Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Reunião da Maçonaria Brasileira — Uma Proposta

Lucas Francisco Galdeano*

  1. Contexto maçônico brasileiro

A Maçonaria brasileira tem um passado de glórias e realizações. Contudo, desde seus primórdios teve inúmeros problemas para manter-se unida em torno de uma Obediência, cujos dirigentes realmente correspondessem aos anseios da totalidade dos Maçons.

Não há como discorrer sobre união sem antes citar os fatos históricos marcados pela desunião.

Mais do que a ambição natural do homem pelos metais, as disputas pelo poder e as vaidades tem talvez desempenhado papéis fundamentais nas grandes crises da Ordem, levando a cisões irreconciliáveis, são raros os exemplos como o do Duque de Caxias, em meados do Século XIX que, na qualidade de Soberano Grande Comendador do Supremo Conselho do Rito Escocês Antigo e Aceito e Grão-Mestre do Antigo Grande Oriente do Império do Brasil, promoveu a incorporação de sua Obediência ao Grande Oriente do Brasil (GOB), abdicando de seu cargo e das prerrogativas inerentes.

Mas a História é repleta de cismas e conflitos internos, com destaque para dois episódios que marcaram o Século XX e cujos efeitos delineiam a atual Maçonaria regular no Brasil: a primeira na década de 1920 e na segunda na década de 1970. Com isso, além do Grande Oriente do Brasil (GOB), com jurisdição sobre todo o território nacional, há hoje a Confederação da Maçonaria Simbólica do Brasil (CMSB), que reúne Grandes Lojas de praticamente todas as Unidades da Federação, e a Confederação Maçônica do Brasil (COMAB) que congrega 21 (vinte e um) Grandes Orientes independentes estaduais.

As Obediências da CMSB e da COMAB, todas de âmbito estadual, preservam soberania e independência, ou seja, são confederadas ao passo que o GOB permanece, desde sua criação, em 1822 como federado, isto é, com um Poder Central, hoje sediado em Brasília. Apesar disso, diz o adágio popular: “maçonaria se faz em Loja e décadas de separação não foram determinantes para um distanciamento efetivo. Por isso, as práticas maçônicas disseminadas por essas três grandes vertentes são muito semelhantes, seja qual for a natureza: ritualística, filantrópica, paramaçônica, filosófica etc. Em suma, é válido afirmar que as Lojas Maçônicas constituem as células de um único povo — com os mesmos costumes, princípios, objetivos, características e aspirações — que lamentavelmente se encontram separadas e são disputadas por diferentes governantes.

A conjuntura, todavia, é complexa e alguns fatores tornam muito difícil desenvolver projeto com o objetivo de promover efetiva e completa reunificação. Diferentes Obediências tratam de modo distinto a gestão do patrimônio imobilizado, dos recursos financeiros de outros bens materiais, tais como mútuas, seguros de vida e seguros de saúde. Além disso, há a delicada questão dos reconhecimentos internacionais, com disputas que muitas vezes buscam excluir as demais, em busca de efêmero fortalecimento institucional. Some-se a tudo isso a pluralidade de ritos, que embora não configure, em si, nenhum problema, por vezes gera disputas desagregadoras, em especial entre os membros da alta administração.

  1. Conjuntura

O final da Guerra Fria — caracterizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, e pelo fim da União Soviética em 1991 —trouxe novos contornos à ordem global, construída a partir de 1648, quando  o tratado de Westfalia estabeleceu conceitos corno o de Estado e de Nação. Após o período da Revolução Francesa, iniciado em 1789, o Congresso de Viena (1815) agregou fatores de proteção e prerrogativas dos Estados. Depois da Grande Guerra, foram criadas diversas instituições multilaterais para garantir a paz, a segurança e a ordem econômica e financeira mundial, tais como a ONU, o Banco Mundial e o FMI.

Nestas últimas décadas pós-Guerra Fria, a história do mundo tem sido abalada por mudanças e revisões de conceitos antes paradigmáticos, principalmente relacionados à geopolítica, à soberania, à hegemonia, ao terrorismo e ao choque de civilizações. Nesse quadro, destaca-se o papel primordial que as novas tecnologias estão desempenhando e, especialmente, o monumental desequilíbrio que poderá causar no cotidiano da humanidade, em todas as dimensões: política, econômica, social, tecnológica, militar e ambiental.

Nesta segunda década do Século XXI, o mundo ainda está fragmentado em cerca de 200 países, mas os Estados estão perdendo sua independência. Na verdade, nenhum deles é capaz de executar políticas econômicas totalmente independentes e nem mesmo conduzir determinados assuntos internos, segundo o arbítrio de seus governantes. Cada vez mais, estão sujeitos às maquinações do mercado global, à interferência de organismos internacionais e ao constrangimento do sistema jurídico internacional. Com isso são de certa forma, obrigados a se ajustar aos padrões globais de comportamento político. econômico e ambiental.

Poderosas correntes de capital, informação e trabalho transitam pelo globo de modo cada vez mais intenso, desconsiderando fronteiras e afrontando governos. O império mundial que está sendo forjado não é dirigido por nenhum Estado ou grupo em particular e sim por uma elite multiétnica articulada por interesses comuns. A todo instante, profissionais das mais diversas áreas estão sendo convidados a ingressar nesse império e, de certo, a Maçonaria poderá embarcar na onda de mudanças globais e assumir papel de destaque perante a sociedade brasileira. Por outro lado, caso se mantenha alheia às transformações externas e envolta em conflitos internos, degradando as relações entre seus membros e agredindo o bom senso poderá, gradativamente definhar em grande velocidade, não esperada sequer pelos mais pessimistas.

  1. Proposta

Construindo óbvia analogia com os organismos internacionais, urge propor a REUNIÃO das três grandes vertentes regulares da Maçonaria brasileira — GOB, Grandes Lojas (CMSB) e Grandes Orientes independentes (COMAB) — sob a égide de uma nova organização de âmbito nacional.

Essa organização não deverá interferir na soberania e na administração material das entidades filiadas. Tampouco a ritualística seria, pelo menos em princípio, alvo de alguma tentativa de padronização. As principais finalidades seriam de mútuo reconhecimento e de representação internacional junto a instituições similares. Além disso, os grandes problemas nacionais e mesmo locais seriam objeto de posicionamento adequado e articulado, permitindo à Ordem trabalhar conjugando esforços na busca de soluções concretas. Que essa organização represente a maçonaria regular brasileira perante a sociedade não maçônica e junto à maçonaria regular dos demais países; e  leve em conta, quando do estabelecimento de suas condições de governança, a representatividade do GOB, como primeira e histórica Obediência maçônica nacional, reunindo cerca de 100 (cem) mil Irmãos.

Por último, cuidaria para que as entidades filiadas não se afastem dos princípios de regularidade: os propugnados pela Grande Loja Unida da Inglaterra (GLUI); os difundidos pelo colegiado que reúne a Maçonaria regular Norte-Americana; e outros mais, peculiares ao contexto brasileiro, a serem oportunamente acordados entre os representantes das citadas vertentes nacionais.

Embora grande parte dos Irmãos considere essa proposta utópica, indicando ser quase impossível conciliar os múltiplos interesses dos governantes maçônicos, é lícito afirmar que o povo maçônico está cansado de assistir às lamentáveis disputas entre as citadas Obediências.

  1. Conclusões

O Beatle e poeta John Lennon. em uma de suas mais famosas canções –  “Imagine” – propõe um mundo melhor do que o atual, simplesmente sugerindo que as pessoas abdiquem de determinados interesses materiais e crenças espirituais, em benefício do bem comum.

Assim, como o autor dessa proposta, ele termina dizendo, em uma tradução livre: “você pode dizer que eu sou um sonhador; mas eu não estou só; espero que um dia você se junte a nós; e o mundo viverá mais unido”

Que o GADU abençoe a Maçonaria Brasileira.

Oriente de Brasília (DE): 01/Set/2017

* LUCAS Francisco Galdeano é o Grão-Mestre do GRANDE ORIENTE DO DISTRITO FEDERAL (GODPGOB — 2015/2019).
Nasceu em Ribeirão Preto (SP), em 01 de setembro de 1956. Cursou a Faculdade de Odontologia do Triângulo Mineiro, em
Uberaba (MG), graduando-se Cirurgião-dentista, em 1980. É especialista em Saúde Pública — Sanitarista – (LINICEUB) e em História da Maçonaria (UDF). Casado com SANDRA Maria Almeida Galdeano; é pai de dois filhos: Tatiana Almeida Galdeano e do Maçom GUILHERME Almeida Galdeano.

12 comentários em “Reunião da Maçonaria Brasileira — Uma Proposta

  1. Parabéns Eminente Irmão Lucas!
    Aprendi muito com essa história da Maçonaria brasileira.
    Sua proposta é inteiramente viável, basta que nossos irmãos submetam suas vontades, como preceitua o ritual de grau 1.

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  2. Que texto interessante Lucas. O problema é que ele esbarra em vaidades e princípios que nos assusta,Pois todos acham que estão certos
    Se houvesse uma reunião dos superiores, pensando nos irmãos e nas lojas claro que seria possível. Não vejo nada de utópico em sua proposta, bastaria que os que decidem pensasse como nós pensamos.

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  3. A reunião de várias potências maçônicas independentes sob um único pendão não é apenas um sonho impossível: é uma iniciativa que deverá enfrentar severas oposições entre os maçons brasileiros, pois existe um forte sentimento de identidade das Lojas em relação às suas respectivas obediências.
    O modelo pseudo-republicano adotado pelo GOB já apresentou e continua mostrando várias falhas de concepção, sendo, de fato, uma grotesca imitação dos conceitos republicanos adotados no Brasil. Na verdade, parece mais um arremedo produzido logo após a proclamação da república, aparentemente com vistas a adaptar o modelo monárquico anterior à nova realidade política do país. Numa eventual reunião das três maiores potências maçônicas do Brasil, esse modelo seria um enorme obstáculo à consecução desse propósito, em face das dificuldades organizacionais existentes.
    As Grandes Lojas Maçônicas brasileiras se organizam mais ou menos como as Grandes Lojas norte-americanas, respeitando o princípio da territorialidade de cada uma e congregando-se numa confederação nacional que não tem poder de mando ou comando sobre nenhuma delas. As recomendações feitas nesse organismo são adotadas mediante decisão de cada Grande Loja em particular e sem a existência de obrigatoriedade. São, talvez, o melhor exemplo de organização maçônica estadual que funciona, apesar de ressalvas cuja apreciação não cabe neste comentário.
    Os Grandes Orientes estaduais independentes, apesar da denominação, reúnem-se sob um órgão mais consultivo, formado pelos grão-mestres estaduais, o que lhes proporciona uma certa uniformização de procedimentos para as atividades das Lojas. Atualmente, a busca pelo reconhecimento internacional da sua regularidade, apesar da forte oposição do GOB, vem dando bons resultados e vários deles já constam do List of Lodges, relação de lojas e obediências regulares do mundo, que serve de guia para o inter-relacionamento maçônico. como as Grandes Lojas, sua distribuição de origem contempla o critério da territorialidade e, para os trabalhos, adota ritos semelhantes aos do GOB, porém com significativas modificações e número reduzido (o que poderia ser uma vantagem numa unificação.
    Na Alemanha temos um dos melhores exemplos de unificação da Maçonaria, com várias potencias sujeitando-se ao governo de uma entidade central, reconhecida pelas principais Grandes Lojas do mundo, o que poderia ser um excelente modelo para uma tentativa de unificação da maçonaria no Brasil.
    Mas não vou comentar, limitando-me a mencionar o pior obstáculo a esse assim chamado sonho maçônico: a enorme intensidade da vaidade maçônica que encontramos nos principais próceres das três principais potências brasileiras, o que é muito bem identificado (e lamentado) pelos obreiros de todo o país, os quais, tão logo sejam alçados aos postos de maior mando, também se contaminam e se revestem dessa praga. Em quanto os sentimentos de falsa grandeza incentivarem o comportamento de maçons vaidosos em posições de mando, enquanto a humildade não preponderar, não teremos nenhuma espécie de unificação. Na melhor hipótese, a unificação duraria, se chegasse a existir, até a primeira eleição para os diferentes grão-mestrados. Mas concedo: eu posso estar redondamente enganado e não ocorrer tal fenômeno. Contudo, permaneço com a impressão de que só é possível evita-lo sem… a unificação. Sugiro vivermos em paz uns com os outros, cada qual com seus modelos, mazelas e grandezas, com a intervisitação sendo a argamassa que nos uma sempre mais,
    Aceito críticas, de preferência contundentes. Afinal, ainda tenho muito a aprender.

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  4. Seria maravilhoso se em vez termos carreira maçônica tivéssemos uma vida maçônica
    Aí seria possível fazer uma reunião sem
    Discutir quem tem regularidade ou reconhecimentos seria o apse da liberdade igualdade e fraternidade mais eu também sou um sonhador .

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  5. Amados irmãos.
    Abdicar, ex o X questão. Não é utopia a proposta do ir. Galdeano. Diante do relato da sublime ordem à nível Universal, devemos sim pensarmos numa solução que possamos
    dirimir tantas discórdias. Acredito no GADU coração bondoso dos irmãos.

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  6. A descentralização do poder de Brasília para os grãos mestres estaduais e desses para seus coordenadores e esses tendo duas reunioes semestrais já teriamos inicio de uma mudança. Pois se ouviria a voz do interior.

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  7. Parabéns pelas palavras e propostas , são necessárias, nossa ordem precisa de irmãos que tenham uma visão mais progressista e harmonica.

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  8. Ótima posposta para o inicio de uma nova era de nossa instituição. Na verdade para esta nova etapa nossos dirigentes deveriam combater, a vaidade. Iniciando pelo Grão Meste, chegando até os irmão de Loja.

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