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A Introdução da Revisão Amiable no Grande Oriente Lusitano Unido – A plena liberdade de consciência importada de França

Por Joaquim Grave dos Santos, SC Liberdade

Por decreto de 30 de setembro de 1869, a Grande Loja do Grande Oriente Lusitano aprovou a junção proposta pelo corpo maçónico denominado Grande Oriente Português, a fim de fazer de toda a família maçónica do país uma entidade única e indivisível, sob o nome de Grande Oriente Lusitano Unido – Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa[1]. O Grande Oriente Português já se tinha pronunciado favoravelmente à fusão dos dois corpos maçónicos em 15 de setembro, pelo que se encontrava concluído todo um longo processo de reunificação da maçonaria do reino de Portugal, que após o fim da guerra civil (1834) se tinha fragmentado em várias Obediências, com linhas de continuidade ao Grande Oriente Lusitano original mais ou menos acentuadas.

O Grande Oriente Lusitano Unido, que teve como primeiro Grão Mestre João Inácio Francisco Palma de Noronha, 2º Conde de Paraty, agregou logo na sua fundação 55 Lojas, que praticavam o Rito Francês ou o Rito Escocês Antigo e Aceite. Destas Oficinas, 20 situavam-se em Espanha, A organização administrativa desta Obediência veio a regular-se por uma nova Constituição, aprovada em 1871, cujo Artigo 2º referia o seguinte[2]:

«A Maçonaria subordinada ao Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa tem por bases fundamentais a crença religiosa, o amor da família da pátria e da humanidade ; e por principal divisa a tolerância […]»

A década de 1870 veio, todavia, dar força à questão religiosa no âmbito do debate público da sociedade portuguesa, promovendo a circulação de novas ideias, que incentivaram o movimento laico português, e que necessariamente chegaram às Lojas do Grande Oriente Lusitano Unido. Se, até então, a perspectiva da Maçonaria Portuguesa nesta matéria se tinha inserido na corrente tradicional do liberalismo português, de luta contra o cléricalismo e o ultramontanismo, e de combate à entrada das congregações religiosas em Portugal, a questão italiana, as deliberações ecumênicas do Concílio do Vaticano I e, em França, os acontecimentos da Comuna de Paris e da proclamação da Terceira República laica e anticlerical, tiveram grande impacto na sociedade portuguesa. Recordemo-nos que a contraofensiva doutrinária de Roma procurava assumir expressão organizada, tendo isto suscitado a fundação, em Portugal, da Associação Católica (1872), dirigida pelo Conde de Samodães. Em resposta, desencadeou-se em Coimbra um movimento a favor da criação de Associações Liberais, de tendências laicas, impulsionadas por Maçons, e por defensores do positivismo e do republicanismo nascentes. Também a radicalização da campanha da Igreja Católica contra as filosofias racionalistas, a Franco maçonaria, o livre pensamento, o carbonarismo, e a democracia liberal, republicana ou socialista, vieram a dar força à corrente laica.

Assim, no final da década de 1870, e numa altura em que o Convento de 1877 do Grande Oriente de França tinha conduzido à introdução do Princípio da Plena Liberdade de Consciência na sua Constituição, a redação do artigo 2º da Constituição do GOLU começou a ser fortemente contestada. Destacou-se nesse movimento o Maçom António Patrício Correia, Venerável Mestre da Loja Razão Triunfante, Oficina do Rito Francês que se encontrava envolvida em vasta obra social, principalmente no domínio da educação. Numa altura em que se encontrava em discussão o projeto de uma nova Constituição, António Patrício Correia defendeu uma nova redação para o Artigo 2º, porque[3]:

«Tenho essas palavras por contrárias ao mesmo espírito da lei, por nefastas ao engrandecimento da Ordem, por aberrantes dos nossos verdadeiros fins, e, direi mesmo, por intrusas em nossos códigos, que não demandam nem recebem sanção de nenhum corpo teológico, que não afirmam nem definem dogma algum religioso, que não se inspiram nem se ilustram no Evangelho ou no Alcorão e, enfim, que não se filiam nem militam em nenhuma religião ou seita, de que por fortuna ou, não sei se diga, desdita humana, vemos seguidas em toda a superfície do globo […]»

Este movimento em prol da supressão da referência à crença religiosa da Constituição do GOLU não teve, todavia, sucesso. As sucessivas revisões deste documento legislativo, realizadas em 1878 e em 1886, mantiveram o articulado do Artigo 2º sem qualquer alteração nesta matéria. Tal não é de estranhar, pois o GOLU manteve amplo relacionamento durante todo este período com as Obediências Britânicas, Norte-Americanas e Alemãs, pelo que o texto da Constituição teve mais em conta os condicionalismos inerentes aos alinhamentos internacionais, do que as opiniões filosóficas de um número crescente dos seus membros, favoráveis à plena Liberdade de Consciência. Número este que foi sendo cada vez mais significativo e ativo, à medida que se aproximava o fim do século, e que a crítica da religião expressa nas teorias de Proudhon, Malon, Pi y Margall e de Littré, se foi tornando mais difundida neste país. Muitas das ideias destes autores estrangeiros encontram-se replicadas nos escritos de militantes laicos portugueses da época tais como : Heliodoro Salgado, Teixeira Bastos, Visconde de Ouguela, Magalhães Lima, Afonso Costa, Fernão Botto-Machado, Faustino da Fonseca, Agostinho José Fortes, Fernandes Costa, ou Miguel Bombarda, entre outros. Quase todas estas figuras do movimento laico português foram Maçons do GOLU, tendo muitos deles, inclusivamente, desempenhado cargos de relevo na Obediência.

Salienta-se, contudo, que neste período a prática não acompanhou a norma, e que esse fato foi, inclusivamente, utilizado pelas facções mais conservadoras, como argumento para defender que não havia necessidade funcional de ser alterada a redação do artigo 2º nesta matéria, e que a eventual supressão da referência à crença religiosa poderia inclusivamente introduzir o risco de fraturas na Obediência. Encontra-se transcrito no Boletim Oficial do Grande Oriente Lusitano Unido, na sequência do debate realizado em Grande Loja que resultou na aprovação da redação deste artigo da Constituição de 1878, um texto intitulado: A questão religiosa, de António da Cunha Belém, Grande Secretário do Conselho da Ordem e também Grande Secretário do Supremo Conselho do 33º Grau do REAA, do qual se salientam os seguintes aspetos :

«No nosso país, a eliminação do princípio religioso da lei fundamental obedecia pura e simplesmente a vistas teóricas, porque não consta que na prática a sua conservação na constituição vigente haja trazido embaraços ou dificuldades à vida intima das Oficinas, e por isso nós pela doutrina da tolerância, até para com os intolerantes, que deve ser a base da nossa união, entendemos não se dever alterar neste ponto a constituição […]»

Na realidade, encontram-se nos textos do Boletim Oficial do Grande Oriente Lusitano Unido várias menções que atestam a recepção, em algumas das suas Lojas, de candidatos que não professavam qualquer religião, em especial nas que praticavam o Rito Francês. A título de exemplo, cita-se este excerto de um discurso do Irmão Charles Durruty, Orador da Loja Cosmopolite, proferido por ocasião da Iniciação dos Irmãos Batharez e Gomes Silva, que teve lugar no 1º de maio de 1876:

«[…] A Franco-maçonaria declara como seu fim essencial a procura sem limites da verdade; e para garantir a completa liberdade nesta procura, ela toma como lei suprema a maior tolerância relativamente a todas as crenças ; Ela afirma superiormente o direito absoluto e imprescritível da liberdade de consciência, do livre exame, na sua maior extensão; e o rito francês mais particularmente, rito ao qual a Respeitável Loja Cosmopolite tem a honra de pertencer, aplicando ainda mais largamente este benemérito princípio da tolerância, admite hoje sem hesitar, no mesmo título que o crente, o homem que duvida, quando esta dúvida é o resultado do estudo e da ciência, e desde que nas suas outras convicções, na sua instrução, nos seus costumes, se encontrem garantias suficientes da sua moralidade. […]»

Esta citação prova, que a aplicação do princípio da plena Liberdade de Consciência, à margem do disposto no texto constitucional, antecedeu, no GOLU, as decisões do Convento de 1877 do Grande Oriente de França. António da Cunha Belém aliás, no mesmo texto atrás mencionado (A questão religiosa), refere que este aspeto já esteve presente na discussão da redação da Constituição de 1871, na sequência do debate que já vinha a ser travado no Grande Oriente da Bélgica sobre esta matéria. Apenas a ausência de referências religiosas não mereceu o consenso da Maçonaria portuguesa da época, pelo que o artigo 2º acabou por as incluir.

Foi, todavia, já num Grande Oriente Lusitano Unido filosoficamente mais alinhado com a corrente laica, e ainda a convalescer das implicações que teve para a Obediência a falhada revolta republicana de 31 de janeiro de 1891, e as convulsões internas que resultaram da demissão do Grão Mestre Visconde de Ouguela, que Bernardino Machado foi, em 1895, eleito para deter o primeiro malhete. Professor Catedrático da Universidade de Coimbra, tratava-se de uma figura de grande prestígio intelectual no meio acadêmico, que já tinha trilhado um significativo percurso político, enquanto deputado, par do reino, e ministro das Obras Públicas, Comércio e Industria, sendo nessa altura ainda um monárquico, se bem que liberal e progressista. No seu discurso de Instalação[4] posicionou-se, claramente, a favor da Liberdade de Consciência, da seguinte forma :

«[…] Não somos nem um partido nem uma seita. Respeitamos todos os crentes sinceros. O sacrário em que cada um abriga o seu ideal de amor e de abnegação, é para nós inviolável. Queremos realizar o bem neste mundo, sem inibir alguém de crer na existência de um mundo melhor. O nosso templo não se levanta sobre os escombros de nenhum outro. Tão pouco nos insurgimos contra os poderes constituídos pela vontade nacional. A prova de que a nossa missão cabe dentro das formas políticas da sociedade moderna é que à sua testa se acham igualmente monárquicos e republicanos. […]»

A Loja Elias Garcia de Lisboa, Oficina do Rito Francês da qual era Venerável Mestre José Maria Feio Terenas, jornalista que tinha sido fundador do Partido Republicano Português e que era membro do seu Diretório, enviou ao novo Grão Mestre uma mensagem que incluía um conjunto de sugestões, entre as quais se salientava a necessidade de uma nova Constituição da Obediência. Esta comunicação apontava ainda para que a Maçonaria se empenhasse no combate pela separação da Igreja e do Estado, por uma lei do divórcio, pelo incremento da educação e pela luta contra o denominado socialismo católico, isto é, a influência da Igreja junto do operariado. O processo de revisão constitucional iniciou-se, tendo Feio

Terenas desempenhado um papel determinante na sua coordenação. Sem grande oposição, o texto da Constituição foi profundamente revisto, tendo, na versão aprovada em 1897[5], a declaração de princípios, que deu corpo ao Capítulo I – Da Maçonaria e dos seus Princípios, assumido a seguinte forma:

«Artigo 1.º – A Maçonaria é uma instituição ritualista, filosófica, filantrópica, e progressiva.

Artigo 2.º – A Maçonaria procura realizar aperfeiçoamentos morais, materiais, e intelectuais no individuo, na família, na pátria e na humanidade ; portanto tem como preceitos fundamentais :

O estudo, a prática austera da solidariedade, das virtudes sociais e privadas, e do trabalho.

Artigo 3.º – Como princípios professa :

Franca e mútua tolerância ; A liberdade de consciência ;

O respeito pela dignidade humana, por si próprio e pelos outros.

Artigo 4.º – Da liberdade de consciência promana o respeito por todas as crenças religiosas e políticas ; sendo porém da sua missão o estudo da moral universal e das ciências, não exclui das suas discussões a análise da política geral, como ramo de conhecimentos importantes, e a da filosofia e história das religiões, como estudo que à sociologia interessa. Como consequência do livre exame não aceita afirmações dogmáticas.[…]

Artigo 7.º – Por divisa honra-se com a que consagrou os direitos do homem na sublime trilogia dos povos que rasgaram as trevas dos tempos bárbaros :

Liberdade ; Igualdade ; Fraternidade. […]»

Neste texto, no qual a inspiração na Constituição então em vigor no Grande Oriente de França é por demais evidente, salienta-se que, se o princípio da plena Liberdade de Consciência foi introduzido no texto regulamentar do GOLU anacronicamente, 20 anos depois do Convento de 1877 desta Obediência francesa, a divisa republicana foi, no entanto, revolucionariamente inscrita na Constituição desta Obediência do Reino de Portugal 13 anos antes da implantação da República neste país. Situação esta na qual se reconhece a opção política do seu principal redator, José Maria Feio Terenas.

No entanto, se filosoficamente a Constituição de 1897 marcou uma viragem ideológica que se manteve nos textos constitucionais seguintes, a prática ritual das Lojas fazia-se ainda com base em Rituais que se encontravam muito desatualizados, e completamente desalinhados com estes princípios, o que conduziu a que se tenha tornado evidente a necessidade de se proceder a uma ampla revisão dos mesmos.

Se o Rito Francês foi o Rito de fundação do Grande Oriente Lusitano, em 1802, as dificuldades que se verificavam então, no que concerne à obtenção de fontes rituais credíveis, associadas ao facto de à época coexistirem em Portugal duas tradições maçónicas distintas, a Inglesa e a Francesa, conduziu a que as Lojas Portuguesas tenham fixado uma prática que associava a influência de ambas. Muito embora se saiba que o GOL teve, na sua fundação, um Ritual de Referência editado em 1808, e denominado de Regulador Maçónico ou Formulário da Iniciação aos três Graus Simbólicos adoptado pelo G O Português para uso de todas as Loges Regulares da sua correspondência, o qual seria pelo menos parcialmente baseado no Le Régulateur du Maçon, teve de se esperar precisamente pelo fim da guerra civil, para surgir uma boa tradução, em português, desta obra.

A mesma integrou a Bibliotheca Maçónica[6], de Miguel António Dias, e teve uma importância fundamental na prática subsequente deste Rito, nas Obediências Portuguesas, até ao final do século XIX. Todavia, apesar dos Rituais de Miguel António Dias se tratar de textos de manifesta boa qualidade de tradução, e de extrema fidelidade aos Rituais franceses que lhe serviram de fonte, na prática anterior das Lojas portuguesas encontravam-se enraizadas algumas tradições rituais, que persistiram quase até ao princípio do século XX, Assim, continuavam a encontrar-se nos Rituais do Rito Francês utilizados pelas Lojas do GOLU aspetos tipicamente de influência Britânica. Eram exemplos disso a presença da Bíblia em Loja, disposta em cima de uma mesa triangular localizada junto aos degraus do Oriente, sobre a qual se sobrepunham o Esquadro e o Compasso, ou o facto de os Grandes Candelabros não se encontrarem localizados na disposição tradicional do Rito Francês. Estes, em vez de se disporem junto ao Quadro de Loja, estavam colocados junto às mesas do Venerável Mestre e dos Vigilantes. Para além destas variantes utilizadas na decoração dos Templos, também os próprios textos, que eram inicialmente traduções do Le Régulateur du Maçon, tinham já sofrido, ao longo do século XIX, diversas alterações ao gosto local, ou importadas dos Rituais de Jean-Marie Ragon, editados em França nos anos 1860. Assim, não surpreende que no Anuário do GOLU de 1904[7], encontremos o seguinte texto :

«[…] Impõem-se reformas. O simbolismo encrustado nas práticas ritualistas traz consigo uma longa tradição de séculos ; mas sem faltar ao respeito por essa tradição o nosso ritualismo deve simplificar-se em concordância com os soberbos voos da liberdade de pensar, e, principalmente, da liberdade de consciência nos tempos que vão correndo.

Os nossos ritos executados rigorosamente, severamente, dão à maçonaria um caraterístico de seita, mesmo de religião, e os nossos Templos nas grandes e pequenas festas formam como que uma atmosfera de misticismo que mais fala aos sentidos do que à inteligência.[…]»

Com a aprovação da Constituição de 1907[8], alterou-se a jurisdição do Rito Francês no GOLU. O Soberano Grande Capítulo de Cavaleiros Rosa Cruz, que tinha sido introduzido na orgânica da Obediência através do Ato adicional de 1883 retificativo da Constituição de 1878, e que consistia numa Jurisdição que superentendia todos os Capítulos, fossem eles do REAA ou do Rito Francês, passou a ser o Grande Capítulo Geral do Rito Francês, a quem competia elaborar os seus Rituais de Referência. Assim, esta Jurisdição foi, de imediato, encarregada de proceder à revisão dos textos então em uso. Tendo consultado os Rituais em prática nas Obediências Continentais nas quais tinha sido consagrado o princípio da plena Liberdade de Consciência (Grande Oriente da Bélgica e Grande Oriente de França), o Soberano Capítulo de Cavaleiros Rosa Cruz acabou por seguir o modelo francês, tendo aprovado em 1909 um Ritual de Aprendiz[9], que constitui uma tradução muito fiel do Ritual Amiable, em utilização no Grande Oriente de França desde 1887.

Este esforço do Soberano Capítulo de Cavaleiros Rosa Cruz não teve sequência nos restantes graus, pois foi ultrapassado pela iniciativa voluntariosa de um Irmão, então membro da Loja Pureza de Lisboa. António Augusto de Matos Ferreira. Este Maçon tratava-se de um funcionário público, que desempenhou funções de revisor da Imprensa Nacional, e de Chefe de Repartição na Direção Geral dos Hospitais Civis, para além de ter sido Chefe da Secretaria do GOLU. Matos Ferreira, com base nos Rituais da Revisão Blatin, aprovados pelo Grande Oriente de França em 1907, e nos Rituais de Rosa Cruz e de Kadosch da Revisão Amiable da mesma Obediência, tomou a iniciativa de publicar traduções destes textos, entre 1909 e 1920, numa coleção intitulada A Liturgia Maçónica. Os mesmos tiveram ampla aceitação das Lojas, Capítulos e Areópagos, tendo sido adoptados na maior parte das Oficinas do GOLU, tanto para o Rito Francês como para o REAA. O promotor desta iniciativa, num comunicado difundido às Lojas em 28 dezembro 1912[10], escreveu o seguinte :

«Há muitos anos que no Grande Oriente Lusitano Unido, Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, se faz sentir a falta de rituais que possam servir de guia para se realizarem as iniciações no 2º, 3º, 18º e 30º graus, dando em resultado o fazerem-se as investiduras por simples comunicação de sinais toques e palavras, o que é absolutamente irregular.

[…] Na França e na Bélgica, que possuem as Maçonarias mais combativas, os Maçons só são elevados grau a grau pelos seus serviços ou pelos seus merecimentos intelectuais, e sempre de harmonia com as fórmulas Litúrgicas, formando-se assim um espírito maçónico que nós não possuímos.

Tendo recebido estas impressões no estudo que fiz da nossa Instituição, cheguei à conclusão de que sem liturgia maçónica não poderia haver uma Maçonaria bem organizada. Não querendo guardar só para mim o resultado de tal estudo, resolvi dar à publicidade os rituais dos diferentes graus. […]»

Constata-se, assim, que a influência cultural da Maçonaria Francesa marcou profundamente a Maçonaria Portuguesa do princípio do século XX, tanto a nível filosófico como a nível de prática ritual. Também as ideias da Terceira República Francesa vieram a influenciar a sustentação ideológica da Primeira República Portuguesa, nomeadamente no que concerne à laicização da sociedade. O GOLU, mais pelo esforço individual de um dos seus membros, que na sua qualidade de Maçon erudito, estudou e traduziu todo o corpo ritual que se encontrava em utilização no Grande Oriente de França, do que pela ação da sua Jurisdição de Rito Francês, passou a dispor de um conjunto de Rituais atualizados e perfeitamente alinhados com as ideias positivistas da época.

Os Rituais Matos Ferreira nunca foram objeto de uma aprovação oficial do GOLU. Todavia, marcaram profundamente a Maçonaria Portuguesa durante décadas, tendo sido utilizados, na medida do possível, durante a clandestinidade, após a ilegalização da Maçonaria pelo Estado Novo (1935). Em 1974, na sequências da retoma da normalidade da atividade Maçónica, ainda foram estes Rituais que serviram generalizadamente de base à prática das Lojas, até aos anos 90. Sobretudo, podemos dizer que foi esta herança de adogmatismo e de envolvimento social, marcada pela utilização, durante decénios, de rituais caraterizados por grande sentido racionalista, que contribuiu para que, no princípio dos anos 80, o GOLU, que readoptou o seu nome original de Grande Oriente Lusitano, tenha livremente optado por permanecer uma Obediência Liberal ou Humanista, abrindo espaço para que todos aqueles que pretendiam um alinhamento com a United Grand Lodge of England, pudessem ter trilhado esse caminho fundando outra Obediência Portuguesa.

Publicado em Revista Ágora #3 – Outubro 2024


Notas

[1] António Ventura, Uma História da Maçonaria em Portugal 1727-1986, Lisboa, Círculo de Leitores, 2013, p. 247-248.

[2] Constituição do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portugueza, Lisboa, Imprensa de J. G. de Sousa Neves, 1871, p. 8.

[3] António Ventura, Uma História …, p. 280.

[4] António Ventura, Uma História …, p. 332-333.

[5] Constituição do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portugueza, Lisboa, Typographia do Commercio, p. 3-4.

[6] Miguel António Dias, Bibliotheca Maçonnica ou Instrucção Completa do Franc-Maçon, Paris, J P Aillaud, 1834.

[7] Annuario do Gr Or Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portugueza 1904, Lisboa, A Liberal – Officina Typographica, 1905, p. 10.

[8] Constituição do Grande Oriente Lusitano Unido Supremo Conselho da Maçonaria Portuguesa, 2ème Edição, Lisboa, Grémio Lusitano, 1911, p. 19.

[9] Ritual do Gr∴ de Ap∴ do Rito Francez ou Moderno, Lisboa, Typ. Leiria, 1909.

[10] Documento constante do Arquivo do Grémio Lusitano.


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