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Por Tito Lívio Ferreira **

Há cerca de trezentos anos, por volta de 1688, surge, na Inglaterra, uma sociedade secreta, organizada pelas principais personalidades do Parlamento inglês para colocar, como colocaram, no trono da Grã-Bretanha, Guilherme de Orange, holandês de nascimento. Este movimento político extingue a dinastia de direito divino, substituída pela dinastia de direito consentido. Daí em diante, a Maçonaria Azul, como é conhecida a Maçonaria inglesa, defende a Monarquia da Grã-Bretanha. O Príncipe de Gales é sempre o Grão-Mestre da referida sociedade secreta com objectivos políticos. Deixa o grão-mestrado quando ascende ao trono, para ser o Rei da Inglaterra. E na obra intitulada A Maçonaria na Independência do Brasil, de minha autoria e de Manuel Rodrigues Ferreira, estudamos o assunto em extensão e profundidade.
Desde o começo de 1700 as lojas maçónicas aparecem na França, depois na Espanha e em Portugal, filiadas à Grande Loja de Londres. Já em meados do século XVIII surgem os iluministas, na Alemanha. A esta sociedade secreta de intelectuais filiam-se os iluministas italianos e portugueses. Do iluminismo católico à cripto-maçonaria a distância é pequena. Maçons e iluministas permutavam sinais, toques, gestos. Encobriam-se para se descobrirem. Recorriam a vocabulário próprio. E assim davam-se a conhecer entre conhecidos.
O século XVIII foi a centúria dos disfarces, dos dominós, das máscaras românticas. Foi, “como poucos, escreve o Professor Cabral Moneada, da Universidade de Coimbra, na sua obra Um iluminista português do século XVIII — Luís António Verney, um século de mistério, de insinceridade, de intrigas, de anonimato, de pseudónimos, usados pelos homens ilustres… Muitos dos intelectuais de Setecentos eram, frequentemente, como que participantes num baile de máscaras, com “loup” e dominó, que quase sempre falsificavam a voz, quando falavam baixinho e só em segredo”;
Neste século, a 13 de junho de 1763, nesta cidade de Santos, há duzentos anos, nasce o luso-brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva. Feito o curso de humanidades com o bispo D. Manuel da Ressurreição, o adolescente segue para as margens do Mondego, em Portugal, onde se matricula na Universidade de Coimbra. In illo tempore, naquele tempo, já a Universidade era a sementeira de iluministas católicos portugueses filiados à Maçonaria. E a Maçonaria já está dividida em duas ordens: a Maçonaria “Azul”, monarquista constitucionalista, e a Maçonaria “Vermelha”, republicana constitucionalista. Iniciado na Maçonaria, ainda na Universidade de Coimbra, José Bonifácio formaria na ordem dos “Azuis”, conforme a sua formação monárquica. E monarquista seria para o resto da vida.
Nestas condições, como professor da Universidade de Coimbra, comanda o batalhão académico e luta contra os franceses em 1808. E tempo adiante, como chefe de polícia da cidade do Porto, vai reprimir, com pulso de ferro, as actividades políticas dos republicanos, chamados então anarquistas ou carbonários.
Aposentado no cargo de catedrático de Mineralogia da Universidade de Coimbra, regressa à terra natal, ao seu porto de Santos, quando o rumo tomado pelos acontecimentos políticos o envolve, o arrasta e projecta na crista da situação nacional, como vanguardeiro do movimento. Vice-presidente da Província de São Paulo, em fins de 1821, condestável da Independência em 1822. Já em fins de 1821 a Maçonaria Brasileira estava dividida em duas ordens: a “Azul” e a “Vermelha”. A Grande Loja da Maçonaria “Azul” tem a sua sede em São Paulo. Nela se firma, se alicerça, se apruma José Bonifácio. No Rio de Janeiro funcionam, então, já separadas, as Lojas da Maçonaria “Azul” e da Maçonaria “Vermelha”. Esta chefiada por Joaquim Gonçalves Ledo, Cónego Januário da Cunha Barbosa, José Clemente Pereira, entre outros. Aquela tinha à sua frente José Joaquim da Rocha, José Mariano de Azeredo Coutinho, Antônio e Luís de Meneses Vasconcelos Drummond, Pedro Dias Paes Leme, entre outros. Não havia nítida separação entre os irmãos maçons: muitos de tendência “vermelha”, isto é, republicanos, achavam-se nas lojas “Azuis”, rente aos monarquistas, e vice-versa. Outros faziam-no por espionagem. Mesmo assim encontramos um ou outro irmão “Vermelho” em loja “Azul”, ou irmão “Azul” em loja “Vermelha”, porque isso interessava ao jogo político. E somente quando a luta explodia com violência, a polícia prendia os adversários, é que os elementos apareciam na sua convicção maçónica: perseguidos ou perseguindo.
De início, o pensamento dos maçons “Azuis” era manter a unidade da Monarquia Portuguesa formada pelos Reinos unidos do Brasil, Portugal e Algarves. José Bonifácio e os seus companheiros tiveram de abandonar essa ideia, em face da pressão cada vez mais viva dos “Vermelhos”. Estes lutavam para estabelecer a República em cada Província do Reino do Brasil, como tinham feito os espanhóis com a América Espanhola. San Martin, maçon “Azul”, ainda tentou convencer Bolívar, maçon “Vermelho”. E o libertador “Vermelho” esfarela a América Espanhola em Repúblicas de expressão geográfica.
O exemplo estava diante dos olhos de José Bonifácio. Ele verifica, desde o início, como as lojas maçónicas vermelhas, do Rio de Janeiro a Belém do Pará, estão filiadas à Loja “Vermelha” de Lisboa. Os irmãos “Vermelhos” de Lisboa tinham-se assenhoreado das Cortes Portuguesas. De Lisboa enviam ordens aos irmãos “Vermelhos” do Rio de Janeiro, da Bahia, de Recife, de Fortaleza, de São Luís do Maranhão e de Belém do Pará, onde as Juntas Governativas estavam nas mãos dos “Vermelhos”. Em cada Uma destas Províncias, inclusive na de Minas Gerais, fazia-se a propaganda republicana abertamente. Sonhava-se com a República do Pará, a República do Maranhão, a República do Ceará, a República de Pernambuco, a República da Bahia, a República do Rio de Janeiro e a República de Minas Gerais. Apenas São Paulo e o Rio Grande do Sul ligam-se num só pensamento: a unidade da Monarquia, a unidade da Pátria Brasileira. E o paladino desta ideia, o condestável da unidade nacional com Monarquia, é José Bonifácio .
As Cortes de Lisboa, em Julho de 1822, processam o imortal santista e o Senado da Câmara de Vereadores de São Paulo, por serem adversários do pensamento dominante na Maçonaria “Vermelha” cuja maioria quer a fragmentação do Reino do Brasil em vinte Repúblicas. José Bonifácio tem o pressentimento do futuro. À frente dos seus amigos apanha o instante político, pela frente e no momento preciso. Os “Vermelhos” tinham iniciado o Príncipe Regente D. Pedro na sua loja. José Bonifácio leva D. Pedro à loja dos “Azuis”. E assim, o futuro Imperador é colocado na encruzilhada histórica.
Daí em diante, ciente dos ideais republicanos dos maçons “Vermelhos”, o Príncipe não hesita. Forma ao lado e junto de José Bonifácio. São os “Azuis” os campeões da unidade pátria. São Paulo era o reduto da Monarquia. E nesse reduto, às margens do Ipiranga, devia ser hasteada a bandeira da separação do Reino do Brasil da Monarquia Portuguesa, para a formação do Império Brasileiro.
José Bonifácio, Condestável da unidade pátria, coloca a bandeira da Independência nas mãos de D. Pedro. Assim, o Patriarca da Independência e o criador do Império, fundem os seus ideais de unidade, continuidade e solidariedade históricas. A Monarquia Portuguesa, com sete séculos de existência, prolongava-se na Monarquia Brasileira. Da mesma forma, a unidade lusitana aferrolhava a unidade brasileira. E José Bonifácio era o homem providencial da unidade pátria, graças aos “Azuis” da Maçonaria.
O pensamento da unidade pátria, da Pátria Brasileira alvorecente, germinara e amadurecera no espírito de José Bonifácio para desabrochar e florescer na coragem, na palavra e na acção de D. Pedro, na colina do Ipiranga, junto à cidade de São Paulo, a fim de ser completada na Bahia, a 2 de Julho de 1823. E bem compreenderam os maçons “Azuis” da Província da Bahia, o significado e o alcance do patriotismo do Condestável da Unidade Brasileira, ao elegê-lo, por duas vezes, Deputado pela terra baiana, com assento na Assembleia do Império.
Santos, o berço do Patriarca da Independência, o maior estadista das Américas no século XIX, por uma destas notáveis coincidências comemora, neste ano da graça do Senhor de 1963, duas datas fundamentais da História Luso-brasileira. A primeira é o quarto centenário do Tratado de Iperoig, o primeiro Tratado de Paz celebrado nas Américas. Daqui saíram, naquele ano remoto de 1563, na embarcação de José Adorno, rumo a Iperoig, no litoral paulista, o Padre Manuel da Nóbrega, Bandeirante de Deus no Brasil, na expressiva frase do Papa João XXIII, e o Irmão José de Anchieta. E o Tratado de Paz concluído pelo Padre Manuel da Nóbrega, em nome da Monarquia Portuguesa, com o chefe tamoio Cunhambebe, em nome dos brasilíndios da sua tribo, constitui o alicerce da unidade geográfica e histórica do Estado do Brasil, levantado pelas mãos benditas do lusíada Padre Manuel da Nóbrega, o maior estadista luso-brasileiro do século XVI, e do cacique brasilíndio Cunhambebe.
Duzentos anos mais tarde, em 1763, nasce na cidade de Brás Cubas, na soleira da porta aberta ao mar, José Bonifácio de Andrada e Silva, o homem providencial a quem estava reservada a alta missão de completar a obra nacional do Padre Manuel da Nóbrega, fundador de São Paulo, solidificando-a. Ambos eram filhos da Universidade de Coimbra onde se formaram em Direito e Filosofia. Ambos tinham o sentido nacional de Pátria. E ambos se deram as mãos por cima dos séculos, no encontro fraternal do pensamento e do espírito dinamizados pela mesma idéia-fôrça de criar e legar-nos, para o todo sempre, a nossa Pátria – a Pátria Brasileira.
** Tito Lívio Ferreira – Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo – Palestra proferida na Rádio Atlântica, de Santos, em 14 de Maio de 1963
