Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Napoleão I no Brasil

Tradução S. K. Jerez

Por J. A. Ferreira da Costa

Napoleão em Santa Helena

Tentativa de fuga do prisioneiro de Santa helena organizada entre os emigrados franceses nos Estados Unidos e os agentes da Revolução de Pernambuco (1817)

A rivalidade colonial entre França e Inglaterra; as lutas contínuas desses dois grandes povos pela preponderância política na Europa; os ressentimentos históricos recíprocos têm sido as principais causas da simpatia que a França tem demonstrado para com a América do Norte, em revolta contra sua metrópole do velho continente.

A corte de Luís XVI fez mais do que votos pela independência americana: parte da nobreza francesa, entusiasta da liberdade, cansada do descanso, ávida por aventuras distantes, entregou-se à libertação de uma nação que se julgava madura para a República.

Em 1778, a França interveio no Novo Mundo; em 1779, a Espanha e a Holanda seguiram seu exemplo generoso, e quatro anos depois, em 3 de setembro de 1783, as principais potências reconheciam por tratados a existência jurídica dos Estados Unidos da América do Norte.

As novas ideias começaram na República Helvética através dos escritos de J. J. Rousseau; emigraram para a América com os companheiros de Lafayette e de Rochambeau e voltaram para a França fortalecidas pelo prestígio da vitória.

Os cavalheiros franceses as espalharam por toda parte, com a história de suas façanhas. A oposição sistemática que encontraram na comitiva do Rei e nas classes privilegiadas da nação serviu apenas para recomendá-los ao povo. Louis XVI, que se prestou de boa vontade à emancipação dos americanos, viu-se diante das reivindicações lógicas e legítimas de seus próprios súditos. A liberdade tem esses contágios.

Não cabe a nós relembrar esta grande fase, tão sangrento quanto gloriosa, tão estranha quanto inevitável, tão terrível quanto fecunda. Nosso tema nos leva diretamente da Revolução a Bonaparte, seu filho e seu mestre.

Na epopeia napoleônica, quisemos, nos últimos tempos, diminuir o papel do herói principal. Escritores militares tentaram despojá-lo de seu halo de grande guerreiro. Outros historiadores acusam todo o país de se ter abandonado ao despotismo de alguém e partilham com ele da grandeza e das misérias do soldado armado a favor e contra a Revolução. Estamos longe de ter chegado a um apaziguamento no que se refere a Napoleão. Esta estranha figura vai fascinar a história por muito tempo. Haverá sempre documentos inéditos, memórias a serem publicadas sobre essa imensa personalidade. Jamais deixaremos de nos interessar por tudo o que é napoleônico. Parece que este homem tem segredos infinitos a desvendar, como a natureza. Esgotamo-nos estudando-o, sem esgotá-lo. Todas as críticas foram dirigidas contra ele; todas as avaliações foram feitas em uma infinidade de obras de grande significado histórico; e, no entanto, cada um busca ansiosamente a menor revelação capaz de lançar uma nova luz sobre a vida privada, sobre o papel político, sobre o gênio militar do Jacobino, do senhor da França, do conquistador da Europa.

Se juntássemos tudo o que se escreveu sobre o César moderno, desde as diatribes de Chateaubriant e Mme de Staël, às Memórias do General Durand, as mais recentes até o momento, haveria o suficiente para compor uma biblioteca das mais ricas e curiosas. Encontraríamos lá todas as opiniões políticas em jogo; toda sua admiração, todo ódio, todo preconceito; inúmeros detalhes sobre os menores atos e sobre as peculiaridades mais íntimas do grande homem; lendas populares de ingenuidade grandiosa; de poemas inspirados pelo gênio no gênio; apoteoses radiantes; difamação sistemática; os pesados ​​insultos das gazetas inglesas da época ao lado dos hinos triunfantes de M. Thiers. A bibliografia de Napoleão é uma massa colossal de informações para a posteridade.

O corso de cabelos lisos teve mais volumes escritos até do que matou homens. Talvez por isso seja tão difícil julgá-lo e reconstituir essa alma complexa. Nossos contemporâneos parecem não professar uma alta estima para o homem que encarnou um César. A pessoa de Napoleão I não parece ter crescido, apesar desse pedestal de livros feitos sobre ele. Esta não é uma injustiça popular, mas um simples erro de apreciação. Bonaparte certamente não era um Marco Aurélio. Se o imperador romano conhecia Epiteto, não nos esqueçamos de que o imperador francês, de sangue italiano, seguiu Maquiavel, e que o seu poder, resultante da revolução que esmagou, não poderia vir, logicamente, a pacífica aplicação das virtudes pregadas em um diálogo de Platão. É difícil interpretar um pastor após grandes papéis trágicos. As qualidades de pacato cidadão não podem ser exigidas de um soldado. Napoleão I não era Lucien, é claro; mas ele não foi indigno de seu irmão em certas passagens. Ele amava as pessoas tanto quanto o bem-humorado presidente do Conselho dos Quinhentos. Mas ele queria sua felicidade de outra maneira. Lucien acreditava nos direitos do homem e nos grandes princípios de 89; Bonaparte acreditava apenas em si mesmo e em sua estrela. Ele estava convencido de que uma democracia precisa de um mestre que a organize, a torne forte e respeitada. Ele prometeu, depois de ter cumprido esta primeira parte de seu programa, dar à França as instituições americanas. Sua ambição talvez nunca tenha sido exclusivamente pessoal. Ao lutar contra uma Europa unida, ele teve a convicção de destruir a velha monarquia e garantir novos destinos para seu país. A dinastia que tentou estabelecer era, de acordo com seus desígnios, assegurar a liberdade de todos, garantida pela forte autoridade de um só; preparar para a ascensão do elemento popular com base em uma tutela clarividente e enérgica. Essas ideias napoleônicas não devem mais ser defendidas; eles se tornaram artigos do credo bonapartista. O que queremos apenas notar é que nunca um soberano, nunca um manipulador de homens inspirou tanto apego, provocou tanto entusiasmo como o mágico da Revolução. Enquanto ele estava no poder e seu poder fez soberanos tremer, ele sempre teve, além dos comuns aduladores das majestades e cortesãos de altos cargos, uma comitiva de corações devotos, uma espécie de guarda íntima composta por seus fervorosos cultuadores. Quando o infortúnio se abateu sobre ele, ele foi capaz de julgar por si mesmo a profunda influência que havia exercido sobre certas almas selecionadas. No meio de ingratidões oficiais, abandonos covardes, deserções vergonhosas das quais ele foi uma triste testemunha, Napoleão poderia pelo menos ser consolado por ver que todos aqueles que permaneceram ligados a ele em face da adversidade estavam entre os melhores e consistiram em todos aqueles que manteve em alta estima, e que não tinham sido estragados com seus favores. Quanto aos outros, reincidentes, como Fouché e Talleyrand, que passaram da República ao Império e do Império para a Realeza, com uma desenvoltura vil e uma ausência desavergonhada de pudor, o grande exílio os estigmatizou como piadas e os contemplou com o esquecimento.

Durante os seis anos que durou a prisão em Santa Helena, a verdadeira dedicação não deixou de se manifestar um dia. Quantos reis estiveram no exílio naquele século! Agora, quem é que deu origem a tantos testemunhos enérgicos de lealdade infalível? O Imperador, acima de todas as suas glórias, teve a glória suprema de fazer-se amado até o sacrifício da vida. Sozinho, depois de cair, ele conheceu seguidores que tentaram devolver sua fortuna desafiando o destino. O fugitivo da Ilha de Elba viu homens decididos virem até ele, que tentaram o impossível para tirá-lo de sua provação de Santa Helena.

Bonaparte agiu na Europa como um devaneio. Reis e povos só foram convencidos da realidade pela evidência sangrenta das repetidas vitórias. Não tendo sido capazes de acreditar a princípio em sua ascensão prodigiosa, foi ainda mais difícil para eles se acostumarem com a ideia de sua súbita queda. Parecia impossível para a opinião pública que um homem daquela estatura e ousadia tivesse morrido para sempre. Rumores de fuga circulavam por toda parte. O rei Luís XVIII estava preocupado com isso, e o governo inglês redobrou sua vigilância em torno de seu prisioneiro. Napoleão foi capaz de perceber esses rumores e o terror que inspirava em seus inimigos pelo excesso de cautela que era tomado em relação a sua pessoa. Quanto mais se falava na França de “retorno”, mais os carcereiros britânicos tentavam tornar isso impossível. Numerosos planos de sequestro foram traçados, de fato, tanto na Europa quanto na América. A morte prematura de Napoleão tornou todos esses projetos estéreis e destruiu todas as esperanças.

É uma dessas empresas que nos propomos dar a conhecer a todos os interessados ​​na grande memória do mártir da Santa Aliança. Os arquivos do Brasil nos forneceram documentos inéditos sobre uma tentativa de fuga, concertada entre emigrantes franceses nos Estados Unidos e os agentes da revolução de Pernambuco, e cujo objetivo era conduzir o Imperador à América, na terra de liberdade para onde ele próprio pretendia fugir antes de embarcar no Belerofonte.

Tentaremos reconstruir fielmente, com base nessas informações diplomáticas, todo o plano para essa fuga.

I

Em 1808, Dom João VI, expulso pelos exércitos de Junot, deixou seu pequeno reino de Portugal e desembarcou no Rio de Janeiro. Uma vez em segurança na grande colônia portuguesa, o rei fugitivo decretou a abertura dos portos do Brasil a todas as nações amigas. Poucos anos depois, em dezembro de 1815, todo o Brasil foi elevado à categoria de reino e reconhecida a autoridade imediata da casa de Bragança.

As ideias da Revolução Francesa foram recebidas com entusiasmo no novo reino. A filosofia humanitária do século XVIII fez escola, e as lojas maçônicas, apesar das proibições rigorosas e frequentes excomunhões, assumiram a tarefa de divulgá-las por toda parte. Os conventos, que eram então para o Brasil os únicos centros de luz e as únicas fontes de educação nacional, haviam se tornado, ao mesmo tempo, o centro de todas as aspirações liberais. Pernambuco, o velho Mauriciado dos dias do domínio holandês, havia, no século 17, expulsado os conquistadores da Holanda; no século XVIII, resistiu ao governador-geral, lutando com as armas e expulsando-o à força. A capitania manteve desde então o seu espírito rebelde e um sentimento de independência.

Em 6 de março de 1817, uma nova revolta irrompeu em Recife, capital de Pernambuco. O governador foi forçado a capitular e embarcado em uma escuna revolucionária que carregava a bandeira da República, e o levou para o Rio de Janeiro de volta sob guarda.

O novo governo de Pernambuco organizou prontamente a administração interna.

Aboliu todos os privilégios, concedeu todas as liberdades e buscou no exterior apoio material e moral para o novo estado.

Antonio Gonçalves da Cruz, mais conhecido pelo apelido de Cabugá, foi escolhido como Embaixador da República de Pernambuco junto à República dos Estados Unidos da América do Norte. Partiu encarregado de obter o reconhecimento do novo estado pelo governo americano. Também tinha a missão de comprar suprimentos de guerra, recrutar oficiais e obter apoio para a jovem República sul-americana.

Cabugá encontrou muitas dificuldades. Foi recebido apenas em particular pelo Ministro das Relações Exteriores dos Estados Unidos. Mas teve mais sucesso na segunda parte de sua tarefa. Conseguiu despachar sem demora navios carregados de armas, munições e cidadãos que se alistaram a serviço da pequena República brasileira.

Foi então que os emigrados bonapartistas franceses, somando 11.000 refugiados nos Estados Unidos, e sempre dispostos a se sacrificar por seu imperador, pensaram em aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pelo transporte e pela boa vontade de Cabugá para fazer Napoleão escapar de Santa Helena.

De fato, Cabugá havia conseguido fazer o governo americano aprovar a nomeação do Sr. Ray para as funções de Cônsul dos Estados Unidos em Recife. Era um aparente reconhecimento oficial. Esse Ray, apoiador dos bonapartistas emigrados e amigo de Cabugá, deveria proteger todas as pessoas que iam para Pernambuco.

Os portugueses do Rio de Janeiro logo reagiram a essas ações. O ministro português em Washington, padre Serra, apressou-se em pedir ao governo americano que vigiasse Cabugá e o impedisse de tomar qualquer atitude. Chegou mesmo a solicitar que fosse impedido o embarque de homens e armas que saíam dos portos dos Estados Unidos para Pernambuco. O governo federal americano não atendeu suas reivindicações. O padre Serra só precisava assessorar seu governo na Ilha do Rio e o governador indicado por Pernambuco. Isso é o que ele se apressou em desfazer. O governo central do Rio, sem ação contra os Estados Unidos, tomou todas as medidas para desferir um golpe em casa, destruindo pelas armas a República de Pernambuco. Os embarques feitos por Cabugá ainda não haviam chegado à costa do Brasil quando a República do Recife já havia deixado de existir.

No decorrer desses eventos, no final de 1817, um navio americano, o Paragon, aproximou-se da costa do Rio Grande do Norte e desembarcou na Baía Formosa. Após ter vendido parte de sua carga de alcatrão e tendo obtido do comandante da fortaleza todas as facilidades para se abastecer, levantou âncora e foi arrendado para a Paraíba.

No entanto, alguns passageiros da Paragon desembarcaram no Rio Grande-do Norte. Entre eles estava o conde de Pontécoulant. Ele ofereceu-se como médico e botânico e deu a conhecer a sua intenção de dedicar-se ao estudo da flora brasileira. Graças a esses títulos de estudioso improvisado, o conde de Pontécoulant fez amizade com o secretário do governador da Província. Este último, José Ignácio Borges, até tentou mantê-lo próximo no gabinete da capitania do porto, oferecendo-lhe um excelente trabalho onde pudesse praticar suas ciências médicas. O conde de Pontécoulant recusou as ofertas e contentou-se em obter do novo amigo e protetor um passaporte válido que lhe permitisse viajar, sem ser incomodado, por toda a extensão do território brasileiro.

Munido desses papéis, o conde apressou-se em se juntar aos companheiros da Paraíba, que haviam continuado a viagem a bordo do Paragon. O governador da Paraíba nada tinha nada mais urgente do que colocar todos esses estrangeiros na prisão, para depois encaminhá-los para o Recife. O Governador-Geral do Recife, após examinar seus papéis, não encontrando nada comprometedor, os pôs em liberdade, porém recomendou ao Juiz Criminal (Ouvidor) e ao chefe de Polícia que não os perdesse de vista.

Esses bonapartistas, que queriam aproveitar a revolução pernambucana para realizar seu projeto em Santa Helena, chegaram ao Recife em plena restauração da velha ordem das coisas.

Além disso, sua chegada fora anunciada pela embaixada. O padre Corrêa Serra [1], ministro português em Washington, de quem falamos, havia informado ao governador de Pernambuco (despacho de 15 de dezembro de 1817) que um barbeiro pernambucano havia saído de Nova York a bordo de uma chalupa, com uma carga de armas e munições de guerra etc. Agora essa chalupa havia chegado à Baía dos Touros. Apressarem-se em jogar toda a tripulação na prisão e depois mandá-la para Recife, onde estavam centralizados todos os processos judiciais contra os promotores e cúmplices da insurreição derrotada. As autoridades de toda essa parte do litoral brasileiro tornaram-se excessivamente vigilantes. Por toda parte se falava da chegada de emissários estrangeiros que apoiariam a República de Pernambuco. Havia até se espalhado o boato de que um grupo desses emissários havia desembarcado em Ceará, o que era falso [2]. Todos estes receios explicam a severidade das autoridades portuguesas, mal recuperadas do medo recente.

Voltando aos nossos franceses, eles se chamavam: de Latapie, Artong, Roulet e de Pontécoulant.

Dois dias após sua libertação, Latapie solicitou uma audiência com o governador geral e contou-lhe toda a verdade sobre o propósito de sua viagem e os planos de seus amigos.

Atestou “que ele e os outros franceses estavam na Filadélfia quando a notícia da revolução de Pernambuco chegou aos Estados Unidos; que José Bonaparte, com quem mantinha relações, o incitara a vir a Pernambuco, para ver se a revolução era como se dizia e informá-lo; que José Bonaparte, de acordo com as recomendações que lhe fizera, procurava uma oportunidade para preparar uma pequena frota e fazer escapar o ex-imperador[3].

Latapie, Artong, Roulet e Pontécoulant alojaram-se em Recife com o cônsul americano Ray, que Cabugá guardara em seus segredos, como já dissemos. Mais tarde, Poutécoulant voltou ao Rio Grande do Norte com Roulet, para ali exercer a medicina.

Após essa categórica declaração de Latapie, o governador da capitania de Pernambuco, General L. do Rego, apressou-se em comunicar todo o caso ao seu governo no Rio de Janeiro. Para tanto, delegou a Latapie e Artong a tarefa, e estes disseram ter podido informar o governo sobre tudo o que se passava nos Estados Unidos.

Latapie era um coronel de infantaria do exército francês.

Mas deixemos o Sr. de Latapie cumprir sua missão e retomemos o curso de nossa história.

Vimos que a tripulação de uma chalupa tinha chegado na Baía dos Touros e tinha sido jogada na prisão. Entre os homens deste navio havia um negro da América do Norte. Ele teve que comparecer perante os juízes, após a saída de Latapie e Artong para Rio de Janeiro. Questionado, declara: havia ouvido de um marinheiro que uma fragata americana tinha partido da América do Norte para o Brasil, a fim de tomar satisfações por um insulto feito à bandeira americana em Fayal e juntar-se mais tarde os revolucionários de Pernambuco. Este negro acrescentou: “que, nesta ocasião, tínhamos falado a bordo das simpatias do cônsul americano em Pernambuco, Joseph Ray, a favor dos agitadores do Brasil e de seus ressentimentos contra o governador geral, L. do Rego Barreto, que era acusado de prejudicar o comércio e os interesses dos Estados Unidos. Outro tinha ainda afirmado em determinada ocasião que este mesmo Ray considerava a independência do Brasil muito fácil, uma vez que o governo do Rio de Janeiro seria reduzido à impotência pela intervenção armada dos Estados Unidos e a neutralidade absoluta da Inglaterra. “

Sobre essa grave declaração, o Desembargador da Alçada, Bernardo Teixeira, pediu ao governador de Pernambuco que prendesse os dois franceses, Roulet e Poutecoulaut. Este último, que então se encontrava, como já dissemos, no Rio Grande do Norte, recebeu a alta proteção de seu amigo, o governador Ignácio Borges. Este o manteve na capitania e colocou todos os tipos de obstáculos à saída das testemunhas necessárias para o julgamento em Recife. O presidente da Alçada de Recife denunciou ao governo do Rio o governador do Rio Grande do Norte, e solicitou sua mudança de residência, como culpado de proteger pessoas suspeitas.

As coisas estavam ficando complicadas. Nessa época, de fato, chegava às margens da Baía da Traição, na Paraíba, um barco com sete marinheiros, que diziam pertencer ao barco Le Pingouin. Este vaso de guerra, em uma viagem de Nova York por Gibraltar teria afundado nas proximidades do Brasil, e estes sete homens eram considerados os únicos sobreviventes do naufrágio. Disseram que, quando saíram de Nova York, havia muitos rumores sobre a fuga de Napoleão I.

Os sete marinheiros foram mantidos na prisão. Após investigação, o governador Paraíba pode assegurar que a história dos náufragos era absolutamente falsa, que o seu desembarque foi premeditado, e o Pingouin continuará belo e formoso sua rota para a Bahia de Todos os Santos, com um carregamento de munições de guerra. O Pingouin era nada mais do que um barco corsário armado pelo comissário da República de Pernambuco, em Washington, o famoso Cabugá[4].

Com a força de todas essas evidências, o presidente da Alçada do Recife continuou a repressão. Solicitou ao governador-geral a prisão de um certo Flemming Holdt, dinamarquês de nascimento e secretário do cônsul Ray. Pediu a mesma medida contra o próprio Ray. O governador, temendo complicações internacionais, apenas lhe concedeu o direito de fazer buscas nas casas dos dois acusados. Onde encontraram escondidos três indivíduos seriamente comprometidos na recente revolta de Pernambuco [5]. O livro da correspondência oficial do cônsul foi apreendido.

Em seu interrogatório, Georges Flemming Holdt disse que serviu sob as bandeiras francesas, e que esteve na batalha de Toulouse, no Languedoc, onde conheceu o brasileiro Antonio Carlos R. de Andrada – o mesmo que mais tarde ficou famoso como um dos promotores da independência brasileira. Flemming Holdt declarou, além disso, que havia sido feito prisioneiro em Bayonne, e que havia deixado o serviço da França em 1814, para se alistar na marinha norte-americana; que, enfim, naquele mesmo ano, havia embarcado para Bahia de Todos os Santos, e, depois, para Pernambuco, onde conheceu Joseph Ray, ao qual havia se juntado na qualidade de secretário. Foi assim que entrou em contato com Latapie e com vários revolucionários pernambucanos. Afirma haver entendido em um jantar Latapie dizer que “os imigrantes franceses nos Estados Unidos, em torno de dez mil, estavam todos prontos para ir resgatar Napoleão Bonaparte de Santa Helena, e que já haviam sido arrecadados, para esse fim, mais de um milhão de dólares. Dois homens devotados, residentes em Santa Helena, em segredo se ofereceram para facilitar seu desembarque na ilha. O plano de fuga havia sido submetido ao comandante Decatur, o oficial mais graduado da Marinha Federal. “Este último declarou que havia duas chances em três de sucesso do plano. Foi então que a notícia da revolução pernambucana chegou aos Estados Unidos. A partir daquele momento, deixaram de se entender com o governo revolucionário de Pernambuco e de contar com ele para cumprir com mais facilidade a tarefa de libertar o imperador.”

Essa foi a história que o dinamarquês G. Flemming Holdt contou ao governador. É muito precisa para que não haja nela muita verdade.  [6]

I

O secretário do agente consular dos Estados Unidos em Pernambuco, o dinamarquês G. Flemming Holdt, tinha realmente se interessado pela causa dos franceses, preocupados com as autoridades portuguesas no Brasil. Como seu chefe, Ray, ele dedicou todas as suas atividades e colocou todas as suas influências em ação para aliviar o destino dos infelizes prisioneiros e garantir sua libertação.

Antes de partir para o Rio de Janeiro, o Coronel Latapie havia feito uma lista das pessoas comprometidas com a rebelião e pelas quais tinha algum interesse. Havia confiado essa lista ao cônsul Ray, implorando-lhe que fizesse os conspiradores mais comprometidos fugir para os Estados Unidos. Foram estes últimos que foram encontrados escondidos na casa do Cônsul.

Latapie recomendara especialmente à benevolência de Ray seu compatriota e amigo Roulet, que a polícia de Pernambuco havia recapturado. Ray certificou-se da dedicação de dois soldados que montavam guarda na fortaleza, e, por meio deles, passou dinheiro, provisões e instruções ao detido.

Flemming Holdt, em seu interrogatório, evitou incriminar seu chefe. Disse não saber se Ray se correspondia com Cabugá e com os demais emigrantes pernambucanos nos Estados Unidos; que ele só o tinha ouvido dizer a Roulet que tinha adquirido altas proteções. Supôs que Roulet estava se referindo ao apoio do cônsul francês, ou de Latapie, ou dos maçons.

O depoimento feito pelo próprio Roulet perante seus juízes é mais explícito e lança alguma luz sobre esse misterioso caso. De acordo com seus próprios depoimentos, Roulet pertencia a uma família de origem nobre, mas de pequena fortuna. Havia servido nos exércitos de Napoleão. Após a queda do Império, refugiou-se na Bélgica. O gosto pela aventura e o apetite pelas riquezas logo determinaram seu embarque para a América do Norte. Foi lá que conheceu o Coronel Latapie, que não teve dificuldade em alistá-lo em sua dupla expedição, planejada primeiro para o Brasil e depois para Santa Helena.

Vamos passar a palavra ao arguido. Em carta escrita por Roulet ao governador-geral de Pernambuco, encontramos as seguintes preciosas confidências:

“Foi nos Estados Unidos que me liguei ao senhor de Latapie. O resto é conhecido por você. O senhor de Latapie disse isso a você com a franqueza de um soldado que não conhece outro guia além da honra.

Além disso, do que estamos sendo acusados? Por ter embarcado para este país quando ouvimos a notícia da revolução de Pernambuco. Mas se apenas a intenção dos homens fosse punida como crime, muito poucos seriam dignos de viver.

Soubemos, enquanto navegávamos ao longo de suas costas, que a causa que nos determinou a vir aqui estava irremediavelmente perdida. Poderíamos ter voltado. Mas, seguros de nossas generosas intenções e confiando em sua boa-fé, desembarcamos em sua terra, legalmente, com lealdade, de acordo com as leis e costumes usados em tais casos entre as nações civilizadas.

Minha intenção era ver o país e usar os pequenos resquícios de uma educação bem aplicada, para conseguir um emprego em uma casa de comércio, até que eu possa ser devolvido à minha verdadeira pátria.”

Apesar desses nobres protestos, a condição do prisioneiro não melhorou. Ao contrário, os aborrecimentos de um governo inquisitorial tornavam tudo mais duro e mais difícil. Na ausência de Cabugá, o mais certo era ir atrás de um homem que bem poderia ser um de seus emissários.

Foi então que o cônsul americano Ray interveio, e tentou aliviar a dolorosa situação de Roulet, usando, como intermediários, os dois soldados da fortaleza, de quem falamos anteriormente.

Foi um raio de esperança para o prisioneiro. Então ele se apressou em escrever para seu protetor:

“Agora meu desânimo se foi. Não me encontro mais completamente separado do mundo dos vivos. Volto à minha energia para repelir, até a última mancha, as agressões do despotismo; para desatar suas correntes e masmorras e forçá-lo a ouvir a voz de um homem, nascido livre, que nunca se degradará diante daqueles a quem tem tantos motivos para desprezar. Se eu for mantido em local secreto, transferido para um hospital ou se a morte se apossar de mim, você saberá imediatamente por essas pessoas boas que nos servem.

Não se arrependa; não estou muito infeliz, pois tenho bons amigos como você. Se é doloroso para mim deixá-los, mesmo assim sinto um consolo em pensar que não estou totalmente morto para eles. “

Por essas linhas inspiradas no coração francês e em um reconhecimento profundamente humano, Ray lê esta resposta:

Lamento que dificilmente esteja em meu poder mudar sua desagradável situação. Todos os meios, ditados pela prudência foram tentados para trazê-lo de volta ao que mais amamos no mundo, a liberdade! Apoie-se na coragem. Você é um soldado; seja também um filósofo.

É-me impossível saber ou mesmo conjeturar todas as razões pelas quais estás detido.

“Quaisquer que sejam suas intenções de vir para o Brasil, você não cometeu nenhum ato hostil contra o governo. Por esta razão, e sob as leis de todas as nações civilizadas, você não tem nada a temer.

Estou bem-informado. O governador declara que você não é prisioneiro dele. Você sabe, sem dúvida, que cinco ministros (juízes) chegaram do Rio de Janeiro, com plenos poderes para examinar as pessoas envolvidas na revolução. Creio que você foi levado para a prisão por ordem deles. Portanto, imploro-lhe que tenha coragem e espero que sua prisão não dure muito.

É impossível ser mais devotado ao infortúnio e mais sincero partidário da justiça. Não desejamos relatar aqui toda a correspondência trocada ao longo de muitos meses entre Roulet e o cônsul Ray. Veríamos por toda a parte, entre representantes da América livre, uma atenção constante para com os oprimidos e um desejo secreto de ver realizadas as ideias republicanas de Cabugá e as tentativas de fuga do prisioneiro de Santa Helena.

Citemos apenas uma última carta deste Flemming Holdt, que não teve coragem do começo ao fim e que, para se salvar, fracassou novamente:

“É impossível para mim, meu caro Roulet, dizer o quanto sua situação me incomoda e me interessa.” Mas, sendo obrigado, pelas circunstâncias, a tomar eu mesmo medidas cautelares contra certos ataques à minha própria liberdade, exorto-o a dirigir-se diretamente ao Sr. R. (Ray), que não tem nada a temer pessoalmente.

Diga se você precisa de dinheiro ou se podemos enviar-lhe comida.”

O próprio Ray jamais vacilou diante do perigo. Não queria abandonar os franceses e os outros revolucionários – e assim, assumiu a defesa. O governador de Pernambuco, L. do Rego Barreto, e o presidente da Alçada não cessaram de incriminar sua conduta junto ao governo central do Rio, para que este mandasse sua imediata revogação. Ray resistiu, apesar de todos os esquemas de seus inimigos, e foi devido à sua habilidade, à sua firme resistência, que os prisioneiros tiveram que ser libertados no final.

Não há dúvida de que sua enérgica conduta pesou muito nas determinações dos governos de Pernambuco e do Rio e precipitou o desfecho do julgamento.

Com efeito, o secretário da Alçada de Pernambuco, sem dúvida para evitar graves responsabilidades, invocou a incompetência do seu foro local e reivindicou a jurisdição da Polícia do Estado [7].

O intendente da polícia do Rio de Janeiro foi finalmente consultado e tomou o caso em suas mãos. A seu pedido, o governo brasileiro prontamente resolveu “devolver os emigrados franceses à Europa e entregá-los na fronteira do Reino de Portugal”. Isso foi feito com a rapidez adequada.

Assim, o plano de fuga combinado por José Bonaparte falhou.

Se examinarmos com atenção a conduta das autoridades brasileiras em relação aos franceses desembarcados em Pernambuco e em outros lugares, é impossível explicá-la senão por considerações políticas de ordem superior.

Como Ray afirmou com simulada ingenuidade, a detenção dos franceses por suposta participação na revolução pernambucana era apenas um pretexto fútil. Era bem sabido na esfera governamental que nem Roulet, nem Latapie, nem Pontécoulant, nem Hartong tinham vindo ao Brasil para agitá-lo e convertê-lo à república.

Por que então eles foram presos? Só porque foram acusados de serem os principais agentes da conspiração em Santa Helena.

O governo do Rio abominava o invasor de Portugal; valorizava a amizade da França e da Inglaterra, unidas contra o imperador proscrito; é por isso que se empenhou tanto para evitar que os projetos bonapartistas tivessem sucesso.

Além disso, foi informado da gravidade da trama, não só por seu agente diplomático em Washington, mas também, provavelmente, pelos representantes da França e da Inglaterra.

II

Resta-nos dar a conhecer dois documentos de grande importância. Eles mostram que as duas nações mais interessadas no exílio de Bonaparte estavam perfeitamente instruídas sobre os planos de remover o prisioneiro de Santa Helena.

O primeiro desses documentos é uma nota dirigida a Lord Castlereagh para o Sr. Ragot, agente diplomático britânico nos Estados Unidos. O Sr. Ragot confiava plenamente nas medidas tomadas por seu governo para vigiar Napoleão e não atribuía grande importância às notícias que lhe eram transmitidas sobre o assunto por seu colega, o encarregado de negócios da Restauração. Aqui está, de fato, o que ele escreveu a Lord Castlereagh em 6 de outubro de 1817, de Washington [8]:

“Não devo deixar de trazer ao conhecimento de Vossa Senhoria algumas informações que recebi do sr. de Neuville sobre outro assunto; se esta informação estiver correta, pode ser considerada como de considerável importância …

O sr. de Neuville me informa que duas pessoas, chamadas Rousseau e Archanibaud, (este último é um servidor de condição inferior), deixaram a Ilha de Santa Helena com o sr. Santini. Ele disse que esses dois indivíduos partiram para Bruxelas com Santini e que, de lá, foram para a Filadélfia. Rousseau teria passado uma quinzena com José Bonaparte; então, ele iria para Long-Island, onde mora, desde então, com Cobbett[9], que, como Vossa Senhoria provavelmente sabe, se estabeleceu aqui desde sua fuga da Inglaterra.

O sr. de Neuville me garante que sabe que Cobbett é um dos principais agentes do plano orquestrado para a fuga de Bonaparte de Santa Helena, e que é por meio dele que nos comunicamos com todos os ingleses engajados no complô.

Ele diz que Lord Cochrane e Sir Robert Wilson estão ambos metidos até ao pescoço neste caso; que uma correspondência foi estabelecida sobre este assunto entre várias pessoas da França; que esta correspondência passa pelas mãos de uma parente de Sir Robert Wilson que vive em Bruxelas; que ele até pensa que essa senhora é irmã de Sir R. Wilson. Diz ainda que a planejada viagem de Lorde Cochrane à América do Sul [10] tem a ver com esse caso, e que deve haver uma assembleia geral de todos os agentes da conspiração na ilha de Fernando de Noronha, pequena ilha do litoral pernambucano, da qual os portugueses fizeram um lugar de degredo para seus criminosos.

Vossa Senhoria tem os melhores meios de informação para avaliar até que ponto essas notícias são bem fundamentadas. Aqui não tenho como controlá-las.

O Sr. de Neuville fala disso com grande segurança, mas pode estar equivocado, ainda mais que sei que tem a cabeça está um pouco excitada [11]. No entanto, julguei ser meu dever levar esta informação confidencial ao conhecimento de Vossa Senhoria.”

Por seu turno, o Governo francês recebeu informações muito detalhadas, que confirmaram, embora acentuando ainda mais, as advertências que o sr. de Neuville julgou necessário dirigir ao seu colega em Washington. Transcrevemos, na íntegra, este documento, cuja seriedade não escapará a ninguém, e que é como a autêntica justificativa oficial até, de tudo o que relatamos até agora nesta trama singular. Se encontra nos arquivos de Quai d’Orsay.

O Relatório que vamos citar é de 29 de julho de 1817, ou seja, poucos dias depois da partida de Pontécoulant e seus companheiros para o Brasil.

Temos a certeza de que José Bonaparte está ocupado, há vários meses, com o projeto de sequestro de seu irmão na Ilha de Santa Helena. Um certo General Raoul deve ser o líder da expedição.

Desnouettes está encarregado de comprar uma escuna de trezentas toneladas, munida de doze canhões e com um forno para fundir as balas.

Os irmãos Lallemand devem recrutar oficiais e homens.

Os oficiais viajarão da Filadélfia, Nova York e Baltimore, para depois se encontrarem em Annapolis, onde Galabori, ex-coronel do 90º regimento de linha, e Adolphe Pontécoulant, sobrinho de Grouchy, já estão localizados.

O coronel Latapie já partiu com trinta e dois homens para Pernambuco. O ponto de encontro desta expedição é a ilha de Fernando de Noronha, localizada a setenta léguas do Brasil.

Devem ser reunidos os oficiais franceses de Bonaparte, totalizando cerca de oitenta, setecentos oficiais americanos, duas escunas e um navio armado por Lorde Cochrane e tendo a bordo oitocentos marinheiros e duzentos ou trezentos oficiais.

Essas forças reunidas devem marchar sobre santa Helena, atacar o navio inglês em cruzeiro, queimá-lo e depois fazer três ataques: um na capital; o outro em Sand Bay e o terceiro em Prosperown Bay (?).

A primeira é apenas uma finta, cujo objetivo será atrair as tropas inglesas; a maior parte das forças da expedição marchará para o ponto designado e, de lá, será direcionada para o forte que ocupa o centro da Ilha.

O restante, que compõe o terceiro corpo de operações, será encaminhado para a casa de Bonaparte, para retirá-lo, colocá-lo a bordo do menor veleiro que espera na baía de Prosperown, que o desembarcará nos Estados Unidos.

A irmã de Sir Robert Wilson, que estava em Bruxelas na mesma época que Lord Cochrane, deve ter falado sobre o projeto ao Coronel Jeanet, sobrinho do general com esse nome, e que chegou à Filadélfia há pouco tempo.

Todos esses arranjos foram elaborados de acordo com um mapa da ilha trazido a José por Rousseau, criado de Napoleão, e ao qual estão afixadas as seguintes duas assinaturas: Bonaparte Napoleón. Os envolvidos não duvidam do sucesso desse plano, e o próprio Bonaparte, ao entregá-lo a Rousseau, designou os generais com os quais contava.

O general Braver, que está em Buenos Aires, prometeu enviar os oficiais sob suas ordens ao encontro.

Uma escuna ligeira, armada com 4 canhões de 12 e de 12 a 16 canhões pequenos, com 300 tiros por canhão, prepara-se para sair da Filadélfia rumo a Santa Helena, a fim de observar a posição do cruzeiro e das forças ingleses e vir à frente da expedição para relatar a situação do inimigo. Esta escuna é enviada por Stephan Gérard[12]; seus canhões estão no fundo do porão.

Grouchy e Clausel transmitem as ordens de José para os outros, os oficiais. Rousseau e Archambaud, lacaio de Bonaparte, recém-chegados aos Estados Unidos, carregavam cartas para José, Clausel, Grouchy, Desnouettes e os irmãos Lallemand. Eles ficam por dentro de tudo o que está acontecendo em Santa Helena. Os habitantes da ilha gostam muito de Bonaparte. Esses dois enviados conhecem a ilha muito bem; estiveram por lá e os visitaram várias vezes.

Handrechi, corso de nascença, é o responsável pela polícia de José; foi ele quem despachou o sr. Astolphi para o brigue americano “General Jackson”, que zarpou em 4 de junho para Livorno. Era o portador de dois pacotes: um para a arquiduquesa Marie-Louise e outro para Lucien Bonaparte. Piawtowski foi, além disso, portador das cartas de Bonaparte para Cambacérès, Fouché, Carnot, Merlin de Douay.

“Santini foi portador de outras cartas dirigidas aos mesmos personagens e das ordens da Legião de Honra, da Coroa do I, placas e duas mechas de cabelo para a arquiduquesa Marie-Louise e seu filho.

Poli, ex-comandante do forte de Gavi, perto de Gênova, um ex-coronel de caçadores e outro coronel da infantaria leve são os responsáveis ​​pelo sequestro do filho de Bonaparte e sua entrega a Lucien, que deve conduzi-lo à América.

Alega-se que José já deu a Cobbett somas consideráveis ​​para escrever contra a Inglaterra. Ele prometeu outros textos ainda mais fortes. A Cobbett está estabelecida na Jamaica, na Isle-Longue, onde Rousseau, Archambaud e muitos oficiais franceses estão localizados.

Os filhos de Cobbett se encarregam de enviar a correspondência de José aos oficiais.

A escuna armada na Filadélfia deve levar um general a bordo.

O engajamento dos marinheiros tem como pretexto colocar os espanhóis para correr.

As outras duas escunas estão compradas e armadas: uma em Baltimore; a outra, em Annapolis. Existem 74 quartos; já existem 70 policiais em Baltimore. Cada um recebeu de José 100 dólares.

Todos os detalhes do negócio, que acabamos de listar, são notavelmente precisos. O gênio de Napoleão não deve ter permanecido alheio à combinação desse ousado plano.

Se não houvesse indiscrições, quem sabe o que teria acontecido nos Estados Unidos e na França? Talvez Napoleão sonhasse em finalmente derrubar a Inglaterra com esse novo aliado da América do Norte e recolocar seus filhos no trono que ele não poderia mais ocupar.

O governo português, sufocando a República de Pernambuco e prendendo os emissários de José Bonaparte, contribuiu amplamente para evitar esse perigo.


Publicado em: REVUE DU MONDE LATIN Cf.  J. A. Ferreira da Costa Napoléon Ier au Brésil.  Revue  du Monde  Latin. fevereiro e março de 1886, p. 205-216 e 339-349. Bureau de la Revue du Monde Latin.1896


Notas

[1] Despacho do General Luiz do Rego Barreto, Governador de Pernambuco, ao Rei e Ministro Villa-Nova Portugal, 3 de outubro de 1817.

[2] Despacho do secretário da comissão criminal (Alçada), o Desembargador, Jean Osorio, de 2 de março de 1818.

[3] Despacho Luiz do Rego Barreto, de 3 de outubro de 1817,

[4] Despacho de 1 de março de 1818, de Bernardo Teixeira ao Ministro Villa-Nova Portugal.

[5] (2) Despacho de 1 de Março de 1818, de L. do Rego Barreto.

[6] Ver a edição de fevereiro 1886.

[7] (1) Despacho do Desembargador Osório, de 2 de março de 1818.

[8] Castlereagh: Despatch, correspondance , etc., Londres, 1853. – Terceira série, vol. III , páginas 380-381. – Despatch of Mr. Charles Ragot to Lord Castlereagh .

[9] Este é o grande agitador inglês que escreveu o Weekly Register com brilho incomparável.

[10] Lord Cochrane foi, de fato, servir o Chile. Mais tarde, em 1823, ele presta serviços ao Brasil, onde recebe o grau de primeiro almirante do Império e o título de marquês de Maranhão. Talvez tivesse realmente participado do complô para a fuga de Bonaparte, e o abandonou com sua desenvoltura habitual.

[11] Estas palavras estão em francês no original inglês.

[12] Comerciante americano muito rico, cuja filha veio a se casar com um dos generais do Império a emigrar para os Estados Unidos.  


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