Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Maçonaria e o Fim do Humanismo

Tradução J. Filardo

Por Irmão Darren Lorente ***
St. Mary Islington Lodge #5451
Grande Loja Unida da Inglaterra

“Dirigir a Barca da vida pelo mar agitado da paixão sem deixar de agir com retidão é a maior perfeição que a natureza humana pode atingir”
Ferramentas de trabalho do 2o grau

A Maçonaria tem sido frequentemente descrita como uma filha do Iluminismo, e embora a Maçonaria seja um produto das guildas medievais, foi durante o Iluminismo que a Maçonaria fez a transição de operativa para especulativa e desenvolveu-se na organização que conhecemos e amamos hoje.

A Maçonaria foi, em muitos aspectos, uma imagem de espelho do Iluminismo, e muitos dos valores humanísticos que conduziram civilização ocidental à frente na modernidade podem ser vistos em ambos. Foi no século XVIII que as estruturas feudais do antigo regime foram desafiadas e no auge da Revolução francesa foram totalmente desmanteladas. A Maçonaria aderiu à sua visão utópica de uma sociedade perfeita, mas substituiu a lâmina afiada da guilhotina pelo poder da palavra muito mais durável e mais afiado.

Maçonaria deve ter herdado seus ideais de amor fraternal, Socorro e Verdade – os três princípios da ordem – de sua fase operacional anterior, mas está claro que eles ressoam com aqueles defendidos ao final do século XVIII pelos revolucionários franceses: liberte, égalité e fraternité. Também é verdade que a Maçonaria britânica era admirada na Europa continental em uma época em que tudo o que era britânica (em particular as suas instituições) constituía o auge da moda. A democracia parlamentar foi uma invenção britânica e o precursor do mais amplamente difundido modelo político atual: a democracia liberal.

A Maçonaria regular não pode, por definição, ser alterada e permanece praticamente a mesma como era no auge de sua popularidade nos séculos XVIII e XIX: uma imagem congelada dos valores e ideais do período que informaram e de muitas maneiras a formataram e criaram. Folheando almanaques maçônicos de meados do século XIX no Freemason’s Hall, fiquei surpreso ao ler as cartas ao editor, que eram extremamente semelhantes às cartas ao editor que se podem ser lida atualmente em revistas como “Freemasonry Today”. Isso trouxe-me à mente a noção de que a Maçonaria e os maçons não mudaram e que a essência de ambos permanece a mesma.

Embora na prática a Maçonaria nem sempre fosse igualitária, seus estatutos e rituais estão imbuídos deste desejo por democracia e liberdade individual. Embora possamos pensar que a votação é um aspecto prosaico da nossa cerimônia de iniciação, ela é carregada de significado e mostra o compromisso com esses ideais. O fato de lojas serem progressistas é, naturalmente, outro exemplo claro desta propensão inata para igualitarismo que define a Maçonaria e que deve tê-la feito tão atraente na Europa do século XVIII. O que era desejado e o que foi realmente alcançado são duas coisas diferentes; escusado será dizer: o século XVIII, apesar de ser descrito como “A idade de Avanço” foi, naturalmente, um período em que a desigualdade social, a pobreza e a doença eram abundantes pelos padrões de hoje, mas as sementes da mudança tinham sido firmemente plantadas.

Por outro lado, a Maçonaria regular nunca foi tão longe quanto coincidir com a Revolução Francesa, apesar de muitas absurdas teorias da conspiração têm sido divulgadas a este respeito: a Maçonaria regular sempre exigiu a crença em um ser supremo como um requisito para a adesão e, portanto, encontrou um compromisso entre a ciência e a secularização da sociedade, sem sacrificar a fé e a espiritualidade. As constituições de Anderson deixam muito claro a posição da Maçonaria regular em relação a quaisquer revoltas contra o o sistema estabelecido e cada Venerável Mestre eleito é conclamado a “ser um súdito pacífico e cumprir as Leis do país” assim como cada Maçom é lembrado de fazer, em diferentes palavras, ao longo de todos os três graus da Maçonaria. Além disso, brindes homenageando o monarca do país em que ocorre a Assembleia Maçônica são feitas na data festiva e o hino nacional local também é cantado no encerramento da loja. Então está claro que a Maçonaria como a entendemos nunca teve fins revolucionários ou mesmo republicanos e na verdade, como é do conhecem de todos os maçons, a Maçonaria nunca teve uma agenda política e discussões sobre tais assuntos proibidas em reuniões de loja. Correndo o risco de afirmar o óbvio, é justo dizer que a Maçonaria sempre teve uma agenda cultural e os monitores de loja exortam os Maçons a acompanhar o estudo das Artes Liberais e o aperfeiçoamento moral. Neste sentido, descrever a Maçonaria como uma “revolução cultural” que conseguiu abranger valores espirituais, morais, sociais e intelectuais não pode ser demasiado rebuscado, mas é importante notar que a Maçonaria também foi, de certa forma, uma reação ao Iluminismo. As tradições trazidas das guildas, o requisito de acreditar em um ser supremo e respeitar as leis do país são traços definidos da Maçonaria que não coincidem exatamente com o cepticismo profundo de filósofos como David Hume ou as ambições revolucionárias que foram rapidamente ganhando terreno em toda a Europa.

Um dos traços mais definidos e atraentes da Maçonaria é sua tolerância religiosa e política, expressada em uma proibição formal de discutir tais assuntos nas reuniões de loja, mas mais positivamente a pluralidade religiosa, social e ideológica presente em muitas lojas nas quais cristãos de diferentes denominações confraternizavam com muçulmanos, Sikhs, Hindus e budistas. O Império britânico e o colonialismo como um todo foram o meio em que a Maçonaria foi capaz de se espalhar, e basta ler o poema de Kipling “Minha Loja Mãe” para perceber quão multiculturais algumas lojas devem ter sido no século XIX e, na verdade, antes mesmo. Estas lojas coloniais expuseram os europeus e não europeus ás cultura uns dos outros e, assim, a um conhecimento mais profundo da condição humana.

A Maçonaria foi, desde sua criação – e refiro-me ao seu início histórico, ao invés de sua ponte mística e antiga – entre a idade média à qual o Iluminismo foi, em parte, uma reação, uma antítese hegeliana e à própria modernidade. Um pouco paradoxalmente, a Maçonaria também poderia ser vista como uma reação ao racionalismo e à modernidade: suas ligações com o ocultismo; seus mitos fundacionais simbólicos que são muitas vezes tomados como verdades literais e em suas supostas conexões para o Egito e o mundo antigo contribuíram para a criação de um vasto acervo de mitologias Esotéricas e ocultas ainda atuais.

Naturalmente, ideais como a democracia, liberdade e igualdade são chover no molhado hoje. Muitas pessoas não votam em eleições gerais e provavelmente não celebram o “Culto ao Iluminismo” em uma loja maçônica. O Iluminismo e os paradigmas subsequentes que ele produziu estão sendo questionados hoje por certas formas de democracia autoritária e fundamentalismo religioso, a oposição mais visível e tangível às democracias liberais do Ocidente. A afirmação do filósofo Francis Fukuyama de que a democracia liberal é o último sistema político que teremos no mundo pode ser verdade, mas é igualmente necessário que o descuido e os excessos da sociedade de consumo, o materialismo e o tecnocracia não ameacem isso e, mais importante, que não retornemos a uma nova idade das trevas.

De defensores e criadores da modernidade, liberdade e progresso científico, os maçons se tornaram hoje aos olhos do público educado e bem-informado uma organização reacionária, conservadora e elitista. Este é um desses paradoxos caprichosos que história às vezes nos lança e não deixa de surpreender como os reformadores de ontem são os reacionários de hoje. Mas, a Maçonaria é ainda relevante ideológica, intelectual e filosoficamente em um mundo pós-moderno? Eu, pessoalmente, acredito que a Maçonaria é mais relevante do que nunca: democracia, liberdade e igualdade são valores que nós nunca devemos perder ou considerar garantido, e que valem a pena ser lembrados. A Maçonaria é uma celebração contínua destes valores e tem potencial para dar a todos nós uma identidade comum, independentemente de status, cor ou formação religiosa; ela tem a capacidade de unir os homens em meio a uma sociedade dividida e fragmentada para um objetivo comum: o autoaperfeiçoamento e, por extensão, o aperfeiçoamento social e universal.

E, é claro, o lado espiritual da Maçonaria não pode ser subestimado apesar do fato de que muitos maçons não consideram seus interesses maçônicos como espirituais: As alegorias da Maçonaria retratam a relação do homem com ele mesmo, mas, também, em graus mais elevados, sua relação com a divindade.

Em “A Divina Comédia”, Dante e Virgílio enfrentam obstáculos em seu caminho através dos sete círculos do inferno, alguns dos quais simbolizam as deficiências do humanismo excessivamente autossuficiente para permitir explorações metafísicas. A Maçonaria promove valores humanísticos e, simultaneamente, nos convida a explorar nosso relacionamento com Deus e com o divino e, portanto, nos oferece uma ponte entre o material e o espiritual. Neste sentido, a Maçonaria contém em seus ensinamentos e rituais a trajetória da história do ocidente: desde seus primórdios operativos, época medieval até seu estágio moderno e iluminado assimilando a espiritualidade com a Razão, sem sacrificar a essência do nenhum dos dois. A Maçonaria é, neste sentido, um plano para as realizações da civilização sobre a barbárie, da arte e cultura acima de Anti-intelectualismo filisteu e como tal merece nossa dedicação.

Original publicado em: http://www.freemasons-freemasonry.com/freemasonry_humanism.html

*** Irmão Darren Lorente
St. Mary Islington Lodge #5451
Grande Loja Unida da Inglaterra


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