Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Academia Platônica de Brasília – Uma obra maçônica do século XXI

Por Rubi Rodrigues, MM. Gr 33

No final do ano de 2019, em sessão conjunta das lojas Três Poderes, Aurora e Atalaia de Brasília, apresentamos vídeo intitulado O Projeto Maçônico. Aquela apresentação tentou responder a três perguntas: 1. Com que propósito foi criada a maçonaria especulativa, no sec. XVIII. 2. Como a maçonaria conduziu o seu projeto e 3. Em que fase se encontra esse projeto hoje. Esse vídeo está disponível no link https://academiadeplatao.com.br/artigo_detalhe?id=347 .

Na 1ª parte desse vídeo defende-se que a maçonaria teria sido concebida com o propósito geral de aperfeiçoar o ser humano, de sorte que a sua atuação na sociedade provocasse também o aprimoramento dela. Na 2ª parte, analisa-se o processo formativo adotado pela Ordem, que culmina na investidura ritualística do obreiro no grau de mestre. Essa investidura, que representa o ápice da formação maçônica, dá-se ao amparo da Lenda de Hiram. A lenda, em primeira leitura, trata da construção do templo de Salomão e Hiram era o arquiteto que conduzia os trabalhos e sabia o que precisava ser feito para a conclusão da obra. No meio da obra, Hiram morre e o projeto se perde e a obra resulta interrompida. Com isso, o obreiro, ao ser exaltado, recebe, junto com o título de Mestre, a missão de encontrar os planos perdidos, (palavra perdida) de sorte que a obra possa ser concluída.

Na 3ª parte relata-se a nossa aventura pessoal em busca dos planos perdidos. Uma aventura que começou com os manuais dos graus 1 ao 33, levou-nos à Platão na Grécia Clássica, depois às matemáticas de Pitágoras e, finalmente, aos templos do Egito Imperial, onde as informações se perdem nas brumas do tempo, restando a lenda de que, em priscas eras, uma deusa apiedou-se do destino dos homens e os presenteou com a razão e a faculdade de pensar. No fecho do vídeo, afirma-se que os planos perdidos foram recuperados, em termos lógicos, geométricos e matemáticos e por isso podem ser transmitidos a quem esteja disposto a um estudo dedicado e que, para tanto, estávamos projetando uma escola virtual de ensino à distância, na intenção de colocar esse conhecimento à disposição de todos. Esse, em linhas gerais, o conteúdo desse vídeo.

Nesses estudos descobrimos algumas coisas surpreendentes. Primeiro, que o templo da lenda de Hiram, em nível menos superficial, não é a casa de orações que Salomão dedicou ao seu deus, mas refere-se à cidadela inexpugnável da razão. A construção interrompida visava o domínio pleno da racionalidade humana, visava habilitar o obreiro com capacidade de discernimento superior, de sorte que, pensando corretamente, a sua contribuição social possa ser mais eficaz. Sem discernimento competente, apenas com boa vontade, pode-se tanto atrapalhar quanto ajudar. Em segundo lugar, constatamos que a Lenda de Hiram pode não ser uma lenda original, pois constitui exata versão, em linguagem própria de construtores pedreiros, do Mito da Caverna de Platão, que também invoca o desenvolvimento da razão e a passagem do mundo das sombras para o mundo da realidade inteligível. O Mito da Caverna contempla o percurso que vai da completa ignorância até a plena sabedoria, esta, alcançada quando se sai da caverna e, segundo Platão, se aprende a ver e a pensar o todo. Ou seja, ambas as alegorias tratam da mesma coisa – da conquista plena da razão. Isso revelou que tanto a Lenda de Hiram como a própria maçonaria especulativa foram concebidas por mentes que dominavam certo conhecimento esotérico milenar, que também presidia e determinava o modo platônico de pensar. No século XVIII, a Modernidade, com sua lógica sistêmica e o seu foco na matéria, ameaçava o cultivo do espírito e a sensibilidade que haviam sido despertados na Renascença italiana e que geraram as magníficas obras de arte daquele período. Criar a maçonaria representava produzir um ambiente onde essa sensibilidade poderia ser cultivada e oportunamente renascer, quando se fizesse necessário. Não havia mais dúvidas, Platão fora um iniciado e isso muda completamente o modo como se deve ler a sua obra, restando igualmente justificado por que os acadêmicos da atualidade encontram dificuldade em interpretá-la, ao adotarem a hermenêutica como método de abordagem. Em termos literais, por exemplo, a lenda de Hiram fala da construção de uma casa de orações, um edifício público e, no entanto, o que a lenda indica, de fato, é a construção do templo da razão, a conquista plena da racionalidade – que é o desafio fundamental de toda espécie dotada de consciência. Palavras assim registradas, guardam significados esotéricos situados fora do alcance da hermenêutica e de acesso privativos de iniciados na linguagem simbólica adotada.

Quando olhamos a obra de Platão com olhos iniciados, percebemos que tudo está ali descrito, e que apesar da tese das doutrinas não escritas, ele não sonegou informação alguma e o método de saída racional da caverna ou de construção do templo da razão, está completamente descrito nos seus textos, em termos lógicos, geométricos e matemáticos.

Quando percebemos isso, tornou-se imperativo produzir nova interpretação mais completa do mito da caverna. A linguagem simbólica, como sabemos, assemelha-se à cebola: oferece uma interpretação superficial tal como a casca, mas a medida em que as camadas são retiradas novos significados emergem. A versão do mito, da Academia Platônica de Brasília, envolve três níveis interpretativos, até atingir o coração do símbolo e revelar todo o seu significado. Nesse sentido penetrar no símbolo é como entrar em outra caverna que, em lugar de ter apenas um salão, possui três salões sucessivos, ligados por estreitas passagens, cada um deles guardando uma porção da verdade que procuramos.

No primeiro nível, realiza-se a interpretação conhecida de todos e da qual existem muitas versões disponíveis, que, embora reforcem aspectos particulares, no geral são adequadas e colocam bem o desafio de superar o mundo das sombras e das ilusões e sair à superfície, onde situa-se a verdadeira realidade. Platão caracteriza esse percurso como aquele que se estende da total ignorância à plena sabedoria. Esta sabedoria, segundo ele, seria alcançada pela conquista da capacidade de ver e pensar a totalidade. Para lograr isso, impõe-se sair da caverna. Esse primeiro nível de análise fornece a direção geral de saída, mas não indica, metodicamente, como sair, embora esse seja o grande projeto pedagógico de Platão.

Embora, na alegoria, o pessoal de dentro da caverna não estivesse interessado em estudar e nem considerasse o conhecimento relevante, Platão, curiosamente, funda uma escola, cria a Academia Platônica de Atenas, declaradamente com o objetivo de ao menos retirar alguns que tivessem alma mais sensível e amassem o conhecimento. Para tanto, essa escola teve de ser concebida sobre dois pilares. Primeiro, era preciso descobrir, entre todos os pretendentes, quais possuíam alma apropriada e, segundo, era indispensável que Platão dispusesse de um método racional de saída da caverna, um método que pudesse ser transmitido para alunos qualificados. Sem dispor de tal método, não se justificava criar escola. Com isso, tornou-se imperativo descobrir de que método se tratava, o que nos levou a novo ambiente de análise: impunha-se examinar as circunstâncias da Academia de Atenas e a obra de Platão, âmbitos nos quais esse método pode ser encontrado. Essa busca e a identificação do método, constituem o segundo nível de abordagem do mito, na versão da Academia.

O segundo nível de análise nos proporcionou o conhecimento necessário para sair da caverna e nos facultou perceber a totalidade mencionada por Platão. Ocorre que, então, descobrimos que existe enorme diferença entre conhecer e saber. Conseguimos vislumbrar o todo, mas, não conseguíamos operar como mentes libertas. Toda a nossa experiência era a de operar nas sombras. Essa constatação levou-nos à necessidade de um terceiro nível de análise do mito e indicar que mundo se vislumbra, estando fora da caverna. Isso porque a visão de mundo que se descortina estando fora da caverna, desperta naturalmente o desejo de viver ali, exposto à luz do sol da verdade. Tratando-se de uma conquista mental, apenas cada um pode realizá-la. Para tanto impõe-se, estudar.

Essa versão do mito foi gravada em vídeo, com a mesma envergadura do vídeo maçônico e, na sua conclusão, é indicada, igualmente, a Academia Platônica de Brasília, projetada para ensinar o método racional de saída da caverna. Esse segundo vídeo foi feito na forma de live e tinha por objetivo original, apenas esclarecer um cineasta produtor de documentários cinematográficos, sobre o produto que precisamos. Essa versão do mito merece um documentário que ganhe mundo pelas telas e atinja uma população mais ampla, mas ainda não conseguimos viabilizá-lo. Essa live foi editada e pode ser usada para divulgar a Academia junto a um público dotado de visão metafísica ou que tenha sido previamente motivado para a questão, estando disponível no link https://academiadeplatao.com.br/artigo_detalhe?id=401 .

Em resumo, a situação do projeto, no segundo semestre de 2022, é a seguinte. Dispomos de um vídeo em linguagem maçônica para divulgação ao público interno. Possuímos um vídeo provisório, equivalente, em linguagem filosófica, para divulgação ao mundo externo. O site está estruturado, o conteúdo está programado e os ajustes finais foram concluídos. Esperamos colocá-lo no ar ainda em 2022. Internamente, no âmbito da Ordem, pode-se divulgar tratar-se de uma obra maçônica. Externamente deve aparecer como iniciativa filosófica de orientação platônica e a maçonaria não precisa aparecer. A formação que a Academia vai oferecer, algum dia, talvez, configure um mestrado em ciências humanas, mas o que neste momento podemos disponibilizar é algo bem mais modesto. Depois de quase dois anos angustiados, pensando onde arrumar recursos para montar uma escola regular, nos moldes das instituições de ensino hoje existentes, descobrimos que ainda estávamos pensando dentro da caverna, olhamos para fora e fomos ver como a natureza cria as suas obras. Constatamos que ali tudo começa pequeno. O broto de uma sequoia é tão frágil como o broto de um pé de alface, a diferença está no DNA. Se a terra for boa, a planta cuidada e o meio aceitar a sua presença, um dia ela se assemelhará aos grande pinheiro de 700 anos que ornamentam a Califórnia. Caso contrário irá simplesmente desaparecer. De mais a mais, tratando-se de um processo de formação, seria ideal que contássemos com orientadores de estudo, tal como os aprendizes maçons contam com a orientação de mestres experientes no seu aprendizado, mas, infelizmente esses orientadores ainda não existem, precisam ser formados e a maneira de formá-los é colocar o material a disposição de quem tenha energia própria e seja autodidata.

Espera-se que os frutos da Academia não demorem 700 anos. Estamos vivendo em período histórico pós-moderno presidido pela lógica dialética que viabiliza grande capacidade crítica, mas, não serve para construir e gerar estabilidade. Tanto a polarização ideológica na política como a desorientação provocada pela pandemia, evidenciam a deterioração das condições gerais garantidoras de uma vida civilizada. Para resumir, hoje não estamos nem em condições de saber se estamos diante de uma emergência sanitária ou de uma guerra biológica mundial. As visões pós-modernas sempre apontaram para um mundo tenebroso que ninguém quer vivenciar. A receita de Platão para superar esse mundo de conflitos, é a saída da caverna e a produção de um padrão civilizatório amparado na totalidade. Os diferentes modos de ser e de viver que caracterizaram os grandes períodos civilizatórios – Período Imperial, Idade Média, Modernidade e Pós-Modernidade -, resultaram de modos de pensar correspondentes. Foi poque a maioria da população pensava de um certo modo particular que a civilização assumiu o modo de ser e de viver correspondente. Parmênides, um dos sábios da antiguidade, já nos legou a percepção de que, ser e pensar, se correspondem. Com isso resulta evidente que a superação desse padrão civilizatório contemporâneo apenas pode ser conseguida com a mudança geral no modo de pensar. Segundo Platão, precisamos aprender a ver e a pensar a totalidade, pela singela ração de que, tudo o que existe e marca presença no mundo, está configurado na forma de totalidade, unitária e complexa, analiticamente, divisível em partes, o que implica afirmar que no mundo não existe nada que não seja divisível. O corolário disso é que a complexidade se constrói, não juntando partes, mas articulando inteligentemente totalidades bem constituídas. Sendo a natureza constituída exclusivamente de totalidades, ver e pensar a totalidade, epistemologicamente, significa ver e entender a natureza na sua real compleição e, consequentemente, estar habilitado para interpretações mais correspondentes e fidedignas. Em consequência, a Academia Platônica de Brasília emerge na condição de centro de estudos que visa instrumentalizar pensadores para ver e pensar a totalidade, habilitar homens para pensar metodicamente e assim conquistar um discernimento mais aderente à realidade.

Dado que tanto o Mito da Caverna como a Lenda de Hiran colocam ao homem, o mesmo desafio de conquista plena da racionalidade e da faculdade de pensar, a Academia Platônica de Brasília oferece resposta a esse desafio e configura ferramenta virtualmente útil tanto à comunidade maçônica como à comunidade acadêmica formal. Tanto o Mito da Caverna quanto a Lenda de Hiran focalizam o desafio superior que a natureza pode oferecer a qualquer espécie dotada de discernimento e de livre arbítrio, qual seja, o da conquista plena da faculdade de pensar e dos recursos inferenciais e interpretativos disponibilizados. É justamente a faculdade de pensar, de interpretar e de entender a inteligência organizativa presente no universo, que especifica, distingue e, mais que isso, enobrece a espécie humana.  Daí a força atrativa, a persistência e a atualidade, tanto da doutrina maçônica da Lenda de Hiran, como da filosofia do Mito da Caverna de Platão.

Terá, porventura, chegado a hora do perfeito maçom, preconizada no ritual do Cavaleiro Rosacruz, do Rito Escocês? A hora de dar novo brilho às nossas ferramentas? Ali “os trabalhos são abertos quando a Palavra foi perdida e as trevas se estenderam sobre a Terra e são encerrados quando a Palavra foi reencontrada e a Nova Lei passou a predominar entre os homens.” Esse texto evidencia que os construtores do Rito sabiam que algum dia a palavra seria encontrada, a construção do templo seria concluída e a boa nova poderia ser levada a todos os homens.  Levada por quem? Obviamente, por obreiros da arte real ou homens livres e de bons costumes, que se habilitarem para tal missão.

Na própria investidura do obreiro no grau de mestre, na cerimônia de exaltação – que representa o ápice da formação maçônica -, o novo mestre é concitado para essa missão. Nessa cerimônia, o irmão companheiro é chamado a representar Hiran morto, deitado no esquife. Quando é erguido pela garra do Venerável Mestre, o gesto não se resume a simbolizar uma ressureição, mas implica na investidura do Mestre com o espírito edificador de Hiran e, consequentemente, na assunção da tarefa de concluir a construção do templo. O que faria o arquiteto ressuscitado? Obviamente concluir a construção do templo, que, como sabemos, é o templo da razão. Com isso, o processo de formação que a Academia Platônica de Brasília ora torna público constitui ferramenta que o obreiro da arte real poderá utilizar para primeiro, terminar a construção do seu templo interior e, depois, levar esse conhecimento e esse saber para as pessoas que lhe são caras, sem precisar iniciá-las na maçonaria, uma vez que se tratará de superar as sombras da caverna alegórica e ascender à superfície na qual impera o sol da verdade. Em sentido institucional, oportuniza-se para a Ordem superar uma fase introspectiva, caracterizada pela busca de um conhecimento perdido, e inaugurar nova fase ativa e proativa na qual o saber recuperado seja levado à sociedade como promessa de superior estágio de discernimento. Abre-se, assim, para a Ordem, a possibilidade de voltar a ser protagonista, desta feita, não no plano político, como exigido no século XIX, mas no plano cultural, como requerido no século XXI.

Dadas as especiais e limitadas condições em que esse aprendizado pode, hoje, ser oferecido, temos consciência de que o domínio desse saber, inicialmente, será fácil apenas para mentes familiarizadas com a perspectiva metafísica, ainda que, com o devido esforço, esteja ao alcance de todos. Caberá aos primeiros facilitar a caminhada dos demais. Quem poderá constituir a leva inicial de desbravadores? Naturalmente os dotados de perspectiva metafísica, isto é, os que possuírem uma visão de mundo que exige a presença de um princípio criador. Naturalmente, os maçons, mas não apenas eles. Também os estudantes de filosofia na concepção metafísica. Os padres da Igreja Católica e os sacerdotes de todas as religiões. Talvez os físicos quânticos que buscam o bóson de Higgs. Enfim, quem sabe nos surpreendamos com a quantidade de pessoas que já não se satisfazem mais com a aparência superficial das coisas e exigem os fundamentos e as razões últimas da existência.

Dá-se o título de uma obra maçônica do século XXI a esta comunicação, porque temos ouvido na Ordem, veladas reclamações sobre uma fraca atuação junto à sociedade ou uma atuação predominantemente beneficente, distante do destacado papel político que a Ordem desempenhou em século anteriores. Críticas que por vezes esquecem que quem realiza obras maçônicas são os maçons e não as instituições. As instituições são apenas estruturas organizativas formais. A ação compete às pessoas. A Academia Platônica de Brasília é uma obra maçônica, na medida em que é coordenada por um mestre maçom, da maçonaria de Brasília, ainda que estejam envolvidas outras pessoas da comunidade. Imagina-se que, virtualmente, o advento da Academia Platônica de Brasília, possa trazer novo brilho às nossas ferramentas e novo alento aos nossos trabalhos. Tudo vai depender de como cada obreiro e, naturalmente, também as lideranças maçônicas, vão posicionar-se diante da nova oportunidade que se oferece.

Setembro/2022