Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

E-Mail: revista.bibliot3ca@gmail.com – Bibliotecário- J. Filardo

Escolher o fim da vida: uma liberdade, um direito?

Tradução José Filardo

Entrevista com o Professor Bernard Lebeau

Artigo | Revista Franc Maçonnerie | POR  HELEN CUNY

 

Dr. Bernard Lebeau
Dr. Bernard Lebeau

Bernard Lebeau, oncologista e pneumologista, ex-chefe de departamento no Hospital Saint-Antoine (Paris) fez da “escolha do fim da vida” a sua luta. Na França, o Estado secular, a eutanásia, definida (1) como um ato consistente em conduzir uma morte sem dor para um paciente que sofre de uma doença incurável, resultando em dor intolerável, continua proibida. Um assunto delicado, que abala nossa sociedade em suas convicções, mas esse assunto Bernard Lebeau conhece bem a partir de sua longa experiência como prático hospital. Ele é o autor de um romance de título chocante O Eutanasista (2), no qual ele imagina que o ambiente tranquilo de uma nova lei que permite a eutanásia, permitindo o surgimento de uma profissão, praticante de final de vida. Com base no tríptico republicano, “liberdade, igualdade, fraternidade”, Bernard Lebeau, nesta nova e perturbadora ficção, desafia o leitor sobre o direito de morrer com dignidade.

Helen Cuny: Por que você escolheu a ficção para lidar com essa questão?

Bernard Lebeau: Trabalhando sobre o fim da vida por mais de uma década, tenho lido muitos testes e livros de informações sobre o assunto. Os casos que desencaderam as manchetes (o caso Vincent Humbert, em 2002, ou o de Paulette D em 2003, o de Chantal Sebire em 2008) foram muitas vezes apresentados de forma distanciada, sem envolvimento pessoal. A ficção pareceu-me uma via interessante, mais humana, combinando sensibilidade e razão para obter uma verdadeira reflexão ao lidar com casos concretos. Como médico, assisti à morte de mais de 4.000 pessoas. Vamos dizer que na França, a lei Leonetti resolveu tudo está errado, mas existem os não-ditos no seio da profissão médica sobre o que se faz e o que não se diz. Ora, não é avançando cegamente, mascarando uma certa realidade que a nossa sociedade vai evoluir.

HC: Em que a lei Leonetti é insuficiente na sua opinião?

BL: A Lei Leonetti de 2005 é um progresso; ela prevê a intensificação de cuidados paliativos (3), mas sobretudo ela agregou três pontos fundamentais: a introdução da lei de duplo efeito (4), do meu ponto de vista muito hipócrita; mais importante, a possibilidade de os médicos interromper todos os cuidados considerados supérfluos para evitar tratamentos agressivos; enfim, a obrigação imposta aos médicos de considerar as diretivas antecipadas por escrito e renovadas há menos de três anos. Mas é preciso constatar que essas medidas não são suficientes. A minha experiência como prático tem sido fundamental na minha abordagem. Especializado no tratamento de cânceres de pulmão, eu criei com a minha equipe, todo um serviço de cuidadores treinados em cuidados paliativos: tivemos um médico de cuidados paliativos em tempo integral e quatro leitos dedicados a isso(5). Apesar de todos os nossos esforços, e porque não queremos transgredir a lei, ainda tínhamos pacientes com grande sofrimento tanto físico quanto psicológico. Nessas situações também os que o cercam sofrem. Podemos nos satisfazer humanamente com tal situação? Acho que não.

HC: Como se posiciona a comunidade médica sobre essa questão?

BL: Ela permanece dividida; uma metade é favorável a uma lei que permita a eutanásia, a outra é ferozmente contra. A recusa vem essencialmente da proibição religiosa que diz: “Não matarás.” É preciso destacar que na França, o peso dos lobbies religiosos, sejam católicos, ortodoxos, judeus ou muçulmanos é muito forte e continua a ser o principal obstáculo para o desenvolvimento da lei Leonetti.

HC: O paradoxo é que somos um Estado secular…

BL: Exatamente. No entanto, eu não quero suscitar divisões no seio da sociedade, mas sim unir: eu gostaria de convencer e fazer valer a máxima “amai-vos uns aos outros” e, especialmente, respeitai uns aos outros. As crenças referem-se estritamente à esfera pessoal, não há que se impô-las aos outros. Cada um é livre para escolher, o mesmo deve valer diante da morte. Nós não temos o direito de dizer a alguém “você deve morrer, assim como você tem que dar à luz com dor.” Não se trata de impor a eutanásia. Deveria haver uma nova lei que permitisse uma escolha informada. A eutanásia é proposta por uma sociedade avançada a cidadãos informados e responsáveis, somente se eles estão buscando; ela respeita o ser vivo através de sua escolha quando seu sofrimento moral ou físico, se torna incontrolável quando seu fim não termina. Sua prática demonstrou ser bem fundada há mais de dez anos na Holanda e na Bélgica.

HC: O que você sugeria, no caso da legalização da eutanásia?

BL: No contexto de uma nova lei, dever-se-ia empregar tempo para resolver todas as deficiências da lei Leonetti, e na minha opinião, há pelo menos cinco casos precisos:

– As doenças neurodegenerativas, como a Alzheimer. Hoje, os cuidadores reconhecem o sofrimento dos pacientes com esta doença, no entanto, permanecem impotentes para o aliviar. Se a lei Leonetti prevê o encerramento dos cuidados, a agonia dos pacientes ainda pode se prolongar por semanas.

– O tetraplégico para quem a escolha de acabar com sua vida deve ser pessoal. O belo filme Mar Adentro, que descreve a jornada do marinheiro e escritor tetraplégico Ramón Sampedro, do diretor espanhol Alejandro Amenábar ilustra esse caso de maneira admirável.

– Os muito idosos. É preciso destacar que o Prêmio Nobel belga Christian de Duve morreu por eutanásia a seu pedido em maio de 2013, com a idade de 95 anos. Uma decisão motivada por um estado de saúde que havia se deteriorado: a lei belga permitiu-lhe partir com toda tranquilidade junto à sua família.

– Os recém-nascidos com malformações graves que comprometem o processo vital de curto prazo;

– Finalmente, depressão grave para o qual os psiquiatras devem realizar profundos trabalhos de reflexão, eu mesmo não tendo qualquer competência nesta área.

HC: Em nível ético, não se teria que recear desvios, como aqueles que poderiam ocorrer com a eugenia na década de 40?

BL: É com o objetivo de se opor a essa prática da eutanásia na França, que algumas pessoas a comparam à eugenia chegando atá a até vender fatos inexistentes como a fuga para a Alemanha de idosos holandeses assustados com medo de ser aplicada arbitrariamente a lei desse país autorizando a eutanásia denominada ativa! É preciso, no entanto, ouvir os outros, aqueles que temiam que a prática legalizada da eutanásia não leva a abusos. Para evitar toda aplicação com tendência eugênica dessa assistência à morrendo, especialmente em relação a sujeitos vulneráveis ​​(crianças, idosos, indivíduos com deficiência grave), mas também de modo a não dar azo a críticas sectárias injustas, a eutanásia deve permanecer sob estrita supervisão médica, legal e social.

HC: Segundo você, a sociedade está pronta para uma nova lei?

BL: Sim, ela está pronta, mesmo que os resultados das pesquisas variem de acordo com a formulação das perguntas; se você fizer a pergunta “você prefere cuidados paliativos ou a eutanásia? “É claro que a maioria vai tender para os cuidados paliativos. Todo estamos a favor dos cuidados paliativos. Hoje, 90% dos entrevistados dizem ser a favor da eutanásia ativa, sob determinadas condições estritas, distinguindo as situações de urgência e aquelas que não o são, e todos tendo a consciência de que, se a eutanásia se revela uma escolha pessoal, esta escolha deve ser recomendada por escrito.

HC: Do lado do legislador, as mudanças na lei atual estão em curso nesse momento?

BL: François Hollande recebeu esse ano um relatório de uma comissão presidida por Didier Sicard. Esse relatório foi submetido ao Comitê Nacional de Ética, anteriormente presidido por Alain Grimfeld. Se o relatório for de qualidade muito factual, as propostas que resultaram dele são inadequadas, com a constatação e revelam a tensão entre diferentes membros da Comissão: é necessário aumentar os cuidados paliativos, mas não se pratica a eutanásia ativa. Este é um pequeno passo à frente. François Hollande seria a favor de um debate público e a ideia de um referendo também foi expressa por Jean-Luc Romero. Nada mais nesse momento.

HC: A sua carreira maçônica influenciou sua abordagem?

BL: A Maçonaria definitivamente deu-me um novo fôlego nos meus últimos quinze anos de prática médica. Isso me inspirou a mudar o quotidiano, construir, pedra por pedra uma boa ferramenta, e ajudar. A busca da felicidade para si mesma passa pelos outros e meu compromisso maçônico me tornou mais forte: o apoio da liberdade, igualdade e fraternidade constitui uma regra de vida e eu acho que se abordarmos os problemas sociais com essa regra secular, se a respeitarmos, todos os problemas podem ser resolvidos. Hoje, lutamos pela eutanásia como vimos lutando há 40 anos pelo aborto. Mas, o meu discurso é destinado a pacificar e apela simplesmente à reflexão, para que a escolha do fim da vida torne-se um direito.

 

Notas

(1) Definição retidada do Larousse médico. Podemos distinguir a eutanásia passiva que se refere a pacientes em coma e que são artificialmente mantidos vivos. Em todo o mundo, apenas a Bélgica e a Holanda legalizaram a eutanásia ativa.

(2) Publicado em 2013 por Edições Boite à Pandore

(3) Os cuidados paliativos são “cuidados ativos e contínuos realizados por uma equipe multidisciplinar, em colaboração com os voluntários de acompanhamento, instituição ou em casa. Elas são projetadas para aliviar a dor, aliviar o sofrimento psíquico, salvaguardar a dignidade do paciente e apoiar as pessoas em torno dele. Elas visam preservar a melhor qualidade de vida possível até a morte. A definição emana do Ministério da Saúde e Assuntos Sociais.

(4) O duplo efeito significa que temos o direito de administrar uma droga letal a um paciente para aliviar sua dor. O segundo efeito é a morte devido ao aumento da dose.

(5)O serviço de Professor Lebeau foi condecorado com a medalha de ouro da revista Que Choisir (publicada em abril de 2011) para o tratamento de câncer de pulmão.

Sobre a autora 

Helen Cuny

Editora

 

Um comentário em “Escolher o fim da vida: uma liberdade, um direito?

Deixe um comentário