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Maçonaria Brasileira: Imagem e Realidade

José Filardo M.´. I.´.

A Maçonaria no Brasil deu seus primeiros passos no início do século XIX, quando irmãos espalhados pelo tecido da sociedade praticavam o Rito Adonhiramita, ou o rito dos doze graus. Conforme vimos em https://bibliot3ca.wordpress.com/quadro-historico-da-maconaria-no-rio-de-janeiro-1822/, “cinco maçons d’esses dispersos formaram uma loja e começaram, com inviolável segredo a iniciar pessoas que gozavam de credito, instruídas e bem morigeradas. Esta primeira loja… se chamou União (mais tarde Reunião).”

Feita a paz de Amiens (1802), os maçons brasileiros estiveram em contato com militares franceses maçons que reconheceram a loja em nome do Oriente de l’Ile de France, e entregaram aos maçons brasileiros os estatutos e Rituais do Rito Francês ou dos Modernos.

Concomitantemente, um delegado do Grande Oriente Lusitano (também de pedigree francês, visto que fora fundado pelas tropas de Junot), não conseguindo forçar a Loja União (a essa altura com o nome de Reunião) a integrar o Grande Oriente Lusitano, fundou outras duas lojas.

Vemos aqui que o Establishment português percebia a importância da Maçonaria e pretendia subjugar a nascente manifestação dentro de seus quadros.

A pendenga arrastou-se por alguns anos até que fosse interrompida pela intervenção da coroa que suspendeu os trabalhos maçônicos por ordem do Conde de Arcos, uma situação que iria durar até 1821. Nesse período, a Maçonaria não desapareceu completamente, prova disso está em que uma loja – São João de Bragança – funcionava no próprio palácio real, integrada por importantes membros da aristocracia brasileira. Não há informações precisas sobre essa loja, mas tudo leva a crer que funcionasse sob os auspícios do Grande Oriente Lusitano, vez que os “brasileiros” da época eram, na verdade, portugueses transplantados para o Brasil e que não tendiam a ter tendências nativistas.

Durante esse período, todavia, a colônia se desenvolvera e uma parcela da população percebia o papel negativo exercido pela Metrópole e a influência negativa desse papel sobre os seus lucros. Esse descontentamento gerou um desejo de liberdade que foi captado pela “intelligentsia” daquela sociedade, um grupo progressista que se concentrou em torno das lojas maçônicas, dada a conveniência oferecida pelo sigilo e capacidade de mobilização de força da nascente Maçonaria crioula. E essa nova instituição nascia sob os auspícios das luzes francesas e voltada para a participação na sociedade civil e como motor de mudanças adotando internamente o Rito Francês.

Naturalmente, dentro dessa camada esclarecida da população havia diferentes tendências políticas. Homens como Gonçalves Ledo, muito adiante de seu tempo, eram já republicanos; por outro lado, homens como os Andradas eram reacionários e conservadores e que fundaram uma “maçonaria paralela” a que denominaram o Apostolado, onde revelaram o lado negro de suas personalidades.

Todavia, nem tudo eram rosas no paraíso. Os Andradas, conservadores, conseguiram e, 29 de Outubro de 1822 que o Imperador (que fora cooptado pela Maçonaria e eleito seu Grão Mestre) decretasse a suspensão do nascente Grande Oriente, e mesmo quando ele decidiu liberar o funcionamento, os Andradas interferiram e mantiveram a proibição, passando a perseguir os membros mais liberais do Grande Oriente Brasílico que permaneceu fechado até 1831.

O ano de 1832 foi um ano importante. O imperador D. Pedro fora obrigado no ano anterior a retornar a Portugal para assumir o trono, abrindo uma nova etapa da história brasileira com novas composições de forças internas ao governo, vez que o herdeiro era menor de idade e o governo foi assumido pelos seus tutores.

Naquele ano também foi introduzido no Grande Oriente, pelas mãos de Francisco Gê Acayaba de Montezuma, o Rito Escocês Antigo e Aceito.

A sociedade brasileira se desenvolveu lentamente, sem acompanhar a dinâmica do restante do mundo civilizado e as pressões imperialistas dos britânicos influenciavam tanto a política quanto a Maçonaria, vez que a Grande Loja Unida da Inglaterra era hegemônica e era também um instrumento do imperialismo inglês.

Assim, pressões sociais e econômicas de uma nascente burguesia que queria participar da gestão das riquezas do país, burguesia essa que integrava maciçamente as lojas maçônicas, levaram à organização do golpe de estado de 1889 que culminou com a proclamação da república brasileira. Essa participação na Maçonaria era instrumental e ainda se mantinha aceso o espírito progressista dos maçons, apesar da crescente hegemonia do rito escocês.

Com a proclamação da República, partidos foram fundados que se prestavam melhor ao exercício da política que as lojas maçônicas, aparelhadas no século anterior, quando sob o império essa práxis não era possível.

Pouco a pouco, as lojas vão se esvaziar, se entropizar, o nível de poder político e econômico de seus membros diminuirá, o rito escocês, que atende mais aos anseios medíocres dessa nova maçonaria, o Grande Oriente do Brasil celebra seu primeiro tratado com a GLUI em 1919, e as crises começarão a surgir na forma de disputas intestinas de poder que culminarão em 1927 com o cisma que decretou o fim da Maçonaria brasileira. A partir dessa época, ela passará a ser uma sombra do que sempre fora, mas, curiosamente, reterá a reputação trazida por sua participação na Declaração de Independência e na Proclamação da República.

O resultado final foi que a população em geral tem, hoje, o conceito da Maçonaria como ela era até o cisma de 1927 – uma superinstituição influente, que comandava secretamente os destinos do país, que se infiltrava em todos os meios e que reunia os homens mais poderosos.

Essa é a imagem.

A realidade, todavia, é que a instituição perdeu quase que completamente essa influência. Mas isso ocorreu não porque sofreu mudanças – algo impensável na Maçonaria – e sim porque os maçons mudaram. O material humano que ingressou na Ordem depois da proclamação da república não tinha o mesmo comportamento, visto que a participação política sempre foi muito limitada na sociedade brasileira. Os líderes foram para os partidos políticos e os poderosos encontraram meios mais eficientes de exercer o poder na sociedade civil.

Um processo de ingresso que depende da ação dos membros, nem sempre capazes de julgar com eficiência as qualidades dos candidatos; a falta de informação objetiva ao candidato, levando-o a ser equivocadamente inserido em uma loja incompatível com sua personalidade ou interesses; a “venda” da imagem descrita acima e o consequente choque de realidade que o candidato sofre no dia-a-dia da loja são responsáveis por uma parte da crise.

Nas cidades menores, a Maçonaria ainda ocupa um lugar entre as forças sociais, mesmo quando é “aparelhada” por tendências político partidárias de grupos hegemônicos. Ela ainda atrai pessoas influentes da cidade e, dessa forma, ainda retém uma parte de sua atuação histórica.

Nas grandes cidades, no entanto, a Maçonaria é absolutamente inoperante devido à descentralização do poder municipal. Some-se a isso a estrutura demográfica do quadro que na maior parte das lojas é composto de membros originários dos quatro cantos da cidade, sem motivação comum que possa galvanizar uma atuação eficiente.

Grãos Mestres – com raríssimas exceções – não têm consciência de seu papel de porta voz e de condutor dos maçons. Limitam-se às disputas intestinas de poder, ao culto à personalidade e às homenagens, medalhas e condecorações. Não mobilizam a Ordem em torno de bandeiras de luta, porque não entendem o poder que ela tem, ou por pura incompetência.

A consequência – tirando o desprestígio diante da sociedade – é uma enorme taxa de desistência e ausência de interesse pelo ingresso na Maçonaria.

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