João Evangelista Martins Terra, S.J.
Os historiadores da maçonaria confessam as dificuldades praticamente insuperáveis de desvendar as suas origens históricas.A maçonaria atribuiu a si mesma elementos lendários que se misturam com outros mais verossímeis. Em todo caso, não se podem negligenciar essas lendas, porque exerceram, de fato, grande influxo na constituição e difusão do espírito maçônico e nos desenvolvimentos diversos dessa associação secreta.
O calendário maçônico faz remontar suas origens ao próprio Adão; por isso, acrescenta à data da era cristã mais quatro mil anos, que seria a idade do mundo antes de Cristo. Desse modo, estamos hoje no ano 5996.
Outras origens são ou certamente lendárias, como a vinculação com a ordem dos templários, ou, pelo menos, secundárias, como a ligação com a Rosa-Cruz.
O que é certo é que existiam na Europa vastas organizações operárias de pedreiros profissionais. Esses agrupamentos remontavam à Idade Média já misturados com tradições lendárias, que se relacionavam com a construção do templo de Jerusalém pelo arquiteto e pedreiro Hiram. Todas essas lendas estavam impregnadas do espírito cristão.
Essas associações tinham aceitado, como membros honorários, ou membros de amizade, outras pessoas que não eram pedreiros. Eram designados como “Pedreiros”; em francês, Maçons aceitos, ou especulativos, por oposição aos pedreiros profissionais.
Ocasionalmente, esses “especulativos” se agruparam entre si, para consagrar-se a “trabalhos” simbólicos ou filosóficos. Separando-se aos poucos dos pedreiros profissionais, constituíram “Lojas” independentes.
Esses começos são obscuros e, por vezes, contraditórios. Alguns historiadores afirmam que partidários dos Stuarts destronados refugiaram-se nas Lojas, para combater a casa de Hanovre. A organização maçônica teria sido copiada e introduzida nos regimentos, para transformá-los em facções políticas. Imitando estas Lojas militares, surgiram as Lojas civis. Esta seria a origem da maçonaria escocesa, que se espalhou pela França juntamente com os Stuardistas refugiados.
Essa maçonaria escocesa teria então apenas fins imediatos, sem organização central, nem declaração de princípios. Quando a restauração dos Stuarts se manifestou impraticável, estas Lojas perpetuaram-se com alguns particularismos, mas conservando uma vinculação geral às idéias maçônicas.
Outros historiadores franceses rejeitam essa hipótese das Lojas stuardistas e aceitam apenas o movimento produzido em redor da Grande Loja da Inglaterra.
Um pastor protestante francês, Désaguliers, refugiado na Inglaterra, agrupou algumas Lojas especulativas para criar, em 1717, a Grande Loja de Londres, da qual muitas’ organizações maçônicas deveriam derivar sua iniciação. Por isso, ela recebeu o nome de “Mãe Grande Loja do Mundo“. Os maçons da Grande Loja professavam a submissão aos poderes estabelecidos e à religião do Reino. Uma de suas finalidades parece ter sido a de servir de ligação entre os diversos grupos religiosos fora do catolicismo.
Em 1720, os dirigentes queimaram os documentos antigos existentes nas Lojas, para eliminar provas da influência do catolicismo nos maçons operativos.
Em 1723, um novo Livro das Constituições, estabelecido por ordem da Grande Loja da Inglaterra pelo pastor Anderson, foi adotado e constitui desde então a carta magna maçônica, modificada em 1738.
As Constituições de Anderson são simples. Declaram que um maçom é obrigado, por sua natureza, a obedecer à moral e que não poderá nunca ser “um ateu estúpido nem um libertino antirreligioso“. Elas acrescentam que, se no passado os maçons estavam sujeitos em cada país à obrigação de praticar a religião de seu país, agora se considera mais conveniente não lhes impor nenhuma religião, a não ser aquela sobre a qual todos os homens estão de acordo, e lhes deixar toda liberdade quanto à sua opinião particular. Enfim, especifica· se que o maçom deve ser um “pacífico súdito dos poderes civis“.
Da maçonaria operativa (pedreiros) as Lojas conservaram uma linguagem e ritos que comportam simbolismo. A importância desse simbolismo é incerta. A maioria vê nele um formalismo convencional. No entanto, alguns consideram esse simbolismo como essencial.
Na França, formaram-se Lojas sob a obediência da Grande Loja da Inglaterra. As primeiras datariam de 1725.
Em 1737, Ramsay, escocês naturalizado francês, convertido ao catolicismo, escreveu o célebre “Discours du chevalier”, onde tratava da maçonaria na França e expunha o que denominava as virtudes maçônicas: a humanidade, uma sadia moral, manter o segredo, ter gosto pelas ciências úteis e pelas artes liberais. Acrescentava o ideal remoto de uma República universal, pela maçonaria.
Esse foi o primeiro esforço de unidade realizado pela maçonaria francesa, sem cooperação inglesa. As Lojas maçônicas reuniram-se para instituir um grão-mestre, que foi o duque d’Antin (1738).
No resto do século XVIII, a maçonaria desenvolveu-se com incrível rapidez na França, nas outras nações da Europa e nas Américas. Todas essas organizações pareciam proceder de um mesmo espírito, mas não tiveram relações muito estreitas.
As Lojas maçônicas criaram dignidades novas, os Altos Graus. Entre os maçons operativos (pedreiros) havia apenas 3 graus: aprendiz, companheiro, mestre. Algumas Lojas, como as Lojas azuis, também conservam apenas esses graus.
Além desses 3 graus, a maçonaria anglo saxônica reconhece ainda graus secundários. Outros ritos têm os chamados graus superiores (6 no rito escocês dissidente, 33 no antigo rito escocês etc.). Os Altos Graus constituíram uma espécie de maçonaria aristocrática, ao serviço das pessoas distintas da Corte e da Cidade. Esses graus, traduzidos por títulos pitorescos, perpetuam-se até nossos dias.
Para remediar a anarquia reinante nos agrupamentos maçônicos franceses, a Grande Loja cedeu lugar, em 1773, ao Grande Oriente que perdura até hoje. Apesar disso, não se logrou realizar a unidade, visto que a maçonaria escocesa preservou sua existência distinta.
Sem procurar, talvez, a maçonaria encontrou uma clientela particular e entusiasmada entre numerosos ocultistas, magos, alquimistas, cabalistas, necromantes, evocadores de espírito etc.
Idéias principais que caracterizam o substrato do espírito maçônico:
Fidelidade à existência de Deus, mas de um Deus bastante incerto, o “Grande Arquiteto do Universo“, que não é necessariamente o Criador. A maçonaria assume como finalidade a fraternidade e a solidariedade humana. Professa a filantropia. Pode-se atribuir-lhe uma espécie de filosofia moral, que consiste em reconhecer a legitimidade dos apetites humanos, mas com a obrigação de satisfazê-los com ordem, medida e método. A idéia da tolerância lhe advém de uma tendência acentuada ao sincretismo.
A maçonaria crê na bondade natural do homem, no progresso humano indefinido. Pretende ser o guia da humanidade a caminho para uma harmonia universal.
No século XVIII, os chefes aparentes da maçonaria eram grandes senhores próximos do trono. Os nobres exerciam o papel de atração. Membros do clero (secular e regular) eram numerosos. Havia até mesmo bispos maçons. Ainda não se estudou o que aconteceu com os frades maçons durante o período revolucionário. A maçonaria declarava-se fiel à monarquia.
Alguns maçons, como José de Maistre, que foi monarquista, viam na organização um instrumento de conciliação, segundo a idéia de Ramsay, que queria reconduzir o ímpio ao deísmo e o deísta à fé.
Geralmente se afirma que a maçonaria em nada contribuiu para o nascimento das idéias do filosofismo, que se desenvolveram quando a organização ainda não existia. Parece que o filosofismo foi somente um dos meios de sua difusão e de sua aceitação. Não é verdade que a Enciclopédia foi uma obra maçônica: mas o espírito que inspirou a Enciclopédia parece ter sido de numerosos maçons. Essa era, aliás, a lógica de uma instituição sem Credo pessoal e que refletia o espírito de seu tempo e o servia.