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Filosofia iniciática do Grau de Companheiro (IV)

Publicado em FREEMASON.PT

Por Maxell Egens

segundo grau companheiro

A nossa arquitectura individual

A Vida em si mesma (a vida orgânica nas suas diferentes manifestações) pode e deve considerar-se como uma imensa Obra de Construção, que continuamente se levanta sobre a matéria bruta ou inerte, com a cooperação de todas as inteligências, de que todos os seres conscientes ou inconscientes, cada um dos quais busca uma expressão apropriada à sua natureza interior que deve elevar-se constantemente, na mesma medida desta.

O Universo é uma imensa construção na que infinidade de obreiros trabalham sob as ordens e seguindo os planos de um mesmo Grande Arquitecto.

A nossa arquitectura orgânica é uma expressão particular desta Obra Construtora que se manifesta universalmente, segundo os mesmos princípios, nas formas mais diferentes da vida vegetal, animal e humana, em distintas raças ou ordens apropriadas para as distintas categorias de seres.

A nossa arquitectura vital distingue-se da dos animais, com os quais oferece mais pontos de contacto pela sua posição vertical, que também a acerca a dos vegetais, pois como nestes, o progresso ou crescimento individual procede verticalmente, ou seja, em sentido oposto a força da gravidade da terra, por que se refere a constituição e ao crescimento material; e a lei de gravidade dos instintos, erros, vícios e paixões, enquanto a constituição moral e ao crescimento espiritual.

Assim como as plantas crescem e se elevam na direcção do zénite, assim também nós devemos crescer e elevar-nos segundo o nosso zénite espiritual. O prumo é assim um dos utensílios indispensáveis na arquitectura individual, pois sem ele, ou seja, sem o Ideal elevado sobre o qual fixar a nossa mira, a construção não ficaria a prumo, curvando-se até a mais estrita obediência e passiva escravidão aos instintos, paixões e necessidades materiais que caracterizam aos animais.

A diferença deste, que são como plantas que se libertaram da imobilidade vegetal – pois o impulso fundamental da vida vegetal é para o crescimento e a expansão, enquanto nos animais se aumenta a dupla capacidade de sentir e mover-se – para se dirigir horizontalmente levando para adiante a cabeça que corresponde as “raízes” vegetais, o homem se volta novamente a linha vertical, porém como uma planta invertida, elevando para cima a raiz que, como centro unificador e director da existência individual, se transformou em “cabeça”.

E assim como a planta tem que sustentar constantemente o esforço do seu crescimento por uma continua produção interior de novas camadas concêntricas e a paralela extensão dos seus ramos em suficiente amplitude, assim também o nosso crescimento individual se faz efectivo na medida em que chegamos a realizar os nossos ideais e manifestá-lo na vida, por meio da mais fecunda actividade de todas as nossas faculdades produtivas.

Desta maneira, pelos seus próprios esforços activos a nossa construção orgânica e moral cresce e alcança a suficiente amplitude, que lhe permite elevar-se alcançando o nível que corresponde a efectividade de tais esforços.

A nossa Arquitectura Individual é, pois, uma construção complexa que se exerce igualmente no campo da matéria orgânica, onde tem o seu pedestal e na estrutura interior onde tem o seu fuste para elevar-se para o céu que constitui o zénite de todos os esforços e aspirações: crescemos na medida da elevação destas e da efectividade daqueles, cooperando com a natureza exterior e com as Leis da nossa estrutura orgânica e espiritual para que o Templo que levantamos diariamente seja digno e perfeita expressão do Espírito que em nos mora para fazer manifesta a sua Glória.

Os instrumentos da construção

Para toda construção se necessita de instrumentos adequados. Sem dúvida, dado o carácter especial da nossa arquitectura individual, tal instrumentos se buscam, como nos ensina, no interior dela. Efectivamente, as colunas de bronze que caracterizam o grau de Companheiro, estão ocas para conter os instrumentos da construção e guardá-los junto com o salário que constitui a recompensa dos seus esforços. Portanto, tampouco a recompensa ou salário deve buscar-se no resultado exterior, senão melhor que aquele crescimento interior, a raiz da qual o resultado exterior tem que amadurecer inevitavelmente, como o fruto no ramo quando chega a estação oportuna.

Estes instrumentos são os mesmos que adquiriu o Companheiro, o conhecimento e o uso, no curso das suas viagens, instrumentos mentais e espirituais que só podem encontrar-se e se desenvolver no oco da sua coluna individual. Ao malho, o cinzel, a régua, a alavanca, o compasso e o esquadro só se agregar o prumo e o nível, dos quais já temos aprendido a simbólica função, além disto uma trolha, uma espada, uma prancheta para traçar e uma corda com nós. Um total de doze instrumentos ou faculdades cuidadosamente guardadOs no interior das colunas, como o verdadeiro tesouro individual do Obreiro.

trolha é o instrumento construtor que o obreiro perfeito terá constantemente na sua mão direita, como o objecto de fixar ou estabelecer no seu lugar definitivo, por meio de cimento ou argamassa, as pedras elegidas e oportunamente elaboradas para a construção, depois de se ter assegurado (com o auxílio do prumo e do nível) que a sua disposição seja justa e perfeita. Representa, portanto, o espírito de união e solidariedade e aquela benevolência iluminada, com os quais teremos que fixar as pedras do simbólico edifício que levantamos por meio dos nossos esforços individuais e colectivos. Espírito que se faz tanto mais necessário quanto menos perfeitas são as pedras ou materiais com os que temos que contar para a construção.

Enquanto a espada, se trata da arma de vigilância por cujo meio o Iniciado tem que se defender de toda intrusão violenta do mundo profano nos augustos trabalhos da Ordem. Este instrumento deve ter-se com a mão esquerda, por se achar a direita ocupada constantemente com a trolha no labor activa da construção; além disso, a mão esquerda simboliza a faculdade passiva do pensamento, com a qual unicamente se pode relacionar o uso maçónico de uma arma que poderia aparecer fora do seu lugar numa Instituição eminentemente pacífica como a Maçonaria.

Também a espada é para o Maçom uma faculdade, indicando o seu discernimento, ou seja, a capacidade de penetrar dentro das aparências e reconhecer a Realidade, o coração e a natureza mais íntimos e profundos de todas as coisas. É o pensamento iluminado e o Poder da Verdade, com o que se vence, se destrói e se dissolve a ilusão em cada um dos seus aspectos; é o místico instrumento que tem sido dado na sua quinta viagem, enquanto contemplava a Estrela da Individualidade, diante do qual todo fantasma e toda sombra desaparecem como por encanto.

prancheta para traçar é um utensílio em cujo uso se revela o Mestre, e com o qual traça os planos da Construção. Sem dúvida, o Companheiro deve conhecê-lo e adestrar-se no uso que lhe corresponde, pois só assim se fará capaz de interpretar estes planos e cooperar com inteligência a sua realização; em que sem chegar a dominá-la completamente, deve exercitar-se nos princípios daquela Geometria que explica a genesis individual e universal, desenvolvendo o Génio iniciático que conduz a sublimidade da Gnoses. E isto não se pode fazer sem a prancheta simbólica que, pela sua natureza delicada, deve guardar com especial cuidado no tesouro dos seus instrumentos ou potencialidades latentes.

Finalmente, a corda com os nós, tem, como o círculo mágico, a dupla função de isolar aos Iniciados das influências profanas e de estreitar mais intimamente o laço de união invisível exteriormente que os une no interior, por meio dos seus mesmos ideais e aspirações. Perfeitamente tensa, serve ademais aos maçons para assegurar a rectidão das paredes da sua simbólica construção.

Porém no seu significado mais verdadeiro e profundo, representa a nossa própria consciência interior, ou seja, a capacidade de relacionar todas as imagens e concepções mentais, as ideias interiores e as percepções exteriores, o mundo dos sentidos com o domínio da Suprema Realidade, a nossa própria personalidade com a Individualidade que na mesma se expressa, o que permanece eternamente com o que constantemente aparece.

É algo assim como o “fio de Ariadne” da Intuição que nos dá o sentido da Unidade, nos põe em harmonia com o Plano Divino, e nos permite dirigir justamente todos os nossos passos no labirinto da vida, fazendo ao mesmo tempo harmónica e feliz construção da existência.

As três janelas

Enquanto o Templo não tem no grau de Aprendiz nenhuma janela, significando-se com isto que a luz há de se buscar unicamente no interior, o companheiro reconhece e utiliza no mesmo três janelas que se abrem respectivamente ao Oriente, ao Ocidente e ao Meio dia e servem, segundo nos diz, para iluminar aos obreiros quando vêem ao trabalho, enquanto trabalham e quando se retiram.

Estas janelas referem-se, evidentemente, à Luz que o Companheiro, depois de tê-la buscado no seu foro interno no seu estado de Aprendiz, se acha agora em grau de perceber, e as novas capacidades intelectivas que se desenvolveram nele, e que o permitem agora sentar-se na região clara do Sul, podendo suportar a plena luz do Sol e julgar as coisas com maior profundidade.

A janela do Oriente representa o seu conhecimento metafísico da Realidade do universo e dos Princípios e Leis que o governam, constituindo o fundamento geométrico-genético da “realidade objectiva”. Esta se percebe e reconhece pela janela do Ocidente, símbolo da ciência física, do conhecimento e da experiência exterior das coisas. Enquanto a janela do Meio-dia, se refere, como é evidente, ao seu próprio mundo interior, a sua consciência e inteligência, por meio das quais trabalha, elaborando e relacionando interiormente os materiais e conhecimentos obtidos do exterior em harmonia com os planos (Princípios e Leis) reconhecidos através da janela do Oriente.

As três janelas denotam, por consequência, três distintos géneros de experiência que podem considerar-se como três mundos distintos: o Mundo Divino, ou experiência da realidade transcendente, o Mundo Interior ou experiência da realidade subjectiva, e o Mundo Exterior ou experiência da realidade objectiva, segundo os quais o Companheiro tem que Orientar o Templo da sua vida individual, para que seja constantemente iluminado nos seus três lados ou géneros de actividade, quando ingressa no Templo, enquanto trabalha nele, e quando se retira.

O ingresso no Templo corresponde, pois, à capacidade de se abstrair das coisas e imagens exteriores, concentrando a sua atenção na Realidade Transcendente que constitui o Mundo Divino. A janela através da qual se percebe esta simbólica Luz do Oriente, ou seja, da origem das coisas, se acha dentro de nós mesmo “eu”, ao Oriente ou origem da nossa vida e do nosso ser. A percepção desta Luz, ou seja, o impulso vital do nosso Ser Espiritual, é a que marca ou assinala o início da actividade maçónica.

trabalho é a mesma actividade interior da nossa Inteligência, iluminada pelo desenvolvimento (Meio-dia) das suas faculdades mentais: a lógica e a memória, a percepção e o juízo, a compreensão e o discernimento, relacionando os Princípios com as suas expressões visíveis e as Causas com os Efeitos. E quando o sol se acerca ao Ocidente, que dizer, quando a Realidade nos apresenta unicamente na sua aparência exterior, é quando saímos do nosso íntimo Santuário, para enfrentar-mos com o mundo da matéria.

As horas que transcorrem entre o meio-dia e o pôr do sol, são, portanto, as que caracterizam o mais proveitoso e fecundo trabalho do Companheiro, quando podem colocar-se nos seus lugares os materiais preparados pelos Aprendizes nas horas da manhã. Ou seja, simbolicamente, tirar proveito das luzes, experiências e conhecimentos adquiridos, aplicando-os construtivamente.

Neste trabalho se esforça o Companheiro em “ajudar os Mestres”, posto que até que não haja adquirido a capacidade de sentar-se ao Oriente, estabelecendose no estado de consciência superior que caracteriza o Magistério, deve forçosamente limitar-se a aplicação dos planos ou ensinamentos que recebe, empenhando-se por meio delas em alcançar a perfeição. E dedica-se a esta tarefa com alegria fervor e liberdade, caracterizando esta atitude mental todo esforço efectivo sobre a senda do Progresso.

As letras do alfabeto

Há as cinco primeiras letras do alfabeto, estudadas pelo Aprendiz, o Companheiro acha-se em condição de agregar as sete seguintes que se referem mais particularmente a simbologia o seu grau. A sexta letra do alfabeto latino não tem o seu correspondente no grego clássico, em que o teve no primitivo, fazendo-se conservado na numeração com o nome de digama. A sua forma é de um duplo esquadro (ou “duplo gama”, como o diz a palavra grega); por esta razão se refere mais especialmente ao segundo grau e, em relação com a letra precedente, indica os dois passos que o Companheiro tem que aumentar a marcha do primeiro grau, para indicar o seu progresso com respeito ao Aprendiz.

A letra hebraica vau que lhe corresponde, com o valor fonético de ú, ou v, significa “unha, garra, gancho” e mostra (como temos dito a propósito do tetragrama) o Verbo ou Terceiro elemento primordial (o Mercúrio derivado do Enxofre e do Sal) que reproduz a Unidade Fundamental e a faz fecunda e criadora. Ademais relaciona-se com o número 6 e com o hexagrama.

Da letra G já temos falado amplamente; no alfabeto latino é uma manifesta modificação da letra C [1]. Porém a sua forma mostra uma inegável relação (em que não de origem) com a letra grega theta, e a correspondente hebraica e fenícia, que ocupa o nono lugar em tais alfabetos, representando, respectivamente, o hieróglifo do Sal e a cruz no círculo, que dizer, o mundo manifestado nos limites do espaço.

O lugar da letra G acha-se ocupado em grego e fenício pela Z e em hebraico pela letra correspondente zain. Esta última tem o nome de arma e a forma particular de uma espada flamígera, da qual pode muito bem se ter derivado a nossa cifra para o número sete; nesta cifra, assim como na letra Z podemos ver uma imagem dos últimos passos do Companheiro.

A oitava letra, H, dá-nos uma imagem bastante clara das duas colunas com o nível que representa o simbólico passe de uma a outra. No seu nome hebraico e fenício significa também “sebe, recinto”, levando a nossa mente a representação de um Templo formado por dois esquadros e o hieróglifo da Loja, como especialmente o evidencia a forma fenícia da letra.

A nona letra latina corresponde a décima nos demais alfabetos a nossa cifra 1 (assim como o alef árabe) com o significado de Unidade em geral e Princípio Criador em particular. Representa também a unidade de consciência, ou seja, o nosso eu, do que tem o valor na língua inglesa: na sua forma minúscula (i) pode ver-se o Princípio Divino em nós, representado pelo ponto, que se acha separado na nossa consciência ordinária, enquanto a fórmula maiúscula (I) mostra a perfeita união do “eu” inferior com o “eu” superior, ou seja, da individualidade com a personalidade, que se alcança com o Magistério. Recorde-se a este propósito o que temos dito com referência ao oco das colunas, com o qual este símbolo tem manifesta relação.

O seu nome hebraico significa “mão”, particularmente uma mão levantada, correspondendo ao Princípio Divino ou Ideal, inspirador e criador da vida, signo de reconhecimento do Iniciado em geral e do Companheiro em particular.

Enquanto a décima letra latina (J), derivada da precedente, acentua ainda mais com a sua cauda de expressão da individualidade na personalidade, que corresponde a sua parte inferior. Também pode representar a alavanca que em união com a régua, indicada pela letra I, leva o Companheiro na sua terceira viagem.

A décima primeira letra (K) mostra a união da régua e do esquadro aprendida pelo mesmo Companheiro na sua quarta viagem, por meio da qual se realiza uma recta elevação ou perfeita edificação. O seu nome hebraico significa “palma” da mão, referindo-se mais particularmente a posição da mão direita no signo do Companheiro.

A mesma referência a respeito da disposição das duas mãos neste signo podemos vê-la na forma hebraica da décima segunda letra, cujo nome tem o significado de “aguilhão” e representa o estímulo ou incentivo ideal do Iniciado que o impulsiona a progredir na forma indicada.

Finalmente, a letra L na sua forma latina, grega e fenícia representa, respectivamente, um esquadro e um compasso, os dois instrumentos por meio dos quais se efectua o traspasse ou exaltação ao terceiro grau maçónico.


Notas

[1] No primitivo alfabeto latino a letra C tinha o mesmo valor do grego gamma e do fenício guimel, ou seja, de G. Porém, confundindo-se os dois sons guturais, usou-se com frequência em lugar de K, até que o substituiu completamente. Então, para distinguir a gutural sonora da ténue, se modificou esta letra e se pôs em lugar da Z que já não se usava. Reintroduzida esta última, para transcrever palavras gregas (junto com X e Y), pôs-se ao final do alfabeto, como está actualmente.

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