Por Albert Pike

Cada um de nós aplica, como lhe parece adequado, à sua fé os símbolos e cerimónias deste Grau. Com essas interpretações especiais, nada aqui temos a comentar. Na lenda do Mestre Khurum [1], alguns veem figurados os sofrimentos de Cristo; outros, aqueles do desafortunado Grão-Mestre dos Templários; outros, os de Carlos I, rei da Inglaterra; outros, ainda, a descida anual do Sol no solstício de Inverno para as regiões das trevas, a base de muitas lendas antigas. Por isto, as cerimónias deste Grau recebem diferentes explicações, cada qual interpretando-as para si e não se ofendendo se outros as interpretam diferentemente.
De nenhum outro modo a Maçonaria pode possuir seu carácter universal. Este, que lhe é peculiar desde suas origens, permitiu a dois reis, cada qual cultuando suas diferentes divindades, sentarem-se juntos como Mestres enquanto eram erguidas as paredes do Templo. E permitiu aos homens de Gebal, que se curvavam aos deuses fenícios, trabalhar lado a lado dos hebreus, para quem esses deuses eram abominações – e que se sentassem na mesma Loja como irmãos.
Você já deve ter compreendido que estas cerimónias têm um significado geral para todos aqueles, de cada religião, que acreditam em Deus e na imortalidade da alma.
Os homens primitivos não se reuniam em templos construídos. “Deus,”, disse Estêvão [2], o primeiro mártir, “não habitava em templos feitos por mãos humanas.” Ao ar livre, sob o céu imenso e misterioso, no grande Templo-do-Mundo, eles murmuravam seus votos e seus agradecimentos. E adoravam o deus da Luz, a Luz que era para eles o Bem, do mesmo modo que a escuridão era o Mal.
Os antigos resolveram o enigma da existência do Mal imaginando haver um Princípio do Mal, de demónios, anjos decaídos – um Arimã, um Tífon, um Siva, um Loki ou um Satã que, mergulhados nas trevas e na miséria, trouxeram o pecado ao mundo e tentavam o homem a cair. Todos acreditavam em uma vida futura, a ser alcançada por provas e purificação, por um estágio ou estágios sucessivos de recompensa e castigo, e em um Mediador ou Redentor, através de quem o Princípio do Mal seria superado e a Divindade Suprema reconciliada com suas criaturas. Havia uma crença geral de que Ele nasceria de uma virgem e sofreria morte dolorosa. Os indianos chamaram-no de Krishna; os chineses, Kioun-tse; os persas, Sosiosch; os caldeus, Dhouvanai; os egípcios, Har-Oeri; Platão, Amor; e os escandinavos, Balder.
O redentor indiano, Krishna, nasceu e foi educado entre pastores. Um tirano, na época de seu nascimento, ordenou que fossem mortas todas as crianças do sexo masculino. Dizem as lendas que Krishna realizou milagres, incluindo reviver os mortos. Ele lavava os pés dos brâmanes e humilde e resignado. Também nasceu de virgem, desceu aos infernos, retornou, subiu aos céus, encarregou seus discípulos de ensinar sua doutrina e deu-lhes o dom de realizar milagres.
O primeiro legislador maçónico cuja memória é preservada para nós foi Buda, que, cerca de mil anos antes de Cristo, reformou a religião de Manu. Ele chamou ao sacerdócio todos os homens, sem distinção de castas, que se sentissem inspirados por Deus a instruir os homens. Aqueles assim associados formaram uma sociedade de profetas sob o nome de Samaneanos. Eles reconheciam a existência de um único Deus incriado, de cujo seio tudo brota, tudo se desenvolve e tudo se transforma. O culto desse Deus repousava na obediência de todas as coisas por ele criadas e suas festas aconteciam nos solstícios. As doutrinas de Buda espalharam-se pela Índia, China e Japão. […]
A cosmogonia fenícia, como todas da Ásia, era a Palavra de Deus, escrita em caracteres astrais pela divindade planetária e comunicada, como um profundo mistério, por semideuses às mais vivas inteligências da humanidade, para que fossem propagadas entre os homens. […] A fé do rei Hiram e do Artista seu xará é de interesse dos Maçons. Para eles, o Primeiro Princípio era meio material e meio material, uma espécie de ar escuro, animado e impregnado pelo espírito, em meio a um caos desordenado, coberto por trevas espessas. Daí veio a Palavra, e dela a criação e a geração, e delas uma raça de homens, crianças de luz, que adoravam o firmamento e as estrelas como seu ser supremo e para quem outros deuses não eram senão encarnações do Sol, da Lua e do éter. […]
O homem caiu, mas não pela tentação da serpente. Porque, para os fenícios, a serpente partilhava da Natureza Divina, sendo por isto sagrada, como no Egipto. Eles a supunham imortal, a menos que morta por violência, e que se consumia na velhice para tornar-se jovem outra vez. Por isto, a serpente num círculo, segurando sua cauda na boca, é um emblema da eternidade. Com a cabeça de um falcão, ela tinha natureza divina e era um símbolo do Sol. Daí a seita dos gnósticos tomá-la como seu génio benéfico e daí a serpente de bronze feita por Moisés no deserto em que viveram os israelitas. “Antes do caos que precedeu o nascimento dos Céus”, disse o chinês Lao-Tsé, “existiu um Ser único, imenso e silencioso, imitável e sempre em acção, a mãe do Universo. Ao sei o nome desse Ser, mas a denomino por Razão. O homem tem seu modelo na terra; a terra, nos Céus; os Céus, na Razão; e a Razão em si mesma.”
Disse Ísis: “Eu sou a natureza, mãe de todas as coisas, soberana dos Elementos, a progenia primitiva do Tempo, a mais exaltada das Divindades, a primeira entre os Deuses e Deusas celestiais, a Rainha das Sombras, a expressão uniforme. Sou eu quem dispõe com meu bastão as incontáveis luzes nos Céus, a brisa saudável dos mares e o silêncio lamurioso dos mortos. Sou a divindade única que o mundo inteiro venera em muitas formas, por vários ritos e por muitos nomes. Os egípcios, sábios nos costumes antigos, me adoram com cerimónias correctas e me chamam por meu verdadeiro nome: Rainha Ísis.”
Os Vedas hindus assim definem a divindade:
“Aquele que está além das palavras, mas por cujo poder elas são proferidas, sabei que é Brahma, não essas coisas perecíveis que o homem adora. Aquele a quem a Inteligência não pode compreender, mas, dizem os sábios, por cujo poder a Inteligência pode ser compreendida, sabei que é Brahma, não essas coisas perecíveis que o homem adora.
Aquele que não pode ser visto pelo órgão da visão, mas por cujo poder o órgão da visão consegue enxergar, sabei que é Brahma, não essas coisas perecíveis que o homem adora.
Aquele que não pode ser ouvido pelo órgão da audição, mas por cujo poder o órgão da audição consegue ouvir, sabei que é Brahma, não essas coisas perecíveis que o homem adora. Aquele que não pode ser sentido pelo órgão do olfacto, mas por cujo poder o órgão do olfacto consegue sentir cheiros, sabei que é Brahma, não essas coisas perecíveis que o homem adora.”
Por sua vez, disse Ariús: “Quando Deus resolveu criar a raça humana, ele fez um Ser a quem chamou de A Palavra, O Filho, Sabedoria, para que esse Ser pudesse dar existência ao homem.” Esta Palavra é o Ormuzd de Zaroastro, a Ainsoph da Kabala, a Nois de Platão e Filo, a Sabedoria ou o Demiurgo dos gnósticos.
Esta é a Verdadeira Palavra, cujo conhecimento nossos antigos irmãos buscaram como uma recompensa sem preço para seus labores no Templo Sagrado: a Palavra da Vida, a Razão Divina, “na qual estava a Vida e na Vida a Luz dos homens, que brilhava nas trevas e as trevas não a compreendiam”; a Razão Infinita, que é a Alma da Natureza, imortal, da qual nos lembra a Palavra deste Grau e em que acreditar e reverenciar é o dever de cada Maçom.
“No princípio”, diz o excerto de algum trabalho mais antigo, com o qual João começa seu Evangelho, “era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Todas as coisas foram feitas por ele , e sem ele nada do que feito se fez. A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas e as trevas não prevaleceram contra ela.”
Segundo uma velha tradição, esta passagem é de uma obra anterior. Filostorgius [3] e Nicéforo [4] declaram que, quando o imperador Juliano decidiu construir o Templo, uma pedra que cobria a abertura de uma câmara quadrada e profunda foi levantada. Um dos trabalhadores foi descido por intermédio de uma corda, encontrou no centro da câmara um pilar cúbico, sobre o qual estava um livro ou rolo, embrulhado por um pano de linho, no qual esta passagem estava inscrita em letras capitais.
Seja como for, está claro que o Evangelho de João polemiza contra os gnósticos. Começando do início a doutrina da criação do mundo, ele procura demonstrar e afirma que esta Palavra é Jesus Cristo. A primeira frase pode ser traduzida assim: “Quando começou o processo de emanação, criação ou evolução de existências inferiores para o Deus Supremo, a Palavra passou a existir: e esta palavra estava perto de Deus, isto é, a emanação imediata ou primeira de Deus e era o próprio Deus, desenvolvido ou manifestado daquele modo ou acção particular. E foi por aquela Palavra que tudo foi criado.” Tertuliano [5] diz que Deus fez o Mundo a partir do nada, por meio de sua Palavra, Sabedoria ou Poder.
Para Filo e para os gnósticos, o Ser Supremo era a Luz Primitiva ou o Arquétipo de Luz, a fonte de onde emanam os raios que iluminam as almas. Ele é a Alma do Mundo e, como tal, age em toda a parte. Ele preenche e estabelece os limites de sua existência; e sua força permeia e penetra tudo. Sua imagem é a Palavra (Logos), uma forma mais brilhante do que o fogo, que não é luz pura. Esta Palavra está em Deus, porque é em Sua inteligência que o Ser Supremo emoldura para Si as Ideias que se tornarão realidade no Universo. A Palavra é o veículo pelo qual Deus age no Universo; o Mundo das Ideias pelo meio do qual Deus criou as coisas visíveis, […] e o próprio homem primitivo.
Estas ideias foram tomadas emprestadas de Platão. E esta Palavra não é só o Criador – “por Ele foi feito tudo o que se fez” – mas age no lugar de Deus e, através dele, agem todos os Poderes e Atributos de Deus. E também, como primeiro representante da raça humana, ele é o protector dos homens e seu Pastor, o Bem H’Adam, ou Filho do Homem.
A condição actual do Homem não é a sua primitiva, aquela em que ele era a imagem da Palavra. Suas paixões desgovernadas causaram sua queda de seu elevado estado original. Porém ele pode levantar-se de novo, ao seguir os ensinamentos da Sabedoria Celestial e os anjos a quem Deus encarrega de ajudá-lo a escapar dos grilhões do corpo, e ao lutar contra o Mal, cuja existência Deus permitiu apenas para prover ao homem os meios de exercer seu livre arbítrio.
O Ser Supremo dos egípcios era Amón, um deus secreto e oculto, o Pai Desconhecido dos gnósticos, a Fonte da Vida Divina, a Plenitude, compreendendo todas as coisas em si, a Luz original. Ele nada criou, mas tudo emanou dele. E todos os outros deuses nada mais são do que suas manifestações. Dele, ao proferir uma Palavra, emanou Neith, a Mãe Divina de todas as coisas, o Pensamento Primitivo, a Força que coloca tudo em movimento, o Espírito que se permeia por tudo, a Divindade de Luz e Mãe do Sol.
Deste Ser Supremo, Osíris era a imagem, a fonte de todo Bem no sentido moral e físico, o inimigo constante de Tífon, o génio do mal, o Satã do Gnosticismo, a matéria bruta, condenada ao eterno conflito com o espírito que fluía da Divindade, e sobre quem Har-Oeri (Horus) o Redentor, o filho de Ísis e Osíris, irá em última análise prevalecer.
No Zend-Avesta dos persas, o Ser Supremo é o tempo sem limite, Zeruane Akherene. Nenhuma origem poderia ser atribuída a ele, porque ele estava envolto em sua própria glória, e sua natureza e atributos eram tão inacessíveis à inteligência humana que ele era objecto de uma veneração silenciosa. A Criação emanou dele. A primeira emanação foi a Luz Primitiva e dela emergiu Ormuzd, o Rei da Luz, que criou o Mundo em sua pureza, do qual é Preservador e Juiz, Inteligência e Conhecimento, Tempo sem limite com todos os poderes do Ser Supremo.
Na religião persa, ensinada séculos antes de nosso tempo, havia um puro Princípio no homem, procedente do Ser Supremo pela Vontade e pela Palavra de Ormuzd. A ele foi juntado um princípio impuro, procedente de uma influência estranha, Ahriman, o dragão ou princípio do Mal. Tentados por Ahriman, o primeiro homem e a primeira mulher caíram. E por doze mil amos haveria guerra entre Ormuzd e os bons espíritos e Ahriman e os maus espíritos que este havia criado.
Mas as almas puras são assistidas pelos bons espíritos e o triunfo do Princípio do Bem está determinado nos decretos do Ser Supremo – e o tempo desse triunfo infalivelmente chegará. No momento em que a terra estiver mais afligida pelos males lançados pelos espíritos da perdição, três Profetas surgirão para ajudar os mortais. Sociosch [6], chefe dos três, regenerará o mundo e o restaurará em suas primitivas Beleza, Força e Pureza. Ele julgará os bons e os maus. Depois da ressurreição universal dos bons, os Espíritos puros os conduzirão à morada da felicidade eterna. Ahriman, seus demónios malvados e todo o mundo serão purificados por uma torrente de metal líquido e incandescente. A Lei de Ormuzd reinará em todos os lugares e os homens serão felizes. […]
Com algumas modificações, essas doutrinas foram adoptadas pelos cabalistas e pelos gnósticos.
Disse Apolónio de Tiana [7]: “A mais apropriada das homenagens que devemos render à Divindade, aquele Deus a quem chamamos o Primeiro, o Único, depois que o separamos dos demais, é jamais oferecer qualquer oferenda, jamais acender-lhe qualquer chama nem lhe dedicar coisa alguma, porque ele não precisa de nada, nem mesmo aquilo que os de condição mais exaltada que a nossa poderiam oferecer. Nem a terra produz planta, nem o ar sustenta vida animal que não seja impura aos olhos dele. Ao nos dirigirmos a ele, devemos usar apenas a palavra mais nobre, aquela que não é expressa pela boca – a palavra silenciosa do espírito.” […]
Nas palavras de Aristóteles,
“foi legado de forma mítica, desde os tempos mais remotos à posteridade, que existem deuses e que o Divino engloba toda a Natureza. Além disso, muito foi acrescido, no estilo mítico, com o propósito de persuadir a multidão, no interesse das leis e para vantagem do estado. Assim os homens deram aos deuses formas humanas e até os representaram como outros seres, desta ficção surgindo muitas outras. Porém, se de tudo isto nós separarmos o princípio original e o considerarmos isoladamente, quer dizer, que as Essências primordiais são os deuses, vamos constatar que isto foi dito de modo divino; e uma vez que é provável que a filosofia e as artes foram descobertas e perdidas, tais doutrinas podem ter sido preservadas até nossos tempos como remanescentes da antiga sabedoria”.
Já para Porfírio,
“os antigos representavam Deus e seus poderes por imagens destinadas aos sentidos: pelo visível eles representavam o invisível para que aqueles que tivessem aprendido a ler nessas figuras, como em um livro, um tratado dos deuses. Que os ignorantes não as vejam senão como pedaços de pedra ou madeira, não deve nos causar espanto.”
Para Apolónio de Tiana, o nascimento e a morte são apenas aparentes: aquilo que se separa da substância una ( a essência uma da Divindade) e é capturada pela matéria, parece que nasce; e, da mesma forma, aquilo que se desprende dos grilhões da matéria e se reúne com a Essência Divina, parece que morre. No máximo, é apenas uma alteração, a de tornar-se visível ou invisível. Há em tudo, propriamente falando, apenas aquela essência uma, que age e sofre por tornar-se tudo para todos, o Deus Eterno, a quem os homens causam ofensa quando o privam daquilo que deve ser atribuído somente a Ele ao atribuí-lo a outros nomes e pessoas. […]
Para os neoplatônicos, esta Entidade Suprema só pode ser conhecida por uma intuição intelectual do Espírito, quando este se emancipa de seus próprios limites. […] Sua ideia de Deus era de uma simples essência original, exaltada acima de tudo – o Ser único, imutável e eterno, a partir do qual emanou toda a existência, em suas diversas gradações. De todos, o mundo mais próximo dessa Entidade, o dos deuses, estava acima dos demais. Nesses deuses a Suprema Essência foi contida e se torna possível de ser conhecida. […] Eles são os mediadores entre os homens (espantados por suas múltiplas manifestações) e a Suprema Entidade.
Diz Filo: “Aquele que não acredita no miraculoso simplesmente como tal nem conhece Deus nem jamais buscou por Ele, porque então teria entendido, ao contemplar a magnificência do milagre do Universo, que esse milagre é um nada para o Poder Divino. Mas o que é verdadeiramente milagroso tem sido desdenhado por causa da familiaridade. O que é mundano, embora insignificante em si, apenas por ser novidade, nos enche de espanto.”
Em oposição ao antropomorfismo das Escrituras judaicas, os judeus de Alexandria procuraram purificar a ideia de Deus de toda sua associação com o humano. Pela exclusão de todas as paixões humanas, ela foi sublimada em algo despido de todos os atributos e transcendental. O mero Ser, o Bem, em por si mesmo o Absoluto do Platonismo substituiu a Divindade personalizada do Velho Testamento. Por elevar-se além de toda existência criada, o espírito, libertando-se do sensível, alcança a intuição intelectual desse Ser Absoluto, de quem não pode predizer nada a não ser sua existência, descartando assim todas as outras definições porque não condizentes com a excelsa natureza da Suprema Essência.
Assim Filo estabelece uma distinção entre aqueles que são Filhos de Deus no sentido correcto, elevados, por meio da contemplação, ao Ser mais alto ou que dele alcançaram o conhecimento, e aqueles outros que conhecem Deus pela revelação de Seus actos, […] aqueles que simplesmente se atêm ao Logos, a quem consideram como o Deus Supremo. Estes são filhos da Palavra, não do Verdadeiro Ser.
Diz Pitágoras que “Deus nem é objecto de sentido nem sujeito a paixões, mas invisível, somente inteligível e supremamente inteligente. Em Seu corpo Ele é como a luz e em Sua alma Ele se assemelha à verdade. Ele é o espírito universal que pervade e se difunde por toda a natureza. Todos os seres vivos recebem Dele sua vida. Só há um Deus, que não está, como muitos imaginam, sentado sobre o mundo, além do orbe do Universo, mas que é tudo em tudo e que vê todos os seres que habitam em sua imensidão, o único Princípio, a Luz dos Céus, o Pai de tudo. Ele cria tudo, Ele ordena e dispõe tudo, Ele é a Razão, a Vida e o Movimento de tudo que existe”.
“Eu sou a Luz do mundo; aquele que me seguir não caminhará na escuridão, mas terá a luz da vida.” Assim falou o Fundador da Religião Cristã, tal como João, o Apóstolo, reportou.
Deus, dizem as escritas sagradas dos judeus, apareceu a Moisés numa chama, no meio da sarça e esta não se consumia. Ele desceu sobre o Monte Sinai como a fumaça de uma fornalha; Ele apareceu de dia, ante as crianças de Israel, como um pilar de nuvens, e, à noite, como um pilar de fogo, para dar-lhes luz. “Invocai o nome de vossos deuses,” disse o Profeta Elias aos sacerdotes de Baal, “e eu invocarei o nome de Adonai; e àquele que responder pelo fogo, deixai-o ser Deus.”
De acordo com a Cabala, como de acordo com as doutrinas de Zoroastro, tudo que existe emanou de uma fonte de luz infinita. Antes de todas as coisas, existia o Ser Primitivo, o Ancião de Dias [7], o Antigo Rei de Luz, um título ainda mais notável porque é dado frequentemente ao Criador no Zend-Avesta, no código dos sabeus [8] e aparece nas escrituras judaicas.
O mundo era Sua Revelação, o Deus revelado, e subsistia somente Nele.
[…] O Universo era seu esplendor sagrado, seu manto. Ele era para ser adorado em silêncio e a perfeição consistia em aproximar-se o mais possível Dele.
Antes da criação dos mundos, a Luz Primitiva enchia todos os espaços, de modo que não havia um vazio. Quando o Ser Supremo que existia nessa luz resolveu demonstrar Sua perfeição ou manifestá-la em palavras, encerrou-se em Si mesmo, formou a seu redor um vácuo e lançou um raio de luz, sua primeira emanação – a causa e o princípio de tudo que existe –, unindo os poderes de conceber e gerar, que tudo permeiam e sem os quais nada pode subsistir nem por um instante.
O homem caiu, seduzido por maus espíritos mais longínquos do grande Rei da Luz […] sempre em guerra com as inteligências puras, como os Amshaspands [9] dos persas, guardiães tutelares do homem.
No início, tudo era uníssona harmonia, luz divina e pureza. Então o Criador tomou dos sete reis os princípios do Bem e da Luz e dividiu-os entre os quatro mundos dos espíritos, dando aos três primeiros a Inteligência Pura, unida no amor e na harmonia, mas ao quarto apenas alguns débeis brilhos de luz. O conflito entre os espíritos envoltos em trevas, em vão e por muito buscando a Luz Divina, chegará a termo quando O Eterno vier resgatá-los, livrando-os do invólucro grosseiro de matéria que os aprisiona, intensificando o raio de luz, ou natureza espiritual, que tiverem preservado. Aí será restabelecida em todo o Universo aquela primitiva Harmonia que foi sua bênção.
Nas palavras de Marcion [10], o gnóstico, “a alma do verdadeiro cristão, adoptada como uma criança pelo Ser Supremo, para quem há muito tem sido estranha, recebe Dele o espírito e a vida divina. Ela é conduzida e confirmada, por esta oferenda, em uma vida pura e sacra, como a de Deus; e se como tal cumpre sua caminhada terrena, em caridade, castidade e santidade, irá, um dia, ser separada do envelope material, tal como o grão maduro é separado da casca e como o passarinho se escapa de seu ovo. Como os anjos, ela compartilhará na protecção do Pai Perfeito e Bom, revestida em um corpo etéreo e feita como os anjos nos Céus.”
Vede, pois, meu Irmão, qual é o significado da “Luz” Maçónica. É por isto que o Oriente da Loja, onde a letra inicial do nome da Divindade pende sobre o Mestre, é o lugar da Luz. Luz, em contraste com trevas, é o Bem, em contraste com o Mal; Luz que é o verdadeiro conhecimento da Divindade, o Deus Eterno, pelo qual Maçons de todas as épocas têm buscado.
A Maçonaria continua sua caminhada para a Luz que brilha à distância, a Luz do dia em que o Mal, sobrepujado e vencido, desaparecerá para sempre, quando então a Vida e a Luz serão a lei única do Universo e sua eterna Harmonia.
O Grau de Rosa Cruz ensina três coisas: a unidade, imutabilidade e bondade de Deus; a imortalidade da alma; e a derrota final e a extinção do mal, das injustiças e das aflições por um Redentor ou Messias, ainda por vir – se é que ainda não chegou.
Ele substitui os três pilares do velho Templo por três que já vos foram explicados: Fé (em Deus, na humanidade e em vós mesmos), Esperança (na vitória sobre o mal, no progresso da Humanidade e em uma vida futura), e Caridade (o auxílio a quem dele necessita e a tolerância para com os erros e as faltas dos outros).
Ser confiante, esperançoso, ser indulgente – estes, nesta época de egoísmo, de pessimismo quanto à natureza humana, de opiniões ríspidas e amargas, são as mais importantes das Virtudes Maçónicas e as verdadeiras colunas de apoio de cada Templo Maçónico. Na verdade, eles são os velhos pilares do Templo, só que sob nomes diferentes. Porque só é sábio aquele que julga os outros com espírito caridoso; só é forte aquele que é esperançoso; e não há beleza maior do que a firmeza da fé em Deus, nos outros e em si próprio.
A segunda Câmara, revestida de luto, com as colunas do Templo partidas e derrubadas e os Irmãos em dor profunda, representa o mundo sob a tirania do Príncipe do Mal, onde a virtude é perseguida e o vício premiado; onde os correctos carecem de pão e os maus vivem em ostentação, vestidos de púrpura e do linho mais fino; onde a ignorância insolente ordena e o conhecimento e a inteligência jazem oprimidos; onde reis e sacerdotes tripudiam sobre os direitos e amordaçam a consciência; onde a liberdade se esconde e a subserviência e a bajulação dominam; onde o clamor de viúvas e órfãos, famintos e enregelados em casebres miseráveis, sobem aos céus; onde homens, querendo sustentar mulher e filho, imploram por trabalho quando agiotas e capitalistas insensíveis fecham os moinhos; onde a lei pune a mulher violentada por roubar pão e o estuprador não recebe punição; onde o sucesso de um partido político justifica o assassinato e a violência, enquanto a roubalheira fica impune; onde aquele que fica rico explorando os pobres recebem honras e títulos e são enterrados com fausto e pompa.
A segunda Câmara, revestida de luto, representa este mundo onde, desde sua génese, as guerras nunca cessaram nem deixaram os homens de torturar e matar seus irmãos; onde a ambição, a avareza, a inveja, o ódio e os exércitos de Arimã e Tífon tornam um pandemónio. Representa, enfim, este mundo afundado no pecado, infectado pela grosseria, afogado em sofrimento e miséria. Se alguém vir nela também a dor do Maçom pela morte de Hiram, ou do judeu pela queda de Jerusalém, ou do Templário pela extinção de sua Ordem e pela morte de DeMolay, ou a agonia e a dor do mundo pela morte do Redentor, tem o direito de como tal interpretá-la.
A terceira câmara representa as consequências do pecado e do vício, o inferno que se instala no coração humano pelas paixões desenfreadas. Se alguém vir nisso o Hades dos gregos, a Gehenna dos hebreus, o Tártaro dos romanos ou o inferno dos cristãos, ou somente as agonias do remorso e o aguilhão da consciência, tem o direito de como tal interpretá-la.
A quarta câmara representa o Universo livre do domínio insolente e da tirania dos Princípios do mal. Nela brilha a verdadeira Luz que emana da Entidade Suprema, onde não mais se eternizarão o pecado e as ofensas, a dor e o sofrimento, o remorso e a miséria; onde os grandes desígnios da Infinita e Eterna Sabedoria se realizarão; e todas as criaturas de Deus – percebendo que o mal aparentemente tão poderoso, o sofrimento individual e as ofensas não são mais do que gotas insignificantes frente ao grande rio da bondade infinita – saberão quão vasto é o poder da Divindade e quão infinita é Sua bondade. Se alguém vir nisso os mistérios peculiares de qualquer fé ou credo ou uma alusão a algo que tenha ocorrido, tem o direito de como tal interpretar.
Que cada um de nós interprete os símbolos como lhe aprouver.
Para todos nós eles representam os princípios fundamentais da Maçonaria, suas três maiores virtudes – Fé, Esperança e Caridade –, o amor fraternal e a benevolência universal. Não trabalhamos senão em prol disto. Estes símbolos não necessitam de nenhuma outra interpretação.
As obrigações de nossos antigos Irmãos Rosa Cruzes eram cultivar a amizade, uma disposição alegre, a caridade, a paz, a liberalidade, a temperança e a castidade; e escrupulosamente evitar as impurezas, a soberba, o ódio, a ira e todas as formas de vício. Do mesmo modo que Moisés e Salomão, eles buscaram sua filosofia da velha teologia dos egípcios, adoptando seus hieróglifos e as cifras dos hebreus. Por suas regras principais, deviam praticar a medicina caridosamente, promover a causa das virtudes, desenvolver a ciência e induzir aos homens a viver como nos tempos primitivos.
Onde este Grau teve sua origem não é importante inquirir, nem em que diferentes Ritos, países e épocas foi praticado [11]. Ele tem grande antiguidade. Suas cerimónias diferem tanto quanto variam latitudes e longitudes. Se fôssemos examinar todas as diferentes cerimónias, seus emblemas e suas fórmulas, veríamos que tudo que pertence aos elementos primitivos e essenciais da Ordem foi respeitado em cada santuário. Todos praticam a virtude para que ela dê frutos. Todos trabalham, como nós, para que os vícios sejam extirpados pela purificação do homem, pelo desenvolvimento das artes e das ciências e pela redenção da humanidade.
Nenhum [desses Ritos] admite acesso a seu alto saber filosófico e às ciências misteriosas senão aqueles que tenham sido purificados no altar dos Graus Simbólicos. Que importância podem ter as diferenças de opinião sobre a antiguidade e a genealogia do Grau e as suas variedades quanto à prática, cerimonial, liturgia e a cor particular de cada tribo de Israel, se todos reverenciam o Sagrado Arco dos Graus Simbólicos, fonte primeira e inalterável da Maçonaria? Que importância podem ter as diferenças de opinião quando todos reverenciamos nossos princípios e eles nos acompanham nos grandes propósitos de nossa organização?
Se, onde quer que seja, Irmãos de um credo religioso particular tenham sido excluídos deste Grau, isto apenas evidencia como é grave a falta de entendimento dos propósitos e planos da Maçonaria. Porque sempre que se fecha a porta de um Grau a alguém que acredita em um Deus único e na imortalidade da alma por detalhes de sua fé, este Grau deixa de ser um Grau Maçónico. […]
Atentai, meu Irmão, para nossa explicação sobre os símbolos deste Grau. E então acrescentai as interpretações que julgardes adequadas. A Cruz tem sido um símbolo sagrado desde a mais remota antiguidade. […] Mas seu significado peculiar neste Grau é dado pelos antigos egípcios. Toth ou Ptá é representado nos antigos monumentos carregando em suas mãos a cruz ansata, ou ankh, uma letra tau com um anel sobre ela. Assim ele é visto nos tabletes de Shufu [12] e Nob Shufu, construtores da maior das pirâmides. Era um hieróglifo para vida e, com um triângulo, significava o poder de dar a vida. Para nós, então, é o símbolo da vida, daquela vida que emana da divindade, da vida eterna pela qual esperamos, confiantes na divina bondade de Deus.
A Rosa era antigamente consagrada a Aurora e ao Sol. É um símbolo do nascer do dia, da ressurreição da Luz e da renovação da vida. […] A Cruz e a Rosa, juntas, hieroglificamente devem ser interpretadas como a Aurora da Vida Eterna, aquela por quem todas as nações têm ansiado através, esperando a vinda de um Redentor.
O Pelicano alimentando a prole é um emblema da benéfica abundância da Natureza, do Redentor do homem decaído, bem como da humanidade e caridade que devem distinguir um Cavaleiro deste Grau.
A Águia é o símbolo vivo do deus egípcio Menthra, a quem o faraó Sesóstris-Ramsés unificou com Amón-Rá, o deus de Tebas e do Egipto Superior, representativo do Sol – Rá significa Sol ou Rei.
O Compasso encimado por uma Coroa significa que, não obstante altas posições alcançadas na Maçonaria por um Cavaleiro Rosa Cruz, suas acções devem ser governadas invariavelmente pela equidade e imparcialidade.
O significado da cruz ansata no Grau 18 é dado pelos antigos egípcios. O deus Toth ou Ptá é representado carregando a cruz ansata, ou ankh, uma letra tau com um anel sobre ela. Era um hieróglifo para vida e, com um triângulo, significava o poder de dar a vida.
Muitos são os significados que são atribuídos à expressão INRI, inscrita na cruz ansata sobre o assento do Mestre. O iniciado cristão vê com reverência as iniciais da inscrição sobre a cruz em que Cristo sofreu – Iesus Nazarenus Rex Iudeorum. Para os sábios da antiguidade, ela estava ligada a um dos maiores segredos da Natureza, o da regeneração universal, interpretando-a como Igne Natura Renovatur Integra (a Natureza inteira é renovada pelo fogo). Já para os Maçons herméticos e os alquimistas era o aforisma Igne Nitrum Roris Inventur. […]
As quatro letras são as iniciais das palavras hebraicas que representam os quatro elementos: Iammim, o mar o a água; Nour, o fogo; Rouach, o ar; e Iebeschah, a terra seca. Como nós o interpretamos, não tenho necessidade de relembrar-vos.
A Cruz em X era o sinal da Sabedoria Criativa ou Logos, o Filho de Deus. […]
Constantemente vemos o Tau e o Resh unidos em um monograma, o T sob o P (r). Essas duas letras, em samaritano antigo, tal como encontramos em Ariús, significam 400 e 200, respectivamente, totalizando 600. Este era também o bastão de Osíris e seu monograma foi adoptado pelos cristãos como um sinal. Na medalha de Constantino, P (rô) + X (chi), está a inscrição In Hoc Signo Victor Eris. [13] […]
Entrastes aqui em meio a sombras, vestido de mágoa. Lamentai conosco a triste condição da raça humana, neste vale de lágrimas; as calamidades que afectam os homens e a agonia das nações, a escuridão que envolve a alma confusa, oprimida pela dúvida e pela ansiedade!
Tradução livre de J. W. Kreuzer Bach
Notas
[1] No capítulo dedicado ao Grau 30, Cavaleiro Kadosh, Pike discorre sobre a etimologia e refere-se a Khurum ou Khairum como sendo a grafia correcta do nome mal traduzido de Hiram.
[2] Estêvão Protomártir, cujo nome, segundo a Wikipedia, significa coroa de louros em grego, é venerado pelas igrejas católica e ortodoxa como santo. Judeu helenístico, viveu no século I a.D., reconhecido como grande pregador dos ensinamentos de Jesus ao povo de Jerusalém.
[3] O que se sabe com certeza sobre Filostórgius (c. 368- 433) é que ele nasceu na Capadócia, tinha origem humilde e viveu em Constantinopla. Ele escreveu uma história da controvérsia das doutrinas do bispo Ariús, mas pouco de sua obra sobreviveu.
[4] Nicéforo (c. 758-828) foi patriarca de Constantinopla e autor de obras de carácter religioso.
[5] Filho de um centurião romano e notável advogado, Tertuliano (c. 160-225) foi um dos pioneiros apologistas do Cristianismo e um dos primeiros autores a escrever em latim, daí ser chamado de “Pai da Igreja Latina”. Deve-se a ele a fórmula da Trindade (três pessoas, uma substância), e os termos Velho e Novo Testamento (vetum e novum testamentum).
[6] Segundo a Iran Chamber Society, os Zoroastrianos acreditavam que a história do mundo teria 12.000 anos, dividida em quatro períodos. No primeiro, o Bem e o mal estavam separados; no segundo, o Mal invadiria o mundo do Bem; no terceiro a luta entre as duas facções se intensifica; e no quarto, o Mal é derrotado e o Bem prevalece. Nos últimos 3.000 anos, os zoroastrianos esperavam três salvadores em intervalos de mil anos, Aushedar, Aushedar-mah e Soshyant (é o mesmo Sociosch citado por Pike, mas com moderna grafia).
[7] Famoso entre filósofos e ocultistas, até mesmo entre os muçulmanos, Apolónio de Tiana (cidade da Capadócia, então província romana onde hoje está a Turquia) foi influenciado por Pitágoras e dele se diz ter gozado de percepção extra-sensorial.
[8] Ancião de Dias, Segundo a Wikipédia, é um nome para Deus em aramaico (Atik Yomin), registrado na Bíblia Septuaginta grega como Palaios Hemeron e, na Vulgata, Antiquus Dierum. Encontramo-lo no Velho Testamento em Daniel 7:9, 13 e 22.
[9] Segundo a Jewish Encyclopedia, os sabeus eram habitantes do antigo reino de Sabá, que ficava no sudeste da Arábia, mencionados diversas vezes na Bíblia como povo rico e de intensa actividade como comerciantes.
[10] Amshaspands, na mitologia persa, eram os sete seres divinos que pertenciam à corte de Ahura Mazda, o deus supremo. Não eram exactamente deuses, mas comparáveis aos arcanjos, que lutavam pela verdade e justiça, em oposição aos Devas, criaturas do Mal e seus eternos oponentes.
[11] Questão de opinião, da qual humildemente discordamos…
[12] Shufu é como Pike grafa o nome de Quéops, o construtor da Grande Pirâmide de Gizé. Nob Shufu é outro nome que aparece também nas pedras da pirâmide.
[13] A maior parte das fontes registra In Hoc Signo Vinces, por este símbolo vencerás, como no símbolo dos Cavaleiros Templários, último Grau do Rito de York, O monograma de Cristo, com as letras gregas R (rô) e C (chi), como figuravam na bandeira de Constantino, o Grande. Simbolizava tanto o Redentor como a Cristandade em geral.
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