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Maçonaria e alquimia

Publicado em FREEMASON.PT

Por João Anatalino Rodrigues

alquimia

O que é alquimia

Simultaneamente arte, técnica e prática espiritual, esta misteriosa ocupação tem desafiado a argúcia dos historiadores, provocado perplexidade nos cientistas e alimentado a imaginação dos amadores do insólito desde tempos imemoriais. Desde os tempos mais longínquos, ela tem sido fonte inesgotável de tesouros literários, tendo rendido algumas obras primas da literatura mundial, entre os quais o clássico de Rabelais, As Aventuras de Gargântua e Pantagruel, as obras do misterioso Fulcanelli. Segundo alguns autores, os romances do Graal são alegorias alquímicas que procuram transmitir aos adeptos da arte de Hermes o seu magistério. Inspirou também famosos contos de fadas, como O Gato de Botas, Ali Babá e os Quarenta Ladrões, O Pequeno Polegar, As Viagens de Guliver, etc., e algumas boas fantasias modernas como as estórias de Harry Potter, O Alquimista, de Paulo Coelho, os Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques e muitos outros grandes autores mundiais, como Victor Hugo, Óscar Wilde, etc. Segundo Pawels e Bergier, mais de cem mil livros foram dedicados a essa prática, o que no mínimo a eleva a fenómeno cultural dos mais importantes.

Somente esta constatação já seria suficiente para que a Alquimia não seja levada na conta de pura divagação de espíritos fascinados pelo fantástico. Hoje não se tem muita dúvida que se trata de uma técnica, cuja origem está na prática da metalurgia antiga – prática esta, como bem demonstrou Ambelain – de carácter sagrado. Tanto na China, com os taoistas, como no Egipto dos faraós, com os sacerdotes de Heliópolis, ou na Grécia clássica, com os filósofos naturalistas, foram as técnicas metalúrgicas, aliadas ao pensamento mágico que elas naturalmente evocam, que deram origem à Alquimia. Daí organizou-se como ciência da natureza e prática espiritual para o desenvolvimento de uma consciência superior.

Os trabalhos de René Alleau e Mircea Eliade demonstraram com muita propriedade que a Alquimia, desde a mais remota antiguidade, é uma arte iniciática, associada aos mistérios da natureza. Por isso era praticada pelos sacerdotes egípcios e hindus nos seus templos, não só como forma operativa de produção de artefactos preciosos, mas também como disciplina ascética para atingir o êxtase espiritual. Mais tarde, os filósofos taoistas e gregos a elevaram ao nível de disciplina académica, organizando-lhe uma epistemologia própria, fazendo dela uma arte especulativa e empírica ao mesmo tempo.

No Egipto esta arte era própria dos ourives, mestres na fabricação do “ouro falso”, como eram chamados os artefactos fabricados com metais comuns, submetidos a banhos dourados para imitar o ouro. Esta actividade era praticada sob a supervisão directa dos sacerdotes e tida como “arte sagrada”, comparável à Arquitectura. Durante muitos séculos os gregos tentaram descobrir o segredo de tais banhos, e foi no curso dessas tentativas que eles desenvolveram a forma cientifica da Alquimia, especulando primeiro e depois realizando experiências de laboratório, anotando e analisando os resultados. Com isto deram a esta prática, em princípio uma arte empírica, um carácter de ciência experimental.

Foi na Grécia, já no século II da era cristã, que apareceu o primeiro tratado de Alquimia, escrito por um filósofo gnóstico de nome Zósimo. Mais tarde, Jâmblico e Pelágio, mais filósofos do que cientistas, ambos ligados ao pensamento esotérico, retomaram o trabalho de Zósimo, vinculando a Alquimia aos Mistérios Egípcios e a Tradição Hermética, com a qual ela ficou identificada desde então. Associando os símbolos alquímicos à tradição esotérica, fizeram da Alquimia uma ciência do espírito, e mais tarde, quando ela se integrou na cultura medieval, passou a ser também a Art d’Amour, pela interacção do sonho alquímico com as tradições da Gennete, como era chamada na França, a instituição da Cavalaria.

Foi a partir dos trabalhos de pensadores gnósticos, como Jâmblico, Pelágio, Olimpiodoro e outros, que a Alquimia ganhou o status de arte hermética, já que foram aqueles autores que divulgaram a lenda que tais conhecimentos teriam sido legados à humanidade por Hermes Trismegisto, sacerdote que teria vivido três encarnações no antigo Egipto, e em cada uma delas legado aos homens os conhecimentos necessários para o desenvolvimento da civilização. Na primeira encarnação Hermes teria ensinado as técnicas de agricultura, na segunda a arte da escrita e na terceira a metalurgia, com os segredos a ela ligados, entre eles o da fabricação do ouro e da realização espiritual através da prática dessa arte. Para os gregos, Hermes foi sucessivamente o deus Osíris, o deus Toth e o próprio Hermes Grego; houve inclusive quem o visse como encarnação de Moisés e Salomão, já que eram muitas as tradições que atribuía ao rei israelita a invenção da pedra filosofal.

Entretanto, os maiores divulgadores da Alquimia foram realmente os árabes. Pelo menos, são muçulmanas ou mouriscas as mais fortes tradições e referências a respeito dessa prática, em épocas anteriores ao século XII, quando ela penetrou na Europa e caiu nas graças dos “espíritos de categoria”, na expressão de Pawels e Bergier.

O método da alquimia

Especializando-se nas artes da metalurgia, os alquimistas procuravam aprender os processos pelos quais a natureza produzia os minerais. Com este conhecimento, trabalhando nos seus laboratórios, poderiam repeti-los e realizar transmutações de metais simples em metais preciosos. Graças a este trabalho, muitas descobertas no campo da química, da medicina e da metalurgia foram realizadas.

A possibilidade de transformar um metal comum em ouro não era um sonho, uma fantasia de loucos possuídos pelo delírio metafísico, como muitos autores racionalistas o definiram, mas sim uma prática desenvolvida a partir de uma teoria, que, se pelo menos não era exacta, nada tinha de loucura. Boa parte das descobertas dos físicos e químicos modernos tem como ponto de partida o trabalho de alquimistas. Newton, por exemplo, era tido como alquimista, como também Roger Bacon, e respeitados cientistas como Paracelso, Lavoisier e outros. Mesmo Einstein sempre fez questão de demonstrar respeito pelos alquimistas.

Os alquimistas acreditavam que os metais eram encontrados na natureza na forma perfeita e imperfeita. Os imperfeitos eram aqueles alteráveis pela acção da natureza. Oxidavam-se, corroíam-se, alteravam-se pela acção do fogo e outros elementos. Os perfeitos eram inalteráveis e resistentes a esses elementos. Entre os primeiros listavam o ferro, o chumbo, o estanho, o cobre; entre os segundos, a prata e principalmente o ouro.

Todos os metais, segundo esta teoria, eram formados por dois elementos, que eram o enxofre e o mercúrio, encontrados em quantidades variáveis em cada metal segundo a sua categoria. O que conferia a cada metal a qualidade de perfeição era a pureza desses dois constituintes. O ouro era constituído por uma grande quantidade de mercúrio e uma pequena quantidade de enxofre, ambos muito puros. O estanho, o ferro, o cobre, ao contrário, eram constituídos por grandes quantidades de enxofre e pequenas quantidades de mercúrio, ambos mal fixados, ou impuros. Então, para se alterar as propriedades de um mineral impuro, tornando-o puro, era preciso submetê-lo a um processo de eliminação das suas impurezas, fazendo-o passar do estado imperfeito para o perfeito.

O processo pelo qual um metal ordinário pode ser transformado em ouro é explicado por Ouspensky como sendo uma transmutação da matéria no seu estado físico para um estado “astral”, por meio da sua desmaterialização. Desta forma o metal desmaterializado pode ser “modificado” pela vontade do operador, retornando ao mundo físico como outro metal, no caso, o ouro. Este seria o processo pelo qual os alquimistas realizariam as suas transmutações. Convenhamos que é uma explicação um tanto imaginosa para uma operação que ninguém sabe se um dia foi sequer realizada. Só vale citá-la mesmo em razão do simbolismo que encerra.

Na verdade, este mesmo processo, a nível espiritual, poderia ser tomado como aplicável em relação ao homem, enquanto ser físico, para transformá-lo num “ser superior”, espiritualizado ao extremo. Esta seria a fundamentação da ritualística maçónica, pois, da mesma forma que as técnicas alquímicas realizavam uma transmutação sobre as moléculas do metal, alterando a sua composição, a prática maçónica obteria o mesmo resultado sobre o espírito dos seus praticantes, alterando-os para melhor.

A pedra filosofal

Na verdade, a operação alquímica era realizada pela ação do fogo e pela purificação de um certo tipo de metalóide (que nunca foi identificado) através de sucessivas decomposições e lavagens até que se conseguia atingir a chamada “alma” do metal. Esta “alma” seria, na verdade, a essência primordial da qual o metal era constituído, o seu “mercúrio”, ou “rébis filosófico”, o qual, esse sim podia então ganhar uma nova composição, tornando-se um metal novo, modificado. Tratava-se, portanto, de uma operação realizada no núcleo do metal. Este composto final, chamado de “pó de projecção” é a famosa pedra filosofal dos alquimistas, o qual, derramado sobre metais comuns de composição maleável, como o chumbo, por exemplo, poderia alterar a sua composição.

Maçonaria e alquimia

Os adeptos da arte de Hermes acreditavam que a matéria bruta, sobre a qual deveriam trabalhar, era um caos, uma treva espessa, um depositório de energias desorganizadas. Mas no seu interior habitava a chama divina, a luz interdita, o raio, que liberto das suas amarras físicas, daria ao seu libertador o controle sobre todas as forças da natureza. Para eles, era também essa energia, que liberada, dava a todos os corpos, minerais, vegetais ou animais, as suas conformações, fazendo deles um elemento químico, uma planta ou um animal, sendo também responsável pelos graus em que se organizam os seus elementos internos, dividindo-os em espécies.

Esta energia era a matéria prima do espírito. O espírito, que é luz, habitava no meio das trevas. Ao ser libertado precisava ser convenientemente dirigido. Pois assim como os núcleos atómicos de materiais pesados que são rompidos sem medidas de controle, podem causar explosões imensas, com danos irreversíveis para o operador e para o ambiente, também o espírito liberado sem direccionamento, sem “magistério” próprio, pode causar terríveis perturbações.

A Alquimia entrou na Maçonaria pelas mãos dos “maçons aceitos” do grupo rosacruciano, ali pelo início do século XVII. Ganhou adeptos em todas as Lojas Especulativas, provavelmente pela analogia que as tradições alquímicas guardavam com a ideia maçónica, de aprimoramento do espírito através do trabalho manual.

Para os alquimistas, o trabalho de manipulação da matéria nos laboratórios provocava no espírito do operador o mesmo resultado que o trabalho de edificação trazia para o construtor de edifícios. Ambas eram práticas sacralizadas, que levavam ao êxtase aqueles que nelas eram iniciados. Além disso, a esperança alquímica de revelação divina, através da manipulação da matéria, estava no mesmo nível da esperança maçónica, de obtenção da Gnose através do simbolismo de um ritual iniciático. Daí tanto se pode dizer que a Alquimia era a Arte Real praticada operativamente nos laboratórios por filósofos químicos, da mesma forma que a Maçonaria era uma Alquimia espiritual praticada numa Loja ao invés de um laboratório. Ambas eram derivações de antigas artes operativas: a Alquimia provinha da prática da antiga metalurgia, a Maçonaria da prática da arquitectura.

Que tais ideias fossem associadas a uma disciplina espiritual, visando o mesmo resultado, não causa nenhuma perplexidade. Afinal, o que pregavam as crenças religiosas e as tradições iniciáticas de todos os tempos, senão a ideia de que o espírito humano é um elemento que deve ser expurgado das suas impurezas, para se tornar uma entidade “luminosa”, limpa, pura, capaz de se alçar ao território das divindades e com elas conviver num nível de igualdade? E não era esta também a finalidade da religião, a meta da filosofia, a esperança gnóstica e a realização derradeira de toda experiência mística?

Porque então, pensavam os alquimistas, essa esperança não podia ser realizada através da manipulação química, que ao mesmo tempo realizava a experiência espiritual da prática religiosa e o conhecimento superior da busca da Gnose, de forma especulativa e operativa ao mesmo tempo?

Foi neste passo que a Alquimia deixou de ser apenas a Arte de Hermes, destinada a apreender os segredos da natureza e aplicá-los na transmutação dos metais, para transformar-se em verdadeira ciência do espírito, capaz de realizar a iluminação do próprio operador, levando-o a um estado de consciência superior, que só um verdadeiro iniciado conseguia atingir. Esta era, pelo menos, a esperança da grande maioria dos praticantes da Art d’Amour. A este respeito escrevem Pawels e Bergier: “Finalmente pensamos o seguinte: o alquimista no fim do seu trabalho sobre a matéria vê, segundo a lenda, operar-se em si mesmo uma espécie de transmutação. Aquilo que se passa no seu crisol passa-se igualmente na sua consciência ou na sua alma. Há uma mudança de estado. Todos os textos tradicionais insistem nesse ponto, evocam o momento em que a “Grande Obra” se realiza e em que o alquimista se transforma “num homem desperto’. Parece-nos que estes velhos textos descrevem deste modo o termo de todo o conhecimento real das leis da matéria e da energia, incluindo o conhecimento técnico”

Eis, portanto, realizada a ascese espiritual, a iluminação buscada pelos místicos de todos os tempos, a Gnose dos antigos filósofos e o “insight” do cientista. O operador alquímico é agora um Homem Novo, renascido das próprias cinzas, como a fénix da lenda, como a matéria prima mineral que durante anos a fio triturou, dissolveu, aqueceu no crisol e cozeu no seu forno, “matando-a’ e “ressuscitando-a” inúmeras vezes, até que, por um fenómeno de interacção entre as suas moléculas modificadas e recombinadas infinitas vezes, produz-se o fenómeno.

E ao mesmo tempo, enquanto o metal se purifica no decorrer do processo, o operador alquímico torna-se também “purificado”, como o metal grudado no fundo do crisol. Ele é detentor de todo saber, todo conhecimento, todo os segredos da natureza e senhor do seu próprio psiquismo. É o Homem da Terra, feito à semelhança do Homem do Céu, da tradição essência, o Homem Desperto das crenças teosóficas, o Homem Universal da esperança maçónica.

Eis enfim, realizado o grande sonho da humanidade. Enquanto o alquimista possui agora, um artefacto capaz de introduzi-lo no mais íntimo dos segredos da natureza, que é o processo pelo qual ela “fabrica” os elementos naturais; ele é também, como homem desperto, um verdadeiro “eleito” na sociedade em que vive, pois possui a Gnose, a verdadeira sabedoria que tudo transforma.

Esta também é a simbologia que se aplica ao Maçom, homem regenerado pela iniciação, possuidor de uma consciência superior, que lhe permite “ver” e agir num domínio ampliado pelo mundo interior que a prática da Arte Real finalmente lhe assegura.

Não é sem motivo que muitos autores sustentam que o objectivo da Maçonaria é a realização de uma obra espiritual comparável à grande obra dos alquimistas, representada pela pedra filosofal. Não é também irracional a comparação que se faz entre a construção simbólica do Templo de Salomão e a obtenção dessa “pedra”, capaz de transformar minerais impuros no mais puro ouro. E não é também por acaso que a iniciação maçónica, e o seu próprio catecismo, são pródigos de evocações a símbolos alquímicos. E tanto se pode dizer que a Maçonaria é uma espécie de Cavalaria simbólica, quanto uma forma de Alquimia praticada especulativamente numa Loja, ao invés de um laboratório, tendo como matéria prima o psiquismo do praticante, e como finalidade a transmutação do próprio operador.

Bernard Rogers resume bem esta questão: “O objectivo que os franco-maçons perseguiam é a construção do Homem, isto é, da Humanidade Autêntica, concebida como projecto, a partir da construção do indivíduo”, escreve aquele autor. “Não causará surpresa”, prossegue ele, “o facto de que o eixo em torno do qual eles estabeleceram o seu simbolismo seja a construção do Templo de Salomão, sendo o ser humano considerado como a morada da divindade. A quem venha opor esse propósito a afirmação de que há franco-maçons ateus, respondamos que nenhum desses, a menos que não mereça a sua qualificação, poderia pelo menos negar a sua fé na perfectibilidade do homem, cuja natureza divina- isto é- luminosa- não pode deixar de ser reconhecida por quem não tem medo das palavras e se recusa a tornar-se escravo do que esta ou aquela religião possa exigir dele”.

Por acaso também não é que a disposição dos símbolos, numa Loja Maçónica, assemelhe-se, de forma notável, à quarta prancha do Mutus Líber dos alquimistas. Ambas são visões simbólicas do universo. Nelas se representa a “energia dos princípios”, responsável pelas transformações internas e externas que se realizam na natureza e no homem. É na Loja que a mística da Palavra Perdida, o Verbo Divino, o Número Único, que na Cabala representa o Princípio Criador de todas as coisas, e na Alquimia a “flos coeli”,“o dom de Deus”, é captada pela alma humana no momento da iniciação. É esta energia que age, à medida que a cerimónia avança, para a realização da transmutação do neófito, conferindo-lhe um status que o eleva da sua condição anterior de profano à condição superior de iniciado.

Em tudo e por tudo o magistério alquímico guarda a mais estreita relação com a tradição maçónica. Tanto é que as cinco telas do Mutus Líber ocupam, na iconografia alquímica, a mesma posição que o piso mosaico na Loja Maçónica, onde se realizam as transmutações dos aprendizes, na passagem sucessiva das fases de iniciação nas Lojas Simbólicas. O piso mosaico, em ambas as tradições, tem a função específica de “receber e filtrar a luz” que vem do Oriente, a “Luz de Rá” das iniciações egípcias, Princípio Criador de tudo que há no mundo. E as cores deste piso, em preto e branco, repetem as mesmas cores do mercúrio dos filósofos alquimistas.

Diz-se que o piso mosaico, na Loja Maçónica, é uma representação do piso que ornava o Templo de Salomão. Mas esta referência histórica é apenas uma informação que não reflecte o seu verdadeiro significado. Na verdade, desde o tempo de Moisés, ou até antes disso, esse traçado geométrico já representava ideias de alto conteúdo esotérico. Era utilizado nos templos egípcios, nas antigas sinagogas judaicas e nos templos greco-romanos como forma de captar e filtrar a luz solar, orientando-a para um fim determinado. Desta forma, não é estranho que os alquimistas tenham utilizado a mesma disposição geométrica para preparar o seu “filtro”, fundamentados na mesma sensibilidade que tiveram os antigos profetas e hierofantes.

As antigas tradições maçónicas dizem que o Templo de Salomão era ornamentado por um piso mosaico formado por quadrados pretos e brancos, orientados de uma certa forma. Esta informação consta de diversos manuscritos antigos, pertencentes ao conjunto que hoje chamamos de Old Charges (As Antigas Obrigações). É bom lembrar, entretanto, que em nenhuma parte da Bíblia, ou de qualquer outro documento histórico, esse detalhe foi realmente informado, o que nos leva a pensar que ele tenha, efectivamente, mais relação com o simbolismo alquímico do que, propriamente com as antigas tradições maçónicas herdadas da Arquitectura.

Por analogia, podemos comparar o magistério alquímico com a prática maçónica. Há uma similitude nos objectivos de ambas as tradições e no processo de obtenção de resultados, que muito se assemelham entre si. Da mesma forma que na prática alquímica o “metal” se regenera a partir de uma conjunção entre a luz e as trevas, na Maçonaria essa regeneração é operada a partir do sol e da lua. Eles estão representados no Oriente da Loja, atrás do trono do Venerável Mestre. No meio deles, no centro do triângulo, o “olho omnisciente”, reina absoluto.

Esta simbologia, inspirada em tradições egípcias, é representativa da crença de que tudo no universo emana da conjunção de dois princípios, resultando num terceiro, que propaga por todo o real existente. O sol ali representado é Osíris, ou Rá, o Princípio Criador de tudo que existe no universo. A lua representa Isis, a deusa-mãe em cujo ventre se opera o milagre da regeneração, e o “olho omnisciente” é o olho de Hórus, o filho que nasce da união de Ísis e Osíris, após a ressurreição daquele deus. Por ele, a manifestação do Princípio Criador projecta o universo real, dando forma a toda a criação cósmica. Em termos científicos poderíamos evocar a noção einsteiniana, perante a qual não há realidade física sem a presença de luz.

A trindade egípcia, no entanto, é representativa do “mistério maçónico” que se opera na Loja, a partir do qual o Maçom alcança a sua regeneração psíquica pela prática da iniciação. É da luz que vem do Oriente, a partir da consagração dada pelo Venerável, que o iniciado atinge a qualidade de homem renascido, após ter sofrido a morte psíquica, simbolizada pela sua passagem pelos subterrâneos e a sua descida ao ventre da terra.

Após ter passado um período perdido nas trevas, realizando diversas provas e viagens, o neófito “vê” a luz, quando lhe são retiradas as vendas dos olhos. Momento limite da sua iniciação, o recipiendário percebe que essa luz lhe é conferida pelos astros ali representados, simbolizando que ele, finalmente, superou a primeira fase da sua jornada iniciática e sabe agora da existência de uma verdade maior que precisará ser descoberta.

A correspondência entre o Iluminismo Maçónico e a tradição alquímica é evidente: o Aprendiz, que durante longo tempo permaneceu num estado de semente, lançada num profundo negro, evolui para o branco da regeneração, quando se torna Companheiro e conhece o vermelho da ressurreição ao se tornar Mestre. O Mestre que renasce a partir de Hiram morto, eis o apogeu do processo que simboliza o nascimento de um Maçom na sua plenitude iniciática, pois ao se iniciar Aprendiz, e ao se elevar a Companheiro, ele ainda está em processo de gestação. Será preciso um longo processo de manipulação e aprimoramento do seu carácter até que ele se torne, enfim, o Homem Universal, alicerce da nova sociedade, justa e perfeita, que a Maçonaria se propôs construir.

Esta é a Alquimia que se processa no interior de uma Loja Maçónica, que, nesse mister repete o trabalho feito no laboratório do alquimista.

(….)

A luz seja ao neófito

Não se pode deixar de comparar a simbologia do magistério alquímico com as diferentes fases da iniciação maçónica. O que busca o irmão quando se inicia na Maçonaria, senão uma mágica transformação no seu ser? A passagem do estado de profano para o de iniciado equivale, na iniciação maçónica, a essa renovação espiritual, essa transformação de substância, que no magistério alquímico é obtida pela manipulação da matéria. Só que, diferentemente da Arte de Hermes, a matéria prima do Maçom é o seu próprio psiquismo. Sobre ele o iniciado trabalha, utilizando-se dos influxos da Loja e dos ensinamentos que recebe, para transformá-lo, de metal impuro em ouro. Troca o vício pela virtude, a preguiça pelo trabalho, a indiferença pela participação, o desconsolo pela esperança. Desta transmutação emerge como espírito renovado, purificado, pronto para exercer um novo papel na sociedade.

Este é o significado do simbolismo contido na iniciação maçónica, na qual o recipiendário passa sucessivamente, pelas três fases da transmutação alquímica: a negra, simbolizada pela sua descida às sombras da morte, o branco da regeneração, simbolizado pela sua iniciação e o vermelho da exaltação, que simboliza o predomínio do espírito sobre a matéria, condição que ele, como iniciado, finalmente adquiriu.

Evidentemente, na Maçonaria moderna todo esse simbolismo, que resume uma verdade iniciática, assumiu contornos de filosofia moral. O Maçom é um homem do mundo e para ele vive. As verdades do espírito devem ser transformadas em atitudes práticas para a melhoria da sociedade na qual ele actua. A luta do Maçom é contra ele mesmo, para submeter as suas paixões e aprimorar o seu espírito contra os males que infelicitam a espécie humana. Afinal, como diz o ritual, o mal é o oposto da virtude. O Maçom deve trabalhar para eliminar esse mal, aperfeiçoando as suas qualidades morais, e em consequência, as da humanidade como um todo. Por outras palavras, o que ele busca é a realização de um estado de perfeito equilíbrio dentro de si mesmo primeiro para, em seguida, transmiti-lo à comunidade na qual vive, pois ninguém pode dar senão o que tem.

Esta é a ciência maçónica, a verdadeira ciência da vida. Através do trabalho prático, (do Maçom operativo) e teórico, (especulativo, que é busca do conhecimento, da Gnose), o Obreiro da Arte Real pode realizar a Alquimia maçónica., unindo-se, afinal, pelo trabalho de construção do universo moral que deve existir em todo irmão, com o Sublime Arquitecto do Universo, fonte fecunda de luz da qual todos saímos no início como matéria cósmica e à qual um dia voltaremos como espíritos radiantes de energia luminosa.

Por isso é que aqueles temerários que batem profanamente à porta do templo, a fim de se iniciarem nos Augustos Mistérios dos Obreiros da Arte Real, ali estão em busca de luz. É que na desordem que reina no mundo dos homens, esses corações sensíveis sentem a necessidade de buscar o exacto equilíbrio entre as suas necessidades no mundo profano e as exigências do mundo sagrado, que são de cunho espiritual. Sem ordem e harmonia nas suas próprias vidas, não as pode transmitir à comunidade em que vive, pois ele mesmo não as possui. Então precisa ser devidamente iniciado, para que possa adquirir tais qualidades. Mas para isso precisa ser puro e de bons costumes.

Ontem como hoje, as esperanças da humanidade são as mesmas: ela quer viver num estado de harmonia, equilíbrio social e ordem. Se as formas de se buscar este estado ideal mudam, se as visões assumem diferentes configurações, o conteúdo significante dessas visões, no entanto, são os mesmos. Em todos os tempos os homens repetem as mesmas fórmulas e sentem os mesmos anseios. Assim, o neófito que busca a realização maçónica carrega na sua alma o mesmo anseio do adepto que se iniciava na Arte de Hermes. E tanto nos laboratórios dos artistas, como nos templos maçónicos de hoje, quando um irmão é iniciado ouve-se dizer que

A luz foi feita, a luz seja dada ao neófito.

Texto adaptado do livro “Conhecendo a Arte Real”, publicado pela Madras, São Paulo, 2007