Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Exausto no Vaticano – As batalhas finais do Papa Benedito XVI

Tradução José Filardo

O ambiente no Vaticano é apocalíptico. Papa Benedito XVI parece cansado, e tanto incapaz quando pouco disposto a assumir as rédeas em meio a lutas ferozes e escândalos. Embora insiders do Vaticano disputem o poder e especulem sobre seu sucessor, Joseph Ratzinger retirou-se para se concentrar em seu legado ainda ambíguo.

Finalmente, há clareza. A Santa Sé esclareceu as coisas e tornou o documento acessível a todos: um folheto sobre como verificar se as aparições da Virgem Maria são autênticas.

Tudo será muito mais fácil de agora em diante. A Igreja Católica deu um passo à frente.

Estas “notícias de última hora” da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) revelam os tipos de questões, com que o Vaticano está preocupado– e o tipo de mundo em que alguns vivem ali. É um mundo em que a investigação oficial da Igreja de avistamentos da Virgem Maria é cuidadosamente regulamentada, enquanto cardeais da Cúria Romana, aparelhos administrativos e judiciais do Vaticano, exercem poder com absolutamente nenhuma verificação e a correspondência privada do Papa surge nas gavetas da mesa de um mordomo.

É uma aparição completamente diferente da Virgem Maria que arrastou o Vaticano e a Igreja Católica para uma nova crise, cujo fim e impacto só se pode supor: a aparência de uma fonte no coração da Igreja, uma conspiração contra o Papa e um vazamento cujo codinome é “Maria”.

Desde o final de Maio, o antigo mordomo do Papa, Paolo Gabriele, está detido em uma cela de 35 metros quadrados no Vaticano, com uma janela, mas sem TV. Usando o nome de código “Maria”, ele alegadamente teria contrabandeado faxes e cartas para fora dos aposentos privados do Papa. Mas, ainda não está claro quem o estava instruindo a fazê-lo.

Mesmo com prisão de Gabriele, o vazamento ainda não foi tapado. Mais documentos foram liberados ao público na semana passada, documentos destinados principalmente para prejudicar dois associados íntimos do Papa Benedito XVI: seu secretário privado, Georg Gänswein e o Cardeal Secretário de Estado, Tarcisio Bertone, principal administrador do Vaticano. De acordo com um documento, “centenas” de outros documentos secretos seriam publicadas se Gänswein e Bertone não fossem “expulso do Vaticano.” “Isso é chantagem, diz o especialista Vaticano Marco Politi. “É como ameaçar guerra total”.

Uma casa em Desordem

O medo corre desenfreado na Cúria, onde o humor raramente foi miserável desse jeito. É como se alguém tivesse enfiado um pau em uma colmeia. Homens vestindo batinas roxas estão correndo atabalhoados, agitadamente monitorando a correspondência. Ninguém mais confia em ninguém, e alguns até mesmo hesitam em se comunicar por telefone.

Tudo começou no ano sétimo amaldiçoado do papado de Benedito XVI, com impressionantes paralelos à parte final do papado do Papa João Paulo II. As mesmas queixas sobre liderança ruim e divisões internas estão sendo exibidas fora paredes do Vaticano, enquanto o próprio Papa parece exausto e incapaz de exercer seu poder.

Joseph Ratzinger completou 85 anos em Abril. Isso faz dele o Papa mais velho Papa em 109 anos, e um dos poucos papas que exerceram o que Benedito chamou este “enorme” ofício em uma idade tão avançada.

Naturalmente, ele ainda está invejavelmente em forma, tanto mental quanto fisicamente, especialmente se comparado ao seu antecessor em seus últimos anos. Mas, falar tornou-se inconfundivelmente mais difícil para Benedito do que no início de seu papado, e é difícil deixar de perceber que seus movimentos tornaram-se rígidos e cautelosos.

Ele disse recentemente a um visitante que seu velho piano quase não tem mais qualquer uso. Tocá-lo exige prática, acrescentou ele, mas ele não tem mais tempo para isso. Ele prefere continuar a trabalhar na última parte de sua série sobre Jesus, que ele quer terminar antes de morrer.

Um Navio Sem Capitão

Estes dias, não é difícil encontrar clérigos no Vaticano que estão dispostos a falar, desde suas identidades permaneçam anônimas.

O Monsenhor que caminha até um restaurante perto de Piazza Santa Maria no bairro Trastevere de Roma uma noite trabalhou estreitamente com Ratzinger no CDF por vários anos. Mas, mesmo antes que o garçom chegue com água e vinho, o Monsenhor oferece seu veredicto sobre o Papado do Ratzinger: “O Papa não exerce plenamente seu ofício!” Em sua opinião, ao invés de ter as coisas sob controle, elas o controlam.

O Papa não está interessado nos assuntos diários no Vaticano, diz o Monsenhor anônimo. Ainda assim, isso é não exatamente sem precedentes, pois seu antecessor também negligenciou a Cúria. Enquanto o Papa polonês passou muito tempo viajando, seu sucessor alemão é aparentemente mais feliz enquanto folheia livros e escreve discursos. “Ele simplesmente não é capaz tomar as coisas em suas próprias mãos,” diz o Monsenhor. Em suma, acrescenta, o Papa enfrenta um poder diferente em Roma – e um do qual ele não assume o comando.

Embora o Vaticano seja católico, ele também é dois terços italiano. Ao final, diz o Monsenhor, os funcionários e a administração do Vaticano não se importam com quem entre suas fileiras conduz a Igreja. Mesmo para alguém que tenha estado vivendo lá há décadas, diz o Monsenhor, “o Vaticano é um novelo de lã quase impossível de desembaraçar – nem mesmo por um Papa.”

Quando João Paulo II morreu em abril de 2005, a Cúria estava em terrível forma. Eventos e decisões pessoais tinham sido adiadas durante seus últimos anos, em que esteve frequentemente muito doente. Esperava-se que o novo Papa finalmente limpasse as mesas e desse à Cúria um novo começo.

Mas, na maior parte, tais reformas não se materializaram. Sacerdotes ainda mantêm todas as posições-chave, incluindo aquelas sobre o Conselho para os Leigos e o Conselho para a Família. A única mulher em uma posição importante, a britânica Lesley-Anne Knight, foi expulsa do escritório de secretário-geral da Agência de desenvolvimento Católica Caritas Internationalis em 2011 por ter-se oposto abertamente à hierarquia da Igreja dominada por homens.

Fraturado e Feroz

Uma “reforma da Cúria” é, provavelmente, uma contradição em termos. Seu modelo de organização hierárquico e essencialmente medieval é incompatível com a gestão moderna. O Vaticano é um sistema anacrônico, embora surpreendentemente tenaz, em que prevalecem ordens seletivas e uma absurda propensão para sigilo e intriga. “A única coisa importante é a proximidade com o monarca”, diz um membro da equipe de um cardeal. Roma funciona como uma corte absolutista, em que as decisões são tomadas por pessoas, sussurrando coisas nos ouvidos das outras, ao invés de comissões. “Há muitas pessoas vaidosas aqui, pessoas em acentuada concorrência entre si”, acrescente o membro da equipe.

Que falou com quem e por quanto tempo? Sobre o que eles falaram? Quem participa de missa da manhã com quem, e quem convida quem para jantar? Quem está “in” e quem está “out”? Quem pertence e quem não pertence, e quem está a favor e quem está tirando o corpo? ” Esse ambiente promove sentimentos de exclusão, discriminação, inveja, vingança e ressentimento,” diz o Monsenhor. E todas as coisas agora apareceram nos documentos chamados Vatileaks.

O secretário papal Gänswein, em particular, fez muitos inimigos. Como o porteiro do Papa, ele tem influência sobre a quem é concedido ou negado a favor do Pontífice, bem como sobre quais eventos e problemas podem chamar a sua atenção. Este poder pode provocar medo, ciúme e escárnio nos corredores do Palácio Apostólico, a residência oficial do Papa. Para Gänswein, pareceu quase milagroso, que ele pudesse passar uma noite inteira, relaxando e conversando com clérigos alemães na Embaixada do Vaticano em Berlim em setembro passado. Foi uma experiência que ele não poderia ter tido em Roma.

O Vaticano está se desintegrando em dezenas de grupos de interesses concorrentes. No passado, eram os jesuítas, os beneditinos, os franciscanos e outras ordens que competiam pelo respeito e influência dentro da corte do Vaticano. Mas, sua influência desapareceu e eles foram agora substituídos principalmente pelas chamadas “novas comunidades clericais” que trazem grandes multidões animadas às missas celebradas pelo Papa: o Neocatecumenato, os Legionários de Cristo e os tradicionalistas Sociedade de São Pio X  (SSPX) e a Fraternidade Sacerdotal de São Pedro – para não mencionar “máfia santa” mundial da Opus Dei.

Todos eles têm seus agentes abertos e clandestinos em e em torno do Vaticano e todos eles são proprietários de imóveis ou administram universidades, institutos e outras instituições educacionais em Roma. Diversos cardeais e Bispos defendem seus interesses no Vaticano, muitas vezes sem um mandato oficial ou reconhecido. No Vaticano, todo mundo está contra todos, e todo mundo sente que tem Deus do seu lado.

Talvez Benedito XVI simplesmente conheça bem demais o Vaticano para tentar reformá-lo seriamente. “Como Papa, este veterano “insider” curial acabou por ter praticamente interesse zero em efetivamente administrar a Cúria Romana,” escreve John L. Allen, um biógrafo do Papa.

Perdedores na Batalha pela Reforma

O atual escândalo desdobrou-se contra este pano de fundo. As revelações sobre os documentos secretos do Vaticano – apelidados de “Vatileaks” por ninguém menos que o porta-voz papal, Padre Federico Lombardi – surgiram pela primeira vez há mais de quatro meses. Eles sugerem um Vaticano atolado em campanhas de corrupção e assassinatos morais; uma trama que parece dificilmente limitada aos atos de roubo de um mordomo.

A figura central é o arcebispo Carlo Maria Viganò, a quem o papa instruiu em julho de 2009 que limpasse a administração do Vaticano. O advogado superzeloso impôs cortes em várias áreas, incluindo contratos de construção, imobiliários e de gestão dos Jardins do Vaticano. Em uma carta a Bertone, ele escreveu que ele tinha transformado um défice orçamental de Vaticano de €7,80 milhões (US $9,8 milhões) em um superávit de €34,50 milhões dentro de um ano, colocando um fim às redes de antigos colegas que habitualmente “sempre davam contratos às mesmas empresas” – pelo dobro dos preços geralmente pagos fora do Vaticano. Viganò tornou-se impopular com sua luta contra o desperdício e abuso de poder.

Ele foi manobrado para fora de seu cargo depois de apenas 27 meses e, desde outubro, ele é embaixador do Vaticano nos Estados Unidos, em Washington, bem longe do Vaticano. Ele recebeu sua transferência como uma punição. Em uma carta de protesto ao Papa, ele pintou um retrato contundente da Cúria: “O Reino está fragmentado em muitos Estados feudais pequenos, com todo mundo lutando entre si.” As condições, ele escreveu, são “desastrosas” e, ainda pior, são “bem conhecidas” de toda a Cúria.

O escândalo Vatileaks também trouxe à tona as razões por trás a demissão de outro alto funcionário. Ettore Gotti Tedeschi, chefe do banco Vaticano até pouco antes de Pentecostes, foi aparentemente colocado para fora porque estava tentando trazer mais transparência à instituição repleta de escândalos. Seu objetivo era tornar o banco — onde os padrinhos da máfia guardavam seu dinheiro – elegível para a “lista branca” da Organização de Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (OCDE) de organizações supostamente limpas. Tedeschi queria que o Vaticano finalmente divulgasse as transações que atendiam as normas internacionais sobre o combate à lavagem de dinheiro. Ele falhou.

Observadores acreditam que o caso do banqueiro é o núcleo real do escândalo, uma luta de poder sobre o controle das Finanças do Vaticano. Isso provavelmente explica porque Tedeschi, foi expulso tão vigorosamente. O conselho de administração do banco emitido justificativas absurdas para sua expulsão, dizendo que Tedeschi, professor de ética empresarial, era imprevisível e tinha chamado a atenção para si mesmo através de suas ausências.

Em todo caso, está claro que Tedeschi perdeu em uma luta contra Bertone. Aparentemente desagradava ao segundo em comando do Papa, que novas diretrizes pudessem fazer um corte em ativos do Vaticano.

Uma Velha Guarda Ignorada

Seria demasiado simplista interpretar tudo isto como apenas um conflito entre os reformadores e os tradicionalistas. Na realidade, é sobre Esclerose da Igreja e um problema que tem um nome: Benedito XVI.

A Velha guarda do Vaticano, composta por cardeais italianos e seus apoiadores, acreditava que tinham encontrado um Papa de transição em Ratzinger. Mas, agora a transição está em seu oitavo ano, e a Cúria está mais ou menos onde estava perto do fim da vida do Papa anterior: não há ninguém à vista para assumir firmemente o leme.

Benedito XVI cerca-se de pessoas que ele conhece por muito tempo, e ele lhes dá um poder considerável. Quando nomeou Bertone para seu ofício principal, o Papa passou por cima da ordem habitual de escolha dos grupos. Ele e Gänswein, conhecido em Roma como o “Adônis da Floresta Negra” por causa de suas origens do sudoeste alemão, tornou-se muito poderoso e independente para muitos cardeais da Cúria. Bertone e Gänswein foram os principais alvos do ataque de codinome “Maria”.

Cardeais de províncias da Itália notaram que o seu acesso à Santa Sé está escapando de suas garras. Embora Bertone seja italiano, ele prefere seus colegas membros da Ordem Salesiana, elevando-os a posições chave e indicando os como cardeais. Além disso, Bertone, aos 77 anos é visto como um diplomata inábil e péssimo gerente. No Verão de 2009, uma delegação de cardeais declaradamente pediu ao Papa que o substituísse.

Mas a chefe da administração do Vaticano dificilmente pode ser o único alvo dos ataques “Maria”. A razão para isto é que é altamente provável que, de toda forma, ele iria apenas permanecer no cargo por apenas mais seis meses, a fim de preparar o cargo para um sucessor. Não, “Maria” tem um alvo mais alto que Bertone.

Desconfortável no Cargo

A Igreja Católica tem um problema de liderança no centro de sua corte barroca. Os documentos vazados, em última análise prejudicam o próprio Benedito e o escândalo também é fundamentalmente prejudicial ao próprio papado. A cada dia adicional de especulação sobre os verdadeiros cérebros por trás do enredo, há uma crescente impressão de um papado difícil e um Papa enfraquecido que já não está mais dando as ordens.

Por um longo tempo, o próprio Ratzinger mal podia acreditar que fosse, de repente, o líder de todos os católicos. Mais de um mês após sua eleição, em 24 de Maio de 2005, ele fez outra visita ao local no Vaticano onde tantas coisas tinham começado para ele: o seminário no Campo Santo Teutônico, uma ilha verde no acanhado estado papal, diretamente adjacente à sacristia da Basílica de São Pedro.

Ele tinha vivido aqui durante o esforço de modernização arrebatador da Igreja, conhecido como Concílio Vaticano II e, em 1982, ele voltou a Roma vindo de Munique, e permaneceu “em um quarto com apenas as necessidades básicas em torno de mim para que eu pudesse fazer um novo começo.”

Ratzinger permaneceu leal à Comunidade do seminário até que foi eleito Papa. Por décadas, ele celebrou a missa às 7 horas da manhã lá toda quinta-feira, e muitas vezes comia com os alunos na sala de jantar, tinha discussões com eles e participava da festa de Natal na sala da lareira. Era um lugar onde ele podia procurar refúgio de seus deveres como chefe do CDF, um tipo de família adotada.

Ele não tem estado no seminário desde sua última visita, no final de Maio de 2005, que durou mais de uma hora. Na despedida, Ratzinger assinou o livro de visitas. Ele escreveu “Benedito XVI” e, em seguida, deixando um espaço pequeno, rabiscou “Papa”. Na primeira ele escreveu com P minúscula, mas, em seguida, ele mudou para um P maiúscula.

Nenhum dos seus antecessores jamais tinha assinado daquela forma — e o próprio Benedict nunca mais faria isso. Era quase como se ele tivesse que dizer a mesmo: meu Deus, eu sou o Papa!

Ratzinger sentia-se desconfortável com o poder que tinha assumido, que é uma das razões, pelas qual ele se recusou, compreensivelmente a reformar o sistema. Ele preferiu colocar sua confiança em seus subordinados.

Uma necessidade de uma Família

Benedito não precisa do Vaticano; ele precisa de uma pequena família. A família é sagrada para ele, e é algo que ele sempre procurou por toda a sua vida. O único membro sobrevivente de sua família é seu irmão mais velho, Georg.  Seu pai, Joseph, morreu em 1959 e sua mãe, Maria, em 1963. Sua irmã, Maria, cuidou de sua casa por cerca de 30 anos, até mesmo em Roma, até sua morte em 1991. Quando ela morreu, ele escreveu em suas memórias: “O mundo ficou um pouco mais vazio para mim.”

Para Ratzinger, todos esses problemas continuam por resolver. No Encontro Mundial das Famílias realizado em Milão no início de Junho, ele respondeu a perguntas sobre a família de forma improvisada. “Oi, Papa,” uma menina de 7 anos de idade, lhe disse. “Eu sou Cat Tien. Eu venho do Vietnam. Eu gostaria realmente de saber algo sobre sua família e quando você era pequeno como eu.” O Benedito de 85 anos de idade respondeu: “Para dizer a verdade, se eu tentar imaginar um pouco como será o paraíso; eu penso sempre no tempo da minha juventude, da minha infância. Neste contexto de confiança, de alegria e amor, éramos felizes, e eu acho que aquele paraíso deve ser algo parecido como o que foi a minha juventude.”.

Ratzinger tem repetidamente tentado promover este “ambiente de confiança”, mas ele tem sido repetidamente prejudicado. Quando Ratzinger se mudou para os apartamentos papais em 2005, ele de repente tinha que prosseguir sem um confidente de longa data. Ingrid Stampa, a governanta que sucedeu sua irmã, não foi autorizada a acompanhar Ratzinger nos seus novos aposentos. Ela tinha caído em desgraça no Vaticano por ter uma vez apontado na Praça de São Pedro da janela do apartamento do Papa e acenado para a multidão – uma gafe imperdoável.

Ao invés, quatro irmãs leigas da Associação Memores Domini – Loredana, Cristina, Manuela e Carmela – tornaram-se sua novas governantas. Eles cuidaram dele durante cinco anos, frequentavam suas orações todas as manhãs, celebravam o Natal e dias santos com ele e comiam suas refeições com ele.

Então, uma delas, Manuela Camagni, morreu em um acidente de trânsito em 2010. O Papa ficou abalado. Ele ajoelhou-se diante seu caixão, proferiu um elogio e falou sobre os “inesquecíveis momentos de família” que ele tinha desfrutado com ela.

Com a traição de seu mordomo, que esteve ao seu lado dia e noite, o pequeno mundo de Joseph Ratzinger mais uma vez foi jogado fora dos eixos.

O indescritível «Efeito Benedito»

Quando comparado às expectativas, os resultados de sete anos de Benedito XVI como Papa foram bastante modestos. O Papa alemão será não muito lembrado por sua luta declarada para preservar a unidade da Igreja. Em vez disso, ele será lembrado como uma vítima das circunstâncias e de facções fragmentadas e competitivas, como um Pontífice atormentado por escândalos, erros e gafes. Ele até mesmo construiu paredes de proteção que pareceram ter sido desgastadas há muito tempo. Seu papado consistiu em anos de desculpas em curso e mal-entendidos alegados ou reais.

Ele irritou os protestantes, declarando que denominações diferentes de sua própria não são igrejas de verdade. Ele alienou muçulmanos com um discurso inepto na cidade bávara de Regensburg. E ele insultou judeus por reinserir uma oração pela conversão dos judeus na liturgia da sexta-feira santa.

Ele também desprezou a Igreja por conceder favor aos tradicionalistas da Sociedade de São Pio X, que rejeita as reformas do Concílio Vaticano II. O atraso atual das reformas da Igreja, que já começara a se acumular sob seu predecessor conservador, João Paulo II, somente aumentou sob Benedito. O Dia dos Católicos realizado em Maio na cidade do sudoeste da Alemanha, Mannheim, com seus 80.000 participantes, foi um último grito de mudança na Igreja.

O fato de que o Papa é alemão não teve um efeito duradouro sobre os alemães. Quando foi recentemente eleito, a mídia alemã falava de um “efeito Benedito” de como ter um Papa alemão influenciaria positivamente as taxas de conversão e retenção na Alemanha. Mas, se alguma vez realmente existiu, este efeito se dissipou rapidamente. Desde a eleição de Benedito XVI em 2005, o número de pessoas que abandonam a Igreja Católica na Alemanha mais que dobrou, e a mais elevada recentemente foi na antiga Arquidiocese de Ratzinger, de Munique e Freising. Apenas 30 por cento dos alemães ainda são católicos hoje.

A alegação, muitas vezes feitas por católicos entusiasmados em programas de entrevista alemães – de que tudo isso é um problema alemão ou Europeu e nada mais que uvas verdes, e que a Igreja é mais bem sucedida em outros lugares– não é verdade nem mesmo na profundamente Católica América Latina, onde o número de católicos vem diminuindo acentuadamente. Os cristãos evangélicos, por outro lado, estão se multiplicando como os pães e os peixes em Canaã.

Frustrado por Insiders do Vaticano

Ratzinger só foi capaz de atravessar esses sete anos, certificando-se de que ele tem pequenas fugas. Além de suas funções diárias, ele tem escrito livros e encíclicas sobre amor cristão (“Deus Caritas Est”) e esperança (“Spe Salvi”).

Alguns de seus escritos se tornaram best-sellers, mesmo em uma irremediavelmente secularizada Alemanha. Na verdade, este Papa conseguiu colocar o Vaticano de volta ao radar do mundo secular. Suas encíclicas, seus pensamentos sobre razão e fé, e sua crítica ao relativismo de todos os valores têm sido seguido de perto na imprensa. Ele tem sido visto como um Papa que compreende o espírito da época.

De fato, a falha do Papa em atender muitas expectativas muitas vezes beneficiou realmente a Igreja. “O cristianismo, o catolicismo não é uma coleção de proibições; é uma opção positive”, disse Benedito antes de sua viagem à Baviera em 2006. Embora ele se coloque por trás do dogma e da doutrina pura, ele tenta não alienar qualquer um, mesmo se ele é certamente não tenha sido sempre bem sucedido no que faz. Até agora, o Papa parece tão suave quanto a Rainha da Inglaterra durante suas aparições. Ele sabe como cativar uma multidão sem gestos espetaculares. Ele se reuniu com sobreviventes do Holocausto em Auschwitz, vítimas de abuso nos Estados Unidos e pessoas com AIDS em Camarões.

Benedito compreendeu melhor que outros, o que é a condição real da Igreja — e quão distante ela está de seu ideal. Seu obstáculo tem sido sempre a Cúria. Talvez a verdadeira coisa aprendida nos últimos sete anos seja apenas quão impotente um Papa pode ser.

Já Buscando um Sucessor

O Papa só queria ser um “simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor,” um “servo da verdade.” Agora ele está diante da realidade de sua própria mortalidade. Por algum tempo, ele vem sendo acometido por períodos de “profunda tristeza”, diz uma fonte próxima à Benedito, embora ela observe que não está claro se isso é apenas tristeza ou depressão verdadeira.

Ratzinger sobreviveu a dois infartos leves no início de 1990. Tanto seu pai quanto sua irmã morreram de infarto. O Papa toma aspirina como medicamento preventiva. Ele é atormentado por osteoartrite nos joelhos, especialmente no joelho direito. Caminhar está ficando mais difícil para ele, e ele agora usa uma plataforma rolante, que ele monta à entrada na Basílica de São Pedro, como quando ele está vestindo roupas pesadas.

Ele não tem ido de férias nas montanhas desde 2010. Às vezes ele faz passeios curtos com seu Secretário nos jardins do Vaticano, onde ele reza o Rosário.

Na Cúria Romana e nos recônditos dos palácios do Vaticano, já estão em curso esforços para procurar um sucessor. Os resultados possíveis de um conclave são analisados e os candidatos são discutidos, como foi feito há sete anos. Alguns dizem que o próximo Papa deve ser alguém como Pio XII, o Papa entre 1939 e 1958, que foi um jogador de poder calculista e previsível e insider do Vaticano. Ou alguém como Paulo VI, Papa de 1963 a 1978, que prestava atenção aos interesses da Cúria. O nome do Cardeal Angelo Scola, o arcebispo de Milão, foi mencionado, assim como o de Leonardo Sandri, um cardeal argentino com raízes italianas. Outro possível candidato é o Cardeal Curial Gianfranco Ravasi, Presidente do Pontifício Conselho para a cultura e um dos insiders do Vaticano que é adepto de manipulação da mídia, da política e do público.

Os italianos, com 30 votos, ainda formam o maior bloco em um conclave. Alguns acreditam que, depois de mais de 33 anos de dominação estrangeira – primeiro por um polonês e, em seguida, por um alemão – é chegada a hora de eleger um Papa italiano. Afinal, os defensores da ideia argumentam, um cardeal italiano conhece melhor a Cúria Romana. Mas as perspectivas dos italianos se tornaram menores desde o Vatileaks, diz o especialista em Vaticano, Marco Politi. “Se o escândalo expôs uma coisa, é a típica bagunça italiana. Os italianos não são mais vistos como papabile (capaz de se tornar Papa). Eles se desacreditaram com sua luta pelo poder.”

Últimos dias e legados

O próprio Benedito sabe que não tem muito tempo. “O último segmento da minha vida está começando agora,” disse a convidados de aniversário, em Abril.

Na verdade, seu planejamento, dificilmente passa do mês de Julho próximo, quando ele vai assistir a “Jornada Mundial da juventude” católica no Rio de Janeiro. Curar a rixa com o SSPX estará no topo da sua agenda nas próximas semanas, além de uma admoestação aos grupos rivais para exercer o respeito mútuo.

Com o litígio que surgiu devido à avaliação das reformas do Concílio Vaticano II, que começou a 50 anos, o Papa agora está passando por um retorno ao seu próprio passado. Será que o pastor, que já foi uma mente liberal e que agora é conservador encontrará a força para promover a reconciliação ao final da sua vida? Para abrir algum caminho entre a tradição e a modernidade para os 1,2 bilhão de católicos do mundo?

“Stalin estava certo em dizer que o Papa não tem nenhuma divisões e não pode emitir comandos”, disse Benedito na longa entrevista de 2010 “Luz do mundo.” “Nem tem ele um grande negócio em que todos os fiéis da Igreja são seus empregados ou subordinados. Neste contexto, o Papa é, por um lado, um homem completamente impotente. Por outro lado, ele tem uma grande responsabilidade.”

Bento sempre se viu como um pontífice professor ao invés de um governante. O Papa-professor da pequena aldeia bávara de Marktl am Inn, sem dúvida, não ficará nos anais da história da Igreja como Benedito, o Grande.

Mas, ele será lembrado como um líder da Igreja com um rosto humano, como alguém que se manteve fiel a si mesmo como um teólogo, e como alguém que virou suas costas ao poder dentro de sua próprias quatro paredes. Em outras palavras, como um Papa com P minúscula

 Por Fiona Ehlers, Alexander Smoltczyk e Peter Wensierski – REUTERS

Você pode acompanhar Peter Wensierski no Twitter @ wensierski.

 Traduzido do alemão por Christopher Sultan

Publicado no Der Spiegel

Um comentário em “Exausto no Vaticano – As batalhas finais do Papa Benedito XVI

  1. Concordo plenamente com Marcos, como o Senhor Jesus disse o joio nasce no meio do trigo em quanto o trigo hora pelo Papa e promove a união e a conversão do joio o joio promove as intrigas, especulações, divisões e se volta contra o Papa, devemos confiar nas palavras do senhor que nos diz que as portas do inferno nunca prevalecerão contra a Igreja.

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