofreu diversas perseguições das autoridades portuguesas, pois desde o decreto de 13 de maio de 1808, que instituiu a Impressão Régia, vigorava no país a “censura prévia”, responsável por “examinar os papéis e livros que se mandaram publicar, e de vigiar que nada se imprimisse contra a religião, governo e bons costumes”[3]. Assim, de 1808 a 1821, apenas os jornais oficiais ou aqueles que eram considerados inócuos pelo crivo da censura governamental circularam livremente no Brasil.

Contudo, a partir do contexto da Revolução do Porto – que teve como efeito significativo a publicação do decreto da liberdade de imprensa das Cortes de Lisboa – a cena impressa brasileira foi alterada, visto que em 1821 D. João VI dissolveu a censura prévia no país. Dentro dessa complexidade histórica, notamos um verdadeiro aumento da circulação de impressos no Brasil, especialmente no calor dos dilemas e debates que fomentaram o processo de separação política definitiva de Portugal.[4] No entendimento de Marco Morel, as atividades maçônicas se constituíram em um importante espaço de debate e coordenação de forças políticas que atuaram no movimento de 1822.[5]

5  A imprensa atuou como um importante canal para a divulgação e legitimação dos diferentes projetos formulados para o Brasil independente. Os impressos – enquanto instrumentos das práticas culturais e políticas – eram típicos representantes das modificações ocorridas em meados do século XIX. Robert Darnton argumentou que em um mundo “sem telefone, rádio e televisão (…) a única maneira de comover a opinião pública numa escala nacional é o tipo móvel”[6].

No que diz respeito especificamente aos jornais maçônicos, apesar da existência de alguns folhetos panfletários a partir da primeira metade do século XIX, foi somente na década de 1870que surgiram os primeiros órgãos ligados aos Grandes Orientes e voltados para um público mais amplo, embora específico. Os seus principais interlocutores eram os maçons e seus simpatizantes, muito embora seus inimigos (especialmente católicos de orientação ultramontana[7] ) também dispusessem de um espaço privilegiado nestas publicações.

Durante esse período, em que os debates oriundos da imprensa passaram a repercutir de maneira significativa na sociedade – já que a palavra impressa, registrada, concorria como um forte instrumento para a delineação de identidades políticas e culturais [8]8  –, uma fase decrescimento e consolidação da(s) maçonaria(s) brasileira(s) deve ser assinalada como vital para suas futuras pretensões. De acordo com Alexandre Mansur Barata, “pressionada, sobretudo pelos confrontos com a Igreja Católica, ela se transformou em palco de debates entre as diversas concepções sobre o propósito de sua atividade na sociedade brasileira”.[9]

A partir desse contexto, e seguindo um movimento de renovação do campo da pesquisa histórica, tomamos os periódicos maçônicos tanto como fontes, quanto como objetos de estudo. Desse modo, o “redimensionamento da imprensa como fonte – na medida em que expressa discursos e expressões de protagonistas – possibilitou a busca de novas perspectivas para a análise dos processos históricos”[10].

Os boletins maçônicos oficiais, eleitos enquanto foco principal desta investigação, são representativos das correntes maçônicas que rivalizavam na década de 1870[11]. Desse modo, o  Boletim do Grande Oriente do Brazil  se encontra relacionado ao Círculo do Lavradio, ao passo que o  Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil  liga-se ao Vale dos Beneditinos.[12]

Para além da circulação e divulgação de ideias, tais periódicos representavam espaços privilegiados para as disputas políticas e ideológicas existentes no seio da Corte. Mais do que simples discursos, percebemos a existência de verdadeiros projetos de poder latentes em suas páginas. Por esta razão, estamos identificando as diferentes visões de mundo e os mais variados ideais contidos nestes periódicos, como também as lutas travadas no interior das próprias maçonarias no sentido de angariar o apoio de amplos setores da sociedade.

Por isso, partimos do pressuposto de que o periodismo maçônico representou o principal meio de ação dessas instituições no que diz respeito às suas estratégias de penetração e intervenção na esfera pública (no sentido de Habermas),[13]  contribuindo ativamente para a formação da opinião pública na capital do Império. Partilhamos, assim, da premissa de que o jornalismo exerceu uma função preponderante para o estabelecimento desse processo, mesmo que a sua organização e difusão estivessem restritas a participação de parcelas diminutas da população.

O acolhimento das maçonarias na imprensa: boletins maçônicos oficiais da segunda metade do século XIX

Através do inventário temático realizado nas Seções de Periódicos e de Obras Raras da Biblioteca Nacional, nos foi possível observar que as obras selecionadas como objeto deste estudo devem ser entendidas como um dos pilares da divulgação de um projeto modernizador para o Brasil.[14]

No conteúdo dos boletins, segundo os ideais maçônicos, para modernizar o Brasil era necessário “instruir e civilizar” a nação. Investigando o surgimento do vocábulo civilização , Jean Starobinski destacou que o mesmo não se constituiu como um termo unívoco, adquirindo sentidos diferenciados desde o seu surgimento na história do pensamento ocidental.[15]

Apenas de forma   paulatina é que o termo passou a remeter ao significado de “levar à civilidade, tornar civis e brandos os costumes e as maneiras dos indivíduos”.[16]

Nos boletins analisados até o momento, as concepções de civilização e progresso se ergueram vinculadas à racionalidade moderna, sendo reciprocamente associadas pela filosofia iluminista, com reflexos permanentes no vocabulário político da imprensa do século XIX.

O  Boletim do Grande Oriente do Brazil , que passou a circular no final de 1871, funcionou como porta-voz do grupo maçônico do Lavradio. A partir dos dados contidos em seus decretos de criação – publicados na Seção Legislação [17]  – buscamos analisar tanto os seus conteúdos quanto os seus indícios materiais, privilegiando informações que possibilitem a identificação dos sujeitos das experiências históricas muitas vezes pouco visíveis no que diz respeito à produção e à difusão de textos impressos no período estudado.

Tendo como base o conteúdo programático de sua linha editorial, notamos que o alvo principal das críticas impetradas era a alta oficialidade católica de orientação ultramontana, posto que durante a década de 1870 as maçonarias assumiram uma postura de combate ao edifício teórico-doutrinário pautado pela Igreja católica. Suas visões de mundo eram diametralmente opostas às concepções dos conservadores católicos que se encontravam vinculados ao poder governamental.[18]

No Brasil vigorava a união entre a Igreja católica e o Estado, oriunda da Constituição de1824, que estabeleceu o catolicismo como religião oficial submetida à autoridade do chefe doestado imperial através do Padroado e do Beneplácito. O primeiro representava uma espécie de privilégio que o soberano detinha na intervenção e nomeação de sacerdotes, no preenchimento de cargos eclesiásticos e no direito de criação de igrejas, e o segundo era o direito que o mesmo exercia no exame e na validação dos atos do Vaticano: as decisões papais só poderiam se tornar oficiais no país após o  placet  , isto é, o consentimento imperial. [19]

No entendimento do redator maçônico do  Boletim do Grande Oriente do Brazil , as ideias que os ultramontanos defendiam como bandeiras eram retrocessos sociais:

Os filhos espúrios do Cristianismo, disciplinados e cheios de recursos, dispondo dos estabelecimentos de instrução, do púlpito e do confessionário, estabelecem como princípio que o progresso consiste em retroceder, pretendendo implantar entre nós esse dogma do Vaticano, que tantas tempestades têm provocado na Alemanha, Espanha e repúblicas sul-americanas.[20]

O dogma acima referido, comumente conhecido como infalibilidade papal, tornava o líder supremo da Igreja inquestionável em todas as matérias relacionadas à fé e à ética, visto que seus preceitos morais não poderiam se submeter às orientações do Estado.

Nesse sentido, foi possível observar, no plano das ideias, os confrontos maçônicos com o poder formal da Igreja católica brasileira através das páginas do boletim. [21]  Além disso, foi possível ainda associar os  pedreiros livres  aos projetos liberais.

Na edição de janeiro de 1872, a liberdade de consciência foi descrita como a ferramenta mais importante para o progresso da civilização: “É que esta liberdade é necessária ao homem e sem ela todas as outras liberdades podem dizer-se fictícias”.[22]

No mesmo texto, intitulado “Liberdade de cultos”, o escritor maçônico chamou atenção também para as diferenças percebidas nas sociedades que adotaram a tolerância religiosa como preceito fundamental, a exemplo dos Estados Unidos e da Inglaterra: Na Inglaterra (…) e nos Estados Unidos, a religião católica floresce de dia em dia; as conversões se reproduzem de uma maneira admirável, numerosos e magníficos templos se erguem ao lado das escolas católicas, grandes mosteiros se fundam; e o catolicismo falando em nome de Cristo, adquire nesses grandes países, segundo a frase do prelado da diocese do Rio de Janeiro por ocasião do sermão de despedida quando partiu para Roma, crédito, força, vigor e glória. O porquê não o disse S. Ex., mas nós vamos dizê-lo aqui. É que na Inglaterra e nos Estados Unidos, os católicos são católicos por convicção e não porque a lei o determina.[23]

Além das reivindicações pelas liberdades, os grupos maçônicos foram à imprensa para defender a instrução pública, universal e gratuita, revestindo a profissão docente com uma missão civilizatória de fundamental importância. Sendo assim, para os irmãos  “a propagação da instrução pelo povo é uma ideia que a instituição maçônica (…) deve sempre sustentar e executar com o intuito de auxiliar a administração da sociedade na realização de medidas de que depende o seu progresso”.[24]

Defendendo as causas em benefício da nação, fosse através da conquista das liberdades, fosse por intermédio da universalização do ensino e da divulgação das ciências, as maçonarias brasileiras consideravam-se portadoras de uma verdadeira missão:

A maçonaria (…) reassume de hoje em diante o seu posto de honra; ela será a guarda avançada do progresso da humanidade. Educando o filho, emancipando o escravo, amparando a viúva, protegendo as classes desvalidas e libertando a consciência do homem do ferro do jugo do despotismo clerical, ela se recomendará à posteridade pelos relevantes serviços em prol da civilização.[25]

Esse conjunto de referências formava as concepções maçônicas de mundo que eram publicadas na Corte. Segundo Berenice Abreu Neves, os maçons ergueram na imprensa “um instigante sistema de representações sobre a sociedade, sobre a época em que viviam, sobre as reformas sociais necessárias para o progresso do país e, particularmente, sobre o lugar que cabia à instituição maçônica para a sociedade”.[26]

Contudo, apesar da existência de ideais comuns, os grupos maçônicos rivalizavam entre si, indicando que a maçonaria não representava uma instituição monolítica, mas sim  multifacetada. Um forte indício dessa rivalidade foi a publicação de boletins maçônicos concorrentes.

Dentro dessa lógica, no ano de 1872 o Vale dos Beneditinos também passou a publicar o seu jornal oficial: o  Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil , que em termos estruturais se assemelhava ao seu rival do Círculo do Lavradio. Igualmente, as questões internas da ordem e as disputas em torno da “Questão Religiosa” ocuparam um lugar de destaque em suas edições, sendo o ataque aos ultramontanos frequente neste novo periódico maçônico. Vejamos:

Cônscia de que o seu primeiro dever é amparar a virtude, [a maçonaria] continuará a trabalhar para afugentar os ardilosos jesuítas que hipocritamente se intrometem no seio da família brasileira; e graças a sua constante e insistente dedicação, se tem criado desde os centros mais populosos até aos mais remotos confins do país novos núcleos de resistência a fim de que ninguém sucumba vítima dos erros e da prepotência clerical, nem falte a luz com que deve o homem reconhecer os seus sagrados direitos.[27]

No trecho supracitado, nos chama a atenção a afirmativa de que foram criados “núcleos de resistência” às ações dos setores romanizados da Igreja, uma das estratégias adotadas pelas organizações maçônicas no que diz respeito às suas intervenções na vida pública. Mais adiante, em 1873, foi publicada a seguinte informação a respeito da eclosão da “Questão Religiosa”: O elemento que procurou o prelado para desmoralizar a maçonaria e proteger os seus apaziguados jesuítas foi de certo o mais desastrado possível. O povo em vez de lançar-se contra os maçons, colocou-se ao seu lado, fazendo justiça àqueles que ele viu sempre (…)dedicar-se à construção dos templos e à celebração das pompas festivas com o devido brilhantismo.[28]

Argumentando que os próprios maçons financiavam as irmandades e os cultos através do emprego de recursos próprios para a celebração das festas católicas, o boletim assegurava que o povo havia se posicionado ao lado das maçonarias naquela disputa, que teve como ponto fundamental a controvérsia em termos de jurisdição entre os poderes espirituais e temporais.[29]

Em meio aos embates oriundos do imbróglio  supracitado, o bispo de Olinda – Vital Gonçalves de Oliveira – determinou que as irmandades católicas expulsassem de seus quadros institucionais os membros que eram associados às maçonarias. Como a ordem não foi atendida, este líder religioso ameaçou de excomunhão todos os católicos que mantinham ligações com as  sociedades secretas. Tratando dessa questão, o  Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil  denunciou:

Os detratores da maçonaria, rompendo com todas as ideias de progresso e ilustração, secundam e aplaudem o denodado bispo que travou com mais encarniçamento a luta contra os nossos irmãos de Pernambuco. A atitude da população dessa província resistindo no terreno legal e com a mais nobre dignidade aos atentados do prelado de Olinda, longe de diminuir-lhe o fervor fanático, tem ao contrário incentivado a sua coragem. A interdição das irmandades que não se prestaram a expulsar do seu seio os maçons, a proibição de sepultamento de pedreiros livres em terreno sagrado, a imposição feita aos sacerdotes para que abjurem solenemente a Ordem a que pertencem, e a publicação de uma pastoral em linguagem imprópria de um bispo e que só respira ódio e vingança, são os principais atos de FREI VITAL posteriores aos que já noticiamos e que cada vez mais exacerbam os ânimos e excitam a indignação pública.[30]

Notamos pela descrição acima que o clima de conflito estabelecido na década de 1870 atingiu os rituais fúnebres, posto que a Igreja católica teria se recusado a promover o enterro de maçons. Por esta razão, o anseio maçônico pela secularização também atingiu os cemitérios, fazendo parte de um movimento maior de desritualização da morte.[31]  De fato, uma das consequências do choque entre os conservadores católicos e os maçons liberais foi uma gradativa secularização do Estado, até a separação efetiva entre a Igreja e o conjunto de poderes da nação, após a proclamação da República em 1889.

Considerações finais

No texto “Jesuitismo em Pernambuco”, publicado no  Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil , encontramos, pela primeira vez em nosso estudo, referências à opinião e ao sentimento público: O lamentável atentado do bispo de Pernambuco demonstrou a necessidade e vantagem das conferências populares, em ordem a influírem poderosamente no ânimo do povo para que ele pugne por seus direitos, sem esquecer-se de seus deveres. A reunião popular pernambucana foi, como vimos, um acontecimento grandioso e solene. Apesar de vivamente excitada a opinião pública [grifo nosso], a tranquilidade não foi sequer por um momento alterada e a população soube conservar-se na verdadeira atitude em que devia colocar-se.[32]

Ainda na edição de número 1, dentro da Seção Noticiosa, observamos as seguintes informações:

Acabamos de receber notícias de Pernambuco, que nos apressamos de transmitir aos leitores. O sentimento público [grifo nosso] se revoltava contra a cega obstinação de frei Vital, o qual, se não tinha levantado o interdito da igreja de Nossa Senhora da Soledade, também não continuava a proceder do mesmo modo em relação às outras igrejas. As suas ordens eram menos severas, mas tinham o seu lado de ridículo.[33]

Este mesmo volume publicou as resoluções tomadas pelo Grande Oriente Unido em assembleia geral do povo maçônico, ocorrida no dia 5 de janeiro de 1873. Uma de suas medidas foi a obrigação de promover conferências públicas ou meetings , com o objetivo de esclarecer o povo acerca dos “abusos” do bispo de Olinda. Essas conferências se constituíram como um local propício para a discussão de temas que eram abordados em outros espaços públicos.

O boletim indicou também que uma comissão maçônica convidou a população de Recife a comparecer em uma reunião pública, ocorrida no Campo das Princesas, que teria reunido mais de seis mil pessoas, transcrevendo, a esse respeito, uma notícia do  Jornal do Recife  daquele mês.[34]

Parece-nos que a mobilização popular por intermédio da imprensa representou uma das principais estratégias das maçonarias no que diz respeitos às suas intervenções no espaço público. Dentro dessa lógica, o aprofundamento desta pesquisa buscará verificar a sua hipótese central de que o periodismo maçônico foi um importante agente norteador do processo de formação da opinião pública, entre o final do século XIX e o início do século XX, na Corte imperial brasileira.

Em vista do que foi exposto, pode-se inferir que a pesquisa intitulada Periodismo maçônico, política e opinião pública na Corte imperial brasileira (1870-1875)  visa articular os conceitos de opinião e esfera públicas. A partir desse referencial teórico, Marco Morel estudou a imprensa, os atores políticos e as redes de sociabilidades no Rio de Janeiro imperial (1820-1840),definindo três aplicações complementares para a utilização da noção de espaço público :

[Diz respeito à] cena ou esfera pública, onde interagem diferentes atores e que não se confunde com o Estado; [à] esfera literária e cultural, que não é isolada do restante da sociedade e resulta da expressão letrada ou oral de agentes históricos diversificados; e[a]os espaços físicos ou locais onde se configuram estas cenas e esferas.[35]

No que se refere ao conceito de opinião pública – oriunda da modernidade política – ele atraía para si uma forma de legitimidade política independente da soberania do monarca. Em função de essa concepção possuir significados diferenciados, estamos partindo inicialmente das seguintes observações:

Opinião pública remete a uma expressão que desempenhou papel de destaque na constituição dos espaços públicos e de uma nova legitimidade nas sociedades ocidentais a partir de meados do século XVIII. Essa visão percebia no nascimento da opinião um processo pelo qual se desenvolvia uma consciência política no âmbito da esfera pública. Diante do poder absolutista, havia um público letrado que, fazendo uso público da Razão, construía leis morais, abstratas e gerais, que se tornavam uma fonte de crítica ao poder e de consolidação de uma nova legitimidade política. Ou seja, a opinião com peso para influir nos negócios públicos, ultrapassando os limites do julgamento privado.[36]

A construção da opinião pública maçônica, através do aumento dos debates políticos na década de 1870, teve a prática do periodismo enquanto uma base fundamental de ação, exercendo ao mesmo tempo um importante papel na ampliação dos espaços públicos.[37]

Por fim, a citação a seguir demonstra a importância do estudo da imprensa maçônica no contexto do Brasil oitocentista:

É uma época marcada pela expansão do público leitor, das tiragens e do número de títulos, dando à escrita impressa uma crescente importância, apesar de ainda diminuta em relação ao total da população. A alfabetização era escassa, mas o rótulo de elitismo para a imprensa que surgia deve ser visto com cautela (…). Havia cruzamentos e interseções entre as expressões orais e escritas, entre as culturas letradas e iletradas. E a leitura (…)não se limitava a uma atitude individual ou privada, mas possuía contornos coletivos. Nesse sentido, a circulação do debate político ultrapassava o público estritamente leitor ou maçônico.[38]  

** Thiago Werneck Gonçalves. Brasileiro. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF). Membro do Laboratório Cidade e Poder (LCP-UFF). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

 

Notas

[1] Ver, por exemplo, Isabel Lustosa, O nascimento da imprensa brasileira  (Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004);Carlos Rizzini, O livro, o jornal e a tipografia no Brasil  (São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de S.A.IMESP,1988).

[2] Tania Regina de Luca & Ana Luiza Martins (orgs.),  História da Imprensa no Brasil  (São Paulo: Contexto, 2008), 7

[3] José P. F. Araújo,  Legislação Brasileira […] de 1808 até 1831  (Rio de Janeiro: J. Villeneuve & Comp., 1836), 28-30. Citado por Tania Maria T. Bessone da Cruz Ferreira, “Livros, bibliotecas e censores: os impedimentos para os leitores no Brasil do século XIX”, In: O Arquivo Nacional e a História Luso-Brasileira .Bibliotecas, imprensa e censura http://www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=456&sid=62&tpl=printerview. (Acesso em: fev. 2011).

[4] Para o resumo dos primeiros jornais independentes da censura régia, consultar: Lustosa, 20-43. Para o panorama daimprensa brasileira entre o processo de independência e o Primeiro Reinado, ver: Ana Paula Goulart Ribeiro, “Aimprensa da independência e do primeiro reinado: alguns apontamentos”, Revista Pauta Geral , v. 1, n. 9 (2007): 17-32

[5] Marco Morel & Françoise Jean de Oliveira Souza, O poder da maçonaria : a história de uma   sociedade secreta no Brasil  (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008).

[6] Robert Darnton, “Introdução”, In: Robert Darnton & Daniel Roche (orgs.),  A revolução impressa: a imprensa na França, 1775-1800  (São Paulo: EDUSP, 1996), 15.

[7] Termo usado para “descrever cristãos que buscavam a liderança de Roma (do outro lado da montanha), ou que defendiam o ponto de vista dos papas, ou davam apoio à política dos mesmos”. David Gueiros Vieira, O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil , (Brasília: Editora da UnB, 1980), 32.

[8] Morel & Mariana Monteiro de Barros, Palavra, imagem e poder: o surgimento da imprensa no Brasil do século XIX   (Rio de Janeiro: DP&A editora, 2003), 8

[9] Alexandre Mansur Barata,  Luzes e sombras : a ação da maçonaria brasileira 1870-1910 (Campinas: Ed. Da UNICAMP, 1999), 68

[10] Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira; Marco Morel & Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves (orgs.),  História e imprensa: representações culturais e práticas de poder (Rio de Janeiro: FAPERJ/DP&A editora, 2006),10

[11] Em 1863 uma importante divisão ocorreu no interior do Grande Oriente do Brazil (aglomeração base das maçonarias). Alegando irregularidades nas eleições para os dirigentes do GOB  ,  Joaquim Saldanha Marinho decidiu fundar o Grande Oriente do Vale dos Beneditinos. O núcleo original, por sua vez, ficou conhecido como Grande Oriente do Vale do Lavradio, tendo, como grão-mestres, inicialmente o barão de Cayru e, posteriormente, o visconde do Rio Branco. Essa divisão durou até o ano de 1883, tendo, porém, uma frágil união em 1872, quando em meio à “Questão Religiosa”, deu-se uma reunião provisória através da formação do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil. Ver: Marco Morel & Oliveira Souza, 157-158

[12] Os nomes “Vale do Lavradio” e “Vale dos Beneditinos” tiveram origem a partir dos espaços geográficos, situados na Corte imperial brasileira, em que as sedes dos grupos maçônicos dissidentes passaram a funcionar após a cisão ocorrida em 1863

[13] 13  Para o conceito de esfera pública de poder, ver: Jürgen Habermas, The structural transformation of the public sphere. An inquiry into a category of bourgois society  (Massachussetes: The Mit Press, 1991); Craig Calhoun (ed.),  Habermas and the public sphere  (Massachussetes: The Mit Press, 1997); Dena Goodman, “Public sphere and private life: Toward a synthesis of current historiographical approaches to the Old Regime”,  History and Theory  (Middletown: Wesleyan University) 1 (1992): 1-20; François-Xavier Guerra & Annick Lempérière et. al,  Los espacios públicos en Iberoamérica: ambigüedades y problemas. Siglos XVIII – XIX  . (México: Fondo de Cultura Económica/Centro Francés de Estudios Mexicanos y Centroamericanos, 1998)

[14] O conceito de processo modernizador remete às “transformações das sociedades consideradas tradicionais – em outra terminologia, subdesenvolvidas – em direção ao modelo urbano-industrial (…). O termo é amplamente empregado pelos historiadores para indicar as tentativas de incorporar as inovações do capitalismo industrial europeu”. Apud: Sheila de Castro Faria, “Modernização”, In: Ronaldo Vainfas (org.),  Dicionário do Brasil imperial1822 – 1889 (Rio de Janeiro: Objetiva, 2002), 537-539.

[15] Jean Starobinski,  As máscaras da civilização: ensaios (Tradução de Maria Lúcia Machado – São Paulo: Companhia das Letras, 2001), 11

[16]   Ibid

[17] Boletim do Grande Oriente do Brazil  (Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional), ano I, n. 1 (dezembro de 1871): 13-16

[18] Para a análise detalhada das relações conflituosas entre a Igreja católica e a maçonaria na história, consultar: José Antônio Ferrer Benimeli,  Arquivos secretos do Vaticano e a franco-maçonaria  (São Paulo: Madras, 2007), 67-101;Ferrer Benimeli; Giovani Caprile & Valério Alberton,  Maçonaria e Igreja católica: ontem, hoje e amanhã   (São Paulo: Paulinas, 1983).

[19] Para o estudo acerca do regime de Padroado, consultar: Thales de Azevedo,  Igreja e Estado em tensão e crise:   a conquista espiritual e o padroado na Bahia  (São Paulo: Ática, 1978).

[20] Boletim do Grande Oriente do Brazil  I, n. 7 (junho de 1872): 226.

[21] Em trabalho recente, analisei a “Questão Religiosa” a partir de periódicos maçônicos e católicos, abordando os seus antecedentes dentro do contexto do avanço do iluminismo e dos confrontos entre a Igreja católica e as maçonarias na Europa, além de seus reflexos no cenário político-religioso brasileiro. Ver: Thiago Werneck Gonçalves, “O hábito e o avental: a Igreja católica e a maçonaria na Questão Religiosa (1872-1875)”, In:  Anais da V Semana de História Política | II Semana Nacional de História: Política e Cultura & Política e Sociedade  (Rio de Janeiro: UERJ, 2010).

[22] Boletim do Grande Oriente do Brazil  I, n. 2 (1872): 47

[23] Boletim do Grande Oriente do Brazil  I, n. 2 (janeiro de 1872): 47-50.

[24] Boletim do Grande Oriente do Brazil  I, n. 1 (dezembro de 1872): 7-8.

[25] Boletim do Grande Oriente do Brazil  I, n. 6 (maio de 1872): 187.

[26] Berenice Abreu de Castro Neves, “  Intrépidos romeiros do progresso : os  maçons cearenses do império” , In: Frederico de Castro Neves & Simone de Souza (org.),  Intelectuais  (Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002), 100-101

[27] Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil  II, n. 1 (janeiro de 1873): 3-4.

[28] Ibíd.

[29] Para uma síntese da também intitulada “Questão dos Bispos”, consultar: Guilherme Pereira das Neves, “Questão Religiosa”, In: Ronaldo Vainfas (org.),  Dicionário do Brasil imperial 1822 – 1889  (Rio de Janeiro: Objetiva, 2002),608-611.

[30] Boletim do   Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil  II, n. 2-3 (fevereiro e março de 1873): 110-111

[31] Cláudia Rodrigues, “Aspectos teóricos e metodológicos para uma análise do processo de secularização da morte no Rio de Janeiro oitocentista”, In:  Anais do VIII Encontro Regional de História da ANPUH-RJ  :  História e Religião  (Vassouras/RJ, 1998).

[32] Boletim do   Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil  II, n. 1 (janeiro de 1873): 16

[33] Boletim do   Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brazil  II, n. 1 (janeiro de 1873): 95.

[34] Ibíd  ., 15-16.

[35] Morel,  As transformações dos espaços públicos : imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial,1820-1840  (São Paulo: Hucitec, 2005), 18

[36] Morel & Monteiro de Barros, 22.

[37] Morel,  As transformações dos espaços públicos : imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial,1820-1840

[38] Morel & de Oliveira Souza, 114-115.

 

Bibliografia

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Publicado na REHMLAC – REVISTA DE ESTUDIOS HISTORICOS DE LA MASONERIA