Tradução António Jorge
Por Jean-Jacques Zambrowski

Várias obediências francesas afirmam pertencer ao Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA). É evidente que ninguém pode contestar que lhe pertencem. No entanto, ao longo do tempo, e fruto do desejo de alguns de deixar a sua marca nas práticas, foram propostas várias alterações, sem pôr em causa os fundamentos, como por exemplo, a independência dos graus “simbólicos” de Aprendiz, Companheiro e Mestre e dos graus ditos elevados, do 4º ao 33º, nem sempre foi tão claramente estabelecida como atualmente.
É o caso das lojas simbólicas que praticam o Rito Escocês Antigo e Aceite (REAA) desde o primeiro grau, nomeadamente em França e na Bélgica. Os rituais de certos graus elevados mencionam ainda a existência de “prerrogativas” que remontam à sua origem, ou seja, antes da constituição do Rito Escocês Antigo e Aceite.
O nome do Rito em si tem por vezes variado ligeiramente. A Jurisdição do Norte dos Estados Unidos, por exemplo, usa mais frequentemente a expressão “Rito Escocês Antigo Aceite“.
Em muitas jurisdições, existem também particularidades, geralmente menores, mas por vezes mais significativas, sobretudo no que diz respeito aos graus efetivamente praticados. Na maioria das obediências, e como era geralmente a prática no século XVIII, os outros graus não são efetivamente praticados e são apenas transmitidos “por comunicação”.
De notar também que o sistema nos Estados Unidos é muito mais rápido do que noutros países, nomeadamente na Europa, uma vez que permite atingir o 32º grau em apenas alguns anos, enquanto na Europa e na América do Sul são necessários pelo menos vinte anos. Assim, é fácil compreender porque é que várias jurisdições europeias e sul-americanas não reconhecem automaticamente os diplomas elevados recebidos pelos seus membros durante uma estadia nos Estados Unidos!
Voltando à história…
Os Altos Graus prosperaram rapidamente em França. Já em 1732, foi fundada em Bordéus uma loja inglesa, chamada L’Anglaise. Ainda hoje existe.
Nessa época, as duas principais cidades maçónicas de França eram Bordéus e Paris. Assim, foi nesta última cidade que, em 27 de agosto de 1761, a Grande Loja Francesa – cujo título completo era Grande e Soberana Loja de São João de Jerusalém – com os seus graus superiores, o Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente, Soberana Loja-Mãe Escocesa, se propôs estender a influência deste rito para além da França continental.
As origens do REAA
Já em 1733, existia uma loja de Temple Bar em Londres, que conferia o grau de “Mestre Escocês” a alguns membros. Este grau foi também conferido em 1735 numa loja em Bath e em 1736 na loja “francesa” St George’s of the Observance nº 49 em Covent Garden.
Mas nada como o que viria a ser criado pelo francês Étienne Morin, nomeado pelo Conselho dos Imperadores do Oriente e do Ocidente como Sublime Príncipe do Real Segredo, o 25º e mais elevado grau do Rito então em uso, o Rito do Real Segredo.
A 27 de agosto de 1761, em Paris, Morin recebeu uma patente assinada pelos oficiais da Grande Loja, nomeando-o “Grande Inspector para todas as partes do Mundo“. O original desta patente já não existe, mas várias cópias foram conservadas aqui e ali. Talvez elas tenham sido embelezadas pelo próprio Morin, a fim de melhor assegurar a sua preeminência sobre as lojas de alto nível das Índias Ocidentais. De facto, Morin fundou uma loja escocesa em Cap Français, a norte da colónia de Saint-Domingue. Em todo o caso, Morin regressou a São Domingos em 1762 ou 1763 e, graças à sua patente, criou progressivamente lojas de todos os graus nas Antilhas e na América do Norte.
Uma loja, Parfaits d’Écosse, foi criada em 12 de Abril de 1764 em Nova Orleães. Foi a primeira loja de altos graus no continente norte-americano. A sua existência foi breve, pois o Tratado de Paris de 1763 tinha cedido Nova Orleães à Espanha católica, que era hostil à Maçonaria: toda a actividade maçónica parece ter cessado em Nova Orleães e só foi retomada na década de 1790. Mas em 1770, Morin tinha criado um “Grande Capítulo” do seu rito em Kingston, na Jamaica.
Foi nesta cidade que morreu em 1771, deixando ao seu assistente Henry Andrew Francken, um holandês naturalizado inglês, a tarefa de estabelecer corpos maçónicos do Rito do Real Secreto em todo o Novo Mundo, incluindo os Estados Unidos. Francken ocupou vários cargos junto do vice-almirantado antes de ser nomeado intérprete de holandês e inglês em 1765 e depois enviado para a América do Norte durante dois anos. Morin nomeou Francken “Député Grand Inspecteur Général” no seu regresso às Índias Ocidentais e trabalharam em estreita colaboração. Francken mudou-se para Nova Iorque em 1767, onde recebeu uma patente, datada de 26 de Dezembro de 1767, para a formação de uma Loja de Perfeição em Albany, permitindo-lhe conferir os graus de perfeição (4º a 14º) pela primeira vez nas treze colónias britânicas.
Em 1771, Francken escreveu um manuscrito contendo os rituais do 15º ao 25º graus. Ele escreveu pelo menos dois outros manuscritos, o primeiro em 1783 e o segundo por volta de 1786, contendo todos os graus do 4º ao 25º.
Enquanto estava em Nova Iorque, Francken também comunicou estes diplomas a um homem de negócios, Moses Michael Hays, que nomeou “Inspector-geral Adjunto” e que rapidamente nomeou assistentes, incluindo Isaac Da Costa Sr., Abraham Forst, Joseph M. Myers Barend e Mr Spitzer.
Em 1789, Alexandre François Auguste de Grasse-Tilly, oficial francês e filho do Almirante de Grasse, desembarca em Cap-Français (Saint-Domingue) para herdar os bens do seu pai. Aí conheceu e frequentou os Irmãos da Loja de Perfeição Ecossaise de Saint-Jean de Jerusalém, na qual se baseavam os Conselhos dos Cavaleiros do Oriente, dos Príncipes de Jerusalém e, sem dúvida, dos Príncipes do Segredo Real.
Mas em Agosto de 1791, os escravos revoltam-se na ilha. Vê-se obrigado a abandonar a ilha em direcção a Charleston, com a mulher, o filho recém-nascido e o sogro Jean-Baptiste Delahogue, Grasse-Tilly. Os corsários roubaram-lhes todos os bens, mas chegaram ao seu destino a 14 de agosto de 1793.
Os americanos não esqueceram o almirante de Grasse, que se tinha distinguido durante a Guerra da Independência, e o seu filho Auguste de Grasse-Tilly não podia deixar de ser bem acolhido em Charleston. Aí, dedica muito tempo à Maçonaria. Conhece John Mitchell, Frédérick Dalcho, Isaac Auld e Barend Spitzer, todos eles praticantes do Rito de Perfeição de 25 graus.
Em 1801, alguns membros da Loja que trabalhava nesta cidade no Rito de Perfeição ou Real Segredo (em 25 graus) decidiram remodelar o Rito acrescentando-lhe 6 graus nascidos em França desde 1761. Assim, enviaram uma circular a “ambos os hemisférios” informando-os da criação do Rito de 33 graus, porque culminaram a sua criação com um 33º grau, o grau de Inspecção e Supervisão.
São hoje conhecidos e honrados como os onze fundadores da REAA.
Os onze fundadores de Charleston
A descrição que se segue é, portanto, em grande parte emprestada de fontes americanas, neste caso o sítio Web da REAA (Jurisdição do Sul). O Coronel John Mitchell (1741-1816) recebeu uma patente em 2 de Abril de 1795 do Barend Moses Spitzer, concedendo-lhe autoridade como Inspector Geral Adjunto para criar uma Loja de Perfeição e vários conselhos e capítulos onde quer que tais lojas ou capítulos fossem necessários. Nascido na Irlanda em 1741, veio para os Estados Unidos ainda jovem, serviu como Vice-Intendente Geral do Exército Continental e foi o primeiro Grande Comandante do Conselho Supremo.
O Dr. Frederick Dalcho (1770-1836) era um médico. Serviu no exército e, durante algum tempo, esteve estacionado em Fort Johnson. Em 1801, formou uma parceria com o Dr. Isaac Auld. Foi um notável conferencista e autor. Em 1807, publicou a primeira edição de Ahiman Rezon. Tornou-se editor do Charleston Courier e deixou a sua prática médica para entrar no ministério da Igreja Episcopal em 1819.
O Major Thomas Bartholomew Bowen (1742-1805) nasceu na Irlanda e emigrou para a América antes da Revolução. Foi major no Exército Continental, servindo em unidades da Pensilvânia. Mais tarde, mudou-se para Charleston e tornou-se tipógrafo. Foi eleito Grão-Mestre da antiga Grande Loja da Carolina do Sul. Também serviu como Grão-Mestre da Sublime Grande Loja da Perfeição. Ele tornou-se o primeiro Grande Mestre de Cerimónias do novo Supremo Conselho. Morreu quatro anos depois, tornando-se a primeira morte entre os fundadores.
O Rabino Abraham Alexander (1743-1816) foi um dos primeiros Soberanos Grandes Inspectores Gerais. Nasceu em Londres em 1743 e emigrou para Charleston em 1771 para assumir o cargo de rabino – que manteve até à sua morte – na Congregação Beth Elohim. Foi descrito como “um calígrafo de primeira ordem” e foi eleito o primeiro Grande Secretário-Geral, provavelmente até à sua morte. Também constava como Auditor da Alfândega nos Directórios da Cidade de Charleston de 1802 a 1813. Segundo a tradição familiar, era Colector do Porto de Charleston na altura da sua morte.
Emmanuel De La Motta (1760-1821), nascido nas Índias Ocidentais Dinamarquesas, de ascendência judaica, emigrou para Charleston no final da década de 1790. Recebeu o seu 33º grau duas semanas após a criação do Supremo Conselho e foi o primeiro Grande Tesoureiro do Supremo Conselho durante cerca de dez anos. Era também activo na Congregação Beth Elohim e, juntamente com David Nunez Cardozo, foram líderes da comunidade judaica numa altura em que Charleston era a maior comunidade judaica dos Estados Unidos. Emmanuel era comerciante e leiloeiro. Era membro da Loja Friendship e dedicava-se ao estudo da literatura judaica e aos estudos maçónicos.
O Dr. Isaac Auld (1770-1826) nasceu na Pensilvânia, filho de jacobitas escoceses que tinham fugido para França e depois embarcado para a América. Era um eminente médico, associado na prática médica com o Dr. Dalcho, e um Congregacionalista. Serviu como Grande Secretário da Sublime Grande Loja da Perfeição. Foi eleito para o Supremo Conselho em 10 de janeiro de 1802 e serviu como Guardião Principal da Loja da Perfeição, bem como Guardião Júnior do Capítulo Rosacruz. Anos mais tarde, sucedeu ao Dr. Dalcho como Grande Comandante, contribuindo para um sentimento de continuidade num momento delicado da história do Conselho.
Israel De Lieben (1740-1807) nasceu em Praga, na Boémia. Tornou-se Maçom durante uma estadia em Dublin, na Irlanda, e mais tarde emigrou para a Pensilvânia, Filadélfia, Savannah e, finalmente, Charleston, onde também foi activo na Congregação Beth Elohim. Em 1797, juntou-se à Loja Orange nº 4 e tornou-se Hospitaleiro da Grande Loja. Foi Grande Tesoureiro do Grande Conselho e Guardião dos Selos e Arquivos do Consistório. Foi nomeado Soberano Grande Inspector Geral.
O Conde Alexandre François Auguste de Grasse, Marquês de Tilly (1765-1845) era o único filho do Almirante François Joseph Paul, Conde de Grasse, cuja frota francesa das Índias Ocidentais e 3000 soldados tinham ajudado no cerco americano e na rendição britânica em Yorktown, em 1781. Um rio no norte do estado de Nova Iorque foi posteriormente baptizado em honra do Almirante de Grasse. Em 1793, Alexandre, o seu sogro Jean Baptiste Marie Delahogue e as suas famílias fugiram de Saint-Domingue para Charleston. Em 1796, de Grasse e Jean Baptiste Delahogue formaram uma Loja em Charleston composta exclusivamente por católicos franceses. Naturalizou-se cidadão em 1799. Em 21 de Fevereiro de 1802, o Conselho Supremo nomeou de Grasse Grande Inspector-geral e Grande Comandante das Índias Ocidentais Francesas, ao mesmo tempo que nomeava Delahogue Grande Inspector Geral e Vice Grande Comandante das mesmas ilhas.
Em 1804, o Conselho Supremo de França foi criado em Paris e de Grasse tornou-se o seu Grande Comandante.
Jean Baptiste Marie Delahogue (1744-1822) foi educado na Loja La Constance em Paris, França. Era sogro de Alexandre François Auguste de Grasse. Três anos mais tarde, juntou-se a de Grasse para fundar a Loja La Candeur em Charleston. Foi nomeado Vice Grande Comandante do Conselho Supremo das Índias Ocidentais. Acabou por suceder a de Grasse como Grande Comandante quando de Grasse regressou a França e se tornou Grande Comandante do Novo Conselho Supremo de França. Delahogue naturalizou-se cidadão dos Estados Unidos em Nova Orleães, em 1804. A cidade foi adquirida como parte da compra do Louisiana em 1803.
Moses Clava Lévy (1749-1839) nasceu em Cracóvia, na Polónia. Foi um comerciante de sucesso, dedicado à sua cidade e ao seu país de adopção. Foi nomeado membro do Conselho Supremo em 9 de Maio de 1802.
O Dr. James Moultrie (1766-1836) era o único nativo da Carolina do Sul entre os membros originais. Ele era um médico e, de acordo com Albert Pike, “era um dos cidadãos mais eminentes da Carolina do Sul”. Ele aderiu ao Conselho Supremo em 3 de Agosto de 1802.
Como se pode ver na lista dos “Onze Cavalheiros de Charleston”, muito poucos deles tinham nascido em solo americano. Apenas o francês de Grasse-Tilly e o seu sogro Delahogue eram católicos; os outros, todos católicos praticantes, eram judeus ou protestantes, membros da Igreja Reformada. Mas todos eles desempenharam um papel importante no fim da dominação britânica e no aparecimento do patriotismo americano, tal como expresso no lema dos Estados Unidos “E Pluribus Unum“, inscrito no pergaminho e apertado no bico de águia do Grande Selo dos Estados Unidos. Este lema recorda que, através da união das Treze Colónias originais e da diversidade dos seus cidadãos, nasceu uma nova nação única.
Para aqueles que gostariam de saber mais, vale a pena notar que em 1911, o Supremo Conselho “Mãe do Mundo” começou a construção de uma nova sede em Washington DC, chamada Temple House. Situado no número 1733 da Sixteenth Street, em Dupont Circle, a pouco mais de um quilómetro da Casa Branca, o edifício alberga também uma biblioteca pública com uma das maiores colecções do poeta escocês e Maçom Robert Burns.
Jean-Jacques Zambrowski
Tradução de António Jorge, M∴ M∴, membro de:
- R∴ L∴ Mestre Affonso Domingues, nº 9 (GLLP / GLRP)
- Ex Libris Lodge, nº 3765 (UGLE)
- Lodge of Discoveries, nº 9409 (UGLE)
Fontes
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