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A Influência do Hermetismo no Pensamento Maçônico

Por Wagner Tomás Barba

Desde suas origens históricas, a Maçonaria tem sido um repositório de conhecimentos antigos, ocultos sob o véu de alegorias, símbolos e rituais. Entre as diversas correntes esotéricas que contribuíram para a construção do pensamento maçônico, o Hermetismo ocupa um lugar de destaque. Originado dos ensinamentos atribuídos a Hermes Trismegisto — figura mítica que sintetiza os arquétipos do deus egípcio Thoth e do deus grego Hermes — o Hermetismo influenciou não apenas o desenvolvimento do ocultismo ocidental, mas também o arcabouço filosófico e simbólico da própria Maçonaria especulativa.

O Hermetismo propõe uma visão de mundo na qual o homem é um reflexo do universo e possui em si o potencial divino, que pode ser despertado por meio da iniciação, do conhecimento e da prática espiritual. Essa proposta encontra paralelo direto na jornada do maçom, que busca o aperfeiçoamento moral, intelectual e espiritual em sua caminhada através dos graus. Os ensinamentos herméticos, fundamentados em princípios como a correspondência entre planos, a polaridade, a transmutação mental e a unidade do todo, dialogam profundamente com os valores, rituais e símbolos maçônicos.

A intersecção entre Hermetismo e Maçonaria não é apenas teórica ou histórica — ela se manifesta no cerne da experiência iniciática, onde a luz simbólica revela ao neófito não apenas uma nova compreensão do mundo, mas também de si mesmo. Entender essa influência não apenas amplia a compreensão da tradição maçônica, como também aprofunda o vínculo entre o iniciado e as raízes filosóficas que sustentam sua jornada.

Hermes Trismegisto é uma figura envolta em mistério, reverenciada por diversas tradições esotéricas como o mestre primordial, o “Três Vezes Grande” — grande em sabedoria, grande em poder e grande em ação. Ele representa a fusão simbólica entre o deus egípcio Thoth, patrono da escrita, da magia e da sabedoria, e o deus grego Hermes, mensageiro dos deuses e condutor das almas (Psicopompo). A tradição hermética sustenta que Hermes Trismegisto foi o autor de inúmeros escritos sagrados, conhecidos coletivamente como Corpus Hermeticum, que serviram como base para o desenvolvimento de escolas de pensamento espiritual, filosófico e alquímico ao longo dos séculos.

Esses escritos, compostos entre os séculos I e III d.C., durante o florescimento do sincretismo greco-egípcio em Alexandria, versam sobre temas como a criação do universo, a natureza da alma, a busca pela iluminação, e a união do homem com o divino. Em essência, são tratados sobre o autoconhecimento e a ascensão espiritual por meio da compreensão das leis cósmicas que regem o Todo.

A figura de Hermes Trismegisto tornou-se um arquétipo do verdadeiro iniciado: aquele que busca a Verdade por meio do estudo, da prática e da contemplação. Para os pensadores do Renascimento — época em que o Hermetismo foi redescoberto e reinterpretado — Hermes era visto como um sábio ancestral que precedeu até mesmo

Moisés, sendo considerado uma ponte entre o mundo antigo e o conhecimento divino.

Na tradição maçônica, Hermes Trismegisto é evocado de forma velada, mas sua influência é perceptível na reverência à sabedoria antiga, na centralidade do simbolismo e na ideia de que a verdadeira iniciação leva à regeneração do ser. O seu legado sobrevive não apenas nos textos herméticos, mas também nos símbolos alquímicos, na arquitetura espiritual dos graus e na própria postura filosófica do maçom diante do mundo: a de um eterno aprendiz.

Compreender Hermes Trismegisto é, portanto, adentrar as raízes profundas de uma sabedoria que transcende épocas e culturas, e que encontramos com clareza nos ensinamentos e práticas da Maçonaria moderna.

O Corpus Hermeticum é a principal coletânea de textos atribuídos a Hermes Trismegisto, e constitui o alicerce filosófico do Hermetismo. Produzidos entre os séculos I e III d.C., em sua maioria em grego e sob forte influência egípcia, esses escritos compõem um corpo de ensinamentos esotéricos que tratam da criação, da natureza do divino, da alma humana e do processo de iluminação espiritual. São obras de caráter iniciático, escritas em forma de diálogos entre mestre e discípulo, com o propósito de transmitir verdades ocultas sobre o universo e a condição humana.

Entre os textos mais importantes estão o Poimandres, o Discurso Sagrado, A Chave e A Tábua de Esmeralda, esta última famosa por seu axioma: “O que está em cima é como o que está embaixo, e o que está embaixo é como o que está em cima, para realizar os milagres do Um”. Essa máxima de correspondência revela uma das principais bases do pensamento hermético: a unidade entre os planos espiritual e material, microcosmo e macrocosmo — ideia igualmente presente na filosofia maçônica.

O conteúdo do Corpus Hermeticum não constitui uma doutrina fechada, mas sim uma cosmovisão integrada e simbólica. Seus textos exploram temas como a emanação do cosmos a partir do Uno, a queda da alma no mundo da matéria, a necessidade do autoconhecimento como caminho de retorno ao divino, e a regeneração interior por meio da gnose — o conhecimento profundo e experiencial da verdade.

A influência desses textos se expandiu notoriamente no Renascimento, quando foram traduzidos por Marsilio Ficino, sob o patrocínio de Cosimo de Médici. Essa redescoberta causou impacto profundo no pensamento ocidental, especialmente entre alquimistas, cabalistas cristãos, neoplatônicos e, mais tarde, nos fundadores da Maçonaria especulativa, que absorveram os símbolos e princípios do Hermetismo em seus ritos e doutrinas.

O Corpus Hermeticum, ao oferecer uma síntese entre filosofia, religião e ciência espiritual, torna-se um espelho no qual a Maçonaria contempla suas raízes mais antigas e reconhece, sob nova roupagem, o mesmo anseio humano pela luz do conhecimento, pelo equilíbrio universal e pela ascensão moral.

Abro aqui um parêntese para uma opinião pessoal: se forem adquirir este livro, recomendo fortemente a versão publicada pela Editora Polar. Quando iniciei meus estudos, optei por uma edição de outra editora, principalmente por conta do preço mais acessível. No entanto, acabei tendo que adquirir novamente, desta vez da Editora Polar, cuja versão é muito mais completa e bem elaborada. Apesar do custo mais elevado, considero que o investimento realmente compensa.

A tradição hermética, especialmente por meio da outra obra, conhecida como O Caibalion — publicada em 1908 por autores anônimos que se apresentaram como “Os Três Iniciados” — sistematizou sete princípios fundamentais que regem o universo. Esses princípios não apenas traduzem os fundamentos filosóficos do Hermetismo, mas também dialogam diretamente com os ensinamentos e simbolismos da Maçonaria. Ambos os sistemas veem o universo como uma manifestação ordenada de leis superiores, cujo entendimento leva ao autodomínio, à liberdade espiritual e à harmonia com o Todo.

Abaixo, cada princípio hermético é apresentado com sua respectiva correspondência no pensamento maçônico:

O Princípio do Mentalismo

 “O Todo é Mente; o universo é mental.”

Na Maçonaria, a busca pela “Luz” simboliza o despertar da consciência e do raciocínio. A ideia de que o universo é uma manifestação da mente divina reflete-se na ênfase maçônica no uso da razão, no conhecimento e na lapidação da pedra bruta — a mente do iniciado em processo de aperfeiçoamento.

O Princípio da Correspondência

 “O que está em cima é como o que está embaixo.”

O famoso axioma hermético ressoa fortemente na estrutura simbólica da Maçonaria, onde o Templo é construído em analogia ao homem e ao universo. A Loja, como microcosmo, reflete o macrocosmo, e os rituais espelham realidades superiores.

O Princípio da Vibração

 “Nada está parado; tudo se move; tudo vibra.”

Este princípio está presente na concepção maçônica do progresso contínuo do iniciado. A jornada não é estática; é um movimento constante em direção à perfeição moral e espiritual. Também está implícito nas cerimônias de passagem entre os graus, representando a mudança de estado vibracional do ser.

O Princípio da Polaridade

 “Tudo é duplo; tudo tem dois polos; tudo tem o seu oposto.”

A dualidade é um tema central nos rituais maçônicos: luz e trevas, Oriente e Ocidente, colunas J e B (Jachin e Boaz). O entendimento dos opostos e sua conciliação é parte essencial do equilíbrio buscado pelo maçom.

O Princípio do Ritmo

 “Tudo flui, entra e sai; tudo tem suas marés.”

Os ciclos da natureza e da vida são observados nos ritos sazonais, nas fases da lua e nos próprios graus, que indicam etapas rítmicas do desenvolvimento interior. A consciência do ritmo universal fortalece o discernimento e a prudência do iniciado.

O Princípio de Causa e Efeito

 “Toda causa tem seu efeito; todo efeito tem sua causa.”

Esse princípio fundamenta a responsabilidade moral no pensamento maçônico. Nada acontece por acaso. O maçom é instado a agir com consciência, sabendo que seus atos reverberam tanto no plano material quanto no espiritual.

O Princípio de Gênero

 “O gênero está em tudo; tudo tem o seu princípio masculino e feminino.”

Embora menos evidente nos rituais maçônicos tradicionais, esse princípio pode ser percebido na simbologia das forças complementares presentes nas colunas, na união de opostos e na ideia de fertilidade espiritual: a capacidade de gerar sabedoria, virtude e harmonia por meio da integração das energias.

Ao correlacionar os princípios herméticos com os valores e símbolos da Maçonaria, compreendemos que ambos os sistemas visam a mesma meta: a elevação do ser humano por meio do conhecimento de si mesmo e das leis que regem o universo. Essa convergência reforça a ideia de que a Maçonaria é uma herdeira legítima da antiga tradição hermética.

Em um artigo anterior, publicado há alguns meses, aprofundei a análise de cada um dos sete princípios, explorando suas particularidades com riqueza de detalhes. Naquela ocasião, procurei ilustrar cada conceito com exemplos práticos e reflexões que facilitassem a compreensão, tornando o conteúdo não apenas informativo, mas também aplicável ao cotidiano e ao estudo mais aprofundado do tema.

Tanto o Hermetismo quanto a Maçonaria estão profundamente enraizados na ideia de que o verdadeiro conhecimento não é apenas intelectual, mas espiritual e transformador. Trata-se de um saber iniciático, reservado àqueles que estão dispostos a trilhar um caminho de autoconhecimento, purificação e ascensão interior. Esse caminho não é percorrido de forma passiva; exige esforço consciente, disciplina simbólica e um compromisso pessoal com a verdade.

No Hermetismo, o iniciado é introduzido aos mistérios por meio de diálogos com o mestre Hermes, que revela gradualmente os segredos do universo e da alma humana. Essa transmissão é sempre simbólica, pois se compreende que a verdade última não pode ser comunicada por palavras, mas apenas intuída, vivida e realizada interiormente. Da mesma forma, na Maçonaria, o neófito passa por cerimônias de iniciação que não apenas instruem, mas transformam: cada grau é uma etapa que marca o avanço na compreensão do mundo e de si mesmo.

A iniciação é um ritual de morte e renascimento simbólico. O ser profano morre para dar lugar ao iniciado, que agora começa uma jornada de iluminação progressiva. No Hermetismo, esse processo é chamado de “regeneração espiritual”; na Maçonaria, fala-se em “passar das trevas para a luz”. Em ambos os casos, o simbolismo é claro: a ignorância cede espaço à sabedoria, e a matéria bruta é lapidada até revelar o espírito.

Essa busca pelo conhecimento exige um código ético: no Hermetismo, o adepto deve dominar seus instintos e alinhar-se com as leis do universo; na Maçonaria, o iniciado se compromete com os princípios de liberdade, igualdade, fraternidade e moralidade. O conhecimento é visto não como um fim em si, mas como uma via de elevação moral e espiritual.

Outro ponto importante é que esse saber não é adquirido isoladamente. A tradição iniciática é coletiva e se perpetua em estruturas organizadas, como escolas de mistérios, ordens esotéricas e, no caso da Maçonaria, as Lojas. O convívio entre irmãos, o estudo conjunto e o compartilhamento de experiências fazem parte do processo de crescimento do iniciado, conforme também preconizado nas escolas herméticas da Antiguidade.

Assim, o caminho maçônico e o caminho hermético coincidem em seu propósito essencial: iluminar a consciência, libertar o espírito da ignorância e reconectar o homem com sua origem divina. Ambos reconhecem que o verdadeiro templo a ser construído não está fora, mas dentro de cada ser humano — e essa edificação só é possível pela via do conhecimento profundo e da iniciação verdadeira.

A linguagem do Hermetismo é essencialmente simbólica, assim como a da Maçonaria. Ambas as tradições compreendem que os símbolos são veículos de verdades espirituais profundas — verdades que não podem ser expressas diretamente pela razão discursiva, mas que se revelam à intuição do iniciado por meio da contemplação e da experiência ritualística. O simbolismo é, portanto, uma linguagem universal do espírito, que comunica o invisível através do visível.

Na tradição hermética, símbolos como a serpente, o caduceu, o sol e a lua, o leão, os quatro elementos e os números sagrados servem como chaves de interpretação da realidade e da alma. Na Maçonaria, os símbolos — ou suas equivalências — aparecem nos rituais, nas instruções e na ornamentação da Loja, carregando múltiplos significados esotéricos.

A Serpente, por exemplo, é um símbolo ambíguo no Hermetismo: representa tanto o poder da vida e do renascimento quanto o perigo da ignorância ou do vício. Na Maçonaria, embora menos direta, essa simbologia se reflete na vigilância contra os excessos e no domínio de si mesmo. O caduceu de Hermes, com suas duas serpentes entrelaçadas ao redor de uma haste central, representa o equilíbrio das forças opostas e a elevação da consciência — um tema recorrente nos graus filosóficos maçônicos, como o do Rito Escocês Antigo e Aceito. No Estandarte da minha oficina, temos as duas serpentes, uma de cada lado, se entreolhando, demonstrando a dualidade de todas as coisas.

O Sol e a Lua, luminares sagrados, são elementos centrais tanto no Hermetismo quanto na Maçonaria. No Hermetismo, o Sol é o símbolo do espírito e da consciência, enquanto a Lua representa a alma e o mundo refletido. Na Maçonaria, essas duas luzes, representam as polaridades que sustentam o equilíbrio e a harmonia do universo.

Outro exemplo eloquente é o uso dos quatro elementos da natureza — Terra, Água, Ar e Fogo — que, na tradição hermética, são as manifestações do plano material e espiritual. Esses elementos, quando equilibrados, formam o ser harmonizado. Na Maçonaria, eles aparecem simbolicamente nos instrumentos de trabalho, nas cerimônias de purificação e nas alegorias de construção interior, bem como em diversas instruções dos três graus simbólicos.

O número sete, altamente simbólico no Hermetismo por sua associação com os planetas clássicos e com os estágios da iniciação espiritual, também encontra patente na Maçonaria: são sete os oficiais de uma Loja justa e perfeita; são sete os degraus (Trivium e Quadrivium); são sete os anos simbólicos de um Mestre. Cada número possui uma vibração própria que transmite ensinamentos iniciáticos.

As próprias ritualísticas maçônicas carregam estrutura hermética: iniciação, morte simbólica, renascimento, ascensão da alma, revelação da luz. Tudo isso está profundamente alinhado com os rituais das escolas herméticas da Antiguidade, que buscavam, por meio do simbolismo e da dramatização sagrada, provocar no neófito um verdadeiro despertar interior.

O simbolismo compartilhado entre o Hermetismo e a Maçonaria não é coincidência, mas sim herança direta de uma mesma matriz espiritual. Ambos os sistemas compreendem que o mundo visível é apenas um espelho do invisível, e que o verdadeiro trabalho do iniciado é decifrar os símbolos que o cercam — para que, por meio deles, possa conhecer a si mesmo e, por fim, o Todo.

A “Luz” é um dos conceitos mais centrais e sagrados tanto no Hermetismo quanto na Maçonaria. Em ambos os sistemas, ela simboliza a sabedoria, a verdade, a consciência desperta e a presença do divino. Não se trata de uma luz física, mas de uma iluminação interior, de um despertar espiritual que transforma radicalmente a visão de mundo do iniciado.

No Hermetismo, a Luz é frequentemente descrita como a primeira emanação do Uno

— a inteligência divina que dá origem ao cosmos. No Poimandres, texto do Corpus Hermeticum, Hermes narra sua visão do nascimento da criação a partir de uma Luz luminosa e poderosa, que se desdobra sobre as trevas da matéria e dá forma ao universo. Essa Luz é o Verbo criador, o princípio espiritual que anima e ordena todas as coisas. Conhecer a Luz, para o adepto hermético, é libertar-se das ilusões do mundo sensível e reintegrar-se à fonte original.

Na Maçonaria, desde os primeiros instantes da iniciação, o neófito é conduzido “das trevas para a luz”. Este é um dos momentos mais significativos e simbólicos da ritualística: a venda é retirada dos olhos do iniciado, não apenas para revelar-lhe a Loja, mas para marcar sua entrada em uma nova realidade — uma realidade iluminada pela sabedoria, pela moral e pelo conhecimento superior. A Luz que o maçom busca é a luz do entendimento, da razão e da consciência desperta, capaz de orientá-lo em sua jornada de aperfeiçoamento.

A simbologia luminosa na Maçonaria se manifesta também por meio das Três Grandes Luzes: o Volume da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso. Cada um desses elementos é portador de ensinamentos éticos e espirituais, e todos juntos iluminam o caminho do iniciado, ajudando-o a traçar sua conduta com retidão e discernimento.

No Hermetismo, a Luz também está associada à gnose — o conhecimento intuitivo e experiencial da divindade. Aquele que “vê a Luz” é aquele que transcende a ignorância e desperta para a verdadeira natureza da realidade. Esse mesmo conceito é encontrado na tradição maçônica, que preconiza o trabalho interior como meio de ascender da escuridão do ego e da ilusão à claridade da verdade e da liberdade espiritual.

Ambas as tradições reconhecem, portanto, que a Luz é mais do que símbolo: é uma realidade interior que se manifesta quando o ser humano se alinha com as leis cósmicas, busca o bem, conhece a si mesmo e serve à humanidade com sabedoria e retidão. A Luz é o objetivo do caminho iniciático — o ponto mais elevado do templo interior, onde habita o sagrado.

Um dos legados mais marcantes do Hermetismo à tradição iniciática é o conceito de transmutação espiritual, ideia que encontrou ressonância profunda nos rituais e ensinamentos da Maçonaria. A transmutação, tal como concebida pelos alquimistas herméticos, não se limita à tentativa literal de transformar metais vis em ouro físico — trata-se, sobretudo, da transformação do ser humano imperfeito em um ser iluminado, nobre, justo e consciente.

Na alquimia hermética, essa transformação é simbolicamente expressa pela obra dos três estágios: nigredo (a putrefação ou morte simbólica), albedo (a purificação) e rubedo (a realização, ou o renascimento). Esse processo é o reflexo de uma jornada interior: o adepto, ao mergulhar em si mesmo, confronta suas sombras (nigredo), purifica sua alma pelo fogo da disciplina e do autoconhecimento (albedo), e finalmente ressurge como um novo ser, portador da luz (rubedo).

De modo paralelo, a Maçonaria propõe uma obra de lapidação do espírito, simbolizada pelo trabalho do maçom sobre a pedra bruta. Ao iniciar-se, o neófito representa a matéria informe, rude e ainda inconsciente de seu potencial. Por meio do estudo, do trabalho moral e da vivência ritualística, ele vai desbastando essa pedra interior, guiado por instrumentos simbólicos — o esquadro, o compasso, o nível, o prumo — até que se torne apto a encaixar-se harmoniosamente na construção do Templo simbólico da humanidade.

A transmutação no Hermetismo é uma ascensão do ser inferior ao ser superior, da ignorância à sabedoria, da divisão à unidade. Na Maçonaria, esse mesmo ideal é vivido por meio do percurso entre os graus, que refletem estágios de evolução espiritual e moral. Cada novo grau representa um passo na escada do conhecimento e da virtude, culminando na visão simbólica do Mestre que renasce — como o ouro alquímico — após ter vencido a morte.

Não por acaso, símbolos alquímicos como o fogo, o sal, o enxofre, o mercúrio, o atanor (forno filosófico) e o ouro espiritual podem ser reinterpretados à luz da simbologia maçônica. O fogo alquímico encontra eco no fogo do zelo do aprendiz; o ouro filosófico é a perfeição do ser que se constrói pela prática das virtudes; o atanor, onde a matéria se transforma, é análogo à Loja, o espaço sagrado onde se processa a transmutação simbólica do iniciado.

Em essência, tanto o Hermetismo quanto a Maçonaria compreendem o processo de aperfeiçoamento humano como uma arte sagrada, que exige paciência, silêncio, trabalho interior e fidelidade à busca da verdade. A verdadeira alquimia é a da alma, e o verdadeiro ouro é o espírito que, ao fim da jornada, brilha com a luz que só nasce no cadinho da consciência.

A concepção de Deus no Hermetismo e na Maçonaria revela profundas semelhanças, ainda que cada tradição utilize símbolos e terminologias próprias para expressar a natureza do divino. Em ambas, Deus não é apresentado como um ser antropomórfico ou um deus pessoal típico das religiões dogmáticas, mas sim como o Princípio Supremo, o Absoluto, a Fonte última de toda a existência — muitas vezes referido como “O Todo” no Hermetismo e simbolizado pelo “Grande Arquiteto do Universo” na Maçonaria.

No Hermetismo, Deus é o Uno indefinível, do qual tudo emana e para o qual tudo retorna. É um princípio infinito, imutável e eterno, que transcende o entendimento humano comum, mas que pode ser percebido pela intuição espiritual. O Corpus Hermeticum revela que o Todo é mente universal e causa primeira, a origem do cosmos e da vida. É a essência invisível que sustenta todas as formas visíveis, o fogo oculto da criação.

Na Maçonaria, a referência ao “Grande Arquiteto do Universo” é uma maneira simbólica e inclusiva de apontar para essa mesma realidade suprema, evitando definições dogmáticas que possam excluir crenças diferentes. Essa expressão reforça a ideia de ordem, harmonia e projeto inteligente por trás do universo, temas também centrais no Hermetismo. O maçom é convidado a reconhecer a presença do divino em toda a criação, e a respeitar essa divindade como fundamento moral e espiritual de sua jornada.

Além disso, tanto o Hermetismo quanto a Maçonaria valorizam a ideia de unidade essencial entre todas as coisas, o que implica uma visão de mundo integradora. Essa visão contrasta com dualismos estritos ou visões fragmentadas da realidade. O entendimento do Todo como unidade fundamental inspira o iniciado a buscar a harmonia interna e externa, a prática da fraternidade e o respeito pelo universo e pela humanidade.

Outro aspecto importante é que essa ideia de Deus está relacionada à capacidade humana de se conectar com o divino por meio do autoconhecimento e da sabedoria. Em ambas as tradições, Deus não está distante ou inacessível, mas habita no coração do iniciado, que por meio da luz interior e do desenvolvimento moral pode se aproximar cada vez mais da sua essência.

Assim, a ideia de Deus e do Todo no Hermetismo e na Maçonaria revela um caminho de reconciliação entre o finito e o infinito, o humano e o divino, que sustenta o propósito maior do caminho iniciático: a união com a fonte primordial da existência, e a realização plena do potencial espiritual do ser.

A literatura maçônica está repleta de referências, conceitos e simbolismos que encontram suas raízes nas obras herméticas clássicas, especialmente aquelas pertencentes ao Corpus Hermeticum e aos textos alquímicos medievais. Esses escritos antigos exerceram uma influência profunda na formação do pensamento esotérico moderno, incluindo a Maçonaria, que buscou neles fundamentos para sua visão espiritual e iniciática.

Os textos herméticos, atribuídos a Hermes Trismegisto, são compostos por diálogos e tratados que abordam temas como a criação do universo, a natureza da alma, a relação entre o microcosmo e o macrocosmo, e o processo de purificação espiritual. Tais temas permeiam diretamente a estrutura filosófica dos rituais maçônicos e a simbologia presente em seus graus.

No século XVII, a redescoberta e a tradução dessas obras despertaram grande interesse no meio intelectual e esotérico europeu, influenciando correntes de pensamento como o Rosacrucianismo e o Iluminismo, que por sua vez impactaram a Maçonaria especulativa. Os símbolos herméticos foram adaptados e incorporados nas liturgias maçônicas, enriquecendo o conteúdo simbólico e moral da ordem.

Exemplos claros dessa influência podem ser vistos em tratados maçônicos que mencionam a dualidade espírito-matéria, a busca pelo conhecimento oculto e a importância do autoconhecimento como caminho para a iluminação — todos temas centrais no Hermetismo. Além disso, a ideia da “pedra filosofal” como símbolo da perfeição humana encontra correspondência na pedra bruta da Maçonaria, que deve ser lapidada para revelar seu valor intrínseco.

Autores maçônicos ao longo dos séculos reconheceram a importância desses escritos herméticos e muitas vezes os citaram como fontes essenciais para a compreensão do simbolismo e da missão espiritual da Maçonaria. Essa tradição de estudo reforça o caráter iniciático e universal da ordem, que busca preservar a sabedoria antiga em linguagem moderna.

Assim, as obras herméticas clássicas servem como ponte entre a antiguidade e a modernidade esotérica, oferecendo à Maçonaria um rico acervo simbólico e filosófico que ajuda seus membros a compreenderem sua missão de construção moral e espiritual.

A intersecção entre Hermetismo, Kabbalah e Maçonaria revela uma profunda confluência de saberes esotéricos que moldaram o pensamento iniciático do Ocidente. Essas três tradições, embora distintas em origem e estrutura, compartilham uma visão simbólica e espiritual do universo, bem como um compromisso com a elevação moral e intelectual do ser humano por meio do autoconhecimento e da revelação progressiva dos mistérios.

O Hermetismo, com raízes no Egito helenístico e influências gregas, egípcias e platônicas, propõe uma cosmologia na qual o ser humano é reflexo do cosmos — o microcosmo dentro do macrocosmo — e pode, por meio da gnose (conhecimento espiritual), reintegrar-se ao Todo. A Kabbalah, por sua vez, é um sistema místico judeu que propõe a estrutura do universo como uma árvore de emanações divinas (a Árvore da Vida), cujo estudo e meditação permitem ao iniciado compreender o mistério da criação e aproximar-se de Deus, para se entender, ao menos o mínimo dessa premissa, temos que ter em mente que o Criador não se encontra no universo e sim que o universo se encontra no Criador e que, sendo o Criador que estabeleceu o tempo, esse não existe para Ele.

Na Maçonaria, ambas as tradições foram assimiladas simbolicamente, especialmente nos graus mais elevados dos Ritos Filosóficos, como o Rito Escocês Antigo e Aceito. A estrutura hierárquica da Árvore da Vida cabalística se encontra na escalada maçônica por graus e etapas de aperfeiçoamento, enquanto os conceitos herméticos de correspondência, polaridade e transmutação são aplicados nos ensinamentos morais e espirituais da Ordem.

Os princípios da Kabbalah — como o estudo das dez sefirot (esferas da Árvore da Vida), o equilíbrio entre o rigor e a misericórdia, e a busca pela centelha divina no interior do ser humano — complementam os princípios herméticos e maçônicos de dualidade, harmonia e construção interior. A própria ideia do Templo de Salomão como símbolo central da Maçonaria está intimamente relacionada com interpretações cabalísticas sobre a manifestação divina no mundo físico.

É também relevante lembrar que, durante o Renascimento, pensadores como Pico della Mirandola, Marsilio Ficino e Giordano Bruno foram responsáveis por reunir essas correntes de saber — Hermetismo, Kabbalah e filosofia neoplatônica — num único corpo de pensamento místico e filosófico, influenciando diretamente a formação das sociedades iniciáticas modernas, inclusive a Maçonaria especulativa.

Portanto, a Maçonaria é, em muitos aspectos, uma síntese viva dessas tradições: herdeira da sabedoria hermética, intérprete simbólica da estrutura cabalística do universo e arquiteta da transformação espiritual do ser humano. Por meio da linguagem simbólica e da vivência ritualística, ela mantém acesa a chama desses saberes antigos, adaptando-os ao mundo moderno sem perder sua profundidade atemporal.

A imagem da Escada de Jacó é uma das mais ricas e universais dentro do simbolismo iniciático, com forte presença tanto na tradição bíblica quanto nas interpretações esotéricas do Hermetismo e da Maçonaria. Trata-se de um arquétipo de ascensão espiritual, representando o caminho entre a matéria e o espírito, entre a terra e o céu, entre o homem e o divino.

Na narrativa bíblica, Jacó sonha com uma escada que liga a terra ao céu, por onde anjos sobem e descem, e no topo da qual está Deus. Essa visão é interpretada, no Hermetismo, como uma representação do processo de retorno do espírito à sua origem divina, através de graus de consciência ou estados do ser. O Hermetismo ensina que o ser humano, ao purificar-se e desenvolver-se interiormente, pode elevar-se progressivamente em direção ao Uno, à Mente cósmica, ao Todo.

Na Maçonaria, a Escada de Jacó é um símbolo recorrente, especialmente nos graus simbólicos, como o do Aprendiz. Representada frequentemente com três, sete ou até trinta e três degraus, ela simboliza o progresso iniciático, a escalada da alma rumo à luz e à verdade. Os degraus são associados a virtudes (Fé, Esperança e Caridade), a disciplinas (Filosofia, Ética, Ciência), ou ainda a esferas de existência — paralelamente às sefirot cabalísticas ou aos planos herméticos do ser.

Assim como o Hermetismo concebe o mundo como uma hierarquia de planos — físico, astral, mental, espiritual —, a Escada Maçônica também é uma metáfora da ascensão por níveis de sabedoria e purificação. Cada degrau vencido representa uma vitória sobre a ignorância, o orgulho, o egoísmo e outras paixões que mantêm o homem aprisionado ao plano inferior da existência.

Há, ainda, um forte paralelo com a escada alquímica: na alquimia hermética, o progresso do alquimista é descrito em estágios sucessivos, cada um exigindo maior discernimento e domínio de si. A pedra bruta se torna, a cada etapa, mais próxima da pedra filosofal. O mesmo ocorre com o iniciado maçom, que começa sua jornada na escuridão da ignorância e caminha, passo a passo, em direção à Luz do Conhecimento e à Realização espiritual.

Ademais, essa escada é sempre interior. Não se trata de uma subida literal ou mecânica, mas de um movimento íntimo da consciência, que exige trabalho, perseverança e humildade. Os “anjos” que sobem e descem podem ser vistos como representações dos pensamentos, sentimentos e inspirações que ligam o homem ao divino — ou como os próprios mestres invisíveis que auxiliam os que estão sinceramente engajados na Grande Obra.

Por tudo isso, a Escada de Jacó é mais do que um símbolo decorativo: é um mapa iniciático que une o Hermetismo à Maçonaria, apontando para o ideal supremo de reintegração do ser humano à sua origem luminosa, por meio do esforço consciente e da vivência espiritual profunda.

Entre os muitos elementos que conectam o Hermetismo à Maçonaria, poucos são tão essenciais e profundos quanto o silêncio, o segredo e a iniciação. Esses três princípios não apenas sustentam o arcabouço simbólico das tradições esotéricas, mas também refletem uma atitude interior exigida do verdadeiro buscador da sabedoria. Eles representam não apenas regras externas de conduta, mas fundamentos espirituais do caminho iniciático.

No Hermetismo, o segredo não é mero artifício de exclusão, mas uma forma de proteção do sagrado e de respeito pela maturidade espiritual necessária para compreender certos ensinamentos. As verdades profundas não podem ser transmitidas de forma literal ou profana, pois exigem preparação, transformação e vivência. A máxima “os lábios da sabedoria estão fechados, exceto aos ouvidos do entendimento” (como aparece no Caibalion) expressa esse princípio com clareza: o conhecimento verdadeiro deve ser conquistado, não entregue gratuitamente.

O silêncio é, nesse contexto, uma disciplina interna e externa. Internamente, significa conter o ego, dominar as paixões, ouvir mais do que falar, contemplar antes de agir. Externamente, é o compromisso de não revelar o que foi confiado, respeitando o tempo e o grau de cada um. No Hermetismo, como na Maçonaria, o silêncio é uma virtude iniciática que protege tanto o ensinamento quanto o iniciado.

Na Maçonaria, esses conceitos ganham forma ritualística e simbólica. O neófito entra no templo mudo, cego e desarmado, em sinal de humildade e receptividade. O juramento do silêncio e do segredo, feito diante do altar, é um compromisso solene que sela o ingresso numa via de autotransformação. Os rituais são cuidadosamente velados em alegorias, e os ensinamentos são progressivamente revelados por graus, conforme o preparo do iniciado — exatamente como no Hermetismo.

A iniciação, por sua vez, é o grande elo entre essas tradições. No Hermetismo, iniciar-se é morrer simbolicamente para o mundo profano e renascer para a luz da sabedoria. É entrar nos mistérios e realizar, gradualmente, a união com o Todo. Na Maçonaria, a iniciação segue esse mesmo modelo simbólico: é um renascimento espiritual, um rito de passagem que marca o início de uma jornada interior.

Importante destacar que tanto no Hermetismo quanto na Maçonaria, o segredo não é um fim em si mesmo, mas um método. O valor do silêncio está na sua função de estimular o esforço pessoal, de impedir a banalização da verdade e de preservar a dignidade do conhecimento. Aquilo que é sagrado deve ser conquistado, vivenciado, sentido no coração — e não apenas ouvido com os ouvidos externos.

Assim, silêncio, segredo e iniciação formam uma tríade sagrada que convida o buscador a um caminho de disciplina, reverência e transcendência. São portas internas que abrem o templo da alma, aproximando Hermetismo e Maçonaria em seu mais nobre propósito: a elevação do espírito humano pela Luz da Verdade.

Ao final desta jornada pelos vínculos entre Hermetismo e Maçonaria, torna-se evidente que a Ordem Maçônica desempenha um papel vital na preservação e transmissão da Tradição Primordial, conceito central nas correntes esotéricas que reconhecem uma sabedoria originária, atemporal, comum a todas as grandes civilizações e culturas iniciáticas do mundo. O Hermetismo é uma das expressões mais completas dessa tradição, e a Maçonaria, em sua forma especulativa moderna, age como herdeira, intérprete e continuadora dessa corrente sagrada.

A chamada Tradição Primordial, presente nas cosmogonias egípcia, hindu, caldaica, persa, hebraica e grega, postula que existe uma única verdade espiritual universal, fragmentada em múltiplas tradições religiosas e iniciáticas, mas essencialmente una em sua essência. O Hermetismo, ao reunir elementos filosóficos e simbólicos dessas tradições, foi por séculos o elo entre o saber antigo e o mundo ocidental. Com o surgimento da Maçonaria especulativa moderna no século XVIII, esse elo ganhou nova forma e vigor.

A Maçonaria, mesmo se apresentando como uma ordem fraternal e moral, está impregnada de estruturas simbólicas, ritualísticas e linguagem que não são arbitrárias ou meramente decorativas: elas são veículos vivos de ensinamentos ancestrais, carregados de significados ocultos acessíveis ao iniciado sincero e perseverante. O templo, as ferramentas, os números, os gestos e as palavras compõem um verdadeiro alfabeto sagrado, cuja decifração remete às chaves do Hermetismo.

Mais do que conservar símbolos antigos, a Maçonaria perpetua o espírito do Hermetismo: a busca pela Verdade por meio da razão iluminada, da moral elevada, da introspecção e do autoconhecimento. A ideia de que o homem é um reflexo do universo, que a perfeição é uma meta a ser construída no templo interior, e que o progresso espiritual exige trabalho, silêncio e iniciação — tudo isso é profundamente hermético, e ainda hoje praticado nas Lojas maçônicas ao redor do mundo.

Assim, pode-se dizer que a Maçonaria mantém viva a chama do Hermetismo, mesmo quando seus membros nem sempre têm consciência disso. Ela é, ao mesmo tempo, guardiã da forma e do conteúdo, ponte entre o visível e o invisível, entre o tempo e o eterno. Sua função, portanto, vai além do aperfeiçoamento individual: é também a de proteger e transmitir um legado espiritual universal, que pertence à humanidade e cuja origem se perde na aurora dos tempos.

Concluindo, a Maçonaria é uma das mais eficazes e silenciosas herdeiras da Tradição Hermética, e por consequência, da própria Tradição Primordial. Sua missão não é apenas simbólica, mas espiritual: manter acesa, na escuridão dos tempos modernos, a luz perene da sabedoria eterna.

Ir⸫ Wagner Tomás Barba

A.R.L.S. Vinte e Cinco de Agosto, 376 – GLESP

Or. de Carapicuíba/SP – 17/06/2025


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