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As bases filosóficas do Rito Moderno

André Otávio Assis Muniz

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Nosso Rito pode, sem dúvida nenhuma, orgulhar-se de seu papel de vanguarda junto à plêiade de Ritos praticados pela Franco-Maçonaria mundial.

De fato, grande parte dos feitos heróicos encabeçados por maçons ou dos movimentos sociais nascidos em lojas maçônicas, tiveram grande envolvimento com o ideário preconizado por nosso rito.

O Rito Moderno, desde sua criação oficial no ano de 1761, sempre caracterizou-se por um pensamento progressista, uma filosofia coerente, uma lógica arrebatadora e, principalmente, pela defesa corajosa e pujante da Liberdade Absoluta de Consciência.

Caberia perguntar: onde o Rito Moderno abeberou-se para formar seu “arsenal explosivo” de idéias?

A resposta para essa pergunta, nos faz retornar ao século XVII, época do genial Francis Bacon, chamado com justiça de pai do enciclopedismo moderno.

Bacon, além de estadista, foi o primeiro exemplo notável da tendência empirista do pensamento inglês e, ainda mais significativamente, foi o profeta e protetor da revolução científica nascente.

Bacon foi o primeiro autor a tentar identificar os métodos adequados para uma ciência bem sucedida, uma vez que uma ciência cujas investigações se dão desorganizadamente e feitas por um excêntrico qualquer, não podem trazer resultados significativos.

Bacon assume em “New Atlantis” (1627) a tarefa de apelo e encorajamento à colaboração dos sábios, defendendo que é ao Estado que compete criar as instituições de investigação e ensino de que a ciência moderna necessita.

Para Bacon, a prosperidade e o bem estar da comunidade dependem dos esforços dirigidos para o progresso da pesquisa científica, uma idéia completamente nova para a época. Na obra supra-citada, Bacon defende a idéia que é melhor várias pessoas trabalhando em conjunto do que uma isoladamente, para a prática das ciências e o desenvolvimento da sociedade como um todo. A “Casa de Salomão”, instituição científica utópica descrita em seu “New Atlantis”, clama pela aplicação da ciência e a fundação de uma academia de cientistas. Notemos aí a semelhança da simbologia aplicada por Bacon e a simbologia maçônica. Nossas lojas devem estar baseadas no Templo de Salomão, mas não o da antigüidade obscurantista e crédula, e sim do preconizado por Bacon, centro de irradiação da luz, da razão e da ciência para o mundo.

A idéia baconiana de uma “república dos sábios” figurada pela simbólica “ilha de Bensalém, inspirará o movimento nascente de constituição das academias, através de Leibniz e Oldenburg (1615-1677), primeiro secretário da Royal Society e grande admirador de Bacon.

Muitos outros grandes vultos seguiram os passos de Bacon e a abertura da “via racional” para o progresso da humanidade deu a sólida estrutura para a formação filosófica do Rito Moderno. Vejamos brevemente alguns deles.

Pierre Bayle (1647 – 1706), filósofo francês, foi o precursor do ceticismo de Hume, refutou a doutrina de Spinoza a respeito da criação. A importância de Bayle se encontra na enorme influência que seus escritos tiveram, inclusive sobre os enciclopedistas que, sob muitos aspectos, o imitaram.

Bayle lançou a idéia de que nenhum dogma é solidamente fundamentado na razão, declarando a inutilidade completa das disputas teológicas em que se envolviam calvinistas, jansenistas, molinistas sobre a graça, o livre-arbítrio etc… Bayle, apesar de calvinista, defendia a tolerância religiosa e o respeito à consciência individual.

John Locke (1632-1704) foi filósofo, político e médico. Destacou-se tanto com sua filosofia política, quanto com sua teoria do conhecimento, estabelecendo os limites do inteligível aos humanos.

Locke, ao contrário de Descartes que considerava que o conhecimento, originava-se de um conjunto de idéias claras e distintas, inatas em nossa mente, considerava que a filosofia deveria ser erigida sobre a razão e sobre o senso comum e não sobre especulações metafísicas, uma vez que o conhecimento não pode ser adquirido antes da experiência, esta a fonte da razão.

Além disso, Locke advogava uma ampla tolerância religiosa e filosófica, dando à consciência o direito de revoltar-se contra qualquer sistema opressor e intolerante.

David Hume (1711-1777), filósofo escocês, nascido em Edimburgo, irmão maçom iniciado na “St.Mary’s Chapel Lodge” iniciou seus estudos na área jurídica mas logo apaixonou-se pela filosofia. Hume é um empirista radical, o naturalista mais influente e completo da filosofia moderna, além de uma figura essencial do iluminismo.

A ética de Hume vê o pensamento moral como a expressão de sentimentos que sofrem uma evolução devido à nossa necessidade de cooperação social. Assim, a moral não seria originada em uma “lei divina” mas sim na necessidade humana de conviver em sociedade.

Hume encara a ciência como a busca pela descoberta de princípios simples que nos permitiriam discernir a ordem em meio ao caos. Assim, para Hume os acontecimentos naturais são, em si mesmos, “irregulares e separados”, e a arte científica consiste em detectar os padrões em que se inserem.

Bernard de Mandeville (1670-1733), filósofo holandês, de expressão inglesa, também empirista, fundamentou a moral nas tendências do homem, e não sobre um raciocínio filosófico-metafísico. Também não fundamentou a sociedade, seu progresso ou declínio nos princípios gerais morais de valor absoluto, mas em fatores, experimentalmente detectados, dos interesses e similares.

Charles Louis de Secondat, barão de Montesquieu (1689-1755), nascido nobre, iniciado na Maçonaria no dia 12 de maio de 1730 na Horn Tavern Lodge, desenvolveu uma profunda admiração pela Revolução Inglesa de 1688 e pelos ideais constitucionalistas de tolerância e liberdade a ela associados. Sua obra prima “O Espírito das Leis” (1748) introduziu um traço positivista na discussão das leis das nações, que era até então terreno para vários tipos de deduções teológicas e racionalistas. Montesquieu atribui o sistema legal dos diferentes países a acasos externos, como a geografia e o comércio.

Foi o maior responsável pela teoria da tripartição dos poderes do Estado (Legislativo, Executivo e Judiciário) e o maior mestre em Direito Constitucional que a humanidade já viu.

Adam Smith (1723-1790), filósofo e economista escocês, membro da loja maçônica “St. Mary Chapel”, foi influenciado pelo empirismo moral de Hume, apoiando-se na experiência para estabelecer uma ética. Admitindo a liberdade, formulou os conceitos de liberalismo político e econômico. Defendia que o melhor meio de um Estado desenvolver a economia é deixá-la desenvolver-se livremente de acordo com suas leis naturais, com um mínimo de fiscalidade e interferência.

Jeremy Bentham (1748-1832), pensador, jurisconsulto e economista inglês, nascido em Londres. É considerado um dos últimos representantes da Escola Moralista Inglesa. Defendeu a moral utilitarista, em que a utilidade do indivíduo e da sociedade são o fundamento da norma moral. A utilidade dos objetos é definida pela sua capacidade de produzir prazer e de evitar a dor, ou o infortúnio. A sociedade ideal é a que permite a felicidade do indivíduo sem comprometer o bem estar coletivo. Suas idéias terão continuidade com James Mill e Stuart Mill.

John Tolland (1670-1722), filósofo e Teólogo, filólogo e político da Irlanda. Fez estudos filosóficos em Glasgow, Edimburgo, concluindo em Leiden, Holanda.

Seu livro mais famoso “Christianity not mysterious” (1696) foi mandado queimar pelo Parlamento Irlandês e colocado fora da lei na Inglaterra.

Tolland defendeu uma religião natural, sem sobrenaturalismo. Foi um dos mais representativos deístas e o primeiro a ser chamado “livre pensador”. Negou a autenticidade da revelação. Tolland foi, juntamente com Shaftesbury, um dos principais artífices da transição do deísmo para o agnosticismo.

Anthony Ashley Cooper, terceiro conde de Shaftesbury (1671-1713), filósofo inglês, teve a John Locke como preceptor.

Shaftesbury foi um dos principais representantes da moral do sentimento, foi sempre um otimista metafísico, mas assim como Bayle, se revelou cético frente às religiões sobrenaturalistas, limitando-se à religião racional de deísmo.

Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet(1694-1778), foi um filósofo empirista, deísta, liberal que cedo se tornou um livre pensador. Permaneceu três anos na Inglaterra e lá absorveu a filosofia empirista inglesa, que difundiu a seguir na França, onde até então predominavam várias formas de racionalismo cartesiano. É sua a frase que ainda soa atual: “para um só filósofo ainda há hoje cem fanáticos”

Meus irmãos, não querendo me estender em demasia, finalizo por aqui esse mostruário de celebridades intelectuais que deram contribuições essenciais ao nosso rito. Se houvesse tempo, teríamos que citar toda a nata intelectual da Revolução Francesa, todos os grandes cientistas desde Galileu, Copérnico, Giordano Bruno, Newton, Tycho até os atuais como Stephen Hawking, Feynman, Planck, Heinsenberg, entre tantos outros que ainda levam corajosamente o estandarte da ciência e da razão em um mundo, apesar de toda a evolução, ainda estranhamente assombrado pelos demônios do passado.

Nosso rito não precisa de mistificações para ser grandioso, não precisa de invencionices e enxertos para ser especial e não precisa de crendices para atestar sua mais pura essência maçônica. O mais maçônico entre os maçônicos.

Nosso rito só precisa de homens compenetrados de seus ideais, homens dispostos a muito mais do que a mera repetição mecânica de fórmulas rituais. Nosso rito precisa dos espíritos mais ousados. Os mais genuinamente maçons entre os maçons. (grifo meu)

Bibliografia
GOTTSCHALL, Carlos Antonio Mascia. Do Mito ao Pensamento Científico, A busca da realidade, de Tales a Einstein. 2ª Edição. Porto Alegre: Atheneu, 2004
BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford de Filosofia.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997
DIVERSOS.Enciclopédia Simpósio de Filosofia. http://www.cfh.ufsc.br/~simpozio
RUSSEL,Bertrand.História do Pensamento Ocidental.Rio de Janeiro: Ediouro,2001

15 comentários em “As bases filosóficas do Rito Moderno

  1. Tenho o maior respeito por todos os Ritos e, especialmente, pelo Ir.’. Filardo, em que pese que ele não tem o menor respeito pelo REAA que eu pratico (KKKK). De qualquer forma, coloco aqui que, como já enunciou no título de um livro há muitos anos o falecido Joelmir Beting, Na Prática a Teoria é Outra. Pergunto: na prática das Lojas do Rito Moderno essa postura científica e de profundidade filosófica moderna é praticada? Essa liberdade de consciência, numa época de tanta radicalização (eu, por exemplo, que me coloco à esquerda dessas coisas que estão por aí, mal tenho espaço para discutir em minha Loja), pode ser praticada nas Lojas do Rito Moderno? Gostaria imensamente de saber. Com todo respeito e carinho envio meu abraço tríplice e fraterno.

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  2. Olá meu caro José Filardo.

    Parabéns pelo blog, é realmente muito rico e interessante.

    Eu estou prestes a me submeter a sindicancia para uma loja simbólica do REAA, entretanto, pelo pouco que pude absorver das diferenças expostas entre os ritos, acho que ideologicamente me identifiquei mais com o rito moderno, tomando como fundamento o posicionamento e opiniões manifestados pelas lojas regulares que disponibilizam algum conteúdo para leigos em Maçonaria como eu, além de materiais como os que você disponibiliza neste blog.

    Sou um buscador e livre-pensador, e não gostaria de ingressar em uma organização que em seu discurso é adogmática, mas que na prática manifesta tendencias impositivas a seus membros. Um bom exemplo é o juramento feito sobre o livro da lei, que em nosso país convencionou-se como sendo a Bíblia, que é um livro importante e respeitável, mas que não seria o mais adequado segundo minhas convicções, que são muito particulares, melhor definidas como estando entre o Panteismo e o Agnosticismo deísta. Simbolicamente OK, mas…

    Gosto de misticismo e os Antigos Mistérios me encantam, mas o que me cativa em minha visão preconcebida da Maçonaria está ligada ao amadurecimento filosófico aliado a uma atuação transformadora e critica na sociedade, além, é claro, do importantíssimo aperfeiçoamento moral pessoal.

    Posto isso, você acha que eu deveria me candidatar a uma Loja que siga o rito que em meu parco conhecimento me parece mais adequado, ou afinal existe apenas “uma” Maçonaria e eu devo ingressar na Loja que eventualmente me acolher, independente do rito?

    Não sei se é lícito a você opinar, mas apreciarei caso possa expor sua visão.

    Um abraço.

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  3. O que eu penso que os ritos são formas importantes para aprendizado e para união, e também para uma certa disciplina nas lojas maçônica,.. mas como em uma guerra o treinamento do soldado para lhe trazer disciplina e a coragem a inteligencia assim também são , mas o saber a conscientização do porque ele esta ali lutando e mais importante e quanto mais saber melhor.

    Tfa.´. a todos Irmãos.´.

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    1. No Rito Moderno, o Aprendiz se coloca ou é colocado no topo da Coluna do Norte. A mudança ocorre somente com a responsabilidade por eles que passa a ser do Segundo Vigilante. O Primeiro Vigilante passa a supervisionar os Companheiros.

      Essas inversões são firulas rituais e não comprometem o conjunto.

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      1. Boa tarde meus Queridos e amados iir.’. tenhamos cuidado com o diálogo tendo em vista que se trata de um blog aberto ao público.
        ressaltar que o blog é uma boa e interessante fonte de estudos.
        T.’.F.’.A.’. PAZ E LUZ A TODOS OS Ii.’.

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  4. Melhor blog a respeito sobre maçonaria que já vi, nem mesmo o site das grandes lojas possuem tanta quantidade de informação. Mas surgi uma dúvida na minha cabeça, que seria: Qual rito seria mais “correto” ou “com mais sentido” ?

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    1. Prezado Brother Marco Aurélio,

      Os ritos não devem ser julgados por sua correção ou sentido. Eles podem ser mais autênticos ou menos autênticos. Os ritos mais autênticos são aqueles mais identificados com a Constituição de 1723, e os menos autênticos são aqueles inventados com base em hipóteses fantasiosas, como por exemplo o Rito Escocês que pretende ter sua origem nos cavaleiros templários, ao invés dos pedreiros livres.

      Sendo assim, os mais autênticos são o Craft Inglês, o Francês ou Moderno e o Schoeder.
      Todos os outros são invenções destinadas a atender a demandas específicas de diferentes públicos.

      Os ritos são como personalidades humanas e atendem a expectativas. Assim, o Rito Escocês, por seu conteúdo religioso conseguiu um grande número de adeptos, já que faz a ponte entre a religião original do candidato e a Ordem Maçônica.

      Em última análise, porém, todos eles desempenham o mesmo papel dentro da Maçonaria, preservando a natureza especial da associação.
      Se o maçom entender realmente do que se trata Maçonaria, o rito deixa de ter importância. O que importa é a ação que o maçom tem no seio da sociedade.

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  5. Caro senhor

    Este artigo que acabo de ler é de minha autoria (Pedro M. Pereira). Por tal facto, seria eticamente correto – no mínimo – que colocasse nele a minha autoria. Fico aguardando que o faça.
    Cumprimentos,
    Pedro Manuel Pereira

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    1. Caro irmão,

      poderia informar onde foi publicado e a data em que foi publicado?

      Vou encaminhar seu comentário ao Irmão André e aguardar a resposta dele.

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