José Filardo M.M.
Corria o ano de 1886. A nova maioria (dentro da comissão de ritos), portanto, tinha todos os poderes. Não se pode acusá-los de não ter feito as coisas muito a sério, e de fazer todo o possível para tornar esses novos rituais a expressão exata da ideologia dominante no povo maçônico, e é precisamente Louis Amiable, a chave mestra de toda essa empresa.
Louis Amiable é hoje um dos grandes esquecidos, e no nosso sentido e ideia acreditamos que ele não merece. Recaiu sobre ele todo o estudo sobre a Loja Parisiense das Nove Irmãs (Neuf Soeurs), bem documentado – já que ele teve em suas mãos os documentos originais da Loja, há muito desaparecidos e que reaparecem de tempos em tempos entre os livreiros antigos, mas orientados demais para a justificativa mítica de uma Maçonaria “das Luzes “, como laboratório de ideias revolucionárias.
É também (Amiable) o autor de um bom estudo sobre a magistratura e Maçonaria sob o Antigo Regime, no qual destaca a importância do pessoal parlamentar nas Lojas do século XVIII, mas sem alcançar as conclusões que se impunham, sobre as concepções políticas dos “Robins” dos tempos.
De qualquer forma, tratava-se de um irmão erudito, humanista e bom jurista, que terminaria sua carreira como conselheiro no Tribunal de Aix-en-Provence. Sua vida é um romance um tanto aventureiro. Republicano sob o Império, ele se exila e se refugia em Constantinopla, onde conheceu a Maçonaria. Ele fez fortuna ao entrar no Direito e no comércio antes de retornar à França em 1871. Como militar, ele situou-se na ala esquerda do Partido Radical e na Maçonaria se situava na tendência “positivista”. Sua nomeação como membro do Grande Colégio de Ritos e sua eleição como Grande Orador daria a ele os meios para realizar sua “grande obra”.
De fato, depois da “reforma” do Grande Colégio, tudo se desenvolveu muito rapidamente.
A partir da sessão de instalação, em 6 de janeiro de 1886, o Grande Colégio solicitou que o Conselho da Ordem enviasse uma circular para as questões das reformas do ritual. As respostas das Lojas seriam transmitidas ao Grande Colégio, que informaria e prepararia uma nova redação. Seria igualmente para os rituais dos graus 18 a 30, mas não havia necessidade de apresentar tais textos ao Convento do GODF. No dia 11, o Conselho da Ordem deu sua aprovação sobre este procedimento: “O Grande Colégio pede ao Conselho da Ordem que enviasse às Lojas da Federação uma circular que os convidasse a formular por escrito suas observações e suas propostas para a revisão dos seus rituais”. Em 13 de fevereiro, uma circular foi enviada a respeito disso às lojas.
O texto da circular assinada por Colfavru “o Presidente do Conselho da Ordem” e de Poulle e Amiable como Secretários (não mencionava suas funções no Grande Colégio) é preciso, e prova claramente a orientação que os novos dignitários pretendiam dar ao ritual.
O trabalho de revisão não estava completo, e existiu uma corrente de opinião em favor de uma nova revisão. Havia alojamentos que se manifestaram no Congresso Regional do Oeste e no Convento. O Grande Colégio pronunciou-se no mesmo sentido.
As oficinas devem primeiro decidir se modificavam ou não os Cadernos dos graus simbólicos, levando em conta o fato das emendas constitucionais e regulamentares votadas nas Assembleias Gerais de Maçons de 1884 e 1885, onde aparecem diversas modificações rituais. Se a loja decidir que há uma revisão, as lojas devem apresentar suas propostas.
A circular enfatiza o problema das “provas” e convida as lojas a demonstrar “um espírito progressista e um zelo esclarecido”, conservando ao mesmo tempo na instituição seu “caráter ao mesmo tempo tradicional e universal”. O texto enfatiza o fato de que em nenhum lugar um maçom ou nenhuma loja deve ser ignorada e que as respostas deviam chegar ao GODF antes de 1º de junho.
Foram pelo menos uma centena de lojas as que responderam, algumas das quais eram “folclores”. A se crer nos relatórios subsequentes, seis delas se pronunciaram contra qualquer revisão e cinco a favor de uma revisão detalhada, o restante foi favorável a uma modificação mais ou menos extensa.
Três oficinas, “Le Progres” e “ L’Etoile Polaire “ no Oriente de Paris, “La Bienfaisance Chalennaisee” no Oriente de Châlons-sur-Marne, tinham mandado imprimir seus relatórios. As duas primeiras concluíram em uma revisão relativamente moderada enfatizando acima de tudo, o necessário desaparecimento das provas físicas nos graus “simbólicos”, o terceiro era mais importante porque era o primeiro trabalho de um dos mais conhecidos pensadores da Maçonaria contemporânea: Oswald Wirth.
Com o novo “engine” de 1887 (o “ritual Amiable”), dá-se um passo decisivo e franco. Longe de limitar-se a expurgar os rituais de invocações e comentários relativos ao Grande Arquiteto do Universo, o Grande Oriente da França, sob a influência de uma corrente majoritária positivista, suprime então sob o pretexto de descartar as práticas supersticiosas, muitos dos termos e aspectos alegóricos do rito e, geralmente, tudo o que pode ter uma certa ressonância simbólica, evocar uma interrogação metafísica ou implicar simplesmente a emoção e o corpo.
Paralelamente à imposição, na mesma época, de comentários insípidos e apesar de algumas hesitações e em torno, por exemplo, do terceiro grau de Mestre Maçom, desaparecerá então, com a nova versão de 1907 (o “ritual Blatin”) e ainda mais com a de 1922 (que não se sabe quem foi o principal promotor), a maioria das últimas fórmulas significativas, e alguns dos remanescentes da teatralidade que existe e que segundo muitos irmãos, é essencial no cerimonial maçônico.
É importante registrar que somente dois países conservam esse ritual do RM, o Brasil e a Bélgica. Na França, a fila andou e novos tempos exigiram novas reformas, e o ritual foi ainda mais “enxugado” em 1922, atingindo uma situação descrita por Victor Guerra como segue
“As reuniões foram sendo cada vez mais substituídas por “reuniões do Comitê”, que não exigiam o uso de paramentos maçônicos (avental, colar e luvas). Em caso de ter que fazer iniciações e aumentos de salariais, estes eram rápidos e coletivos (baseados em diferentes membros de várias lojas). Os profanos eram introduzidos todos juntos nos gabinetes de reflexão, o abandono do avental e as luvas era frequente e, portanto, só se conservava nada mais que um cordão, a multiplicação das entorses relacionadas aos procedimentos e ao método de exame dos candidatos.”
Isso gerou muitas resistências e muitos irmãos abandonaram o GODF, e abriu-se mais espaço ao REAA, que atendia aos interesses desses irmãos.
Em 1928, a Grande Loja Unida da Inglaterra – GLUI ordena a proibição de todas as relações com a Maçonaria Liberal.
Somente em 1938, o ritual passaria por uma reforma encabeçada por Arthur Groussier, que recupera alguns elementos da ritualística anterior a 1887 e depois de mais uma reforma em 1955 passa a ser o que entende hoje por Rito Francês.
Assiste razão, portanto a Victor Guerra de insistir na diferença entre Rito Frances e Rito Moderno (pelo menos o Rito Moderno que sobreviveu no Brasil.
Hoje no Brasil, assistimos a uma tímida expansão do Rito Moderno, quando fora do Grande Oriente do Brasil e do Grande Oriente de São Paulo, já encontramos lojas do Rito, tais como a Grande Loja Maçônica do Estado de São Paulo funda lojas do Rito, e Lojas em outros estados.
Também a literatura sobre o Rito Francês e o Rito Moderno aumentou significativamente no Brasil, com a edição de obras importantes em português, tais como o próprio Régulateur du Maçon, e o Ritual Amiable, recentemente publicados que podem ser adquiridos na Amazon ou diretamente com o editor pelo telefone WhatsApp +55 41 9900-8601 (Gustavo Patuto)
Uma obra-prima para os praticantes e amantes do Rito Moderno ou Rito de Fundação da Maçonaria Especulativa.
Em 2018 fizemos a tradução para o português do Régulateur du Maçon com os manuscritos de 1783 que demonstravam a origem do Rito Moderno conforme as práticas da Grande Loja de Londres e Westminster.
Em 2019 tivemos acesso aos manuscritos de 1786 que Roettiers de Montaleau sintetizou em 9 graus traduzindo-os.
Finalmente, nada mais do que justo realizarmos a tradução do Ritual Laico dos graus simbólicos de 1887 que foi adotado no Brasil em sessão do dia 23/06/1892, através do decreto n° 109 de 30/07/1892 do Grão-Mestre Irm∴ Antonio Joaquim de Macedo Soares. Ritual que até hoje é praticado por quase todas as lojas que adotaram o Rito Moderno, porém com diversas alterações. Esta reforma ocorreu após a reforma Murat onde expressava uma imposição dogmática alinhada com o 2º Império Francês e com a Constituição da Grande Loja Unida da Inglaterra de 1815. Após a queda do 2º Império Francês e instaurado o regime republicano de 1870 a 1940 ocorreu como consequência uma nova maneira de pensar o que traduz nestes 3 graus simbólicos desta reforma.
Notem o nível de perguntas que as lojas realizavam com o Recipiendário em 1887 através das suas viagens!
Esperamos que com este nível de conhecimento, possamos em um futuro próximo desenvolver um Rito Moderno Brasil onde a essência do Rito Moderno seja recuperada e a sua prática pura e padronizada. (Gustavo Patuto)
BIBLIOGRAFIA
Guerra, Victor – Rito Francês ou Moderno – História, Reflexões e Desenvolvimento. À venda na Amazon.com.br –
Muito Grato ao Ilustre Irmão ZehFilardo. Grande e Forte Abraço. Ruas
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Muy interesante la entrada, aunque falta un estudio del impacto del positivismo en el GOdF y sus consecuencias. UN TAF
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Buenos dias, Hermano.
Sim, por suposto, mas esse é um tema que foge à proposta de visualizar o Rito Moderno no Brasil. Na França o que deve ter acontecido é o que sempre acontece na maçonaria: os conservadores descontentes desertaram o RF em favor do REAA, e os novos irmãos, nos cinquenta anos em que a reforma Amiable vigorou, passaram a ter um perfil mais politizado que finalmente colocou o GOdF mais à esquerda no espectro político francês. Essa é minha opinião, fique claro.
Em termos de Brasil, sim, é necessário ─ com todas as dificuldades que a falta de documentos traz ─ analisar como e se a adoção do RM resultante da reforma Amiable teve consequências mais ou menos importantes para o Grande Oriente do Brasil.
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ja estamos trabalhando o ritual do Rito Moderno Brasil, nessa mesma linha racional .. não é Maçonaria para qualquer um.. tem que ter mente aberta.. Claro, será uma proposta, mas está em andamento..
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Republicou isso em PELOTAS OCCULTA.
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