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Grau 11 – Cavaleiro Eleito dos Doze (REAA)

Por João Anatalino Rodrigues

Avental do Grau 11 – Cavaleiro Eleito dos Doze (REAA)
Avental do Grau 11 – Cavaleiro Eleito dos Doze (REAA)

Os graus 11 e 12 do Rito Escocês tratam especialmente de política e administração. Nos seus conteúdos não se vislumbram, em princípio, a preocupação de veicular ensinamentos esotéricos de maior profundidade. Talvez por esta razão não se tenha visto a necessidade de conferi-los por iniciação. Entretanto, é conveniente recordar que todas as antigas escolas iniciáticas, especialmente as egípcias e as gregas, através dos seus “Mistérios”, buscavam também a formação moral, intelectual e cívica do iniciado, para que ele pudesse oferecer ao seu país o melhor de si mesmo. Estes homens tinham que ter uma esmerada educação, principalmente nas ciências políticas e sociais.

A Maçonaria, herdeira daquelas tradições, não poderia agir de forma diferente. O conteúdo do seu catecismo visa exactamente o mesmo objectivo que aquelas disciplinas buscavam: formar o carácter do homem para que ele possa ser um indivíduo diferenciado na sociedade. Não fosse isto, não haveria justificação para se inserir nesse catecismo ensinamentos referentes à política e administração, desenvolvidos à moda das antigas escolas de filosofia.

O Cavaleiro Eleito dos Doze, título dos iniciados que são elevados ao grau onze, baseia-se na organização administrativa do reino de Israel. Diz a lenda do grau que Salomão, desejando premiar os quinze Mestres que executaram a missão punitiva contra os assassinos de Hiram, resolveu escolher entre eles os governadores das doze províncias de Israel. A organização do estado israelita em províncias tinha sido iniciada por ocasião do reinado de David, que nomeara um governador militar para cada território conquistado. Salomão aproveitou essa organização, dando um carácter federativo ao estado de Israel.

A Bíblia informa que

“Salomão estabelecera doze governadores sobre todo Israel, que tinham a seu cargo prover a mesa do rei, e de toda a sua casa; porque todos os meses do ano, cada um subministrava o necessário” A Bíblia diz também os seus nomes e locais de governo. Por aí se vê, que nesta época, Israel já ostentava uma certa prosperidade. Não fosse, aliás, essa prosperidade, jamais Salomão teria condições de construir um templo com tanta magnificência, nem poderia viver de forma tão opulenta, como o descreve o cronista bíblico: “ Judá e Israel eram , pela multidão, inumeráveis, como a areia do mar; e comiam e bebiam, e se alegravam. E tinha Salomão debaixo do seu domínio todos os reinos desde o rio do país dos filisteus até a fronteira do Egipto; e lhe ofereciam presentes e, e lhes estiveram sujeitos por todos os dias da sua vida.”

De qualquer modo, é um facto histórico incontestável que Israel, na época de Salomão, era dividido em doze províncias, administradas por doze governadores por ele indicados. A estes governadores, que segundo a lenda do grau, foram eleitos dentre aqueles quinze mestres que capturaram e sentenciaram os Jubelos, foi dado o título de Excelente Ameth, que significa, em hebraico, “Mestre Verdadeiro, Mestre Fidelíssimo”. A eles foram conferidas, como comendas do grau, a cinta de tecido negro, bordada com um coração em chamas e uma espada desembainhada, simbolizando como deve ser o coração do homem, sempre “ ardente” por aquilo que ele ama e acredita, razão pela qual deve manter a sua espada desembainhada, pronto a utilizá-la em defesa desses ideais.

Nisto a simbologia do grau evoca também o ideal cavalheiresco, o que mostra que neste, como os demais graus das Oficinas de Perfeição, há uma clara influência das regras da Cavalaria. A virtude exaltada no grau é a fidelidade, razão pela qual, se chamou “Ameth”, ao Mestre do grau onze. Os trabalhos iniciam-se à meia noite, após a leitura do texto escrito em Reis, 1,6, 11,14, que diz: “Então veio a Palavra do Senhor a Salomão, dizendo: Quanto a esta casa que tu edificas, se andares nos meus Estatutos, e executares os meus juízos, e guardares todos os meus Mandamentos, andando neles, cumprirei para contigo a minha palavra, a qual falei a David, teu pai.”

Neste texto bíblico, nota-se que a preocupação é mostrar que a fidelidade será sempre recompensada. A fidelidade de Salomão a Deus, cumprindo a promessa que David, seu pai, tinha feito, de construir um templo para o Senhor, seria a garantia que o trono de Israel seria dado a ele e a sua família para sempre. Como sabemos, Salomão não cumpriu a sua parte na promessa, tendo-se tornado idólatra e tirano, razão pela qual o Senhor retirou da sua posteridade uma parte do reino de Israel após a sua morte.

O sinal do grau, feito com os braços fechados num amplexo, num abraço sobre o próprio peito, com as mãos fechadas em forma de coração e o polegar levantado para cima, mostra o quão forte deve ser o laço que une a Irmandade. O Cobridor da Loja é denominado “Guarda da Torre”. Nisso também evoca velhas tradições militares, oriundas da influência cavalheiresca do grau.

Os Mestres a serem elevados são representados por BenDecar, que, como sabemos, é um dos doze governadores nomeados por Salomão, citados na Bíblia. Presume-se, daí, que a Maçonaria do Rito Escocês, na cabeça doa seus organizadores, deveria ser um reflexo espiritual do reino de Israel, repetindo, simbolicamente, a aliança que o Senhor teria feito com aquele povo. Na verdade, toda a ritualística do grau nos leva a evocar a mística israelense da aliança de um povo com o seu Deus, a promessa de servi-lo acima de qualquer outra condição, bem como a fidelidade que deve existir entre os irmãos que comungam de uma mesma fé ou de um mesmo propósito ou ideal.

A Maçonaria israelita

A ideia do antigo estado de Israel, tal como a Maçonaria escocesa quis representar, era a de um círculo fechado em volta de uma comunidade mística, ligada pelos laços de uma Irmandade que se consumava mais no espírito do que no sangue. Assim se pretendeu que Israel fosse, ou pelo menos, assim devem ter pensado os fundadores da comunidade hebraica, desde Abraão e Jacó, e Moisés, e todos os profetas antes de Jesus. Israel era uma Irmandade, consumada nos laços da origem, fundamentada numa cultura comum e cimentada numa crença religiosa única, que os unia muito mais que o próprio sangue.

Pode-se dizer que o reino de Israel se constituía numa verdadeira “Maçonaria”, praticada por um povo inteiro, o que os fazia diferente de todos os outros povos, razão pela qual aquele estado sempre despertou a desconfiança, a preocupação e o ódio dos seus vizinhos, inconformados com a sua crença de “povo eleito de Deus”.

A tese de que entre os chamados “maçons aceitos” na Ordem, por ocasião da sua transformação de operativa para especulativa, havia uma considerável plêiade de pensadores judeus, encontra aí a sua confirmação. Foram eles que deram à Fraternidade dos Obreiros da Arte Real a conformação que ela adquiriu desde então, conformação essa que procura reproduzir, de forma simbólica, aquele reino dos tempos de Salomão, pois foi no reinado daquele rei em particular, que Israel atingiu o ponto máximo da sua glória. Isto justifica também a presença de tantos elementos de influência da cultura hebraica nos rituais maçónicos.

No ritual do grau doze, é dito que a indicação para governadores das províncias constitui um prémio, conferido aos Mestres pelo seu trabalho na captura dos assassinos do arquitecto Hiram. Assim, o conteúdo moral do grau repousa na ideia de que a fidelidade será sempre recompensada, como Jesus asseverou aos seus discípulos. No ensinamento do grau fala-se sobre as formas de governo desenvolvidas pelos homens ao longo da sua história política. Esclarece-se que houve governos patriarcais, aristocráticos, oligárquicos, absolutos, representativos e democráticos, terminando o Orador por fazer a apologia do governo democrático como o mais desejável, por ser ele o que melhor permite a manutenção de um estado de direito e, consequentemente, a aplicação da justiça. Esta lição quer mostrar que o corolário do desenvolvimento político de um povo é alcançado através da instituição da democracia.

Dizem, respectivamente, o Orador , o Primeiro Vigilante e o Secretário:

  • “A Democracia, por significar o povo no poder, é assim, um governo do povo. O que o caracteriza é o direito do povo, de escolher os seus dirigentes e de controlar os seus actos. Resumindo: a Democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Por outro lado, o funcionamento eficaz dos mecanismos democráticos é inseparável do estado de direito e de direitos fundamentais da pessoa humana tais como, a liberdade de pensamento, a liberdade de expressão, de imprensa e dos meios de comunicação, a liberdade de associação, de locomoção etc. (…).
  • “A Democracia é, ainda, um ideal que varia de país para país, em função do nível de desenvolvimento de cada um. O único meio de superar progressivamente essa variação é a fidelidade indestrutível, conseguida diplomaticamente, tomando-se por base que a Democracia é a única escola autêntica da compreensão. Só se aprende a exercitá-la dela tomando parte” (…).
  • “A Democracia económica e social, ao mesmo tempo que propicia a Democracia política, é também um factor eficaz de preparação para a realização, sempre, menos imperfeita do ideal democrático” etc.

Deixamos de reproduzir aqui toda a fala do cerimonial por julgar irrelevante para o escopo do trabalho em questão e também por entendê-la pobre de conteúdo doutrinário. Além disso, ela contém um forte componente de proselitismo. Na verdade, pensamos que os autores do ritual foram extremamente infelizes nesta parte, já que a ênfase dada ao aspecto político descaracterizou o simbolismo que originalmente pretendeu se desenvolver.

É de se notar que ele não guarda qualquer relação, seja com a verdadeira história de Israel, seja com a filosofia maçónica que se pretende desenvolver nas Oficinas de Perfeição. Em primeiro lugar, embora a alegoria a respeito de Salomão e os seus governadores seja apropriada para demonstrar a necessidade de organização e hierarquia dentro de um sistema, convém não esquecer que o seu governo nada tinha de democrático. Os seus governadores nada mais eram que representantes seus nos territórios governados, e obedecendo exclusivamente às suas ordens, sem se importar com a vontade do povo.

De uma forma mais amena, porém não muito diferente, Israel, no tempo de Salomão, era uma monarquia teocrática onde o rei, semelhante a qualquer outro potentado oriental, especialmente os faraós egípcios, exercia um poder absoluto, só contestável por parte de Deus (através dos profetas, no caso de Israel, ou dos sacerdotes, no caso egípcio). Recorde-se que a Israel bíblica era um estado profundamente vinculado à religião e só existia em função dela.

Pensamos que, se de um lado os elaboradores do ritual quiseram mostrar que a fidelidade será sempre recompensada, por outro lado, o pensamento deles era desenvolver um simbolismo que integrasse o lado esotérico do catecismo da Ordem com a nova moral trazida pelas ideias iluministas, e a partir daí, formatar uma filosofia capaz de orientar a construção de uma sociedade justa e perfeita, como se pretendia que Israel tivesse sido enquanto a lei de Deus foi seguida. Neste sentido, a exaltação da ordem, da disciplina, da autoridade, através de um governo consentido e justo, que, conforme salientou Jesus, não lançasse sobre o povo fardos difíceis de carregar, fardos que eles mesmos, os governantes, “nem com um dedo querem levantar”, foi a virtude que se quis exaltar no grau.

Não se necessitava, na nossa opinião, desenvolver uma longa arenga sobre sistemas de governo, nem fazer qualquer proselitismo em relação a qualquer um deles, o que contraria, já de pronto, os princípios da Maçonaria, que prega o livre pensar e a liberdade de convicções em todos os sentidos.

Na verdade, o ensinamento do grau procura mostrar que o respeito às tradições, o zelo pela lei, a fidelidade à palavra dada etc. , são virtudes imprescindíveis para a composição de um carácter leal, firme, honesto e confiável. O Obreiro da Arte Real deve ser uma pessoa digna de confiança, temente a Deus e crente na justiça. Não pode compactuar com a tirania, com o autoritarismo, com o desrespeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, com as injustiças. A defesa desses postulados deve ser a sua divisa e em nenhum momento ele se pode esquecer disso.

Salomão fê-lo e deu-se muito mal. A sua desobediência foi castigada e esse castigo é um exemplo que deve ser entendido como uma lição bem apropriada aos que são infiéis.


Publicado em FREEMASON.PT