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Grau 24 – Príncipe do Tabernáculo (REAA)

Publicado em FREEMASON.PT

Por João Anatalino Rodrigues

Avental do Grau 24 – Príncipe do Tabernáculo (REAA)
Avental do Grau 24 – Príncipe do Tabernáculo (REAA)

Construindo o Tabernáculo

No grau 24 (Príncipe do Tabernáculo) os trabalhos consistem em ensinar os Irmãos a construir o Tabernáculo, por isso a sua origem está fundamentada nos versículos 25 a 26 do livro do Êxodo, onde Deus dita a Moisés as instruções para essa construção.

É o grau em que, simbolicamente, o Maçom adquire a capacidade de funcionar como sacerdote. Neste caso, deverá ter em mente todos os ensinamentos dos graus anteriores, porque será o momento de usá-los.

Não se pode esquecer que o sacerdote, na cultura hebraica, não é somente o oficiante de cerimónias religiosas. Ele é, também, o intérprete e aplicador das leis, visto que tal cultura era essencialmente teocrática e as funções do estado não estavam dissociadas da religião.

Desta forma, dos maçons-sacerdotes não se exige que estejam a par somente das tradições religiosas, mas também de todas as fórmulas legais existentes, para que possam julgar com justiça e ministrar aos irmãos dos graus inferiores a correcta orientação doutrinária. Por isto se evoca constantemente, como ensinamento do grau, as questões ligadas à justiça, aos tribunais, aos julgamentos, ao respeito que deve à lei, etc.

No relato bíblico, vê-se que Deus orientou Moisés para que requisitasse do povo de Israel os materiais necessários para a construção do Tabernáculo e da Arca da Aliança. Os materiais requisitados eram ouro, prata, bronze, estofo azul, púrpura carmesim, linho fino, peles de cabra e de carneiro, e de animais marinhos, madeira de acácia, azeite, incenso, pedras preciosas para ornamentar as vestes sacerdotais. Não é demais lembrar que nessa época o povo de Israel vagava pelo deserto, sem se ter ainda fixado em Canaã.

Todo o material requisitado para a construção do Tabernáculo guarda estreita relação com a vida nómade que aquele povo levava. Os israelitas viviam em tendas cobertas de peles de carneiro e cabras, cujos rebanhos os acompanhavam na sua peregrinação. Possuíam ouro, prata e bronze em forma de utensílios, ornamentos, estatuetas e outros objectos, obtidos como parte dos despojos retirados do Egipto por ocasião do Êxodo. Outros objectos, tais como tecidos finos, púrpura, linho etc. bem como as especiarias, eram comprados das caravanas que constantemente cruzavam o seu caminho, na sua rota para a Palestina.

A marcha dos hebreus através do deserto deve ter sido um espectáculo magnífico. Estima-se que eram em número de seiscentas mil as pessoas que deixaram o Egipto, sendo que a maior parte dessa multidão, especialmente os mais idosos, morreu durante a jornada. E por quarenta anos viveram no deserto antes de entrar em Canaã, a terra da promessa, que manava leite e mel.

É preciso ver nesta peregrinação de Israel pelo deserto, as suas lutas internas e externas, as dúvidas, os sofrimentos, a obstinação pela manutenção da fé, o castigo imposto por Deus a Moisés, de ser impedido de entrar na terra prometida, apesar de ter cumprido gloriosamente a missão que lhe foi confiada, um profundo ensinamento iniciático.

Em primeiro lugar a construção de um Tabernáculo foi necessária para que, fosse para onde fosse o povo de Israel, levasse o símbolo da presença de Deus no meio do povo. O Tabernáculo era uma espécie de tenda, construída de uma forma especial. Representava um templo móvel, próprio para um povo errante. E dentro dele a Arca Sagrada, símbolo da aliança do povo de Israel com Deus.

Note-se o simbolismo dos materiais requeridos para a construção da Arca, do Tabernáculo e seus adereços: ouro e prata, metais, que como vimos, na tradição alquímica são metais puros; madeira de acácia, sendo esta, no Oriente, a planta que simboliza a ressurreição. Além destes objectos, havia também pedras preciosas, como a ónix, por exemplo, que segundo a tradição ligada à Gematria, é um poderoso catalisador de energia; e linhos finos, simbolizando a pureza que a casta sacerdotal deve manter.

Nenhuma indicação, seja em relação aos materiais requeridos, ou à construção da Arca e do Tabernáculo e seus acessórios, é gratuita. Tudo tem a sua razão de ser; o Propiciatório e os querubins, ambos de ouro; a mesa de madeira de acácia, de dois côvados por um, para suportar a Arca, e as argolas de ouro para facilitar o seu transporte; todos os vasos, pratos e utensílios de serviço nas cerimónias, feitos de ouro, enfim, tudo visava a uma finalidade prática, ou iniciática, pois ali, naquele Tabernáculo, realizar-se-iam as cerimónias que consagravam a união de Deus com o seu povo.

A ornamentação interna também deve ser objecto de particular interesse porquanto é composta de tantas minúcias, que dificilmente creditaríamos a um mero exercício de imaginação por parte de Moisés ou os sacerdotes israelitas. Dez cortinas de linho retorcido, com estofo azul de púrpura e carmesim, ornamentadas por querubins, com vinte e oito côvados de largura por quatro de altura, constituíam as paredes do Tabernáculo. Nas orlas, laçadas de estofo azul, presas com colchetes dourados; por cima de tudo isso, uma cobertura de peles de cabra servindo como tenda. E acima dessa coberta mais duas outras coberturas feitas, uma de peles de carneiro tintas de vermelho, e por cima dela outra, feita de peles de animais marinhos.

Tudo isto, naturalmente, tinha que ser sustentado por uma armação de madeira cuidadosamente elaborada. Os planos para esta armação são tão minuciosos que até um carpinteiro moderno teria dificuldade para executá-los. Traves e tábuas de madeira de acácia, todas cuidadosamente aparelhadas, orientadas em relação ao norte e sul com extrema precisão; e todo o sistema de travamento, com encaixes, presilhas, colchetes, bases, argolas, etc. tudo de ouro ou bronze conforme o caso.

E por fim, a montagem do altar. Sobre quatro colunas de madeira de acácia, cobertas de ouro, com colchetes desse metal e bases de prata, Moisés deveria pendurar um véu de estofo azul, púrpura e carmesim, ornamentado com querubins, formando o Propiciatório; e sob esse véu depositar a Arca da Aliança. Fora, em frente ao propiciatório, uma mesa orientada para o norte e sobre ela, candelabros orientados para o sul. Na porta da tenda, um reposteiro para estofados, nas mesmas cores e motivos, ornado por cinco colunas de madeira de acácia, recobertas de ouro, faziam o papel de antecâmara do Propiciatório, que era o altar do Santo dos Santos.

Um modelo do Universo

Todas as instruções para a construção do Tabernáculo foram passadas a Moisés através de um sonho. Este era, pelo menos na visão interior de Moisés, o modelo do universo de cima, onde residia o Grande Arquitecto do Universo. Construindo-o dessa maneira, Moisés pensava reproduzi-lo na terra. E neste simulacro do “céu”, este holom do universo, ele receberia a visita do Deus de Abraão, Isaac e Jacó, o Inominado, aquele cujo nome era, pelo menos até aquele momento, para ele, apenas um Verbo: “Eu Sou”. Nisto, estava ele perfeitamente de acordo com o preceito hermético, segundo o qual “o que está em cima é igual ao que está em baixo”.

Esta inspiração de Moisés não foi, de certo, gratuita. Afinal Moisés viveu no Egipto os primeiros quarenta anos da sua vida, sendo inclusive membro da família real. Isto credenciava-o a compartilhar dos segredos atribuídos aos sacerdotes egípcios, de vez que a família real, por força da própria estrutura política do Egipto, era iniciada nos sagrados Mistérios.

Recorde-se que Hermes, o deus grego que simboliza o conhecimento, era para os egípcios, o deus Thot, protector das ciências, entre elas a Arquitectura, arte sagrada entre os egípcios. Os gnósticos e hermetistas gregos também identificavam o deus Toth com a figura mitológica de Hermes Trismegistus, uma espécie de deus-sacerdote que teria vivido três encarnações no Egipto e legado àquele povo, (e a toda humanidade), a verdadeira sabedoria. Daí a possibilidade de que Moisés tivesse elaborado os planos do Tabernáculo de acordo com antigos ensinamentos por ele adquiridos no Egipto não é possibilidade que deva ser descartada. São muitos os conhecimentos arcanos e os motivos esotéricos aplicados na confecção do Tabernáculo a indicar uma influência dessa ordem.

É provável também que essa visão de Moisés tenha inspirado o arquitecto do Templo, que três séculos mais tarde, iria ser construído pelo rei Salomão. Mas sobre isto não há informação que o confirme. O que se pode perceber nessa riqueza de detalhes, como já se disse, é o elevado conteúdo esotérico e por que não dizer, iniciático, desses planos de construção. A orientação em relação aos pontos cardeais, o tamanho exacto das armações, as coberturas e a ornamentação, tudo denota uma orientação que não pode ser casuística.

Esta é razão do apreço com que os maçons operativos cultuavam as lendas relativas à construção do Templo de Salomão, que segundo as suas crenças, eram baseadas nas instruções dadas a Moisés para a construção do Tabernáculo. Dessa forma, todos os adereços, os planos geométricos, a  forma e todos os demais detalhes estavam ligados a um conhecimento esotérico que deveria ser veiculado através desses símbolos. Assim, tanto o Tabernáculo quanto o Templo de Salomão seriam verdadeiras enciclopédias de saber arcano, que dessa forma eram conservados e transmitidos aos iniciados. Foi esta tradição que os maçons operativos medievais conservaram e retransmitiram através da sua Arte.

Fonte

  • Do livro Mestres do Universo – Ed. 24×7 – São Paulo, 2010