Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Rumo à renda universal: Como lidar com o desaparecimento programado do trabalho?

Tradução José Filardo

 por Jean-Moïse Braitberg

A prodigiosa revolução da inteligência artificial está transtornando nossa relação com o mundo, bem como o significado que damos às nossas vidas. O emprego, que alguns acreditam ser a chave do bem-estar, assim como da dignidade, está em vias de se tornar um dado obsoleto. Convém se preparar seriamente, visando principalmente a possibilidade de uma renda universal de existência desconectada da atividade. É hoje é o maior desafio que a humanidade está enfrentando, ao mesmo tempo em que isso coloca em causa para os maçons a importância simbólica do trabalho.

Estamos à procura de um colaborador para um trabalho que exige inteligência superior, capacidade de trabalho a toda prova e grande precisão eliminando qualquer risco de fracasso. Os humanos devem se abster“.

 

Este é o tipo de oferta de emprego que é de se esperar nos próximos anos. Só que não haverá mais oportunidades de emprego, já que os robôs que estão atualmente nascendo serão capazes de se auto-selecionar para as tarefas mais exigentes. E se esse não for o caso, de educar outros robôs para se formar para as mais diversas tarefas. Em seu livro “Sem emprego, a condição do homem pós-industrial “ – ed. Les Liens qui libèrent, Paris 2016 – o sociólogo e filósofo Raphaël Liogier detalha como a partir de gigantescos avanços na inteligência artificial, o trabalho em sua forma tradicional está fadado a desaparecer, e por que devemos, desde já imaginar uma renda universal dissociada de empregos. Caso contrário, seremos levados a conhecer situações de uma violência inesperada.
Para entender não o que poderia acontecer, mas o que está acontecendo, coloque-se por um momento na pele de um cavalo que teria vivido no final do século XIX. Vendo o aparecimento do automóvel, você certamente teria se preocupado. Você se teria perguntado como ganhar sua aveia, se você não tinha mais que rebocar diligências para transportar passageiros, transportar cargas nas fábricas e puxar arados. Mas você também poderia pensar que o motor de tração iria tornar sua vida mais fácil. Você já não seria obrigado a uma vida de besta de carga e não mais seria levado ao campo de batalha. E você teria pensado que, com o aumento da população e porque os automóveis e caminhões custavam caro na época, haveria não só trabalho sempre para os cavalos, mas que também seriam inventadas novas tarefas para que eles executassem.
Mas nós sabemos que as coisas evoluíram de forma diferente. Na maioria dos países, os cavalos foram substituídos por veículos motorizados. Eles não são mais utilizados para a guerra e devem desaparecer da agricultura. E por quê? Porque os avanços tecnológicos que permitiram substituir os cavalos por máquinas não foram feitos somente para dar mais atividade aos cavalos ou para facilitar suas vidas, mas para os substituir. Se você aplicar esse raciocínio aos seres humanos, isso simplesmente significa que a revolução tecnológica em curso não se destina a dar mais trabalho aos seres humanos, mas a substituí-los por máquinas e robôs. Isso não significa que o trabalho humano desaparecerá em toda parte e imediatamente. Mas ele terá a tendência de desaparecer em uma proporção muito grande. E se não nos prepararmos para essa possibilidade, nos encontraremos diante de enormes problemas. Porque, por enquanto, presume-se que aquele que não ganha o pão com o suor do seu rosto, está condenado a morrer de fome, ou pelo menos a uma morte social.

 

A utopia do pleno emprego
No entanto, até à data, não estamos preparados nem economicamente, nem politicamente, nem socialmente, nem filosoficamente para o desaparecimento do trabalho. Muito pelo contrário. Enquanto esta mudança fundamental na ideia de que temos do significado da vida e de nossa maneira de a “ganhar” está acontecendo diante de nossos olhos, nós adotamos, na melhor hipótese, a atitude da avestruz. Nós repetimos a nós mesmos uma e outra vez que é preciso retornar ao pleno emprego e que este retorno passa por mais crescimento ou partilha do trabalho. Na pior das hipóteses, acreditamos em soluções piores como o protecionismo e xenofobia imaginando que, como a nuvem de Chernobyl, o avanço do progresso tecnológico pararia nas fronteiras da França ou mesmo da Europa.
Naturalmente, muitos de nós estamos conscientes do avanço das tecnologias, mas também somos muitos a dizer que a criatividade humana é tal que se as tarefas mais penosas e as menos qualificadas estão condenadas a desaparecer, haverá sempre emprego em campos altamente especializados que exigem um alto nível de educação e um know-how altamente especializado. E, claro, todos nós imaginamos que nós mesmos ou nossos filhos serão capazes de se adaptar a esta situação. É também por isso que todos aqueles que podem estão mais do que nunca dispostos a fazer grandes sacrifícios para proporcionar um alto nível de educação a seus filhos. Mas, aqui também se trata de um raciocínio desatualizados e certamente inadequada para a situação. Não só que um alto nível de educação não é tão relevante para a realização dos seres quanto necessário para uma melhor compreensão do mundo, mas o erro seria acreditar que um alto nível de educação permitiria relativizar a substituição da inteligência humana pela inteligência artificial no domínio do emprego. É um pouco, para usar nossa metáfora do cavalo, como se os cavalos do início do século XX tivessem escolhido apostar na melhora de seus desempenhos físicos para competir com o automóvel. Ou como se nós persistíssemos hoje em construir carros convencionais mais eficientes para competir com carros e meios automatizados de transporte capazes de se generalizar no médio prazo.
Assim como o cavalo tornou-se um meio ineficiente de transporte no alvorecer do século XX, os carros convencionais agora estão sendo substituídos por automóveis com piloto automático. Essa tecnologia existe e funciona corretamente. A questão é, então, saber o quão rápido eles vão se generalizar. Podemos certamente argumentar que esta tecnologia ainda não está totalmente desenvolvida. O que, sem dúvida, é verdade. Mas os carros sem o condutor não precisam ser perfeitos para competir com os carros convencionais. Eles não dormem, não dirigem bêbados, respeitam os limites de velocidade, não são propensos à fadiga e não enviam “mensagens de texto” no volante. Enquanto os últimos estão sujeitos a todos os caprichos da conduta humana e causam mais de três mil mortes por ano nas estradas da França. Assim, não há necessidade de desenvolver argumentos muito sofisticados para se convencer da superioridade da direção robotizada sobre a direção humana. Sem falar que o tempo gasto dirigindo atualmente compensará o tempo disponível para todos os tipos de atividade economicamente rentáveis.
Certamente, podemos também prever que diante do desaparecimento programado de várias dezenas de milhões de postos de trabalho de condutores de veículos em todo o mundo, os trabalhadores não vão deixar por isso mesmo. Mas nenhum movimento contra o avanço do progresso técnico jamais conseguiu inverter a tendência. Os teares Jacquard substituíram os tecelões de seda, as máquinas-ferramentas substituíram os ferreiros, as escavadeiras substituíram os trabalhadores na terra e os mecânicos substituíram os ferradores.
Há muito tempo que a agricultura segue o mesmo caminho. Ela não esperou pelo robô para ver o número de agricultores se reduzir drasticamente em todo o mundo, ao mesmo tempo em que conseguimos alimentar uma população mundial que mais que duplicou nos últimos sessenta anos. Não só o progresso global em matéria de alimentos foi obtido através da mecanização, mas hoje adiciona-se a automação permitindo um uso muito mais ecológico e eficiente de fertilizantes e pesticidas, graças à combinação entre o reconhecimento visual de culturas por GPS e o software integrado às ferramentas agrícolas que permitem adaptar de forma muito precisa os tratamentos baseados em necessidades reais dos vegetais. Portanto, podemos esperar nas próximas décadas um quase desaparecimento dos trabalhadores agrícolas.

 

Rumo ao fim do “colarinho branco”
Mas você diz a si mesmo que talvez não sendo nem motorista de caminhão, nem agricultor ou trabalhador de fábrica, o mercado de trabalho sempre precisa de engenheiros, contadores e trabalhadores de colarinho branco como você. Se por exemplo você exerce um trabalho que exige o uso de dados de computador – em seguros, em bancos, no comércio, em contabilidade pública ou privada – você sempre pode imaginar que um alto nível de educação e maior especialização garantem melhor adaptação, os seres humanos não estão prestes a serem substituídos por robôs. Mas, considerar as coisas a partir deste ângulo não nos diz nada sobre como vamos fazer para dar um alto nível de educação a todos, nem a qual necessidade ela corresponderia realmente no contexto do desenvolvimento de inteligência artificial. Se o seu trabalho consiste em ler os dados em uma tela, e clicar no lugar certo de modo adequado depois de analisar os dados, não há dúvida de que os softwares robôs imateriais são muito mais capazes de preencher as funções que colarinhos brancos super qualificados. Considerando-se o fato de que eles geralmente ganham altos salários, podemos até pensar que os empregos qualificados ou altamente qualificados no setor terciário estão fadados a desaparecer ainda mais rapidamente que os empregos pouco qualificados. É precisamente desta perspectiva que trabalham os programadores que se dedicam à melhor maneira de substituir o seu trabalho … ao mesmo tempo que o deles. Porque a pesquisa nesta área não consiste mais em programar robôs para executar tarefas específicas. Ela visa colocar em serviço sistemas que aprendem sozinhos, são capazes de considerar as consequências de seus “atos”, de corrigi-los, melhorá-los, e até mesmo compartilhar seu “conhecimento” com outros robôs. Este já é o caso acontecendo nas bolsas de valores que não são de todo regidas por humanos, mas por robôs informáticos que aprendem sozinhos, sabem reagir e interagir com outros robôs que se adaptam instantaneamente seu “raciocínio”.
São, portanto, todos os trabalhos relacionados com a manipulação de computadores que estão fadados se não a desaparecer, pelo menos a diminuir drasticamente nos próximos anos. As tarefas administrativas complicadas, como aquelas relacionadas com o cálculo e cobrança de impostos serão apenas uma memória distante quando certos sistemas estarão na posse de informações relativas às situações a tratar. O que, naturalmente, relaciona-se à maioria dos funcionários administrativos, mas também às profissões liberais, especialmente no campo jurídico. A profissão jurídica consiste essencialmente em analisar toneladas de documentos para detectar a falha através da qual se pode desenvolver uma argumentação jurídica. O que é, na prática já feito por robôs em alguns escritórios de advocacia. Agora, não só é possível analisar milhões de e-mails, toneladas de documentos jurídicos, mas também analisar os sons da linguagem humana e interpretá-los, a fim de encontrar a resposta mais adequada a uma pergunta de forma ultra-rápida. Assim é, que em 2011, o robô Watson da empresa IBM ganhou o jogo americano de televisão, Jeopardy, contra dois campeões humanos neste jogo. No ano passado, as capacidades de Watson foram usadas no Japão por uma equipe médica para o diagnóstico correto e o melhor tratamento em um caso de leucemia.
É ainda no campo da medicina que as novas aplicações de inteligência artificial serão mais revolucionárias. Podemos estimar que a probabilidade de erros de diagnóstico por inteligência artificial é menor que o risco de erros médicos humanos. Em caso das patologias mais comuns, espera-se que os robôs médicos apreendam bem melhor que os médicos humanos a adequação entre um paciente, sua história médica, o histórico epidemiológico de sua doença, a escolha do melhor tratamento possível e a interação dos medicamentos prescritos. Robôs médicos podem integrar a experiência de todos os robôs médicos, ler as informações mais recentes na pesquisa médica, manter o controle de tudo o que acontece com todos os pacientes em escala planetária e estabelecer correlações impossíveis de encontrar outra forma. É claro que todos os médicos não vão desaparecer, de modo que os pacientes sempre precisarão deles. Mas quando você puder obter um diagnóstico estatisticamente confiável e tratamento correspondente consultando seu smartphone que, é claro, poderá medir sua pressão arterial, medir sua glicemia, avaliar o seu risco cardíaco e, provavelmente, seu risco hereditário, o número de médicos de clínica geral diminuirá significativamente. Especialmente em países pobres, onde a consulta a um robô médico exigirá muito menos despesa do que uma longa e dispendiosa formação médica. Porque, claro, não há dúvida de que, como para os telefones celulares e computadores, o custo de robôs-médicos também diminuirá rapidamente porque um número muito grande de pessoas tem um interesse neles.
Assim, os trabalhadores não qualificados, os agricultores, profissionais liberais, engenheiros, funcionários públicos, militares, muitos advogados e muitos médicos têm grandes preocupações sobre o futuro de suas profissões. Mas talvez você pertença à categoria dos criativos, dos artistas, e todos aqueles cuja atividade se baseia em sua singularidade. Sem dúvida, imagine que o seu talento sempre terá o valor que lhe confere a escassez. Mas nada é menos certo. Porque a possibilidade de viver de um trabalho criativo depende em grande parte da popularidade deste trabalho junto a um pequeno número de pessoas dispostas a gastar dinheiro para sentir o prestígio de ter bens raros e gratificantes para os seus egos. Ou pode-se também imaginar, mas já é em parte o caso, que a música, a literatura e a maioria das principais artes serão no futuro produzidos por robôs interconectados que desenvolverão uma criatividade infinitamente superior ao de um cérebro humano e, porque não, também rara.
Talvez, você também pense que se a revolução industrial veio para nos libertar de tarefas penosas rotineiras relacionadas com a sobrevivência, dando-nos tempo livre para educação e o lazer, a robótica eliminará permanentemente o trabalho rotineiro, liberará as forças criativa dormentes em cada um de nós, permitindo assim à maioria o exercício de trabalhos criativos apaixonantes. Mas este é também um erro de cálculo. Por um lado, porque nem todos temos o mesmo potencial criativo, mas também porque na maioria dos postos de trabalho, não é a criatividade que os empregadores procuram em seus empregados, mas a capacidade de se adaptar à empresa, de se submeter às suas regras e limitar estritamente o seu zelo criativo ao que lhe é pedido no contexto de uma relação de subordinação.
Não se trata, fazendo um balanço de todas as profissões cuja demanda vai diminuir significativamente ou que vai desaparecer de lançar um grito de alarme contra a robotização. Gostemos ou não, já está em marcha e nada poderá impedi-lo. Os números que Raphaël Liogier cita em seu livro falam por si: “Entre 2000 e 2010, somente nos Estados Unidos, 64% das operadoras de telefonia desapareceram, 46% dos agentes de viagens, mas também, já, 26% dos contadores. Na Europa, no mesmo período, 7,6 milhões de empregos característicos de classe média desapareceram sob o impacto da tecnociência (…) De acordo com os pesquisadores Carl Benedikt Frey e Michael Osborne que conduziram em 2013 um estudo na universidade de Oxford, que incluiu a análise de 702 profissões, 37% dos empregos no Reino Unido e 47% nos EUA poderiam desaparecer devido à automação nos próximos 20 anos”. Quanto aos novos postos de trabalho criados, incluindo em profissões que exigem um certo nível de qualificação, não se trata, como se pode crer, de empregos tecnologicamente avançados – aqueles são substituídos por robôs -, mas de empregos dos tipos tradicionalmente desvalorizados e precários – este é particularmente o caso dos jornalistas, acadêmicos e mais geralmente todas as atividades intelectuais – quando não são empregos criados artificialmente pelo poder público, permitindo apenas flutuar acima da linha de pobreza.
Finalmente, devemos acrescentar a este quadro já bastante preocupante, as novas formas econômicas, tais como os “uberização” de recursos humanos – carro, casa, roupas, jardim – permitindo que milhões de indivíduos substituam toda uma gama de profissionais: motoristas de táxi, hoteleiros e donos de restaurantes e lojistas. Se acrescentamos a economia de compartilhamento que tende a dar valor às coisas em virtude da sua utilização partilhada e não à sua posse.

 

Em favor de uma renda básica, à direita e também à esquerda …
A questão que se coloca é, portanto: como fazer para que pessoas qualificadas, ou altamente qualificadas, com um bom nível de estudo e que querem trabalhar não acabem na miséria por falta de emprego e não escolham orientar a sociedade em direção a formas políticas voltadas para si mesmas ou de xenofobia? Como fazer, também para financiar a proteção social em uma economia que não funcionará no modelo assalariado? A resposta não é simples. Mas deixar de perguntar seria nos expor às piores consequências. É, portanto, aqui que a razão se junta à utopia.
Dissociar definitivamente os rendimentos do trabalho, não mais consideram necessário trabalhar para ganhar a vida, mas aceitar a ideia de que cada indivíduo, apenas pelo fato de existir tem direito a um rendimento digno independentemente de qualquer atividade, de seu nascimento até sua morte. A ideia não é realmente nova, ela é, desde o século XVI em Thomas More, entendida como o fundamento de uma sociedade ideal garantindo a estrita igualdade de seus membros: “a riqueza nacional é tão uniformemente distribuída que cada um goza abundantemente de todas as conveniências de vida”, escrevia ele em Utopia. No século XVIII, Thomas Paine sustentava a ideia de uma subvenção incondicional paga a cada adulto em nome da propriedade comum da terra e à partilha justa de uma porção de seus frutos. O que antes era uma utopia torna-se hoje uma perspectiva possível, se não necessária, considerada tanto pela direita quanto pela esquerda. À direita, a ideia de uma renda básica tem sido considerada pelos críticos libertários do estado de bem-estar. O economista americano Milton Friedman propôs uma renda universal e indiferenciada agrupando todos os benefícios sociais e financiada por um imposto proporcional sobre a renda. Nesta abordagem, a renda básica assumiria a forma de um “imposto negativo” para cobrir as necessidades mínimas sem substituir rendas assalariadas para não incitar a “inatividade”. Portanto, o estado está sendo liberado de seu encargo, caberá a cada um gerenciar suas necessidades em matéria de saúde, educação, prevenção, aposentadoria …
Para as empresas, o preço do trabalho seria reduzido e mercado de trabalho ainda mais ativo, pois a garantia de uma renda mínima permitiria condições de demissão mais flexíveis. Desse ponto de vista ultra-liberal, esta rede de segurança seria um incentivo para a iniciativa empresarial.
Em uma versão um pouco menos radical, mas de inspiração também liberal, a candidata de direita à presidência, Nathalie Kosciusko-Morizet propôs uma renda básica que seria paga a todos os cidadãos e substituiria a renda de solidariedade ativa (RSA) e o subsídio de solidariedade específica (ASS) pagos aos desempregados ao final do prazo de recebimento de seguro desemprego. O financiamento dela viria da substituição o imposto atual sobre a renda por um imposto fixo de cerca de 20%, deduzido mensalmente desde o primeiro euro da renda. Em contrapartida, cada cidadão receberia individualmente e mensalmente 470 euros a partir da idade de 18 anos – 200 euros seriam pagos aos pais de crianças com menos de 14 anos e 270 euros àqueles entre 14 e 18 anos -. Assim, uma pessoa que ganha 500 euros por mês pagaria um imposto de 100 euros, mas receberia do estado 470 euros e teria, portanto, um total de 870 euros. A pessoa que ganhasse um salário mensal de 5.000 euros pagaria 1000 euros de imposto e também ganharia 470 euros pagos pelo Estado: finalmente, sua remuneração mensal líquida de imposto seria, portanto, 4.470 euros.
À esquerda, apesar de não propor a versão mais radical de uma renda básica, Benoit Hamon fez dela a medida-chave do seu programa. Para ele, o montante mensal de “renda universal de existência” deverá inicialmente ser o equivalente ao rendimento de solidariedade ativa (RSA) base atual (524 euros), antes de passar para 750 euros, uma vez que o processo seja lançado e experimentado. Esta renda universal poderia substituir o RSA e “se articular com a assistência social já existente.”
“Partindo da hipótese de uma renda básica equivalente à base do RSA, sua distribuição a todos os franceses maiores de idade custaria cerca de € 300 bilhões por ano em velocidade de cruzeiro, mantidas todas as coisas iguais”, explica o deputado de Yvelines. Seus modos de financiamento não estão claramente definidos, mas o candidato lançou pistas: individualização do imposto de renda “para um ganho imediato de cerca de € 24 bilhões”; eliminação de brechas fiscais; luta contra a evasão fiscal e optimização fiscal”; reforma fiscal do patrimônio e dos digitais… “A renda universal não vai acontecer em um dia, nem mesmo no período de cinco anos”, admite Benoît Hamon, para quem um projeto como este é “indispensável”, mas ainda terá de ser aprovado através de um referendo popular.

 

… E críticas de ambos os lados
Ainda assim, tanto a versão liberal quanto a versão social da renda básica sofrem muitas críticas vindas tanto da direita quanto da esquerda. Alguns liberais como o economista francês Alain Wolfelsperger consideram o questionamento do trabalho como a base da renda é ao mesmo tempo imoral e ineficaz, na medida em que os ganhos de produtividade alcançados pela robotização não compensam a riqueza produzida pelo trabalho humano. O pagamento de uma renda básica poderia incentivar seus beneficiários a simplesmente não trabalhar. Tal ponto de vista é partilhado pelo ministro das Finanças, Michel Sapin. À esquerda, o economista Jean-Marie Harribey, membro do Attac considera que a concessão de uma renda básica incentivaria as empresas a pagar menos aos seus trabalhadores e conduziria a uma sociedade dual e desigual “não se pode ter para sempre direitos sem que aqueles que arcam com o custo possam exigir algo em troca de direitos equivalentes. Se sou pago uma renda sem que eu participe do trabalho coletivo, isso pode significar que há pessoas que trabalham no meu lugar. É ocasionalmente possível, ou em casos de força maior, mas não durante toda uma vida. ” Para o sociólogo e economista Bernard Friot, especialista em sistemas de proteção social, a renda básica seria a “roda sobressalente do capitalismo”, o mercado de capitais sendo necessário para financiá-la. Ele prefere o projeto de salário vitalício que ele qualifica como autenticamente libertador. Para ele, na medida em que a renda básica não afeta o mercado de trabalho nem a propriedade dos meios de produção, ela se inscreve como um corretivo na dominação capitalista. Uma crítica que é semelhante à de Samuel Zarka, pesquisador de filosofia na Academia Real de Belas Artes de Liège, que considera que, ao contrário do salário universal, a renda básica conduz a uma situação em que o beneficiário não tem “nenhum controle do que e do como da produção, que permanecem de fato com o proprietário do capital “.
No entanto, estas críticas têm em comum continuar a vincular renda ao trabalhar enquanto é a perspectiva do desaparecimento do trabalho e de seu lugar na nossa visão de mundo que justifica a implantação de uma renda universal sem contrapartida. O principal interesse dos argumentos desenvolvidos no livro de Raphaël Liogier é colocar a questão da renda de existência em termos de “ideal de vida” e não em termos de relações sociais. “Os valores de criatividade, bem-estar e autonomia (…) dominam nossa sociedade. Eles foram gradualmente substituídos por valores materialistas. (….) O desejo de ser suplantou os desejos de sobreviver e viver. Essa transformação de valores (…) também está em linha com a continuidade do desaparecimento gradual e concreto do trabalho como uma necessidade vital. Tudo deverá evoluir para o melhor. Mas este não é o caso, porque todo o nosso sistema atual baseia-se no trabalho”. Somos prisioneiros dos dogmas de crescimento e pleno emprego. Ou no caso em que não houvesse mais crescimento, sabemos que este não criará mais empregos. Então não se deve mais considerar o desemprego como um estigma social e repensar completamente a nossa relação com o trabalho. O emprego não é, como se repete à vontade, a condição de uma vida digna e gratificante. É ainda muitas vezes o oposto. É preciso que a alienação das mentes seja forte, para que os trabalhadores de minas, siderurgia, têxtil, condenados a perder suas vidas para ganhar a vida, e ainda chegam a lamentar suas cadeias de miséria e exploração? Será que somos tão pouco confiantes em nossa dignidade humana natural, para sentir que só existimos através de uma tarefa repetitiva e de utilidade relativa? Como pode alguém seriamente acreditar que não existe trabalho estúpido? Devemos abandonar a ideia de ser digno significa ser produtivo. “do simples fato de desde nosso nascimento participar na comunidade, de trocas de materiais, de intercâmbio de ideias, o fato de ter lazer, ajudar os outros, limpar a mesa em casa, ajudar um doente a atravessar a rua, vestir-se, atender o telefone, andar, consumir” escreve ainda Raphaël Liogier, a renda de existência é, portanto, uma renda básica, sem outra condição que não seja a de estar no mundo, cujo financiamento poderia ser garantido pela tributação do capital e da riqueza real. Não é fácil, no entanto, admitir que se possa criar riqueza sem trabalho. E, no entanto, isso é o que acontece com a maioria dos herdeiros, financistas, rentistas e todos aqueles que vivem de especulação.
“O empreendedor inevitavelmente tende a se transformar em rentista e dominar cada vez mais fortemente aqueles que só possuem o seu trabalho. Uma vez constituído, o capital se reproduz, mais rápido do que aumenta a produção. O passado devora nosso futuro”, escreveu Thomas Piketty em “O Capital do Século XXI”.
Mas qualquer que seja a solução financeira para o problema colocado, os maçons devem participar do debate. Apegados à ideia do trabalho criativo, mais que a da labuta esgotante, eles deveriam se alegrar de ver no horizonte uma sociedade mais justa e esclarecida, com perspectiva de vidas que, porque serão libertados do trabalho alienando da sobrevivência e do medo da perda do emprego, finalmente, encontrarão a realização no gozo de ser útil ao bem-estar de todos na liberdade de ser cada um mesmo.

Três cenários de renda básica no estudo da Fundação Jean Jaurès
A Fundação Jean Jaurès publicou um estudo sobre a simulação de três cenários de renda básica financiados da seguinte forma:
– Para 500 € por mês, representando € 336 bilhões, ou 16% do PIB, a renda básica pode ser financiada sem mobilizar contribuições na indústria da pensão. Consequentemente, cada indivíduo a poderia acumular com uma aposentadoria. Os ramos doença e família, bem como o seguro-desemprego seriam, ao contrário, incluídos na renda básica. 38 bilhões de euros em impostos obrigatórios adicionais seriam necessários, cerca de 2% do PIB para equilibrar as finanças públicas.
– Para € 750 por mês, o que representa 504 bilhões de euros, ou 24% do PIB, a renda básica pode ser financiada mediante a mobilização de todas as despesas correntes com a proteção social, incluídos ramo de velhice, sem encargos obrigatórios e adicionais e produzindo um excedente orçamentário de 14 bilhões de euros, que podem permitir antecipar a tendência de aumento da renda básica.
– Para 1000 € por mês, ou seja, 675 bilhões em gastos, ou 31% do PIB, a renda básica pode ser financiada mediante a mobilização do atual conjunto de despesas de proteção social e 153 bilhões de euros de encargos fiscais suplementares, ou cerca de 7,5% do PIB.

 

Alguns exemplos concretos e projetos já em aplicação

 

Na França, os senadores de direita Jean-Marie Vanlerenberghe e de esquerda, Daniel Percheron apresentaram um relatório sobre o assunto. Uma moção propondo o estudo de viabilidade do experimento de uma renda básica em Aquitaine foi aprovada em julho de 2015. Na sequência das reformas territoriais, a região de Aquitaine-Limousin-Poitou-Charentes retomou esta ideia e prevê um relatório final sobre a sua viabilidade em junho de 2017, o que resultaria em um teste. Em Gironde, onde o conselho municipal tem maioria socialista, uma simulação para “avaliar as implicações” e definir as “condições do teste” de uma renda básica, foi colocado em estudo em setembro de 2016 em parceria com a Fundação Jean Jaurès. “Várias hipóteses são simuladas em nível departamental, variando diferentes parâmetros: montante da renda, nível de condições, categorias de públicos, etc. “. O objetivo é, principalmente, avaliar “os impactos humanos e territoriais”, as “condições de financiamento”, “o comportamento dos beneficiários.” Esta simulação é baseada em quatro cenários: uma fusão de vários benefícios sociais, uma fusão de dez benefícios sociais, uma renda universal básica e incondicional de 750 euros e uma renda básica universal e incondicional de 1.000 euros. A simulação deverá ser concluída no primeiro trimestre de 2017. “Recomendações políticas, financeiras, regulamentares e operacionais” serão emitidas ao final da simulação.

 

Diversas implementações já estão em vigor em diferentes países e outras surgirão em breve.
Em 1976, o estado do Alasca estabeleceu o Fundo Permanente do Alasca, um fundo soberano, cujo capital é baseado em receitas de mineração e de petróleo do Estado, e cujas receitas desde 1982 abastecem um dividendo universal pago em 30 de junho de cada ano. O montante máximo pago foi de US$ 2072 dólares em 2015. Na Carolina do Norte, os membros da tribo Cherokee recebem dividendos de lucros gerados pelos casinos localizados em suas reservas. Um estudo mostrou que os efeitos desta medida resultaram em uma redução da pobreza, aumento da criminalidade, abuso de álcool e drogas, problemas psiquiátricos, e um aumento no número de graduados.

 

O Irã é o primeiro país a introduzir uma renda básica nacional no outono de 2010. Ela é paga a todos os cidadãos e substitui os subsídios da gasolina, eletricidade e alguns produtos alimentares. A soma corresponde a 480 dólares por ano para uma pessoa sozinha e 2.300 dólares para uma família de cinco pessoas.

 

Na Finlândia, em 2015, o novo governo finlandês de centro-direita está empenhado em implementar um teste de renda básica e lançou uma força-tarefa liderada pelo Instituto de Assistência Social para desenvolver propostas. Será o primeiro país europeu a dar o passo. O montante alocado está sendo debatido e se situaria entre € 850 e € 1.000 por mês. Ele substituiria o sistema social existente.

 

Na Suíça, a iniciativa popular federal “Por uma renda básica incondicional”, lançada em 11 de abril de 2012 reuniu mais de 126.000 assinaturas, acima das 100 000 necessários para que um referendo popular seja organizado. A iniciativa foi rejeitada em 05 de junho de 2016 por 76,9% dos eleitores e todos os cantões. O principal argumento para essa rejeição foi o risco de criação de uma “bomba de sucção” para os estrangeiros.

 

Publicado em 22 de fevereiro de 2017 – http://www.fm-mag.fr/article/societe/vers-un-revenu-universel-1470