Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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A Maçonaria na ditadura militar brasileira (1964)

Tatiana Martins Alméri

ditadura

Este trabalho apresenta a Maçonaria partindo de sua estruturação histórico-crítica na época da ditadura militar brasileira que se iniciou em 1964. A Maçonaria é uma instituição que, historicamente, prega a manutenção das grandes conquistas sociais, tendo como base o Liberalismo. Porém, o entendimento de quais seriam as grandes conquistas sociais depende da filosofia política de cada instituição e de cada contexto histórico em que está inserida. Desde o seu início, a Maçonaria, de uma maneira ou de outra, participa e está presente nos acontecimentos sociais marcados pela História.

No que tange aos propósitos deste capítulo, faz-se necessário discorrer sobre a atuação da Maçonaria no contexto do Golpe Militar de 1964 e no Processo Político Militar Brasileiro, dessa maneira, buscou-se revelar e interpretar o posicionamento da Maçonaria durante o período da ditadura militar, entre 1960 e 1989. Este estudo se propõe a desvendar pontos pouco esclarecidos na estrutura maçônica em relação a esse delicado momento da História do Brasil. Dessa maneira, a relevância apresenta-se à medida que contribui com novos dados para a História Social do Brasil e evidencia o posicionamento da Maçonaria na sociedade brasileira.

É desnecessário dizer o quanto períodos ditatoriais são conflitantes e influenciam a sociedade como um todo. Este tópico referencia tanto o governo totalitário de Getúlio Vargas quanto o dos generais pós-1964; períodos em que os brasileiros se submeteram a ditaduras.

O que traz a relevância do golpe de Estado de 10 de novembro de 1937 foi a dissolução do Congresso, dos partidos, a extinção da Constituição de 1934 e a publicação de uma nova, elaborada por Francisco Campos.

Talvez seja útil lembrar que a implementação do “Estado Novo”, regime ditatorial autoritário, inevitavelmente repercutiu em todas as instituições sociais brasileiras, e o Grande Oriente do Brasil não foi uma exceção. O fechamento das Maçonarias foi aconselhado ao governo, em 25 de novembro de 1937, pelo general Newton Cavalcanti, membro do Conselho de Segurança Nacional. A única Loja que se manteve em funcionamento foi a do Distrito Federal (Castellani, 1993).

Por motivos argumentativos, cabe uma pequena descrição do que ocorria, por exemplo, na cidade de São Paulo. Na Loja “Piratininga”, o livro de Atas n° 45 foi encerrado na folha 84, no dia 20 de outubro de 1937. Todavia, embora oficialmente fechadas, as lojas continuaram a desenvolver seus trabalhos secretamente e em outras locais.

Apesar do fechamento das lojas, o Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil apoiou o regime autoritário imposto ao país, publicou esse apoio no Decreto n° 1.179, do dia 2 de junho de 1938, o qual exigia que as Lojas que se mantiveram clandestinas eliminassem os obreiros que professassem ideologia contrária ao regime.

Além do período totalitário de Getúlio Vargas, várias análises podem ser feitas, no período totalitário pós-golpe de 1964, no sentido de posicionamento da Maçonaria. Como é sabido, após a renúncia de Jânio Quadros ─ maçom iniciado na Loja “Libertas” de São Paulo ─, desencadeou-se uma crise política sem precedentes na história republicana. “O Grão-Mestre Cyro Werneck, em nome do Grande Oriente do Brasil, manifestou-se, publicamente, pelo respeito à Constituição, com a consequente posse de Goulart na presidência” (Castellani, 1993). Apoiando, portanto, a posse do vice ao cargo da presidência.

É reconhecido que, após a posse de João Goulart, nos agitados dias que precederam o golpe de 1964, a maioria dos maçons apoiou o movimento militar de “derrubada” do até então presidente da República, embora, inicialmente, houvesse uma divisão de opinião na Maçonaria brasileira. Em nenhum momento, no período pós-revolucionário, o Grande Oriente do Brasil, como instituição, foi molestado, embora a repressão que se seguiu à queda de Goulart tenha agitado a intimidade dos templos maçônicos. Isso ocorreu não diretamente, através do governo, mas por meio da corrente que apoiara o movimento e que iniciava, no seio da instituição, uma verdadeira “caça às bruxas”, que seria incrementada a partir de 1968, quando foi fechado o Congresso Nacional e editado o Ato Institucional n° 5 (Castellani, 1993).

Esse ponto é essencial à presente parte da pesquisa, pois a situação de ditadura militar levou sérios problemas ao Grande Oriente do Brasil. A partir de 1970, a Obediência enfrentou as causas remotas da crise institucional, resultando na cisão de 1973. Devido à ditadura militar (1964), a atividade maçônica externa ficou muito diminuída. Restringiu-se a fatos administrativos internos, ficando os externos representados por lisonjas, como, por exemplo, a “entrega da medalha comemorativa do IV Centenário da cidade do Rio de Janeiro, por uma Comissão do Conselho Federal da Ordem, ao general Octacílio Terra Ururahy, em 1965 (o Grande Oriente foi a única entidade privada que cunhou medalhas para o evento)” (Castellani, 1993).

Houve outro fato importante nesse período da história: no sexto mês de 1964, José Menezes Júnior assumiu o Grão Mestrado Estadual, sucedendo Aurélio de Sousa, que sofreu acusações não comprovadas de fraudes eleitorais. Aurélio acaba deixando o cargo e assumindo uma vaga no Conselho Federal.

No Grande Oriente, o ano de 1967 foi paupérrimo em fatos, podendo-se destacar apenas decretos que publicavam uma nova Constituição de Obediência; criaram a Delegacia Estadual do Rio de Janeiro e o Grêmio de Radioamadores do Grande Oriente do Brasil, e instalaram o Superior Tribunal Eleitoral.

Em 24 de junho de 1969, o Grão Mestre Geral, Moacir Arbex Dinamarco, escreve em seu relatório anual o seguinte:

demonstramos o pensamento da Maçonaria sobre a relevância do papel das Forças Armadas na Defesa do regime Democrático. Não nos acomodamos quanto à crise estudantil e, em declaração incisiva, colocamo-nos como mediador da mesma, procurando serenar o episódio. (Castellani, 1993, p. 290)

Com essa afirmação, o Grande Oriente se posiciona de acordo com o papel das Forças Armadas, defendendo, assim, não um regime democrático, como afirma o Grão Mestre Moacir Arbex Dinamarco, mas um regime autoritário. Afirma ainda que a Maçonaria se posiciona a favor de sanar as reivindicações estudantis, quadro importantíssimo de oposição à ditadura.

Apesar do formal apoio à ditadura e da não existência de perseguições explícitas à instituição maçônica, alguns homens da Maçonaria, dessa época, como o secretário da cultura, sofreram pressões do grupo, foram denunciados pela própria Ordem e julgados como socialistas, portanto inadequados a pertencerem à Maçonaria. Fica, consequentemente, claro que a Maçonaria como instituição apoiou a ditadura militar formalmente, como será visto a seguir; porém, isso não quer dizer que todos os membros da Maçonaria tinham uma opinião unânime. Vários integrantes da ordem eram contra a existência de uma ditadura; isso explica as pressões que alguns maçons sofriam na época.

No ínterim dessa dissidência, percebia-se nas Lojas Maçônicas, de um lado, o apoio institucional e, do outro, o desacordo de alguns membros em relação à existência da ditadura. Esse fato provoca disputas, uso da hierarquia, formação de grupos e consequentemente um “racha” dentro da Ordem Paulista, o chamado Cisma Paulistinha (1973); uma cisão maçônica basicamente calcada em disputas políticas internas na sucessão de cargos maçônicos.

Fica bem claro, nessa parte da História, que a Maçonaria deixa de buscar novas conquistas liberais ─ mesmo possuindo membros dissidentes ─ e passa a ter um papel passivo em relação à oposição governamental; abandona as posturas contrárias ao governo, de busca e sustentação de novas conquistas, e muda para um pilar de sustentação governamental e atuações conservadoras. A seguir, será visto que esse conservadorismo não vem dessa data; no Brasil, ele está presente desde a adequação da instituição maçônica ao positivismo comteano e da época da proclamação da Independência. A discussão do papel dos Estados Unidos com relação à ditadura militar e como isso refletiu na Maçonaria serão abordados posteriormente.

O auge dessa fase de apoio institucional à ditadura militar se dá em 15 de março de 1974. O Brasil tinha novo presidente, com a posse do general Ernesto Geisel. Pouco depois, em 16 de maio, o “… presidente da República recebia, em audiência, o Grão-Mestre Geral e seu Adjunto, quando este, como senador do partido situacionista, leu um ofício em que o Grande Oriente reafirmava o seu apoio ao governo que havia se instalado após o movimento de 1964” (Castellani, 1993, p. 310). Cabe lembrar que, nessa ocasião, o Grão-mestre era Osmame Vieira de Resende e o adjunto era Osíris Teixeira (senador da República).

Em contrapartida, findando o regime, “Como outros setores da sociedade, a voz do Grande Oriente do Brasil também se fez ouvir em favor da anistia, já que, passados quinze anos, as punições eram passiveis de revisão” (Castellani, 1993, p. 314).

Essas observações se fazem necessárias na medida em que este capítulo procura observar a instituição maçônica no período ditatorial brasileiro pós 1964, porém, é importante ressaltar que há uma lacuna muito grande entre o binômio que se instaura a partir do apoio ou não da Maçonaria ao regime instaurado.

Entrevistas foram feitas para, além de em livros, buscar dados sobre essa época. As entrevistas se diferenciaram para cada um dos entrevistados, os quais relataram particularidades. O relato é tomado como representante da consciência dos indivíduos que interagem verbalmente durante o processo de coleta de dados. Assim, a análise do relato verbal permite o acesso inferencial do pesquisador aos processos subjetivos do participante. Esses processos subjazem a versão da realidade que ele tem para si como relevante, em dado contexto, e sobre a qual ele relata ao pesquisador.

As análises dos relatos utilizados nesta pesquisa visaram atingir os objetivos propostos em busca de criar condições favoráveis para o desenvolvimento in loco do fenômeno em estudo. Cabe ressaltar que o sujeito entrevistado não é observador de si mesmo, mas selecionador daquilo que, na sua realidade, ele recorta e relata. É de exímia importância, portanto, organizar o conteúdo das falas do sujeito, atribuindo-lhes significado, de modo a estabelecer condições para a emergência de novos relatos. Assim, o relato foi utilizado para proporcionar o prosseguimento da pesquisa.

As entrevistas se concretizaram em treze pessoas, a faixa etária dos entrevistados é de 56 a 84 anos, todos pertencentes à classe alta e cada qual com cargos e participações diferenciadas:

1) Maçom, fazia parte da cúpula política de João Goulart

2) Advogado e maçom.

3) Participante e construtor de críticas e sátiras políticas do sistema brasileiro. Exilou-se no início de 1964, antes do golpe acontecer.

4) Maçom (grau 33) e escritor.

5) Médico, maçom e filho de um militar que era autoridade na época da ditadura.

6) Militar delegado de recrutamento em 1964.

7) Maçom pertencente ao GOB.

8) Maçom e militar (participante atuante na época da ditadura militar).

9) Compositor, professor universitário, escritor e maçom.

10) Maçom, venerável mestre, delegado e grau 33.

11) Psicólogo, maçom e professor.

12) Engenheiro civil e maçom.

13) Político e maçom.

1. Poder

Um dos questionamentos aos entrevistados se refere à definição de poder, como eles o enxergam e se a Maçonaria pode ser classificada como mecanismo capaz de exercer influências, ou seja, poder. Neste ponto de reflexão, há uma bipolarização de classificação de poder assim como de classificação da Maçonaria, ou seja, há o lado positivo e o negativo. Uns afirmam que a Maçonaria é uma forma de poder, outros negam esse fato. Além disso, classificam o poder também de duas maneiras.

Na classificação de poder, o primeiro lado defende que poder nada mais é que um propulsor para conquistas e crescimento individual perante parâmetros sociais; o poder proporciona a ação e a modificação de situações. Para esse grupo, a Maçonaria é uma forma de poder, pois conquistou, agiu e transformou conjunturas.

Poder para mim é um objeto de conquista, de chegar a locais diferentes do que você se encontra, é crescer. Nesse sentido, a Maçonaria é um poder, ela se transformou e ocupou o lugar que está hoje, é muito bem aceita atualmente e isso é sim uma forma de poder (Entrevistado 4).

Dessa maneira, o poder passa a ser um meio de conquistas; é

… contagioso e alucinante […] ; tem a capacidade de definir destinos do dominador e dos dominados, dá a sensação de invencibilidade, chegando bem próximo a ser um Deus. Pelos conceitos lidos sobre a Maçonaria, pode ser considerada um poder, mas nunca dominando e sim orientando (Entrevistado 7).

Assim, nessa classificação, o poder acaba sendo

… a capacidade ou possibilidade de agir, de produzir efeitos, podendo se referir a pessoas indivíduos e/ou grupos sociais. Pensando dessa maneira, a Maçonaria pode ser um poder, pois ela parte do princípio relacionado à melhora da humanidade, tentando produzir efeitos cabíveis ao contexto social (Entrevistado 13).

Neste momento, mesmo classificando a Maçonaria como uma forma de poder, o que se evidencia é a classificação da Maçonaria como apartidária; um dos entrevistados aponta que:

Com relação à política, existem discussões dentro da Ordem, existem orientações, mas não são partidárias. Tomamos alguns pontos sociais, desde datas comemorativas a participações na câmara e tudo mais (Entrevistado 13).

Esse apartidarismo não ficou muito claro na época da ditadura militar pós 1964. O que se apresentou foi a perseguição pessoal de maçons que se colocavam contra as atuações e princípios usados pelos militares, ou seja, pessoas que possuíam uma ideologia socialista ou comunista tinham princípios partidários diferentes do da Ordem Maçônica, isso demonstra que, mesmo pregando o apartidarismo, ele não necessariamente existiu em todos os momentos da História. Já foi comentado anteriormente que a própria Ordem denunciava integrantes da Maçonaria que estavam em oposição ao governo.

É muito difícil encontrar, hoje, uma Maçonaria que pregue princípios políticos que estejam de acordo com filosofias marxistas. Apesar de os maçons realizarem a beneficência, isso não significa que desejem e preguem o fim da sociedade de classe e, consequentemente, o fim da exploração social. Pelo contrário, ressalta-se que estão locados no topo da hierarquia social, o que dificulta, e muito, um pensamento com princípios marxistas.

Além da classificação de poder citada acima, esse grupo de entrevistados não se esquece da legitimação do poder, assim acreditam que “O poder está fundamentado na credibilidade das pessoas, no potencial econômico e no medo” (Entrevistado 8). É classificado, dessa maneira, como uma forma de controle social:

Poder para mim nada mais é que uma forma de controle. Naquela época, desenvolveram um trabalho de inteligência com espiões em tudo quanto era lugar, inclusive nas faculdades e foi por isso que os estudantes perderam a força. Nos anos 70, a gente chega à alienação total, você não tinha informação alguma de fora do Brasil, não tinha jornais do exterior, e aqui dentro tudo era censurado. Ficava-se ilhado! A Maçonaria? Não é um poder, o poder daquela época era explícito, pois entendíamos o que era e como funcionava, se íamos contra sofríamos consequências. Em 1967, na passeata do Rio de Janeiro, fui preso, colocaram muitas pessoas na cela. Fiquei o dia todo lá no DOPS. (Entrevistado 12)

Evidencia-se, nesta conjuntura, que os entrevistados classificam poder em um viés que diverge da classificação de aparelhos estatais. Portanto, confirmam a teoria de Foucault, na qual o poder se diferencia de um sentido de edifício jurídico da soberania, dos aparelhos de Estado e das ideologias que o acompanham; o orientam como dominação, operadores materiais, formas de sujeição, usos e conexões da sujeição. O poder é colocado “… fora do modelo do Leviatã, fora do campo delimitado pela soberania jurídica e pela instituição estatal” (Foucault, 1991, p. 186).

Para Foucault, “A teoria do Estado, a análise tradicional dos aparelhos de Estado sem dúvida não esgota o campo de exercício e de funcionamento do poder. Existe atualmente um grande desconhecido: quem exerce o poder?” (Foucault, 1991, p. 75). Neste sentido, com a retirada do Estado como base da execução do poder, torna-se possível perceber a conjuntura de relações que inevitavelmente permeia todo o corpo social, constituída a partir das relações de poder. Segundo essa análise, o poder não se aloca em uma única instância, se anuncia de várias maneiras, se expressa em micropoderes, assim, a Maçonaria é classificada como uma das várias formas de poder, exercido através de micro relações.

Na outra parte do binômio classificativo, segundo os entrevistados nesta pesquisa, o poder se expressa através da formação do Estado em uma macroestrutura que inevitavelmente é hegemônica. Fica explícito que, para essa perspectiva, a Maçonaria logicamente não é o poder, pois, ele se resume ao âmbito do Legislativo, Executivo e Judiciário. “Existem vários tipos de poder: o legítimo, o poder de fato, o poder legal, o arbitrário, o poder Judiciário, o Executivo, etc. A Maçonaria pode ter o poder, mas ela não é necessariamente ele simbolizado” (Entrevistado 2). Dessa maneira,

A estrutura de governo é bem diferente da estrutura da Maçonaria. A estrutura da Maçonaria é mais voltada para a parte pessoal, a estrutura do governo é mais voltada para a parte de comando. Os maçons, na época, que estavam ligados à estrutura de governo poderiam trazer um apoio muito grande por causa da ligação pessoal, dessa formação mais genérica e mais política, etc. que eles tinham que os militares não tinham. (Entrevistado 1)

Um outro exemplo que confirma esse segundo ponto de vista são os relatos do entrevistado 10, para ele a Maçonaria não é um poder:

… ela tem a sua organização; como toda organização ela tem as suas leis, seus regulamentos, alguma coisa que faz com que ela exista como uma forma legal, agora como um poder governamental não, não vejo dessa forma. […]. Pode ter até um grupo de irmãos fazendo parte do governo, mas diretamente assim não, não vejo dessa forma.

A participação de maçons no governo tanto municipal, estadual, quanto federal é muito grande; isso ocorre desde a época da presença de D. Pedro no Brasil e se perpetua nos dias atuais não só no governo, mas em cargos que possibilitam um poder social e moral. Com essas participações, a Maçonaria acaba conquistando espaços que possibilitam atuações conjuntas. Não aparecem explicitamente com a formação de grupos no poder justamente por tentarem apresentar-se como uma instituição secreta.

Percebe-se, por conseguinte, que essas duas formas de enxergar o poder trazem uma sintetização analítica que se conjectura em dois pontos que se completam. A Maçonaria faz parte do micro poder social, o que proporciona capacidade de agir, modificar e intervir nas atuações públicas; de fato isso é uma grande forma de poder. É interessante observar que, por outro lado, mesmo a Maçonaria não sendo um poder no sentido de Leviatã, ela possui integrantes dentro dele, e cabe ressaltar que não são poucos. Portanto, a instituição maçônica não só é um poder no sentido micro como também se representa, em partes, no sentido macro. Isso introduz relevantes considerações acerca da importância da Maçonaria na conjuntura política social.

Querendo chamar atenção, particularmente, para o dado desta variável que diz respeito à importância da Maçonaria na conjuntura política social, abordou-se, nas entrevistas, sobre maçons que estavam no poder, o que será discutido na seção seguinte.

2. Autoridades maçônicas

Julgou-se pertinente expor reflexões no sentido de estabelecer um marco comparativo da pretensão da presente pesquisa. Essa discussão foi realizada buscando isolar uma variável que se julgou importante para as presentes reflexões, ou seja, o estabelecimento das possíveis relações entre os políticos que estavam inseridos no sistema militar versus suas atuações pessoais na Maçonaria (Michel Silva (Org.)) 222. Com relação ao assunto “autoridades maçônicas”, optou-se por perguntar aos entrevistados se conheciam algum maçom que era autoridade na época da ditadura militar.

Entre os maçons militares mais conhecidos historicamente, estão: Barão do Triunfo; Benjamin Constant ─ professor (o pai da República); Deodoro da Fonseca ─ proclamador da República; Duque de Caxias ─ patrono do Exército Brasileiro; Eduardo Wandenkolk; Golbery do Couto e Silva ─ ministro de Estado; Gomes Carneiro; Inocêncio Serzedelo Correa; Lauro Sodré; Lauro Müller ─ estadista; Moreira Guimarães, general; General Osório; e Viriato Vargas.

Nesta parte, para uma melhor visualização dos resultados, foi elaborado um gráfico. Essa elaboração justifica-se de duas maneiras: em primeiro lugar, na análise das respostas, fica evidente que, mesmo a princípio alguns dos entrevistados respondendo de forma negativa, a maioria deles acabou admitindo conhecer autoridades que eram maçons na época. No gráfico abaixo, mesmo essas pessoas que não responderam prontamente de uma maneira positiva aparecem no bloco do sim, pois posteriormente afirmaram positivamente à pergunta.

Em linha diversa, apresentam-se os entrevistados que responderam não. Apenas quatro dos entrevistados, em número absoluto, admitem realmente não conhecer nenhuma autoridade maçônica da época, mas, o restante, representado com “não responderam”, traz a discussão de que seria antiético citar nomes, portanto, conhecia alguma autoridade que era maçom. Assim, 70% dos entrevistados acabam se enquadrando na resposta positiva.

Entre os entrevistados, 47% conheciam autoridades políticas da época da ditadura militar que eram maçons. Não eram poucas pessoas que se enquadravam nesta classificação. Das principais autoridades, pode-se destacar: Jânio Quadros, Lauro Sodré, Humberto de Alencar Castello Branco, Emílio Garrastazu Médici e Golbery Couto e Silva.

Porém, isso não significa que, necessariamente, por serem maçons promoveram o golpe e a ditadura em si. Não se pode afirmar que a instituição maçônica estava presente na cúpula governamental simplesmente por algumas autoridades serem maçons. Porém, percebe-se que os maçons estavam presentes de uma maneira maciça nessa cúpula, e isso é uma das constatações importantes neste capítulo.

Como já foi dito acima, não há possibilidade de afirmar que a instituição maçônica estava presente nos acontecimentos ditatoriais, mas pode-se certificar que a ideologia maçônica estava. Essa afirmação pode ser feita através de análise das entrevistas realizadas.

Para o atendimento das discussões acerca desta temática, quando foi questionado sobre o que seria caos e ordem, perguntou-se, posteriormente, se a resposta que haviam dado seria a mesma para a instituição maçônica. É surpreendente observar que das pessoas que responderam somente uma disse que não, as outras todas acreditam que sendo um maçom necessariamente carrega-se consigo a filosofia maçônica, independente de qual for a loja a que a pessoa pertença. Dessa maneira, cada maçom é um representante da filosofia maçônica em todos os locais que se apresenta; assim, um maçom necessariamente possui a filosofia maçônica na sua vida. Com essa afirmação, conclui-se que na cúpula governamental da ditadura militar estava presente a filosofia maçônica, isso porque, neste contexto, várias autoridades, algumas citadas acima, eram maçons.

O que não se pode descartar é que algumas autoridades não pertenciam à Maçonaria, como: Ernesto Geisel, Artur Costa e Silva e João Baptista Figueiredo.

3. Posição da Maçonaria na época da ditadura militar

Foi perguntado aos entrevistados sobre as atuações e a posição da Maçonaria na época da ditadura militar. As respostas podem ser sintetizadas em duas partes. Oficialmente, a Maçonaria estava a favor dos militares, andava conjuntamente e auxiliava na cassação de pessoas que eram contra o governo. Isso possibilitou que a instituição não sofresse “pressões” governamentais.

É explícito observar a argumentação dos entrevistados quanto à posição da Maçonaria frente ao golpe.

A Maçonaria estava buscando uma coisa séria, frente ao caos que estava, o Jango não (tenha) tinha mais o poder quando aconteceu o comício na central do Brasil, foi a coisa mais diferente que eu já vi na minha vida. A gente sentiu que não tinha mais poder, não existia mais república, não existia mais nada, ela caiu sozinha, se desfez, essa é a verdade. Então é por isso que eu não aceito muito o termo golpe, eu aceito mais em uma tomada de comando, uma tomada de controle, então ela (a Maçonaria) estaria do lado de colocação da ordem, sem interesses de poder pessoal. (Entrevistado 1)

Para esse entrevistado, a ordem se apresenta nos mesmos argumentos conservadores: disciplina, obediência, hierarquia e submissão.

A Maçonaria como instituição não sofreu perseguições, o entrevistado 2 afirma que: “… se compararmos com a ditadura de Vargas, a Maçonaria só poderia estar a favor, pois não houve perseguições à instituição. Mas alguns maçons foram perseguidos, isso era pessoal”.

O interessante é que todas as afirmações sobre a posição da Maçonaria frente à ditadura militar estão ligadas à recolocação da ordem, à tentativa de solucionar o grande problema que havia na época, ou seja, o caos. A Maçonaria “Pode ter participado do golpe sim, pode ter pessoas ligadas a ela, em função desses conceitos, em função do perigo que ela percebia que poderia ocorrer, ela então pode ter usado, mas é aquela coisa, por ser discreta, isso não aparece muito” (Entrevistado 10). Essa afirmação é confirmada pelo entrevistado 6: “Acredito que sim, porque a Maçonaria, se nós virmos na história, fez muitas coisas boas, tomou atitudes muito boas, mas isso é o que nós lemos, saber diretamente não”.

Além dessas afirmações positivas, o entrevistado 12 relatou que

Tudo depende do Grão Mestre de cada loja, ou no caso do Grande Oriente do Brasil do Grão Mestre Geral. Ele eu sei que formalmente apoiava a ditadura militar. É muito difícil um maçom ser de esquerda, pode ser simpatizante, mas ser realmente defensor da filosofia de esquerda é muito difícil.

Outra afirmação positiva é a do candidato número 7, que expõe que:

.. o cabeça da Revolução, a meu ver, foi o Golbery, que possuía muita influência e era da Maçonaria. Vi também algumas notas da própria Ordem assinada pelo Grão Mestre Geral do GOB (Grande Oriente do Brasil) nas quais diziam que aos maçons estavam a favor da nova forma de governo, que além de estar a favor fariam o necessário para apoiá-la e mantê-la. Isso para mim fica claro a comprovação de que a Ordem estava a favor dos militares. Não se pode esquecer que é óbvio que existiam maçons que eram contra, mas a Ordem em si era a favor. Divergências de pensamento sempre existem, mas quando você se refere à Maçonaria como instituição está falando de seu representante.

No jornal Estado de São Paulo, a notícia do dia 15 de dezembro de 1963 deixa claro que os maçons estavam a favor da implementação da ditadura militar, julgavam que Cuba estava por acabar com a democracia no Brasil. Isso se expressa na homenagem feita a Lacerda pela Ordem e no discurso feito pelo então governador do Rio de Janeiro.

15/12/1963

Título: O Grande Oriente do Brasil rende a Lacerda homenagem inédita dentro da Maçonaria. p. 12.

Rio, 14 (Estadão). Pela primeira vez na história da maçonaria um governador foi recebido com a maior honraria da associação: a “Abobada de Aço”. O distinguido foi o governador Carlos Lacerda, homenageado no Grande Oriente do Brasil.

O governador carioca foi recebido na maçonaria no mesmo instante em que o presidente João Goulart fazia sondagens através de várias pessoas para saber das possibilidades de receber a mesma homenagem na maçonaria. As sondagens fracassaram.

No discurso que pronunciou no Grande Oriente do Brasil, o sr. Carlos Lacerda fez referência à mensagem que deixou ao mundo o presidente Kennedy, e concitou os homens da maçonaria a levantarem a voz, como outrora, na defesa da liberdade e da convivência dos homens livres.

“A convivência ─ disse Lacerda ─ com a coexistência não se confunde, pois, a convivência exige coparticipação e solidariedade, enquanto a coexistência é apenas tolerância entre contrários que se excluem e que por vezes se quem destruir.”

O Discurso

“…volto ao exemplo do presidente Kennedy, do homem prudente que a exemplo do apólogo famoso, tinha a prudência de se atirar ao fogo para salvar uma criança que ameaça perecer no incêndio. Esta é a prudência verdadeira, a prudência do bloqueio de Cuba para salvar a liberdade do mundo.

Este é o pacifismo verdadeiro, o pacifismo das nações que se previnem e não chamam para intervir nos seus problemas de base e não chamam para opinar sobre as suas indústrias, sobre a sua energia, sobre os seus combustíveis, aqueles que por vocação e por ideologia são obrigados a destruir a economia e a estrutura das nações livres para lhes impor um regime de escravidão.

A essa ocupação sem-terra, a essa conquista sem guerra, a essa tirania por via ideológica, respondem os homens livres e responderá sem dúvida esta instituição ─ responsável principalmente pela independência do Brasil e, portanto, hoje mais do que nunca seladora de sua soberania.

É por isso que aqui compareço associando o governo a esta demonstração de apreço pela declaração em boa hora votada com a participação do Brasil. É por isso que aqui venho trazer a minha solidariedade à homenagem que se presta a este grande cidadão do mundo que foi o presidente John Kennedy […]. Queremos a convivência dos homens livres.”

O apoio da instituição maçônica à ditadura militar é confirmado, como já foi dito anteriormente, no governo de Ernesto Geisel, o qual recebeu um ofício, na presença de Osmame Vieira de Resende (grão-mestre) e seu adjunto Osíris Teixeira (senador da República), em audiência confirmando o apoio do Grande Oriente do Brasil ao governo que havia se instalado após o movimento de 1964 (Castellani, 1993, p. 310).

O segundo posicionamento que foi encontrado nas respostas dos entrevistados se refere ao fato de que a maioria deles acredita que mesmo a instituição estando oficialmente ao lado da ditadura militar existiam maçons que se apresentavam contra a ditadura e contra o apoio da instituição ao governo instituído pós 1964.

Na afirmação do entrevistado 9 isso fica claro:

O respeito maçônico foi se degradando e ficando sem atuação política, a Maçonaria deixa de propor mudanças e dessa maneira acaba saindo do jogo político. Um exemplo disso foi em dezembro de 1968 quando Alberto Cury e o ministro Gama Filho anunciaram, no dia 13 de dezembro, o Ato Institucional número 5. Meu pai, maçom, indignado com a situação colocou essa pauta em discussão na loja dele e, naquele momento, percebeu que mais da metade de seus irmãos eram a favor do tal Ato anunciado, além disso, o venerável, no momento da discussão, anunciou que se ele descobrisse alguém lá dentro que fosse comunista denunciaria ao governo. Uma das pessoas que, naquela época, foi presa e denunciada pela Maçonaria foi José Castellani. A Maçonaria, naquela época, dividiu-se, alguns pensavam de uma maneira, outros de outra, está até hoje com uma visão conservadora, apesar de possuir uma teoria diferente disso, na prática, o materialismo, as posses e o dinheiro se sobressaem.

O entrevistado cita episódios de perseguições a maçons que se opunham à existência da ditadura militar e, desta maneira, comprova o posicionamento político da instituição maçônica. Tanto o discurso do venerável, ameaçando seus submissos, quanto o episódio da prisão de Castellani deixam claro a existência de maçons que se apresentavam contra a ditadura militar, portanto, contra os princípios políticos defendidos pela Maçonaria.

Para o entrevistado 5 fica “… difícil opinar sobre como que a Maçonaria agiu, difícil formar uma opinião única numa instituição que tem pessoas com as mais variadas formações, e um dos princípios básicos da Maçonaria é a liberdade de pensamento, baseado nisso acredito que existiam alguns a favor e outros contra”. Essa afirmação é confirmada pelos entrevistados 2 e 11, os quais acreditam que os maçons estavam tanto a favor quanto contra a ditadura.

Neste momento, fica evidente que se torna difícil constatar uma influência da Maçonaria nas atuações comandadas pelos generais na época da ditadura militar. A ditadura não atuou de forma homogênea, refletiu-se de diferentes formas e contextos que chegaram a ser opostos. Dependendo da representatividade social e principalmente da filosofia política que cada cidadão seguia, sentiam-se consequências diferenciadas dos atos ditatoriais. É possível definir o posicionamento da instituição ─ que era favorável à existência da ditadura ─, mas não a influência que a Maçonaria teve sobre a ocorrência da ditadura; nem como auxílio, realizando atos que possibilitaram a implementação da ditadura pós 1964, nem como barreiras com atos que tentaram impedir a realização do golpe militar.

Outra discussão que vem à tona é a que se refere ao fato de que, além de existirem maçons que não apoiavam a ditadura militar oficialmente, foi elaborado pelos maçons um pedido de realização da anistia. O entrevistado 13 ressalta que houve uma votação e “… aprovação por unanimidade, que surgiu entre nós da loja Eterno Segredo, em São Carlos, do pedido de anistia com relação ao fim da ditadura militar. Foi o primeiro ato público a dar apoio à anistia”.

Essa constatação cobra relevância no sentido de que o Grande Oriente, além de estar a favor do governo ditatorial quando ocorre a busca pela redemocratização, até mesmo pelos militares (como foi discutido anteriormente), estava também a favor da anistia, ou seja, apoiou institucionalmente o governo militar em todas as fases governamentais no ínterim de exercer o poder.

A Maçonaria brasileira é hoje conservadora, como explica o entrevistado 4. Existe uma grande diferença na filosofia da Maçonaria americana e da Maçonaria francesa; uma é de conservadora e a outra liberal, respectivamente.

Os Estados Unidos têm uma filosofia iluminista, com movimento libertário para a construção de um mundo novo, vem da colônia de povoamento, o espírito de comunidade era maior que o de pátria, dessa maneira o povo foi se construindo com uma formação de direita, começam a criar Maçonarias independentes. No Brasil sofremos influência principalmente da filosofia dos Estados Unidos (como já é sabido) dessa maneira temos na Maçonaria, um poder federativo e também um poder regional. Para concluir, aqui no Brasil o que prevalece é o pensamento de direta. (Entrevistado 4)

Com a afirmação do entrevistado 4, pode ser realizado um entrelaço da ditadura militar e o intenso apoio dos Estados Unidos com os princípios da Maçonaria brasileira. O grande apoio dos EUA à ditadura certamente se reflete na aproximação da Maçonaria à ditadura justamente por ambas seguirem a filosofia norte-americana. Assim, como a Maçonaria brasileira possui um pilar de sustentação conservador herdado pelos Estados Unidos, a ditadura militar pós-1964 também teve bases fixas na filosofia norte-americana. Essa é uma evidência que, por seguirem princípios que provêm do mesmo alicerce, deixa claro o envolvimento não somente indireto, mas uma posição explícita e direta.

Dentre todas as análises pode-se concluir que a existência de um regime autoritário, ou seja, mais especificamente de uma ditadura militar iniciada na década de 60, não foi resultado apenas da necessidade política de combater o desgaste que o regime democrático vinha sofrendo diante do “inimigo interno”, simbolizado pelo presidente da República João Goulart, fundamentado em Cuba; nem com relação ao desgaste que a política em atuação vinha proporcionando diante da classe média e outros setores do topo hierárquico da sociedade. A constatação de que foi elaborado o sentimento de caos político, econômico e social na população brasileira para que fosse possível ─ com cabíveis explicações ─ a realização do golpe militar com o apoio da população e sem “derramamento de sangue” é bastante plausível, porém, não é a única resposta para esta questão.

Além da existência da elaboração do caos, tudo indica que ao objetivo de implementação de um regime autoritário aliavam-se outras motivações e interesses, que, embora objetivassem uma legitimação imediata dos atos da cúpula militar, tinham expectativas de mais longo alcance, as quais se sintetizam no domínio norte-americano no mundo global. O apoio dos Estados Unidos da América foi essencial para a realização do regime militar ditatorial que começou a ser estruturado e elaborado muito anteriormente ao golpe.

Além de interesses mais imediatos, como a “derrubada” de João Goulart e o fim da política de reformas de base, proposta por ele, a estratégia de intervenção dos Estados Unidos, assim como dos militares, procurava atingir fins mais densos e duradouros. A partir de implementado um governo ditatorial, deu-se início à desarticulação social, fundamentada em atrocidades já sobejamente discutidas, e à reconstrução de saneamentos econômicos, políticos, sociais e morais do Brasil. Todos os exímios atos estavam calcados na fundamentação de que era necessário promover o desenvolvimento global do país. Dessa maneira, conseguiram reflexos e consequências que hoje se apresentam no contexto político, econômico e social. Uma grande consequência é a alienação política, educacional e cultural da população, sem citar outras consequências que não cabem ao contexto conclusivo.

Diante da elaboração de uma nova consciência ideológica de massa, construída conforme diretrizes governamentais, restavam aos agentes sociopolíticos, pertencentes à elite, o domínio e a escolha dos legítimos objetivos a serem perseguidos pelo país, logicamente com o julgamento e a preferência dos autoritários que estavam no poder.

Baseando-se na atuação da elite nos propósitos governamentais autoritários pós-golpe de 1964, sugere-se o posicionamento de uma instituição formada por homens pertencentes a ela, os quais estavam entrelaçados nos ideais propostos pela classe social a que pertenciam. Com o intuito de demonstrar posicionamentos da Maçonaria, no contexto da ditadura militar brasileira, foi possível constatar o formal apoio dessa instituição aos atos ditatoriais. Não é por acaso que essa importante posição se apresentou nesta pesquisa; a Maçonaria brasileira, após várias transformações desde seus primórdios até os dias atuais, finaliza por possuir princípios políticos essencialmente de “direta” ─ filosofia política herdada pela Maçonaria norte-americana. Fica claro, neste instante, que por pertencer à camada que se apresentava literalmente no poder e por possuir fundamentos políticos alicerçados nos mesmos embasamentos dos ditadores, a Maçonaria possivelmente apoiaria os atos ditatoriais.

Foi possível constatar que a Maçonaria brasileira se posicionou oficialmente a favor da ditadura militar pós-golpe de 1964. Ofícios realizados por grão-mestres da Maçonaria (GOB) foram apresentados publicamente com o intuito de confirmar e apoiar o governo que havia sido instituído posteriormente ao golpe. A princípio, questiona-se o fato de a população estar completamente alienada politicamente e acreditar na existência de um caos no país. Com essa alienação, a princípio, vários setores sociais apoiaram o golpe e a ditadura militar. Porém, com o passar dos anos e dos acontecimentos, os reais intuitos dos ditadores vieram à tona e, ao mesmo tempo, constatou-se a existência não de uma democracia voltada para o crescimento econômico, como sugeriam, mas sim a de uma férrea ditadura fundamentada em censura e torturas em vários momentos.

Logo que se constataram as reais intenções dos militares, várias camadas populacionais voltaram-se contra as atuações autoritárias, porém isso não ocorreu com a Maçonaria. Ela continuava a elaborar ofícios que consentiam as atuações decorrentes naquele momento.

Esse posicionamento de consentimento da Maçonaria levou sérias complicações no Grande Oriente do Brasil, pois, se de um lado a Maçonaria, como instituição, estava de acordo com os acontecimentos políticos da época, por outro, vários maçons não (consentiam) concordavam com o posicionamento da instituição. O grande problema era que a própria instituição servia de chave para apontar ao governo maçons que possuíam um pensamento que se divergia do aceito no momento.

Essa discordância entre parte da população maçônica e a instituição em si deu abertura à existência da crise institucional que a Ordem enfrentou nos anos 1970. Essa crise resultou não somente na cisão de 1973 ─ cisma paulistinha ─, mas também em atuações da Ordem. Nessa fase, a Maçonaria teve suas atividades muito diminuídas, pois, o formal apoio à ditadura proporcionou como consequência a existência de perseguições explícitas a maçons que não estavam de acordo com o posicionamento da instituição. Iniciou-se, na Maçonaria, o apoio ao governo com o intuito de findar filosofias contrárias ao autoritarismo instituído na época.

Esse é um episódio que demonstra a transformação da Maçonaria de modo geral, que passa de liberal, com fundamentos da Maçonaria francesa em busca de uma Igualdade, Liberdade e Fraternidade, baseada em conquistas sociais, para uma outra Maçonaria conservadora, de apoio a uma situação governamental que contraria os seus princípios.

Isso ficou claro tanto no momento do golpe quanto na anistia. Assumindo o liberalismo francês dos eventos de 1789, teve atuações marcantes na independência do Brasil; e, assumindo os postulados positivistas, na Proclamação da República, enredou-se nos anos 60 nas complexidades dos projetos de reforma de João Goulart e orientou-se na oposição com visões conservadoras que resultaram no apoio ao golpe de 1964.

Conclui-se, dessa maneira, que a Maçonaria como instituição esteve ao lado das atuações militares, do governo instituído pós-golpe de 1964. Porém, isso não exclui a existência de maçons que eram contra as atuações militares; entretanto teriam que, necessariamente, abster-se de questionamentos, indagações e afins dentro das lojas, pois a Ordem não hesitou em denunciar maçons que estavam contrariando o governo.

 

Tatiana Martins Alméri

Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004) e Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007). Professora da Universidade Paulista, coordenadora do setor de estágios e professora da Faculdade de Tecnologia de São José dos Campos.

Publicado em:

Silva, Michel Maçonaria no Brasil: história, política e sociabilidade/Michel Silva (Org.). Jundiaí, Paco Editorial: 2015