Por José Filardo, Mestre Maçom
Invariavelmente, um irmão pede a palavra durante a sessão para dizer que as coisas estão indo cada vez pior e que “alguém precisa fazer alguma coisa”, implicando que a maçonaria precisa fazer alguma coisa. Essa manifestação, contudo, revela o desconhecimento dos irmãos sobre a instituição a que pertencemos, a Maçonaria.
Seu nascimento, em 1717, respondeu a uma necessidade de fundo político, é verdade, mas não havia proposta de intervenção direta na sociedade. Pelo contrário, destinava-se exclusivamente a oferecer uma solução individual a seus membros, que se consubstanciava no aperfeiçoamento pessoal e em atingir um estado de perfeição. A atuação social tornou-se um subproduto do networking criado entre líderes econômicos, políticos e sociais que acorreram à nova moda.
As “lojas” que viriam a constituir a Maçonaria originaram-se na Escócia no século XVII. Eram irmandades Rosacruzes com um componente de alquimia – a moda na corte escocesa da época. Também nessa época surge a Ordem dos Jardineiros (evidentemente uma referência à Rosa) que aparentemente se baseou nas guildas de construtores escocesas.
Não tardou para que essas “lojas” se espalhassem pela Escócia e a Irlanda, e assumissem um papel político de apoio ao pretendente católico ao trono do Reino Unido.
Um dado curioso é a presença em Hamlet, escrito por Shakespeare por volta de 1608, de duas personagens emblemáticas: Rosenkranz (Rosacruz) e Guildenstern (Estrela da Guilda), o que sugere, inclusive pelo papel que desempenham na peça, uma facilidade de trânsito internacional que caracterizava os franco-maçons da Idade Média.
A partir de 1625, com a ascensão de Charles I ao trono inglês, a Inglaterra entra em crise político-religiosa que culminará com a Guerra Civil em 1642. Nessa guerra morreram mais ingleses, escoceses e irlandeses do que na primeira guerra mundial. E o fosso entre católicos e protestantes se ampliou gerando uma crise política permanente.
Em 1717, foi inventada a Maçonaria que buscava enquadrar a elite pensante da Inglaterra em um quadro de regras que visavam colocar ordem na casa e, ao mesmo tempo, evitar a discussão política e religiosa entre os membros dessa elite pensante.
Assim é que na Inglaterra, a Maçonaria é considerada um braço do establishment e tem, até os dias de hoje, a mesma função de controle social definida em sua fundação.
A atuação política e social, a intervenção na vida do país, somente viria a existir com a maçonaria liberal, na França, em 1804, fecundada pelo espírito da Revolução. Diferentemente da maçonaria inglesa – voltada para o aperfeiçoamento individual, a Maçonaria francesa elegeu a defesa ativa dos valores da República como seu objetivo, projetando para fora das lojas a atuação dos maçons.
A importância dessa característica da Maçonaria francesa está em que ela foi a matriz da Maçonaria Brasileira, influenciando-a desde seus primórdios.
A maçonaria penetrou o imaginário dos brasileiros por seu papel primordial na conspiração que separou o Brasil de Portugal e que promoveu ativamente a proclamação da independência em 1822. Ao longo do século XIX, ela se verá envolvida na emancipação dos escravos e no golpe de estado de 1889 que proclamou a República do Brasil.
Ela criou a imagem de protagonista ativo na história, uma imagem que jamais perdeu e que produz hoje o fenômeno da dicotomia entre imagem e realidade que testemunhamos na Maçonaria Brasileira.
Assim é que nos dias atuais, a Maçonaria brasileira é dominada por Ritos que se caracterizam, como também o Craft inglês, por seu enfoque no aperfeiçoamento individual e na realização da iluminação – o famoso “Desbastar a Pedra Bruta”. Essa maçonaria “regular” se submete aos ucasses da Grande Loja Unida da Inglaterra e tem um perfil conservador.
Mas, por outro lado, ela tem que conviver com o fantasma da maçonaria francesa incorporado à imagem da Maçonaria Brasileira, cuja história se confundiu com a história do Brasil até a década de 1930.
É preciso lembrar que de 1822 a 1930 existiram políticos de verdade, e eles usaram a maçonaria como ferramenta para alavancar suas atuações e não, necessariamente, a maçonaria como instituição para atuar politicamente.
Se analisarmos a história pátria, veremos que a atuação política dos cidadãos brasileiros sofreu grandes revezes a partir de 1930. A ditadura de Getúlio Vargas provocou a redução tanto da atividade política quanto da atividade maçônica, vez que ele proibiu as lojas em um primeiro momento, e em um segundo momento ele infiltrou-as e reduziu sua influência.
Com o retorno da normalidade constitucional em meados da década de 40, uma geração já estava perdida. Foram necessários mais vinte anos para criar outra geração de políticos, mas que teve suas pernas cortadas pela ditadura militar. A consequência é que hoje existem raros políticos de verdade, vez que toda uma geração foi impedida de aprender a fazer política.
E essas duas gerações com pouco ou nenhum traquejo político compõe a maçonaria brasileira de hoje. Acomodados em ritos que só exigem presença em loja, estudo solitário e aperfeiçoamento pessoal egoístico, acomodam-se, e no máximo conseguem reagir às manchetes da imprensa marrom brasileira para clamar por uma ação da maçonaria para resolver os problemas da sociedade.
Mas, a Maçonaria não tem que resolver problemas políticos e sociais. Os maçons é que têm de assumir seu papel de cidadão e valer-se do grande potencial de articulação e do networking que a maçonaria lhes oferece e partir para a atuação política, econômica e social que é seu dever básico enquanto homem livre e de bons costumes.
Obrigado pela exposição escrita.
Devo apenas registar que a Maçonaria é, e será, aquilo que a maioria dos seus membros queiram que ela seja. A Maçonaria é humana, estritamente dependente das variáveis humanas e, como tal, sempre sujeitas à vontade maioritária dos seus Obreiros
Decidiu-se por não actuar directamente na sociedade, porque essa tem sido a vontade da maioria. Um dia, uma maioria pode decidir que os rumos sejam outros.
Exemplo de vontade coletiva, aconteceu, quando se tomou a decisão de definir entre a acção da Maçonaria Regular e a Maçonaria Irregular. Na “Regular” a maioria decidiu não autorizar discussão política ou religiosa e aceitar a crença no G.´,A.´.D.´.U.´.. Para além de não aceitar a iniciação de mulheres no seio seio.
Na Maçonaria “Irregular” permite as discussões políticas ou religiosas e deixa em aberto a crença ou não no G.´,A.´.D.´.U.´. e, permite e reconhece Obediências Femininas.
Não se trata de conservadorismo, mas se quisermos, então as influências francesas também elas o são.
Mas se as decisões resultaram da maioria dos seus Obreiros, não vem mal ao mundo. Ambas, a “Regular” e Irregular” partilham dos mesmos princípios. São caminhos paralelos, mas que se encontram e cruzam no infinito. E tornar a Maçonaria infinita, depende unicamente da vontade maioritária de seus Obreiros.
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Tens toda razão, Brother Ribeiro
A lamentar, apenas, o desperdício de poder da Maçonaria Regular. Em minha opinião, os Franceses reinventaram a Maçonaria de 1717 e a transformaram em alguma coisa útil para a humanidade, não apenas um instrumento de gozo e fruição de uma pequena parcela egoísta da humanidade.
TAF
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Ir.’. Filardo.
Suas explicações sobre o tema são dignas de registro e acredito compartilhar com suas ideias, principalmente no que diz respeito a sermos pessoas de bem. Pelos seus ideais, a maçonaria não é, ou melhor jamais foi, palco de divulgação. Devemos como pessoas de bem fazer a nossa parte. Mesmo que tenha pouco tempo, mas na condição de maçom, devo sempre me revoltar contra as injustiças, jamais como representante de Loja, mas como pessoa.
Acredito que em verdade, as Lojas devam ao menos servir como meio e não como fim voltadas para uma sociedade melhor.
Diante de um infindável quantidade de meios, todos a nosso favor, devemos protestar e divulgar que sempre estaremos atentos aos desmandos de alguns.TFA
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http://www.victorguerra.net/2013/12/masoneria-espanola-ante-la-regresion-de.html
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