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Grau 16 – Príncipe de Jerusalém (REAA)

Por João Anatalino Rodrigues

Avental do Grau 16 - Príncipe de Jerusalém
Avental do Grau 16 – Príncipe de Jerusalém

O fundamento do grau

O Príncipe de Jerusalém, título que corresponde ao grau 16 da Maçonaria do Rito Escocês, desenvolve ensinamentos que encarecem o valor da fidelidade, da coragem e do zelo. A lenda do grau refere-se às lutas que os judeus empreenderam contra os palestinos- povos que ocuparam Jerusalém e outras cidades de Israel após eles serem levados cativos para a Babilónia – e que, vendo os judeus voltarem para Jerusalém após a derrota dos caldeus frente aos persas, iniciaram contra eles uma guerra que até hoje está sendo travada.

Assim, já nesta época (Século V a. C.) uma atmosfera de conflitos, intrigas políticas, escaramuças e não raramente, verdadeiras guerras, sacudiam aquela região que os antigos israelitas chamavam de Terra Prometida.

Como já dissemos em estudos anteriores, a Maçonaria dos graus filosóficos utiliza-se fundamentalmente da metáfora da reconstrução de Jerusalém como alegoria para a sua proposta de reconstrução do carácter do homem e da sua sociedade. E em todos os graus, do 14 ao 18, iremos encontrar temas referentes á construção e reconstrução da cidade santuário, pois esta simboliza a própria humanidade nas suas ascensões e quedas. No grau 16 encontraremos as alusões aos conflitos entre os judeus repatriados da Babilónia, que comandados por Zorobabel, intentam reconstruir Jerusalém e voltar a ter nela o seu Templo e torná-la novamente a sua capital. Os povos que habitam a região veem nisso um perigo e armam uma série de intrigas tentando atrair a ira e a desconfiança do rei persa contra os judeus.

Historicamente toda a temática do ritual do grau é fundamentada nas crónicas de Esdras e nos trabalhos de acomodação e de defesa que o rabino Zorobabel montou para defender os judeus e os trabalhos de reconstrução que estavam fazendo em Jerusalém. A Bíblia diz que eles “com uma mão operavam a trolha e na outra mantinham em guarda o escudo e a espada”. Nesta metáfora está a proposição firme de reconstruir a sua civilização destruída e defendê-la a custo da própria vida.

Encontraremos também, como destaque no ensinamento do grau o propósito de se buscar o justo equilíbrio entre os interesses que se defende e a verdadeira justiça. Esta proposição encontra fundamento na informação bíblica que diz que Zorobabel, após ter obtido o apoio do Rei Ciro para a reconstrução do Templo e das muralhas de Jerusalém, nomeou cinco dos seus melhores mestres para fazer a administração da Justiça. Esta medida foi uma grande jogada política de Zorobabel, pois acalmou o povo palestino e amainou os conflitos entre estes e os judeus, obtendo do monarca persa uma impressão favorável, o que muito contribuiu para que este tratasse os habitantes da região com simpatia. Desta forma, pode os trabalhos de reconstrução prosperar e a administração foi novamente recomposta. Aqui se reforça mais uma vez uma das vigas mestras da prática maçónica, que é tolerância.

Assim, no sexto ano do reinado do Rei Ciro, os judeus terminaram a reconstrução do seu Templo e a paz voltou àquela região.

A Bíblia fala da Nova Aliança firmada por Zorobabel e os israelitas que voltaram com ele do cativeiro da Babilónia com o Senhor. O ritual do grau 16 é uma metáfora deste novo compromisso. Em todos os sentidos esta Nova Aliança deveria ser uma reedição do pacto firmado por Moisés, com a promessa de que, doravante, o agora povo judeu (o reino de Israel desaparecera dois séculos antes destruído pelos assírios), não transgrediria as leis de Deus. Diz Esdras que

todos os que tinham discernimento deram palavra pelos seus irmãos; os seus magnates e os que vieram prometer e jurar que andariam na lei de Deus, que o Senhor tinha dado à Moisés, servo de Deus , que guardariam e observariam todos os mandamentos do Senhor Nosso Deus e as suas ordenanças e cerimónias, e que assim não daríamos nossas filhas ao povo da terra, nem tomaríamos as filhas deles para esposas dos nossos filhos”. (Esdras, 28,30)

Nota-se, nas entrelinhas deste texto, a disposição dos judeus de conservar a pureza racial, religiosa e cultural do seu povo, evitando, a todo custo a miscigenação. A antiga ideia, que sempre esteve presente na cultura desse povo, de que Israel é uma “Confraria”, uma nação diferenciada, unida pelos laços da Irmandade, ainda sobrevivia na alma deles, mesmo depois de todas as vicissitudes sofridas ao longo da sua sofrida saga. É esta disposição, aliás, em grande parte conservada até hoje, que manteve viva a comunidade de Israel por todos esses séculos, malgrado os ataques e as tentativas de extermínio que os judeus têm sofrido ao longo da sua história.

Por isto, talvez, que a moderna Maçonaria se tenha inspirado na saga de Israel para desenvolver o seu próprio conceito de Irmandade. Nenhum outro povo jamais foi tão firme, mais fiel e mais apegado à sua tradição do que o povo de Israel. A sua conformação como povo, como comunidade e como nação, assemelha-se realmente à uma Confraria, viva onde eles viverem e seja qual for a cultura em que eles estiverem inseridos. Nem os caldeus, que os levaram cativos para a Babilónia, ou os romanos, seiscentos anos mais tarde, que os espalharam pelo mundo, ou os nazistas com a sua proposta de solução final para os que eles entendiam ser o “problema dos judeus”, conseguiram fazer com que eles deixassem de existir.

O exemplo de resistência dos judeus é a prova cabal de que a maior defesa de um povo está no respeito às suas tradições e no apego à uma crença de que existe um Ser maior que nos protege, e que a história tem um sentido escatológico que se cumpre segundo a Vontade desse Ser. E ao vivermos as nossas vitórias e derrotas, as nossas ascensões e quedas, estamos dando cumprimento a esse processo. Não precisamos sofrer por isso nem temer apocalipses futuros, pois o destino da humanidade está nas mãos de Deus e só ele sabe o que se deve fazer com ela.

Por isto, enquanto outros povos, mais fortes e mais desenvolvidos, cultural e cientificamente do que os judeus já viraram apenas referências nas páginas da História, Israel continua vivo. A sua história é um exemplo de tenacidade, resistência, esperança e fé num destino traçado pela mão de Deus, e não apenas a consequência de um materialismo histórico, governado por leis exclusivamente naturais.

Mais do que isto, a história de Israel mostra-nos que a ideia de Fraternidade, de Confraria, e “Eleição” por um poder maior, e no compartilhamento de um ideário formado de símbolos, mitos, crenças e esperanças comuns, é que fazem a força de um grupo. Israel sobreviveu a todas as tragédias que se abateu sobre o seu povo graças ao seu “kitch” cultural.

É neste simbolismo, onde se releva o valor da Fraternidade, o apego à tradição comum, o zelo pela cultura e a fé na sua crença ancestral, que a Maçonaria moderna se estriba para mostrar aos seus iniciados quais as virtudes que devem ser cultivadas pelos Irmãos.

O ritual do grau refere-se também a uma batalha que os judeus repatriados teriam travado com os samaritanos na passagem de uma ponte no Rio Tigre. Esta batalha é conhecida como a “Passagem da Ponte” e tem um valor simbólico muito importante dentro do ensinamento do grau. Significa que quando há propósito a ser cumprido toda acção é uma batalha para a conquista de uma ponte. E ela deve ser travada com coragem e confiança na vitória, pois haverá sempre um “inimigo” para nos tentar afastar dos nossos propósitos.

Os ensinamentos do grau 16 procuram, pois, integrar a tradição israelita de eterna construtora e reconstrutora de um edifício que é destruído e reconstruído muitas vezes, até que atinja a sua forma perfeita (tal como o carácter do homem e a sua sociedade) com a ideia de que, para atingir esta formulação é preciso que o homem aprenda a viver em verdadeira Fraternidade, buscando a verdadeira Justiça. (…)

Bibliografia

Anatalino, J. – Conhecendo a Arte Real – Ed. Madras, São Paulo – 2007


Publicado em FREEMASON.PT

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