Tradução J. Filardo
Por Darmon Richter
Publicado em The Bohemian Blog
No dia 25 de novembro de 2016, Fidel Alejandro Castro Ruz faleceu aos 90 anos. A notícia foi recebida com uma resposta apaixonadamente dividida; com comentários variando de “Já vai tarde” passando por todas as expressões até “tristeza profunda“.
Este artigo não se preocupa em acrescentar mais uma voz aos dois lados do debate, mas basta dizer que Fidel Castro – gostando dele ou o detestando – era pelo menos um homem verdadeiramente notável. Quando ele deixou a presidência em 2006, Castro se classificou como o líder de maior mandato do mundo, fora os reis e credita-se a ele o discurso político mais longo jamais registrado, com 7 horas e 10 minutos de duração; ele alegava ter sobrevivido a 634 tentativas de assassinato, em grande parte creditadas à CIA; e antes disso, ele havia derrubado com sucesso o regime cubano anterior, depois de chegar à ilha com uma força de apenas 82 homens (em 1961, os EUA tentaram algo semelhante com uma força de 1.400 paramilitares. Eles falharam).
Por bem ou por mal, Castro era único – uma figura absolutamente única na história do século XX – e de todas as histórias curiosas e coloridas sobre esse homem, não menos importante, é a teoria que liga o líder comunista de Cuba aos Maçons.
FOICE, MARTELO, ESQUADRO & COMPASSO
A primeira coisa que você deve saber é que a Maçonaria é muita coisa em Cuba.
Eu estava em um ônibus quando comecei a notar, em algum lugar na estrada entre Aguada de Pasajeros e Santa Clara. Era um dia quente e empoeirado, e enquanto o veículo antigo avançava, eu olhava pela janela – observando uma paisagem ondulante de gramados amarelados, bosques de palmeiras, prédios inacabados e, ocasionalmente, um monumento que levava a bandeira à revolução. Passamos por uma cidadezinha, com suas ruas largas alinhadas ao habitual coquetel de concreto da era soviética e arquitetura colonial espanhola colorida e em ruínas. De repente, meus olhos pousaram em um prédio que se destacava do resto; uma explosão de turquesa, vermelho e dourado, mais elaborada do que qualquer outra coisa na rua. Enquanto o ônibus passava, notei o emblema esculpido em traços fortes acima da porta da frente … um esquadro e um compasso, emoldurados por uma gloriosa explosão de estrela dourada.
O sinal imediatamente distinguia isso como uma loja maçônica; o que era estranho, pensei, pois geralmente esses lugares fazem pouco para anunciar sua presença. Na Europa Ocidental, as lojas dos maçons tendem a ser mais conservadoras. Elas são edifícios grandiosos, com muita frequência, mas discretos o suficiente para que sua função não se torne aparente até que se esteja suficientemente próximo para distinguir seus símbolos, placas e esculturas. Essa loja cubana – ou ‘logia’ – por outro lado, era a coisa mais vistosa e colorida da cidade.
Foi nesse momento que me lembrei que estava viajando por um estado comunista, e meu cérebro deu uma cambalhota … porque, até onde eu sabia, a Maçonaria tinha sido banida por praticamente todos os partidos comunistas do século XX.
Por exemplo: a Grande Loja da Iugoslávia foi “adormecida” durante o período entre 1940 e 1990. Na Bulgária, a Maçonaria foi banida pela “Lei para a Defesa da Nação” de 1940, e sob a subsequente República Popular da Bulgária, maçons ativos e até mesmo antigos maçons foram frequentemente condenados à morte como “agentes de serviços de inteligência estrangeiros“.
A Maçonaria foi completamente banida na União Soviética também; e embora alguns dos principais revolucionários comunistas eram membros de lojas maçônicas, eles viriam mais tarde denunciar o Craft depois de tomar o poder na Rússia. Em sua autobiografia Minha vida, Leon Trotsky escreve: “Eu interrompi meu trabalho na maçonaria para assumir o estudo da economia marxista. O trabalho na maçonaria funcionou como um teste para essas hipóteses. Eu penso que isso influenciou todo o curso do meu desenvolvimento intelectual posterior.”
O consenso parece ser que um sistema de segredos e hierarquias secretas era incompatível com o novo modo de sociedade igualitária e marxista. Olhando pela janela daquele ônibus úmido e barulhento, parecia que Cuba discordava.
Aquele carnaval à beira da estrada de uma loja não era exceção à regra, como eu descobriria durante todo o resto da minha estada em Cuba. Agora que meus olhos estavam abertos, comecei a notá-las em todos os lugares: até mesmo colecionando-as. Eu localizei a ‘Logia Luz del Sur’ e a ‘Logia Aurora del Bien’ em Trinidad, na costa sul de Cuba; a ‘Logia José Jacinto Milanés’ em Matanzas, a ‘Logia Hermanos da Guarda’ em Cifuentes e a ‘Logia Asilo da Virtude’ em Cienfuegos.
Elas dominavam as praças da cidade, explodiam em formações coloridas de pilares e fachadas de gesso em ruas de outra forma simples. Longe de banir a Maçonaria, Cuba parecia celebrá-la; então eu decidi fazer algumas pesquisas e descobrir o porquê.
LUZ DEL SUR: UM BREVE HISTÓRICO DA MAÇONARIA EM CUBA
Cuba é o lar de uma florescente comunidade maçônica. Em 2010, foi relatado que a ilha tinha 316 lojas maçônicas e mais de 29.000 membros ativos. De acordo com Christopher Hodapp, autor de Maçonaria Para idiotas, a Maçonaria apareceu pela primeira vez em Cuba em 1763, viajando por meio de lojas militares inglesas e irlandesas. Os números aumentaram ainda mais com o influxo de maçons franceses fugindo da Revolução Haitiana de 1791.
A primeira parte desta história nada tem de peculiar: as antigas colônias do Caribe há muito tempo têm sido foco de atividade maçônica, como já observei em um artigo para Atlas Obscura. Mas a Grande Loja de Cuba, reconhecida como regular e correta pela maioria das lojas tradicionais ao redor do mundo, é notável por continuar a prosperar sob uma ditadura marxista-leninista. Uma das explicações populares oferecidas para esse quebra-cabeça indica que o próprio Castro era maçom.
Quando os revolucionários desembarcaram em Cuba em 1956 – os irmãos Castro, Che Guevara e os demais, todos os 82 deles espremidos em um iate de 12 camas chamado Granma – a ilha estava sob o domínio tirânico de Fulgencio Batista. A história conta que Fidel e seu irmão foram escondidos das forças de Batista por uma pequena loja maçônica na Sierra Maestra. Foi a partir desta loja que Castro lançou as bases para o seu Movimento 26 de julho, que em 1959 acabaria por levar a uma revolução socialista em Cuba.
Alguns dizem que o próprio Fidel Castro foi iniciado como maçom naquela época. Outras histórias sugerem que foi somente Raúl Castro quem ingressou, ou alguns dos outros combatentes revolucionários. De qualquer maneira, a gentileza e o apoio supostamente dados a Castro durante esses anos por uma comunidade maçônica remota ofereceram uma teoria popular para a tolerância que o regime de Fidel mostraria mais tarde em relação aos praticantes da Maçonaria cubana.
Certamente esta é uma boa história, embora talvez a verdade seja mais simples; afinal, Cuba já tinha uma grande dívida com seus Maçons. Durante a luta da ilha pela independência da Espanha, de 1868 a 1895, muitos dos principais revolucionários de Cuba eram orgulhosos maçons – incluindo Carlos Manuel de Céspedes, Antonia Maceo e também o poeta, jornalista e filósofo revolucionário José Marti. Teria sido extremamente difícil para o regime comunista separar a memória dos heróis nacionais de Cuba das ideias que eles abertamente celebraram. Talvez eles decidissem que era melhor controlar a Maçonaria do que combatê-la.
O número de membros aumentou após a queda da União Soviética, e o governo de Fidel relaxou ainda mais as restrições sobre o Craft: abrindo novas lojas, e até mesmo permitindo que os Maçons participassem de cerimônias públicas vestidos com todos os paramentos. No entanto, as regras que governam a Maçonaria cubana ainda são uma massa confusa de contradições. “A publicação de livros maçônicos e até mesmo panfletos é severamente restrita”, escreve Christopher Hodapp; no entanto, eles parecem operar suas próprias lojas com muita pouca intervenção, e até mesmo “acolhem dissidentes como membros”.
Mais de um terço dos maçons de Cuba estão baseados em Havana, onde o impressionante edifício da Grande Loja domina todo um quarteirão da cidade com sua fachada de gesso pintada com símbolos esotéricos. Este é o núcleo da Maçonaria cubana, sua face pública, seu arquivo, o centro nervoso de onde todas as 316 lojas cubanas são regulamentadas; e depois da minha semana viajando pelas cidades do sul, esperava dar uma passadinha e visitá-los.
GRANDE LOJA DE CUBA
De volta a Havana, passei uma manhã vagando pelo cemitério principal da cidade, o Cemitério Cristóbal Colón. Fileira após fileira de mármore polido, o cemitério foi fundado em 1876 pelos espanhóis – e à medida que eu vagava pelo desfile interminável de pedras branqueadas, encontrei uma massa de epitáfios esotéricos entre as lápides de sepulturas. A lojas reuniram seus mortos, cercas de ferro forjado separando o falecido em mausoléus de acordo com a fraternidade maçônica. Os símbolos gravados do Craft raramente eram discretos.
À tarde, parti para a Grande Loja de Cuba no número 508 da Avenida Salvador Allende: um imponente edifício de onze andares que, antes do surgimento de uma nova onda de hotéis turísticos na capital, já foi declarado como o segundo edifício mais alto da ilha. (A própria avenida, enquanto isso, recebeu o nome do 30º presidente do Chile; um marxista, um Maçom e um bom amigo de Fidel Castro.)
Vi a Grande Loja de Cuba quase no momento mesmo em que entrei na avenida. Eu tinha atravessado as ruas secundárias a caminho de lá – passando por um carro incendiado na rua San Francisco, sob varais e cabos telefônicos como teias de aranha, onde crianças jogavam beisebol na rua – e de repente lá estava ela. Pontiacs e corvettes subiam e desciam a avenida enquanto no outro extremo, erguendo-se acima dos blocos e arcos coloniais, um titã amarelo quebrava o horizonte. Era em cada detalhe tão sutil quanto as lojas das cidades que eu vira, onze andares de Art Déco terminados com um globo, um esquadro e um compasso.
Inaugurada em 1955, a sede maçônica de Havana abriga o escritório do grande secretário, um museu, uma casa para maçons idosos e uma extensa biblioteca (embora, segundo rumores, o governo cubano tenha se apropriado da maior parte dos andares para seu próprio uso). Era a biblioteca que eu estava procurando, desde que eu tinha ouvido que o lugar estava supostamente aberto a pessoas comuns também. Cheguei perto – perto o suficiente para admirar o relógio do zodíaco na fachada do prédio -, mas não consegui entrar.
Um senhor negro de terno e óculos estava entre as portas e me cumprimentou com um sorriso interrogativo. Ele fez uma pergunta em espanhol. Eu não entendi e então perguntei a ele: “Biblioteca?” Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo. Nada de biblioteca para mim. Eu gesticulei passando por ele, em direção às entranhas do prédio, e disse por favor em espanhol junto com o melhor sorriso que eu consegui dar; mas me foi respondido com uma moção de recusa gentil.
De toda forma, o edifício é bastante extraordinário por dentro. EC Ballard o chama de o edifício melhor-cuidado em Cuba, cheio de sofás de couro e globos luminosos, em cujas suas paredes estão dependuradas medalhas e espadas. Embora eu possa não ter visto pessoalmente, no entanto, encontrei uma explicação esclarecedora da experiência de outro visitante.
No seu Diário de viagem de um maçom em Cuba, o Irmão italiano Luca Scarparelli descreve uma visita à Grande Loja de Cuba, durante a qual ele foi autorizado a participar de uma reunião. “O Templo é uma grande sala bem mobiliada, mas a temperatura é realmente infernal”, ele escreve, “Um irmão dá a volta na loja distribuindo leques (com o selo da Loja) e todos se abanam para mitigar o calor.” Durante a cerimônia de abertura, “o hino nacional é tocado em um velho gravador e todos os nossos irmãos cubanos saúdam a bandeira cubana”.
O Craft de Cuba é único e parece ser adaptado à realidade das vidas de seus cidadãos. A tradição de jantar juntos depois de uma reunião é omitida, diz Scarparelli, “porque nenhum dos irmãos cubanos pode se dar ao luxo de ir a um restaurante, ainda que modesto”.
O código de vestuário entre os maçons cubanos também parece ser um pouco mais relaxado. Em lugar de ternos e gravatas, Scarparelli comenta que “alguns usam camisas que só usaríamos na praia”.
Em uma reviravolta particularmente fascinante, ele relata que as mulheres às vezes também são admitidas em lojas maçônicas cubanas. O folclorista americano EC Ballard especula como essa adaptação “é geralmente bem-vinda em uma sociedade que formalmente evita preconceitos e discriminação de qualquer tipo”; e certamente mostra uma perspectiva mais progressista do que o tradicionalismo patriarcal praticado pelas lojas maçônicas em quase todos os outros países do mundo.
Depois da minha firme e ainda assim amigável recusa na Gran Logia de Cuba, cruzei a rua; passeando pelo Parque de La Varela, onde uma mulher lavava as roupas em um balde na grama, e as crianças brincavam descalças em espaços abertos. A parede dos fundos da praça estava gravada com um busto contornado de Karl Marx, ao lado das palavras: “PROLETÁRIOS DE TODOS LOS PAÍSES UNI-VOS!”
Trabalhadores do mundo uni-vos – esculpida em traços fortes sob um esquadro e um compasso imponentes.
Eu estava tirando outra foto do prédio quando uma voz no meu ouvido disse: “Você quer saber sobre os maçons?”
O homem ao meu lado tinha sessenta anos, talvez, com um rosto bronzeado, mas o corpo magro de um trabalhador agrícola. Eu o notara quando cheguei ao parque, limpando folhas enquanto fumava um charuto. “Hector”, disse ele com um sorriso travesso, quando ele apertou minha mão.

O que aconteceu depois foi uma história em si, apesar de seguir um roteiro com o qual eu já estava familiarizado. Hector contou-me que seu irmão trabalhava em uma fábrica de charutos. Ele tinha coisa boa, muito barata, e se eu fosse à casa dele ele poderia me fazer um excelente preço. Em Cuba, às vezes parece que todo mundo tem um irmão que trabalha na fábrica de charutos. O golpe de Hector veio com um gancho irresistível: “Você vem, e eu te contarei tudo sobre os Maçons.” Foi o que eu fiz.
A casa de Hector ficava a alguns quarteirões de distância, passando pela Iglesia del Sagrado Corazón de Jesús e descendo uma série de ruas estreitas depois dela. Era simples, mas com um interior confortável. Hector colocou uma cadeira de madeira para mim à mesa e serviu um copo de bebida açucarada de limão; ele acendeu um charuto, depois passou-o a mim também. Depois disso, ele apresentou uma caixa de charutos de madeira e começou seu discurso de vendas. Lembrei-lhe dos maçons, mas tudo o que ele fez foi sorrir e empurrar a caixa para mim. Então eu comprei os charutos (eles se mostraram de baixa qualidade, nada como a amostra grátis, e uma semana depois eu os ofereceria como um presente ao santo em um santuário de vodu no Haiti) e tentei voltar a conversa que ele tinha prometido.

Hector de repente parecia cansado, não mais tão tagarela quanto antes. Ele respondeu principalmente minhas perguntas com sorrisos e encolher os ombros – não me disse nada que eu já não tinha lido – e então eu decidi ir fundo: “Fidel Castro é um maçom?” Eu lhe perguntei. Ele riu.
“Talvez”, disse ele, soprando uma nuvem de fumaça. “Quem sabe? Raúl certamente é.”
E então um pensamento passou pela minha cabeça.
“Hector”, eu disse, “você é Maçom?”
Hector soprou pensativo em seu charuto por um momento, a cabeça meio perdida nas nuvens. “Se eu não sou, eu diria a você Não,” ele respondeu. “Mas se eu sou, eu também lhe diria Não. Então ele riu, bastante enigmaticamente, e decidi deixar por isso mesmo.
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