Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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O Lobby Maçônico

José Filardo M.`. M.`.

O jesuíta argentino Bergoglio, atual CEO da corporação vaticana que gira sob o nome de ICAR S.A., quando de seu retorno a Roma, referindo-se ao “problema gay” da sua empresa, declarou que os gays são bem vindos – como contribuintes à sacolinha, não como executivos – e que isso não era o problema. O problema seria, em suas palavras, o “lobby gay e o lobby maçônico”.

A declaração foi feita diante da mídia mundial, aproveitando o seu evento particular financiado com dinheiro público (conseguido com o lobby da ICAR junto ao governo brasileiro) evento esse de que ele participara nos dias que antecederam a entrevista. O fato demonstrou o excelente senso de oportunidade do jesuíta, já que se podia estimar a repercussão midiática.

Essa declaração deixou-me com a pulga atrás da orelha. A quem, especificamente, se dirigia o Sr. Bergoglio? A quem ele se referia? Qual era o seu alvo?

Dei tratos à bola buscando a resposta e chego à conclusão de que ele se referia, ou se dirigia à maçonaria francesa e ao povo francês.

Sim, porque o único país do mundo onde existe lobby maçônico e lobby gay é a França. Em relação à maçonaria eu não diria o único, já que Portugal também se destaca nessa área. Isso fica visível no fato de que estes são os únicos países onde a Maçonaria é objeto de cobertura jornalística sensacionalista. É indício de que a maçonaria incomoda o poder ou as classes dominantes. E, sintomaticamente, são países que têm um vínculo comum – o Rito Moderno Francês.

Nos outros países, a situação é diferente. Na área de influência do Rito Craft (inglês) e York reina a alienação e as lojas dedicam-se exclusivamente à beneficência. Nos Brasil onde existe uma organização semelhante à Maçonaria em que se pratica o Rito Escocês, o Rito Brasileiro, o Rito Adhoniramita, e o Rito de York, o Rito Schroeder e o Rito Moderno reina a alienação pura e simples, com alguma beneficência incipiente, principalmente no interior do País. Também no interior, a maioria das lojas é instrumentalizada em política partidária (resquício do espírito anterior a 1929, quando a Maçonaria deixou de existir no Brasil.)

Ora, entre nós ela já foi neutralizada, não por uma ação proposital e orquestrada da ICAR S.A., mas por lutas intestinas que a destruíram em 1927. Até então ela era uma força viva da sociedade, mas transformou-se em uma instituição voltada hoje para a educação de adultos. Ela não se manifesta em defesa de valor algum, não faz lobby em defesa de coisa alguma (exceto alguns irmãos que aproveitam para fazer lobby particular), e vem atraindo para seus quadros a fina flor da extrema direita.

Assim, levando-se em conta que somente na França e Portugal existe uma presença constante da Maçonaria na defesa dos valores da República, do secularismo e do direito das pessoas ao aborto, ao casamento gay e tantas outras lutas nas quais ela se envolve ativamente (independente de rito), o alvo da crítica do jesuíta Bergoglio tinha destino certo: a Maçonaria Francesa, a única capaz de fazer frente ao obscurantismo da ICAR.

Para compreensão dos leigos, cabe uma explicação.

As lojas maçônicas têm diferentes maneiras de organizar os trabalhos em suas reuniões. São cerimônias rigidamente organizadas que seguem roteiros chamados Ritos. Esses roteiros são conservados imutáveis, ou com pequenas modificações, desde a sua organização. Assim é que as maçonarias inglesa, irlandesa e escocesa adotam o rito chamado Craft; fora dali reina absoluto o rito Escocês Antigo e Aceito; além dele existem os ritos York ou Emulation, Francês tradicional e Francês Moderno, Adhoniramita, Schroeder e no Brasil, o Rito Brasileiro (uma variação nacional do Escocês). Os ritos são mais ou menos como personalidades. Teoricamente, a pessoa pode escolher no menu o rito que mais se ajusta às suas tendências. Na prática isso é muito complicado e as pessoas acabam indo para a loja em que foram aceitas e se frustrando, pois suas expectativas não se realizam.

A instituição que veio a se chamar Maçonaria surge em uma época conturbada. A Inglaterra do século XVII estava mergulhada em uma crise moral, religiosa e política. A religião e a política estavam mescladas na disputa pelo trono inglês. Cientistas da Royal Society e nobres criaram clubes de cavalheiros onde se refugiavam e discutiam política, religião com certa segurança. Valiam-se da prerrogativa de selecionar os membros e adotavam as práticas das antigas guildas de pedreiros ou maçons, daí o nome da instituição. Eles criaram os famosos Hellfire Clubs, que eram acusados de prática de orgias, cerimônias demoníacas e outras acusações, assim como atualmente a maçonaria é acusada por seus detratores de queimar crucifixos, cavalgar bodes, fazer pactos com o demônio. Estes clubes foram as primitivas lojas.

Em 1717, decidem unir-se e criar uma Grande Loja. Em 1722 contrataram um pastor anglicano que passava por dificuldades financeiras, já que tinha perdido tudo em um esquema de pirâmide – bolha especulativa (sim, já existiam…) chamada Cia dos Mares do Sul, o Pastor Anderson para escrever a Constituição na qual este introduziu o conceito revolucionário daqueles iluministas inventores da maçonaria com relação à religião: “Um Pedreiro é obrigado, pela sua condição, a obedecer à lei moral. E, se compreende corretamente a Arte, nunca será um ateu estúpido nem um libertino irreligioso. Mas, embora, nos tempos antigos, os pedreiros fossem obrigados, em cada país, a ser da religião desse país ou nação, qualquer que ela fosse, julga-se agora mais adequado obrigá-los apenas àquela religião na qual todos os homens concordam, deixando a cada um as suas convicções próprias: isto é, a serem homens bons e leais ou homens honrados e honestos, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que os possam distinguir. Por consequência, a Maçonaria converte-se no Centro de União e no meio de conciliar uma amizade verdadeira entre pessoas que poderiam permanecer sempre distanciadas.”

Essa declaração de liberdade do homem frente à divindade, porém, criou problemas junto aos Irlandeses e Escoceses que apoiavam um pretendente católico ao trono e onde a ICAR S.A. tinha fincado pé, diferentemente da Inglaterra que desde 1543 havia promovido um “Split” e operava a Igreja Anglicana S.A, cujo CEO era o rei ou rainha da Inglaterra e que apoiava um pretendente protestante ao trono inglês. Ou seja, era política misturada com religião, domínio econômico, teimosia…
Esse ponto religioso-político-ideológico levou a uma divisão no seio da nascente instituição. Os irlandeses e escoceses insistiam que era necessário introduzir nessa declaração de princípios a necessidade de o maçom crer em um ser sobrenatural, um criador, e não deixá-lo livre para adotar a crença que bem entendesse; exigiam também que se referisse ao livro sagrado, ou seja, à bíblia. A justificativa deles era que o modelo no qual se baseava a nova instituição – as guildas de pedreiros – exigia a crença em um ser supremo como requisito para ser membro dela. Esse grupo autonomeou-se Antigos, pois se baseavam na regra dos antigos pedreiros, e passaram a designar o grupo que adotara o preâmbulo original como os Modernos.

Posteriormente, em 1813, os dois grupos que eram comandados pelo Duque de Sussex dos Antigos e o Duque de Kent dos Modernos, príncipes reais e irmãos de sangue, chegaram a um acordo e corrigiram o problema, passando a exigir a crença em um ser supremo e a presença da bíblia nas lojas maçônicas.

Mas, os franceses eram puristas e chegaram à conclusão de que a maçonaria fora deturpada na Inglaterra e que o preâmbulo original devia ser restabelecido. Por esse motivo, houve uma espécie de cisão ideológica entre franceses e ingleses que determinou a criação de duas maçonarias: a inglesa alienada, e a francesa comprometida com a ação política e social. Organizou-se um Rito Francês que preconizava a definição original de 1717 em relação à crença do maçom. Dessa forma, os franceses do Grande Oriente de França desde 1801 trabalham segundo o Rito Frances Moderno onde não existe a invocação do gadu – o grande arquiteto do universo – e as outras obediências francesas trabalham sob o Rito Francês Tradicional que ainda faz aquela invocação.

A Maçonaria Francesa antes da Revolução Francesa era igual às outras. Depois de 1789, ela foi fecundada pelo espírito da Revolução com a divisa Liberdade, Igualdade e Fraternidade (existente na concepção original inglesa, mas nunca efetivamente desenvolvida) e pelo espírito da República. Trabalhou efetivamente para afastar a ICAR S.A. do Estado, conseguindo um país secular onde a ICAR não tem os mesmos privilégios que seu lobby consegue em outros países.

Daí a bronca do jesuíta com a França.

3 comentários em “O Lobby Maçônico

  1. Caro Ir.´, Filardo !

    Concordo, quando digo “lobby” é exatamente deste sentido, alienar os “reconhecidos” pelo comportamento dogmático, que com certeza interessa a ICAR e e também a outros grupos anti-maçônicos,

    Também infelizmente, além do pouco número, muitos IIr.´. do Rito Moderno (Francês), também estão alienados. Vejo isto em minha em em outras Lojas do RF de minha potencia.

    Questões complexas, somente um comentário…

    Forte abraço

    Nolli

    .

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  2. Prezado Ir.´. Filardo !

    Hoje mesmo estava trabalhando em um pequeno texto sobre regularidade e reconhecimento maçônico, e não pude deixar de pensar no Lobby Inglês da GLUI, Fiquei pensando sobre o que diria, o Cardeal Bergoglio, sobre isto ??.

    Infelizmente, se existe algum lobby na Maçonaria aparentemente é este famigerado “reconhecimento” da GLUI que parece ser diretamente encomendado pela ICAR.

    Concordo com vc quando diz que a Maçonaria Francesa no Brasil está totalmente alienada.

    Gostaria de sua opinião sobre isto..

    Abraço

    Alberto Nolli
    ARLS Jean Sibelius – GOP
    Or. .´. de Londrina

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    1. Caro brother Nolli,

      Não sei se a ação da GLUI se classificaria como lobby, na acepção técnica da palavras. Eu entendo a palavra como “influenciar” a opinião de alguém que tem o poder de decidir sobre um assunto do interesse do lobista.

      No caso da GLUI eles simplesmente abusam do poder que têm, ou da subserviência dos outros que consideram o reconhecimento como algo importante.

      Também não vejo como a ICAR S.A. possa levar vantagem com a ação da GLUI. É verdade que a GLUI influencia o comportamento dos “reconhecidos”, na medida em que suas exigências levam à adoção de ritos alienados, e nesse sentido talvez os “reconhecidos” deixem de atuar como maçons junto aos grupos decisores importantes.

      Quanto à Maçonaria Francesa, se você se refere aos maçons do rito moderno, vejo como grande problema o pequeno número deles, mais do que o posicionamento alienado.

      TAF
      Filardo

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