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Maçonaria: A pretensa irregularidade do Rito Moderno ou Francês

 

Ir.´. Helio P. Leite – Brasilia
O “Livro das Constituições” sanciona oficialmente o novo aspecto especulativo e universal assumido pela antiga Maçonaria. Por ele se dá à Maçonaria reorganizada em 1717, seus Estatutos fundamentais. O trabalho de Anderson passou a constituir a base do Direito Internacional Maçônico. Os landmarks derivam deste trabalho. A primeira edição foi aprovada, promulgada e impressa em 1723. É edição “princeps”. Em 1738, porém, Anderson publicou uma Segunda edição de seu Livro, dando um extrato dos atos da Grande Loja até aquela data, especialmente as decisões referentes a acréscimos e emendas às velhas regras. Com escopo de aclarar, condensar e corrigir, alterou a fraseologia dos “Ancient Charges” e, posto que sua obra fosse aprovada pelos Grandes Oficiais, diz-se que a Grande Loja recusou sancionar essa nova redação, permanecendo a sua primeira edição como a versão verdadeira.
A versão primitiva de 1723 é ainda hoje a reconhecida ortodoxa pela própria Grande Loja Unida da Inglaterra e para toda Maçonaria anglo-saxônica. É o suporte doutrinário dessas Potências e é a Carta reconhecida por todos os Maçons regulares em todo os países. Lá está no artigo 1o , “Dos Deveres dos Maçons – Concernentes à Deus e à Religião” :

“Um Maçom é obrigado a obedecer a lei Moral; e se ele bem entender da Arte, nunca será um ateu estúpido nem um irreligioso libertino. Posto que nos tempos antigos os Maçons tivessem a obrigação de seguir a religião do próprio país ou nação, qualquer que ela fosse, presentemente julgou-se mais conveniente obrigá-lo a praticar a religião em que todos os homens estão de acordo, deixando-lhes plena liberdade às convicções particulares. Essa religião consiste em serem bons, sinceros, honrados, de modo que possam ser diferenciados dos outros. Por esse motivo a Maçonaria é considerada como centro de união e faculta os meios de se estabelecer leal amizade entre pessoas que, sem ela, não se conheceriam.”

Note-se: a Lei Moral Maçônica impede que o ateu se torne estúpido e libertino, ou irreligioso. Como se vê, Anderson, impôs condições morais, não condiçõesespirituais . Ele fazia, realmente, da liberdade de consciência o fundamento da Ordem Maçônica. A Segunda edição, porém, do “Livro das Constituições”, quinze anos após, em 1738 inovou: pretendeu estabelecer a necessidade de crer na existência de um Deus Pessoal. Eis o famoso texto modificado:

“Se bem que nos tempos antigos, os Maçons fossem obrigados a submeter-se aos usos cristãos de cada país, eles são hoje obrigados a conformar-se com a Lei Moral, como um verdadeiro noaquita. “

Em outra palavras: o noaquita é o descendente de Noé ou, genericamente, todo aquele que observa escrupulosamente os preceitos determinados por Deus a esses patriarca, após o dilúvio.

Essa Segunda edição do “Livro das Constituições” pretendia, destarte, impor uma formação religiosa ao Maçom. Anderson, e seu grande colaborador Desaguiliers eram presbiterianos. Por isso, o retorno a religiosidade pode buscar inspiração no Velho Testamento, quando o mais espontâneo seria inspirar-se nas Antigas Obrigações (Old Charges) da Maçonaria Inglesa e nos regulamentos dos Maçons Operativos do continente (talhadores de pedra da Alemanha e de Veneza, por exemplo), que eram essencialmente católicos. Esse aspecto de parcialidade religiosa, sem dúvida, influiu no abandono da Segunda edição do “Livro das Constituições”. Eram duas correntes religiosas que se defrontavam. Basta lembrar que Miguel Ramsay, da Escócia, católico, discípulo de Fenélon pretendeu em 1728 lançar fundamentos de uma nova Maçonaria e evitou qualquer contato com Anderson e Desaguiliers, por serem protestantes. Nada existe, pois no texto vigente do “Livro das Constituições”, de Anderson que justifique a imputação de irregularidade que se assacou ao Rito Francês ou Moderno, após a reforma de 1877. E mais, os Ritos deístas estabeleceram com o correr dos tempos um conjunto de requisitos gerais e especiais, esses para os graus simbólicos, necessários a regularização maçônica. O Rito Moderno ou Francês satisfaz a todas essas exigências, absolutamente a todas, salvo a adoção do Grande Arquiteto do Universo e o uso do Livro Sagrado sobre o Altar dos Juramentos.

Assim é que o Rito emprega sinais, toques e palavras para cada grau; desenvolve as cerimônias por meio de fórmulas misteriosas e emblemáticas dentro dos Templos, com símbolos da construção universal; usa no primeiro Grau a Câmara das Reflexões para o neófito, desenvolve na iniciação o cultivo da Moral, da Fraternidade e da Tolerância e explica as viagens simbólicas; no 2o Grau glorifica, na cerimônia iniciática, o trabalho e o emprego das respectivas ferramentas e o aprimoramento das ciências e das artes; no 3o Grau adota a lenda de Hiram e a sua analogia com o princípio científico que a vida nasce da morte.
Tudo isso se contém nos três Graus simbólicos do Rito Francês ou Moderno, com exceção da afirmação dogmática. Evidentemente assim é porque o Rito é agnóstico, o que aliás não contraria a canone citado no – “Livro das Constituições” de Anderson, solenemente aprovado como codificação da Lei Maçônica em 17 de janeiro de 1723 pelos Maçons ingleses e ainda hoje obedecido em todo o mundo maçônico regular. Ademais, os Ritos deístas que no caso importam são o Rito Escocês Antigo e Aceito e o Rito de York, cujas raízes estão, respectivamente no Cristianismo e no mossaismo. É clara a impertinência desses Ritos de estabelecerem regras de regularidade para qualquer outro sistema, erguido sobre outros fundamentos.
Aliás, a declaração de Princípios do Congresso de Lausanne, dos Supremos Conselhos do Escocismo, em 1875, dois anos antes da supressão do dogma do Grande Arquiteto do Universo no Grande Oriente de França, proclamou a “existência” de um Princípio Criador, sob o nome de Grande Arquiteto do Universo. Note-se: afirma a existência de um Princípio Criador e não de um Deus Criador. Tampouco exige a crença em um Deus Criador. Há ainda uma terceira ordem de considerações. O Rito Francês ou Moderno como hoje é praticado, continua observando todos os Landmarks da Ordem, isto é, a súmula dos Preceitos Tradicionais ou a Regra Tradicional da Maçonaria, inspirada no “Livro das Constituições”, de Anderson.
No decorrer do tempo, várias tem sido as compilações dos Landmarks. A mais conhecida é de Albert Mackey, autor da famosa “Enciclopédia da Franco-Maçonaria”. Mackey era de Charleston, USA, professava o Rito de York e foi amigo dileto do Maçom Pike, autor de outro livro famoso: “Moral e Dogma do Rito Escocês Antigo e Aceito”.
Os Landmarks compilados por Mackey incluem preceitos relativos ao Grão Mestrado, e naturalmente, por ser ele deísta, os relativos ao Grande Arquiteto do Universo, à imortalidade da alma e ao Livro da Lei. Se excluirmos aquela matéria não pertinente ao Rito, e esta, que é dogmática e não exigida por Anderson, todos os demais Landmarks tradicionais continuam observados pelo Rito Francês ou Moderno. Senão vejamos. Os processos de reconhecimento; a divisão da Maçonaria Simbólica em três graus; a Lenda de Hiram; a congregação dos Maçons em Loja; o governo da Loja por um Venerável e dois Vigilantes; a Loja estará à coberto quando reunida; os direitos de representação e de recurso assegurados aos Irmãos; o direito de visitação; a trolha ao visitante desconhecido; a proibição de uma Loja imiscuir-se em assuntos de outra ou conferir grau a Irmão de outra Loja; a submissão do Maçom à Lei Maçônica de seu Oriente; somente homens livres, maiores e isentos de defeitos físicos podem ser candidatos à iniciação; a igualdade dos Maçons em Loja, não influindo a situação profana; a conservação secreta dos sinais, palavras e toques e o uso dos símbolos como fontes de ensinamento moral.

Tudo isto está nos Landmarks da ordem.

Tudo isto está no Rito Francês.

Onde está a irregularidade ?

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