Por José Filardo, M.´. I.´.
Não é fácil admitir, mas a Maçonaria é uma instituição retrógrada, reacionária e conservadora. A própria motivação para a sua invenção é uma prova dessa natureza. Diante de uma crise moral e política, em face da mudança, um grupo olha para o passado para resgatar e recuperar valores que representavam estabilidade. Essa tentativa de trazer os “velhos tempos” ao presente é, caracteristicamente, reacionária e conservadora.
No entanto, a invenção da Maçonaria em 1717 foi uma contradição em termos. Era, ao mesmo tempo, a manifestação daquele espírito reacionário, mas continha posições revolucionárias dentro da mesma construção.
Do ponto de vista da teoria da conspiração (eu sou, de fato, totalmente seduzido pelos “Truthers” americanos que buscam a verdade sobre o 11 de Setembro) ela poderia ter sido encomendada pela Coroa para resolver uma série de questões que afligiam a sociedade inglesa da época.
A nova instituição representava, ao mesmo tempo, uma tentativa de voltar aos tempos mais estáveis - a Idade Média, em que cada pessoa tinha seu lugar na sociedade – por meio da revitalização das guildas medievais. No entanto, as guildas continham elementos revolucionários em um ambiente absolutista do início do século XVIII – a democracia, eleições, mandato limitado e igualdade.
O aspecto religioso da Maçonaria, por exemplo, tinha dois lados. Ao oferecer um ambiente de tolerância e aceitação de todas as religiões, ela alienava os seguidores da Igreja Católica, que são fundamentalistas e não aceitam qualquer outro “caminho para a salvação”. Ela se ajustava à Weltanschauung do grupo que concebeu a nova instituição – os membros da Royal Society e o Establishment protestante, e dava apoio ao candidato protestante ao trono inglês.
Essa abertura religiosa foi o principal motivo pelo qual, em 1738, o Papa de plantão emitiu uma bula que proibia aos católicos aderir à FM.
A consequência dessa natureza dual da nova instituição foi o desenvolvimento de duas linhas principais. Nas Ilhas Britânicas um corpo conservador e reacionário foi formado, e no Continente – nomeadamente a França – a maçonaria liberal e progressista viu a luz.
Naturalmente, nada é tão simples. Muita água passou debaixo da ponte, como se diz por aqui.
Na Inglaterra, por volta do século XVII e início do século XVIII, havia grandes crises políticas, religiosas e morais. Em consequência, um grupo de cidadãos “iluminados” encontrou uma solução que se ajustava às necessidades da época, e eles encomendaram a organização do estatuto da nova associação aos pastores Anderson & Desagullier, que fizeram um excelente trabalho consubstanciado nas Constituições.
Eles eram protestantes, e muito de sua ideologia vazou para a nova construção. No entanto, isso era parte do projeto. A nova instituição destinava-se a apoiar a base protestante da sociedade inglesa, ameaçada pelos direitos dos escoceses católicos jacobitas ao trono inglês.
Ao mesmo tempo, as Lojas, organizadas como clubes de cavalheiros com ritual, serviram aos propósitos de conformar o comportamento da parte mais importante da sociedade a uma série de regras aplicadas e fiscalizadas pelas Lojas. Ao mesmo tempo, os membros tinham expectativas razoáveis de gozar da companhia da nobreza e da classe dominante do Império, e ser maçom tornou-se uma condição desejável para uma espécie de “classe média”. Objetivos de ações de auto-aperfeiçoamento e de caridade davam aos membros uma razão para pertencer a essa organização. Isso não mudou muito até os nossos dias.
No Continente, a maior parte das cabeças coroadas absolutistas viu as vantagens da Maçonaria como uma ferramenta de controle social e incentivaram sua adoção, alguns deles como uma “moda”, outros de propósito.
Na França, sujeita a um contexto semelhante, a Maçonaria desenvolveu-se caoticamente até a organização do Rito Francês, que recuperou o “espírito de 1717”, ou seja, a liberdade religiosa contidas nas Constituições, que foi um pouco perdida na Inglaterra, devido à reação das maçonarias escocesa e irlandesa – em grande parte influenciadas pelo catolicismo.
Mais tarde, após a Revolução, a Maçonaria francesa foi “contaminada” pelos valores revolucionários, e evoluiu para uma nova forma de Maçonaria, uma instituição progressista preocupada com a sociedade, e não com realizações pessoais – a maçonaria liberal trabalhando principalmente sob o Rito Francês ou Moderno . Isso não significa, porém, que não exista maçonaria conservadora na França.
Nossos tempos
Em nossos dias, como consequência dessa dicotomia, a Maçonaria evoluiu em duas tendências principais. A primeira, conhecida como “maçonaria regular” é um ramo reacionário e conservador, onde há uma separação distinta entre homens e mulheres, e os irmãos estão mais preocupadas com a sua evolução pessoal, caridade e relacionamento social, onde as mudanças na sociedade são um subproduto. O segundo tipo de maçonaria aceita as mulheres em condições de igualdade, e os irmãos estão preocupados principalmente com o papel da instituição na sociedade como um elemento de mudança dinâmico e eficaz, além de aspectos pessoais e relacionamento social vistos mais como ferramenta de “networking” para alcançar as mudanças na sociedade.
Os principais ramos da Maçonaria que representam as duas tendências são, para o primeiro caso, o Craft inglês, o Rito de York americano, o Rito Escocês e outros ritos marginais como Memphis Misraïn, Adhoniramita, Rito Escocês Retificado, etc.
O representante mais importante do segundo modelo de Maçonaria é o Rito Francês ou Moderno e seus desdobramentos nacionais, tais como Portugal, onde o Grande Oriente Lusitano tem uma influência política importante.
É claro; as coisas não são tão preto e branco. Há mais de 50 tons de cinza no Brasil.
O excelente trabalho do irmão William de Carvalho, (https://bibliot3ca.wordpress.com/pequena-historia-da-maconaria-no-brasil-william-almeida-de-carvalho/) mostra como a história do Grande Oriente do Brasil foi a história do país até 1927.
Ele mostra que, no Brasil, o Rito Francês foi introduzido bem no início da maçonaria no país, e manteve-se como o “rito oficial” da obediência desde então. Lojas do Rito Francês coexistiram com lojas Adonhiramitas, e mais tarde, em 1835, com lojas do Rito Escocês dentro do Grande Oriente do Brasil.
O Rito Escocês, por seu conteúdo religioso, oferece uma “ponte” conveniente para os católicos aderir à Maçonaria. É preciso lembrar que os brasileiros têm uma abordagem muito leviana com relação a regras e instituições estabelecidas. Faz parte da personalidade brasileira. Consequentemente, costumamos para dizer que nada resiste ao modo de vida brasileiro. Nem mesmo a Maçonaria. Ou a Igreja Católica. Consequentemente, apesar da proibição do Vaticano, homens católicos brasileiros ingressam na Maçonaria através dessa “ponte”, e isso sufocou o Rito Francês, mais político e ativo.
Curiosamente, no entanto, apesar das características conservadoras e reacionárias da lojas Adonhiramitas e escocesas que existiam no Brasil até 1927, os maçons brasileiros se comportavam como maçons do Rito Francês em suas “praxis”. Os maçons brasileiros estavam profundamente envolvidos na política; influenciavam a sociedade, e eram respeitados.
A partir da proclamação da República, em 1889, as lojas perderam o seu status de centros políticos de discussão e de decisão; os políticos foram para os partidos políticos, e viam a Maçonaria como uma atividade secundária. A decadência atingiu em cheio a Maçonaria brasileira.
Para piorar as coisas – a Maçonaria já havia sofrido um golpe mortal com a cisão de 1927 – em 1930, o ditador de plantão, general Getulio Vargas, ciente da oposição potencial da Maçonaria ao seu governo, proibiu as atividades maçônicas em primeiro lugar, e mais tarde infiltrou as lojas com seus asseclas, diminuindo assim o nível geral das lojas.
Mais tarde, na década de 40, a Maçonaria retornou às suas atividades, mas nunca mais seria a mesma.
Atualmente, 90% das lojas brasileiras são Escocesas. O Rito Moderno representa um máximo de 4% dos irmãos, e os outros ritos representam os restantes 6%. No entanto, a Maçonaria não tem mais a mesma influência que tinha no século XIX . Em pequenas comunidades, ela ainda desempenha um papel, embora a política local, por vezes, interfira.
Um aspecto interessante é que a Maçonaria brasileira manteve a velha imagem ligada à época do Rito Francês aos olhos dos profanos.
Essa circunstância tem consequências. Os candidatos ingressam na Maçonaria esperando ingressar na “velha” e influente Maçonaria. E o que eles encontram é uma instituição decadente, fraca, cheio de disputas internas, lojas politicamente manipuladas, falta de objetivos e alienação. E eles desistem ou permanecem nas lojas por força do hábito, da companhia e da pizza.

