Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Memória e identidade: os monumentos Maçônicos de Florianópolis

Por Gabriel Simon Machado[1]

Introdução

Trata-se de uma instituição orgânica e internacional, repleta de mistérios e desinformações, encharcada em tradições ritualísticas e esoterismo, marcada por uma história de cunho político e ânsias liberais[2]. Um antigo refúgio para os perseguidos em razão de credo; uma rede de sociabilidade; um canal de acordos e comunicação entre elites heterogêneas: a Maçonaria brasileira vem se desenvolvendo no país desde sua instalação oficial no começo do século XIX3, expressando em seus trabalhos e discursos a forte e crucial influência do pensamento europeu de caráter iluminista e liberal, tomando para si a função de proliferar esse ideário na intelectualidade brasileira.

 O estudo sobre a instituição maçônica, seja no âmbito da simbologia ou no caráter organizacional e de atuação, tem se desenvolvido, mesmo que lentamente, na historiografia brasileira. A década de 1990 se torna um marco interessante na historiografia profana, que é contemplada com a publicação de obras monumentais e de suma importância para a compreensão da trajetória da maçonaria no Brasil: refiro-me principalmente à obra de Eliane Colussi (1998), “A maçonaria gaúcha no século XIX”; assim como os trabalhos de Alexandre Mansur Barata (1999, 2002), intitulados “Luzes e Sombras: a ação da maçonaria brasileira (1870-1910)” e “Maçonaria, Sociabilidade Ilustrada e Independência (Brasil, 1790-1822)”. Tais publicações alteraram substancialmente o árduo trabalho de se pesquisar sobre maçonaria no Brasil; contexto que é geral, senão pelas avançadas pesquisas do tema na Europa, em contextos e arquivos nacionais de história maçônica, destacando autores como Alex Mellor, Paul Naudon e Maurice Agulhon.

 Existe uma problematização dupla, de minha parte, em relação às possibilidades de pesquisa sobre maçonaria brasileira. Ela se manifesta primeiro como um incômodo com a ausência de pesquisas sobre uma instituição que se mostra presente e atuante na história moderna; desenvolvendo-se, em seguida, em direção aos motivos e contextos que podem tornar a maçonaria ineficaz ou desimportante nas narrativas tecidas na historiografia brasileira. Graças aos trabalhos de Barata e Colussi, por exemplo, temos acesso a muitas informações sobre a maçonaria no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul — em Santa Catarina, por outro lado, a produção intelectual sobre este assunto é escassa.

Primeiramente, verificando o propósito mais explícito da maçonaria, percebe-se “uma espécie de escola de formação humana de caráter cosmopolita e secreto, reunindo homens de diferentes raças, religiões e línguas, com o objetivo de alcançar a perfeição por meio do simbolismo de natureza mística e/ou racional, da filantropia e da educação”[3]. Podem fazer parte dessa “comunidade” uma intelectualidade masculina, de bons costumes e com renda suficiente para arcar com as mensalidades das Lojas[4]. Baseando-se no “Manifesto de José Bonifácio”, Barata (1999) verifica que a primeira Loja maçônica foi instalada na cidade de Niterói em 1801, sob o nome de “Reunião”6. A atuação da Ordem ainda não se dava nos moldes da organização institucionalizada que poderia se verificar na França e na Inglaterra naquele tempo, mas “assumiu um caráter nitidamente antimetropolitano, ou seja, engajado nas articulações de emancipação da colônia”[5]. É importante apontar que, desde o início da consolidação da maçonaria no Brasil, ela se dá por meio de homens letrados, ditos intelectuais, com o auxílio instrumental da imprensa[6].

Os tons de segredo que compõe a imagem pública da maçonaria carregam uma história de perseguição e intolerância, mas também de exclusividade e identidade. A atuação da maçonaria em âmbito político, cultural e social manifesta-se como um fenômeno moderno: isso implica que suas referências em tempos antigos e medievais tratam de uma construção de memória que sustenta sua tradição na contemporaneidade. Essa cultura memorial maçônica é um instrumento pedagógico e de perpetuação dos contratos que regulam as ações das Lojas e dos sujeitos que a compõe num quadro moral e ético específico.

Para aquelas pessoas que os olhos contemplam a paisagem urbana de Florianópolis, é perceptível um número considerável de referências e homenagens a maçonaria como um todo, ou a antigos membros ilustres da Ordem. Nos monumentos, os símbolos talhados em pedra ou moldados em metal são veículos de um código moral e gatilhos de uma memória que evoca uma identidade coletiva, mas particular. Os nomes eternizados em ruas e avenidas carregam a historicidade dos sujeitos considerados referência de conduta maçônica.

O que proponho desenvolver aqui será uma breve análise do código moral e ético da maçonaria, assim como sua imagem e identidade pública em Florianópolis, que se expressam em seus símbolos em prédios, em objetos, em seus monumentos, nas ruas e nas praças que homenageiam seus membros, visando contribuir para o recente movimento historiográfico brasileiro que tende a retirar tão importante instituição das sombras do misticismo e da ignorância. Deve-se levar em consideração a importância da tradição para o funcionamento dos trabalhos maçônicos e, sendo assim, é inegável a simbiose entre tradição e memória. Aqui verifica-se a perpetuação física e monumental de uma memória construída: além disso, de uma identidade pública que é reflexo dessa memória e que compõe a existência da maçonaria em contraposição a uma identidade privada e secreta. Os limites do tema são grandes, e o silêncio é ao mesmo tempo incentivo e obstáculo; é, portanto, ao mesmo tempo, silêncio e zumbido.

Cultura material maçônica

A presença da maçonaria e, consequentemente, sua influência nos debates, acordos e projetos políticos na cidade de Florianópolis é uma temática ainda pouco explorada na historiografia, mas que carrega um grande potencial, já exibido brevemente em obras que analisam a política, a imprensa – e sua íntima relação – no estado de Santa Catarina[7]. Os jornais e folhetins publicados no século XIX não carregam nenhum tipo de escassez de informação; pelo contrário, são fontes de vastos e importantes discursos e debates públicos, expressando em muitas vezes tanto a opinião de membros da maçonaria (como é o caso de Jerônimo Coelho), como de lojas maçônicas inteiras (como no caso dos jornais A Ordem e Oriente[8]).

 Aqui, tento explorar em análises da simbologia maçônica o código ético e moral que é petrificado em monumentos, assim como verificar a memória de maçons que é eternizada em ruas e praças da cidade. Para isso, me baseio no trabalho Suely Kofes, “Objetos: trajetória social, política e sentidos” que percebe nos objetos maçônicos um instrumento de identidade e um veículo de código moral maçônico:

Com o desenvolvimento da pesquisa, principalmente depois de visitas – reais – a museus maçônicos e – virtuais – às páginas maçônicas na Internet (inclusive visitas virtuais a outros museus), defrontei-me com a presença frequente de peças de roupas, móveis, joias, brasões, bordados, quadros, esculturas, desenhos e letras, configurando o reconhecimento da maçonaria. Reproduzindo-se e traduzindo-se em locais distintos, estes objetos põem em circulação valores morais e historicidades. Através deles são tecidos sentimentos de pertencimento e redes de socialidade, sustentam-se concepções e relações e demarcam-se distinções no campo maçônico. Portanto, arquitetura e objetos, e arquitetura e objetos em imagens, bem como o embate sobre os seus sentidos, são constituintes e constitutivos do campo da maçonaria[9].

Tratando os monumentos e os símbolos de identidade cravados nos objetos que circulam na “cultura material maçônica” como “lugares de memória”[10] por seu caráter inerentemente simbólico, que carrega o passado na sua historicidade, vejo como uma atitude descuidada não me utilizar, também, de outro conceito que habita a obra de Pierre Nora: a vontade de memória[11],

São lugares, com efeito nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente em graus diversos. Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é um lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece o exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mesmo tempo o recorte material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, para uma chamada concentrada da lembrança[12].

Assim como a simbologia esmiuçada poderá nos dizer o que se expressa nos (nem tão) misteriosos itens da cultura material maçônica, a justificativa da criação desses lugares, a procedência da vontade de lembrar e de fazer da memória um local de identidade no coração urbano de Florianópolis será a ponte que poderá relacionar a política da cidade com os interesses da Maçonaria. Embora a utilização de monumentos, praças, ruas e objetos para a ressignificação da memória e como veículo de uma identidade marcada por um estatuto moral e político não seja particular da comunidade maçônica,

O caso da maçonaria contemporânea é particularmente importante para esta discussão tendo em vista o caráter desta instituição, que sustenta como memória a sua importância política e conserva uma concepção de si mesma como ordem sagrada atuando no profano. Uma análise da maçonaria mostra o seu dilema em ser reconhecida como uma sociedade ritual fundada na manutenção de conhecimentos e de segredos e/ou como uma associação definida por um sistema de moralidade, filantropia e uma rede de ajuda mútua. Os objetos rituais maçônicos concentram os sentidos acima citados, reproduzindo-se assim em uma “cultura material maçônica” como emblemas e churingas – como emblemas, porque oferecem um campo de reconhecimento comum; como churingas, porque guardam uma temporalidade, para os maçons são objetos e lugares de memória e são simultaneamente acionados para expressar e efetuar transformações[13].

Para isso, utilizarei os projetos legislativos que estão por trás da construção de duas praças maçônicas; uma delas ligada ao um estatuto moral e a identidade maçônica de

Florianópolis, e a outra que homenageia um ilustre e falecido Irmão[14]. É importante dizer que, tratando da capital de Santa Catarina e seus monumentos ou referências maçônicas, é possível encontrar inúmeros exemplos pela cidade. Aqui, selecionei apenas duas praças (uma mais óbvia e rica em monumentos e a outra mais subterrânea e subjetiva) e a rua que carrega o nome do fundador da primeira Loja barriga-verde. São elas, respectivamente, a Praça da Fraternidade, a Praça Jacques Schweidson e a Rua Jerônimo Coelho.

A Praça da Fraternidade

Em Florianópolis, no mês de setembro de 1928 foi inaugurado um novo trapiche para o município, o qual chamou-se Miramar. O lugar era o ponto de entrada da cidade, e inauguralmente funcionava também como um café, para tornar-se um popular bar posteriormente. As risadas e conversas que compunham a trilha sonora do local se afogaram no mar, e viraram terra: em 24 de outubro de 1974 o Miramar foi demolido sem anúncio ou discussão. O discurso do governo era voltado para uma argumentação baseada na modernização do município, na necessidade de renovação de estruturas e de costumes, pois afirmavam que era um local de práticas não muito bem-vistas publicamente, como bebedeiras e prostituição. Trata-se de um discurso não homogêneo e, com certeza, não livre de arbitrariedade. Prova disso foram os vários protestos e publicações em jornais que criticavam a desnecessária demolição do espaço. Enfim, o Miramar e parte da água que fazia frente à Praça Fernando Machado tornou-se um grande aterro, e deste aterro cria-se o espaço necessário para o surgimento da Praça da Fraternidade.

Para tanto, o logradouro público localizado na confluência da Rua Deputado João Bertoli com a Avenida Paulo Fontes, no bairro central da cidade, transforma-se em monumento maçônico e, consequentemente um símbolo identitário da política maçônica, a partir da aprovação da Lei nº 7231, do dia 27 de setembro de 2006, onde os documentos da Câmara Municipal de Florianópolis exibem a assinatura do ex-prefeito Dário Elias Berger,

A implantação da Praça da Fraternidade vem atender antiga reivindicação da comunidade maçônica do Município, e tem o propósito de homenagear um expressivo segmento da sociedade cujos relevantes serviços prestados ao desenvolvimento social e político da nossa gente são reconhecidos por toda a sociedade florianopolitana. Como o próprio nome destaca, a Praça da Fraternidade se propõe a ser um espaço comunitário de integração de diferentes segmentos sociais onde a amizade e o respeito sejam a tônica das relações humanas. Por outro lado, a urbanização daquele espaço situado entre duas importantes vias de circulação central propiciará o embelezamento e a humanização de uma área antes deteriorada e que agora passará por um processo de qualificação da zona central da cidade[15].

A “antiga reivindicação da comunidade maçônica” não pode ser expressa neste trabalho por palavras da própria maçonaria de Florianópolis, dada a ausência de respostas que obtive ao contatar o Grande Oriente de Santa Catarina (GOSC) através dos endereços eletrônicos disponíveis em seu site[16]. Contudo, a presença da Ordem na cidade se faz perceptível desde o século XIX, e é existente em diversos debates e projetos políticos da cidade, mostrando que sua presença histórica e suas “contribuições” (seja à própria ordem ou à cidade) culminam em uma demanda por memória, evidenciando a vontade de lembrar (e de ser lembrada). Em visitas a sites das próprias Lojas, a comunidade profana[17] pode ter acesso à visão que os maçons têm sobre si mesmos, sobre a Ordem e relatos da sua história. Reproduzo aqui palavras do site da Loja Regeneração Catarinense que elucidam essas relações, ligações entre o discurso que finda o Miramar, os princípios “progressistas” e modernizadores da maçonaria e a simbologia de seus monumentos, para trilhar um caminho direcionado ao entendimento das “reivindicações da comunidade maçônica”:

A Maçonaria em Santa Catarina

Em 1831, com a chegada de Jerônimo Coelho na bucólica cidade de Nossa Senhora do Desterro, teve início a Maçonaria Catharinense com a Loja Concórdia por ele “fundada”, da qual participavam também, João Pinto Luz, Feliciano Nunes Pires, dentre outros. Quando seu fundador retornou para o Rio de Janeiro, em 1854, a mesma abateu colunas. Na década de 50 do século XIX, a cidade de Nossa Senhora do Desterro vivia um clima de decadência dos costumes. Havia uma degeneração da sociedade. Uma grande parte da população se dedicava às jogatinas, bebedeiras e brigas, até mesmo ao furto, desde galinhas até objetos de mais valor. Artigos dos jornais da época conclamavam para a necessidade de haver uma regeneração dos costumes. Diante deste cenário, Cypriano Francisco de Souza, e seis amigos (Augusto Galdino de Souza, Francisco Antônio Cameu, Manoel Francisco Pereira Netto, José Theodoro da Costa, Senhor Dutra e José Carlos Galdino) Fundaram, em1859, a ASSOCIAÇÃO REGENERAÇÃO CATHARINENSE, imbuídos do desejo de se organizarem para participar do processo de regeneração dos costumes. Em 24 de junho de 1859, o Jornal

Argus comunica a sociedade da Fundação da ASSOCIAÇÃO REGENERAÇÃO CATHARINENSE. No discurso de fundação, José Carlos Galdino comentou que são três os objetivos principais da Associação: regenerar os costumes, combater o descrédito que assolava a sociedade e reagrupar os maçons avulsos. Além de ‘…destruir vícios, combater paixões e fazer viver o que hoje apenas vegeta’.[18]

Esse papel da instituição maçônica como aprimorador dos costumes, parece-me, portanto, um dos fragmentos que compõe a memória e a imagem pública da Ordem. A reivindicação da comunidade de maçons florianopolitanos para a construção de seu monumento no centro da cidade deve, então, carregar em sua arquitetura seu código moral e político.

A primeira parte da praça é composta por três jardins de grama esmeralda, onde o centro abriga o monumento em questão. Seu fundamento é um triângulo equilátero, e abriga a base do monumento que são três níveis de pentágonos sobrepostos como degraus feitos em granito. Ali se referenciam os três graus da maçonaria simbólica: aprendiz, companheiro e mestre. Não por acidente, os vértices apontam para as direções Norte, Sul, Leste (representando o Oriente) e Oeste (representando o Ocidente). Da mesma forma, a fundamento triangular tem seus vértices direcionados ao Oriente, Ocidente e ao Norte. No centro do pentágono, uma pirâmide maciça, e sobre ela o mais público símbolo da maçonaria, essencial nos rituais maçônicos: o entrelaçar entre um esquadro e um compasso,

Apesar da complexidade cosmológica da maçonaria, é um símbolo que eruditos maçônicos consideram banal o que é usado para afirmar generalizadamente a presença da maçonaria. O esquadro e o compasso são constantes marcas indiciais da presença maçônica, e são as mais usadas também para tornar pública essa presença[19].

Ainda que esses símbolos habitem o contemporâneo de maneira ressignificada, pode se dizer que se deitam sobre a construção da memória da maçonaria. Existe essa necessidade de envelhecer a Ordem, de forjar a historicidade baseando-se em mitos dos tempos medievais, no resgate (simbólico e inaplicável) da conduta Templária; a construção de uma narrativa sobre os ritos que alegoricamente contam as histórias dos primeiros pedreiros-livres[20] e suas Lojas de ofício, da transmissão do conhecimento apenas aos merecedores e a fascinação pela geometria que possibilitou a lapidação de pedras brutas, a construção de templose o desenvolvimento tecnológico humano. As ferramentas que antes serviam para as grandes construções – o esquadro, o compasso, a trolha, a régua, o cinzel, o nível, o avental – agora tornam-se analogias filosóficas para a construção espiritual e social dos maçons

No que o fazem, atualizam a estratégia de tornar visível a maçonaria e conservar, como memória ativa, os símbolos maçônicos e uma estética maçônica, que guardam neles uma densidade histórica e mítica. A política assim efetua uma conjunção entre mistério e publicidade (embora haja também uma política disjuntiva tendo em vista os embates internos), entre laços locais e internacionais, conhecimento e consumo, objeto material e substância histórica e mítica. Como sugestão, pode ser que estejamos diante de algo como uma mais-valia política, um sobre valor que abre para a instituição maçônica a possibilidade de capitalizar a sua estratégia de revitalização contemporânea[21].

O esquadro, em sua ressignificação maçônica, representa a união entre uma linha vertical e outra horizontal, um código de conduta voltado para a retidão das ações. Um dos importantes instrumentos para o desenvolvimento da Arte Real das construções. Afirma-se assim que para o trabalho maçônico, para o desenvolvimento de projetos políticos da maçonaria, seria necessário contar com um Irmão que goze das qualidades morais de integridade e retidão. Vale questionar se, de fato, essa integridade é generalizada entre os maçons.

 Em rituais maçônicos, a passagem de nível se dá, simbolicamente, pelas diferentes sobreposições do compasso e do esquadro. Sendo o esquadro a representação da matéria e o compasso a ligação com o espiritual, o primeiro nível, o de aprendiz, é representado no ritual com a dominação da matéria sobre o espírito.24 O neófito então, parece não ter conseguido superar e harmonizar seus vícios e atitudes profanas com a retidão necessária. Os níveis se desenvolvem até que, para tornar-se Mestre, o maçom tem sua harmonia, simbolizada pela sobreposição do compasso no esquadro, pela dominação do espiritual sobre o material. Seriam então, os mestres as pessoas com grande consciência e sem apego material. Isso poderia ser exemplificado pela filantropia praticada na maçonaria, em contraste a seus membros que possuem vasta riqueza material.

Evitando ilusões sobre os trabalhos filantrópicos, é importante perceber um possível alinhamento entre a atuação contemporânea de segmentos maçonaria com o desenvolvimento de um projeto neoliberal no Brasil, na função de cristalizar uma imagem pública ligada a caridade, sem evidenciar os benefícios da filantropia empresarial para as instituições maçônicas. A Maçonaria, que já é tratada legalmente como de “utilidade pública” em Santa Catarina, tem suas parceiras com o Estado, e exerce suas contribuições; as mesmas que autorizam suas “antigas reivindicações”:

Na verdade esta parceria fundamenta-se, por um lado, na real redução relativa de gastos sociais; é mais barato que as ONGs prestem serviços precários e pontuais/locais, do que o Estado, pressionado por demandas populares e com as necessidades/condições da ‘lógica democrática’, desenvolva políticas sociais universais permanentes e de qualidade. Mas, por outro lado, e de forma fundamental, o objetivo da parceria é claramente ideológico; visa mostrar não um desmonte da responsabilidade estatal nas respostas às sequelas da ‘questão social’, a eliminação do sistema de solidariedade social, o esvaziamento do direito a serviços sociais de qualidade e universais, mas no seu lugar quer fazer parecer como um processo apenas de transferência desta função e atividades, de uma esfera supostamente ineficiente, burocrática, não especializada (o Estado), para outra supostamente mais democrática e participativa e mais eficiente (o ‘terceiro setor’)[22].

Por fim, no topo da estrutura do compasso, percebe-se uma montagem de semiarcos e semi-elipses para a formação de um globo. No centro desse globo, o formato que lembra um olho, o qual tudo parece enxergar dali. Aqui faz-se uma referência a um requisito importante (mas algo difícil de averiguar, dado o caráter subjetivo da fé) para o ingresso na maçonaria: a crença em um ser superior, um deus que é a proveniência da capacidade humana. O “olho que tudo vê” é o olho do Geômetra, do Grande Arquiteto do Universo, que está na constante vigília sobre a conduta dos maçons. Por mais que seja possível para os indivíduos não pertencentes a Ordem terem o conhecimento sobre os símbolos maçônicos, a Praça da Fraternidade se coloca mais como um local de memória maçônica e sua respectiva identidade coletiva, do que algo que remeta aos profanos.

Assim, guardam a temporalidade, a historicidade da maçonaria, e são traduzíveis em sua circulação. Tais objetos e documentos podem assim ser classificados pela própria maçonaria como identitários, como testemunhos da maçonaria para a sua reprodução, como os selos e os documentos (tais como atas e assinaturas concernentes à criação de Lojas); e objetos considerados como os mais demonstrativos da pessoa maçônica, porque testemunham diretamente a pertença do maçom à comunidade maçônica e porque expressam o grau do maçom na ordem maçônica, como os aventais e as joias. Tais objetos são designados também como objetos simbólicos e rituais[23].

A segunda parte da praça, em seu projeto, é composta por uma área de passeio, com bancos, um gramado maior, na companhia de árvores e flores. Saindo dos bancos, passando pelas calçadas ao redor da praça, percebe-se no chão um mosaico de pedras dando forma a uma corda naval com uma série de nós. Uma referência de múltiplas interpretações e significados históricos. As variadas maçonarias e seus diversos representantes se utilizam de muitas explicações no desenvolvimento de artigos para revistas ou para discursos para os irmãos. Um dos exemplos de significado atribuído às cordas com seus nós, é perceber a constituição da resistência da corda na fraternidade entre fios que a compõe. Também faz referência a um método de marcação de terrenos para a construção, sendo os nós o marco para áreas de sustentação reforçada, como as colunas. Os nós, no formato semelhante ao número 8 ou símbolo do infinito, demonstra um nó que não pode ser apertado sem restringir os laços fraternais das cordas.

Seguindo em frente na calçada dos nós maçônicos, chega-se a último monumento; tem em sua simplicidade um mistério instigante.Trata-se de uma área quadrada de pisos pretos e brancos seguindo um padrão xadrez, assim como é todo chão dos templos maçônicos. Aqui encontramos um monumento que expressa, ao mesmo tempo, a imagem pública que a maçonaria constrói sobre si mesma e a historicidade que cria a identidade dos maçons de Florianópolis. O chão do templo representa a tolerância no contraste, a convivência entre diferentes, quase um acordo geométrico; um espaço de conciliação e concordância. No fim do grande arranjo de piso xadrez, encontra-se uma enorme pedra bruta. Uma grande tarefa é lapidar o espírito bruto. Um monumento que representa as imperfeições que devem ser trabalhadas, mas, mais importante, é o que representa sobre a liberdade do pedreiro-livre. A pedra bruta, então, está à disposição do maçom e de seus conhecimentos; uma vez instrumentalizado o conhecimento, cabe ao maçom dar a forma que preferir a sua obra.

Encerro esta análise da disposição do monumento sob as afirmações de Kofes (2007):

Consideremos este elo como uma agency política, compreendendo como política não apenas o controle da distribuição de bens mas o ato de redimensionar sentidos, de marcar coisas como espécies particulares tendo em vista a conexão entre pessoas e a extensão de concepções. O que, eu sugiro, é parte da estratégia da maçonaria em seu processo de continuidade e mudança. Afirmando o princípio da construção moral e política (pessoal e institucional), concentrada na ideia da pedra bruta a ser lapidada; afirmando-se como um sistema de conhecimento, definindo-se pelo segredo iniciático ou como um sistema de moralidade, em ambos os casos a maçonaria afirma-se idealmente como uma escola de Formação de Homens e de Cidadãos, através de uma organização com símbolos e valores concebidos como masculinos[24].

Figura 1: Planta do projeto da Praça da Fraternidade, anexada ao projeto da Lei nº 7231. [25]

Figura 2: Planta do monumento central da Praça da Fraternidade anexada ao projeto da Lei nº 7231.[26]

A Praça Jacques Schweidson

 No dia nove de julho de 2002, foi publicado no diário oficial (nº16943)[27] sobre a Lei nº 6055, que aprovada quatro dias antes, denominou um espaço do bairro Jardim Atlântico como “Praça Jacques Schweidson”, atendendo o desejo de moradores do local e, por que não, da maçonaria de Florianópolis. O homenageado chega jovem na ilha do Desterro, entre 17 e 18 anos, hospedando-se na casa de familiares com intenções visionárias em relação ao seu futuro como comerciante. Parte de sua vida é descrita por ele mesmo em duas obras memoriais: A Saga Judaica no Desterro(1989) e Judeus de Bombachas e Chimarrão(1985). Não há como afirmar como verídicas as intenções quase proféticas que são descritas em sua obra sobre Florianópolis, mas tais textos ainda nos servem para entender um pouco da vivência e do imaginário desse importante membro da maçonaria de Florianópolis:

Entendendo que a franqueza só podia ser útil a ambos, passei a expor os motivos da minha autoconfiança. Possuía uma fé quase mitológica na minha capacidade de ação. Esperava, conhecendo o seu conservadorismo, não encontrar óbices ao meu programa de desenvolvimento. Estava certo de atingir os pícaros da minha arraigada ambição. Atingi-los-ia no Desterro, tal como consegui no início da minha vida comercial no Rio Grande do Sul. O essencial consistiria em ter plena liberdade de ação[28].

Ainda que apoiado por seus parentes, irmã e cunhado, não demora muito para o jovem Jacques movimentar-se em direção de sua independência e sucesso econômico tão ambicionado. Contudo, é importante destacar que suas ambições não estavam atreladas somente a uma popularidade comercial, mas eram marcadas por um desejo de se sentir acolhido na cidade nova, de “jamais se ser considerado como alienígena. Um desejo de encontrar hospitalidade fraterna”[29]. Carregava consigo o sangue judeu e a rica cultura intelectual da religião, assim como o eterno receio por perseguições de cunho étnico-religioso. Inicialmente já recebe ofertas de sociedade na loja de tecidos de seu cunhado, para em seguida receber propostas semelhantes de dois comerciantes da cidade. Não aceitou nenhuma, pois insistia na sua carreira ímpar, contando sempre com sua voraz confiança, mas prezando sempre pela relação fraternal com seus recém-conhecidos do comércio. Um deles, porém, mantém-se no desenrolar biográfico de Jacques, e além de amigo íntimo, torna-seirmão na maçonaria. Em sua obra de memórias, Jacques descreve seu nome como Elias Paulo, um libanês:

Contei-lhe então que falhando – o que já considerava como certo – o negócio com o meu cunhado, iniciaria a atividade com mercadorias que me seriam confiadas pelo mesmo. Sua confiança na minha pessoa era completa. Reproduziria no Desterro as atividades que garantiram sucesso em Porto Alegre. Enfrentaria as vendas em domicílio. Conhecendo o ramo, estava certo  de, em poucos meses, atingir os degraus ambicionados.

Elias se levantou da cadeira, o que também fiz, e aí veio o inesperado: um abraço caloroso. Um abraço de irmão. Depois, ofereceu-me o crédito que viesse a necessitar. E não só isso. Prontificou-se a apresentar-me, logo na manhã seguinte, a diversos atacadistas, libaneses como eles. Que não me preocupasse. Podia contar com ele irrestritamente. No meu abraço, ele só podia ter localizado a imensidade da minha emoção. Bem próxima das lágrimas. A amizade do Elias Paulo passou a ser um fator constante na minha vida, além de me tornar “irmão” quando ingressei na maçonaria[30].

 Com apoio de vários comerciantes e parentes na cidade, Jacques partiu com certa plenitude com seus projetos empreendedores. Mesmo em plena juventude, demonstrou sua experiência e conhecimento, criando um projeto que consistia em vendas particulares. Com auxílio de um carregador imbuído de conhecimento sobre os moradores da ilha, levava amostras de tecidos por toda a cidade. Tinha essa visão cheia de esperteza, que objetivava dominar a clientela de elite com sua simpatia e qualidade de produtos, e ainda manter uma constante renda com os pagamentos em prestação em um crediário dos clientes de renda baixa. Trata-se de uma técnica, de uma estratégia de comércio ainda não explorada no Desterro. De fato, o gaúcho “almejava, justamente, a conquista da elite. Ambicionava o entrelaçamento com a alta sociedade”[31]. Sabia, então, que seu sucesso social e econômico estaria atrelado aos contatos que criaria. Para isso, “pretendia amizades e não apenas o conteúdo dos bolsos”[32]. É nessa rede de amizades, de contatos e abraços fraternos entre os homens conceituados na sociedade catarinense do século XX, que se abrem as portas dos templos maçônicos para Jacques.

 Sobre a inauguração de sua primeira Magazine, vale a reprodução das memórias escritas do autor: “a inauguração de A Rainha da Moda (nome depois substituído, em caráter definitivo, pelo de A Modelar) foi um acontecimento social que marcou época”[33]. A trajetória de sua carreira tinha apenas a direção crescente, tanto em popularidade (e, portanto, influência social), quanto no âmbito comercial; uma imagem pública em construção que chamou atenção de um grupo que se interessava pelo perfil liberal e empreendedor de Jacques: a maçonaria. Luís da Costa Melo foi o responsável pela escrita comercial – o conjunto de registros de todas as operações do comerciante – do negócio construído por Schweidson. Além de trabalhar para A Rainha Da Moda, Luís era primeiro-contador do Tesouro do Estado; um cargo que lhe propiciou o contato com o líder da Loja Maçônica Regeneração Catarinense, o Major Pedro Carneiro da Cunha. Em reuniões fechadas da Loja, foi indicado o nome de Jacques para o ingresso na Ordem. Como de costume, se desenvolveram debates e investigações sobre a vida e o perfil do indivíduo em questão, até sua aprovação e determinada a ordem para seu convite formal. Assim é descrito, por Jacques, o convite:

Terminada a faina do dia, despedidos os funcionários, só permanecera ao meu lado o Luís da Costa Melo, que me acompanhou até o escritório. Logo depois, chegaram os visitantes: Dr. Nereu Ramos, Major Pedro Carneiro da Cunha, Olívio de Amorim e Vasco Gondim. Só o fato de virem juntos, para o mesmo objetivo, o Major Pedro Carneiro da Cunha e o Dr. Nereu Ramos, pertencentes a partidos políticos opostos, já em si recomendava os princípios maçônicos. No atendimento aos seus fins, desapareciam as divergências partidárias. Depois de uma conversação sobre generalidades, veio a pergunta: se gostaria de pertencer à Ordem Maçônica, filiando-me à Regeneração Catarinense. Obviamente minha resposta foi afirmativa. Entendia, perfeitamente, que a entrada na maçonaria constituiria a oportunidade para associar-me a trabalhos que estavam em concordância com os meus princípios[34].

Os apontamentos sobre o “desaparecimento das divergências políticas”, contudo, devem ser pensados com cuidado. Embora, em alguns momentos e por alguns segmentos da maçonaria, se afirme que a atuação da Ordem não se dá pelo âmbito político, é necessário lembrar sempre da importante atuação que essa instituição tem na independência brasileira e na abolição da escravidão. Além disso, é inegável a instrumentalização dos jornais desterrenses por parte da maçonaria diante de conflitos de interesses essencialmente políticos.

Portanto, a convivência de políticos de partidos “opostos” dentro de uma instituição que debate e projeta/planeja ações políticas, além de apoiar ou não candidaturas em eleições, sugere outras explicações que não se findam nos “princípios maçônicos” de tolerância e respeito. Tratam-se, então, de acordos políticos que tratam de assuntos públicos em âmbitos exclusivos, seletivos e privados. Sugere também, que a disputa partidária desterrense tem sua imagem pública (de disputa), e seu desenrolar privado e particular (de acordos e conciliação de interesses). Para tanto, ainda seguindo os escritos memoriais de Jacques, temos um sólido exemplo da influência da sociabilidade maçônica para/com os maçons:

Decorridos alguns anos, nos quais o país viu-se agitado por levantes e revoltas, quer em São Paulo, sob a chefia do General Isidoro Lopes, quer no Rio Grande do Sul, onde – além da permanente luta entre federalistas e republicanos – deu-se a eclosão, histórica, do movimento chefiado pelo intrépido Luís Carlos Prestes. Em Santa Catarina, Nereu Ramos e Henrique Rupp passaram a organizar seus partidários para qualquer emergência, já pressentida através da efervescência revolucionária no vizinho Estado do Rio Grande do Sul, com o objetivo de deposição do governo federal. […]. Informado o governo federal da atividade de Nereu e Rupp, veio uma ordem telegráfica para sua imediata prisão. Foi quando se evidenciou a solidariedade e o cumprimento dos deveres maçônicos. A ordem de prisão foi omitida até a maçonaria poder providenciar a fuga dos líderes.

Um grupo expoente da maçonaria, do qual participaram o Major Pedro Carneiro da Cunha, Olívio de Amorim, Oswaldo Melo, Galdino Vieira e o autor dessas linhas, tomou imediatas providências para hominizar, com segurança, os dois indiciados até a noite, quando, disfarçados, foram levados num automóvel de inteira confiança até o paço de Pelotas, na fronteira do Rio grande do Sul, onde já estavam sendo aguardados. No percurso, tiveram que passar pelas cidades de Bom Retiro e Lajes, cujos delegados de polícia, pertencentes à maçonaria, garantiram sua segurança.

Quando o telegrama contendo a ordem de prisão chegou às mãos das autoridades, no Desterro, a Nereu e Rupp estavam no Rio Grande do Sul[35].

 São muitas as histórias que habitam as memórias do audacioso gaúcho Schweidson, mas a questão para este trabalho, é, na verdade, qual a memória que é perpetuada na praça do Jardim Atlântico. De 1955 até 1975, o empreendedor maçom foi responsável pela construção de cinco edifícios no centro da cidade, além da construção do loteamento do Jardim Atlântico; posteriormente o local que é a morada dos cidadãos que assinam um abaixo-assinado para viabilizar a homenagem na praça. O perfil que se esboça sobre Jacques nesse trabalho – empreendedor, liberal visionário, indivíduo de expressiva influência e carisma – cria a conexão direta com a imagem pública da maçonaria, aquela que a ordem tem interesse de preservar em caráter monumental. Assim se justifica, na Câmara Municipal, a aprovação da Lei nº 6055:

As razões que me levam a apresentar o referido Projeto tomam em consideração a figura ímpar do Senhor Jacques Schweidson no processo de desenvolvimento da Cidade de Florianópolis. Gaúcho de nascimento, fixou-se em Florianópolis, desde os 17 anos de idade e aqui viveu, trabalhou, dinamizou o comércio e implantou empreendimentos imobiliários pioneiros para o seu tempo, era então o hoje bairro Jardim Atlântico. Pela sua singular contribuição ao comércio e ao crescimento urbano da Capital, entendo ser de plena justiça o ato de homenageá-lo, conferindo o seu nome à Praça Central do bairro Jardim Atlântico[36].

Rua Jerônimo Coelho

 Antes de carregar o nome do patrono da imprensa Catarinense, a Rua Jerônimo Coelho já foi chamada de Rua da Paz e Rua do Propósito[37]. Entre 1908 e 1929, essa rua, que abriga muitas construções residenciais e comerciais, também era o local onde estava a sede do Tribunal de Justiça do Estado. Ainda, é possível encontrar um busto de Jerônimo na praça XV de Novembro, na parte central da cidade. A localização das homenagens memorialistas – dos “lugares de memória”[38] – não está por acaso no centro de Florianópolis, mas ocupa um espaço de grande circulação e de rica historicidade, ligada diretamente ao desenvolvimento da maçonaria na cidade.

Jerônimo foi criado pela mãe, Francisca Lina do Espírito Santo, e por um tio, devido a morte de seu pai, o sargento-mor Antônio Francisco Coelho. Nasceu na cidade de Laguna, mas passou um período de sua infância no Ceará, para então se mudar para a grandiosa cidade do Rio de Janeiro. Sua carreira política em Santa Catarina foi de importância irrefutável, responsável pela implantação das primeiras agremiações partidárias na Vila de Nossa Senhora do Desterro, demonstrando sua aptidão em relação a funções oratórias e comunicativas

Jerônimo Coelho desde cedo revelara possuir palavra eloquente e ser dotado de potência de voz que impressionava a todos, tanto que chegou a ser chamado de espada falante, pela facilidade com que se fazia escutar e prendia a atenção do público com seus eloquentes discursos[39].

 Sua atuação política está diretamente vinculada à fundação da imprensa catarinense, da qual é pioneiro e responsável. Instrumentalizando seus veículos de comunicação pública, Jerônimo Coelho contribuiu incansavelmente para o fortalecimento e divulgação do pensamento liberal no Desterro. Cabe destacar que, seus jornais O Catharinensee O Expositor fizeram parte de uma disputa política entre liberais (Partido Judeu) e conservadores (Partido Cristão), que prolongaram inúmeros embates verbais para resolver a questão da construção do Mercado Público na ilha[40]. Não obstante, Coelho e seus jornais contribuíram para a campanha de modernização da cidade, pauta da Sociedade Patriótica.Estas questões foram comentadas na tradicional historiografia catarinense, nas palavras de Cabral (1979):

A história dessa luta [entre o partido judeu e o partido cristão] já foi contada por José Boiteux e só me resta recordar, aqui, ter a mesma levado, com a questão das barraquinhas, de arrastão, a cadeira de deputado à Câmara Geral, ocupada por Jerônimo Coelho, a maior expressão política de Santa Catarina no segundo Império, condenando-o a dez anos de ostracismo político, depois de haver honrado no Parlamento a sua terra e com dignidade ocupado de inconteste destaque no Ministério do Visconde de Macaé42.

 Notável personalidade da história da maçonaria catarinense, Jerônimo Coelho foi governador das províncias do Pará (1848-1850) e do Rio Grande do Sul. Tratando do estado gaúcho, tem seu nome eternizado em ruas de Porto Alegre e no 3º Batalhão de Polícia do Exército. Essas prestações memoriais em setores como a da polícia do exército são mais compreensíveis quando expostas à luz dos grupos de pessoas que compõe a maçonaria:

Sintetizando, os dirigentes maçons que foram políticos locais, vereadores e presidentes dos conselhos municipais dedicavam-se, da perspectiva econômica ou profissional, principalmente à atividade comercial, aos empregos públicos e, em menor escala (em razão das poucas informações obtidas), eram proprietários rurais. Um número expressivo deles (localizamos 13 dirigentes) integrou as forças armadas militares da Guarda Nacional, sendo, portanto, também responsáveis, pelo menos até a passagem para o período republicano, pelo policiamento e manutenção da ordem local. O clientelismo e o poder de fazer indicações podem ser observados nas nomeações para cargos de juízes, professores, delegados, subdelegados de polícia e inspetores de quarteirão, cargos públicos de nomeação do poder central[41].

 A popularidade do maçom Jerônimo Coelho foi estendida nacionalmente no início do ano de 1844, assumindo o cargo de Ministro da Guerra, e interino da Marinha. Sua carreira ainda conta com a atuação como “deputado provincial, vice-presidente da província barriga verde, deputado geral por Santa Catarina e vogal do Supremo Tribunal Militar, nomeado em 18 de dezembro de 1858”[42]. Sua vida também é marcada por uma carreira militar interessante, participando em 1816 do Regimento de Caçadores, setor que é empregado geralmente em operações de defesa interna, e em seguida foi transferido para a Artilharia da Corte.

Posteriormente exerceu atividades militares no posto de 2º tenente e capitão, sendo promovido em 1842 a tenente-coronel e em 1846 a coronel graduado[43]. Tão extensa carreira permitiu, então, que dirigisse e Escola de Aplicação do Exército.

 De tantas ruas que evocam e mantém viva a memória de homens pertencentes a Maçonaria na cidade Florianópolis, destaco a imagem de Jerônimo Coelho por sua participação nos primórdios da Ordem no estado. A memória de Jerônimo é capaz de condensar várias características importantes dessa instituição; seu posicionamento político liberal, calcado em velhos discursos iluministas; sua carreira e influência militar, setor que representa grande importância política na história da Ordem Maçônica e do país; seu papel de intelectual, que defendeu e proliferou os interesses liberais, nacionalistas e modernizadores na Ilha de Nossa Senhora do Desterro; e seu papel histórico de fundador da primeira Loja Maçônica de Santa Catarina.

Conclusão

Tratando dos monumentos maçônicos de Florianópolis (incluindo nessa categoria ruas, praças e lápides) poder-se-ia, de fato, estender o trabalho muito mais. Disso, exprime-se a imagem de uma cidade que não pode separar sua história da maçonaria, principalmente tratando da história política da capital. A memória, assim como a história, é um lugar de conflito, de embates e disputas. Portanto, não se pode ignorar a emergência de lugares de memória. Há de se perceber que cada rua, praça, loteamento nomeado em homenagem; cada monumento erigido é o marco de um conflito. É tanto uma vitória para alguém, como uma derrota para o outro. Os monumentos maçônicos são, então, uma vitória da “comunidade maçônica”, um marco que determina um grau de influência política. Um símbolo de algo além de aceitação dentro da sociedade, como se fosse algo externo procurando um lar; pelo contrário, o lar lhe pertence de um jeito que pode decorar os quartos e pendurar suas fotos nas paredes. A maçonaria de Florianópolis tem de fato seu lugar histórico na cidade.

Procurei aqui, além de mostrar a intimidade que a política da capital catarinense tem com a maçonaria, explorar a imagem pública de uma instituição que parece tão privada. Seu caráter de exclusividade não chega aos cúmulos dos boatos que existem no imaginário profano, mas não se pode dizer que qualquer pessoa tem ou terá acesso à Ordem. Contudo, embora os maçons não exponham tudo que se passa do lado de dentro das Lojas, eles não puderam deixar de investir na construção de uma bela imagem pública. Caracterizo essa imagem pública, construída principalmente sobre discursos, como uma instituição que segue um rigor moral em seu estatuto, que visa o desenvolvimento ético e espiritual de seus membros, além de contribuir para a sociedade injustiçada com suas ações filantrópicas. É essa narrativa, esse discurso, que é perpetuado como veículo de identidade e memória coletiva nos monumentos. Sobre isso, tenho a intenção de deixar as dúvidas sobre esse “rigor” que existe sobre a conduta dos irmãos e problematizar as “boas intenções” e a real efetividade das ações filantrópicas maçônicas, que parece contribuir certeiramente para a própria instituição.

Referências

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Notas

[1] Graduando em História pela Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista de Iniciação Científica no Laboratório de Estudos de Gênero e História. E-mail: simon.gabriel.hst@gmail.com

[2] O termo aqui empregado é entendido de maneira genérica, referente ao pensamento liberal enquanto um conjunto de ideias políticas baseadas em princípios de liberdade individual, de supremacia da razão que contrapõe absolutismos. 3 COLUSSI, 1998. p.49

[3] BARATA, 1999

[4] Definição de Loja maçônica por Barata (1999): “A base da estrutura organizacional maçônica é a Loja, que deve ser entendida como o local onde os maçons se reúnem. Ela é o ‘templo’ cuja estrutura é uma réplica do ‘universo’ e reproduz o Templo de Salomão em Jerusalém, conforme a tradição bíblica.” 6 Ibidem, p.59.

[5] BARATA, op. cit., p.59

[6] Afirma Alexandra Mansur Barata: “As pressões recolonizadoras das Cortes Gerais e Constituintes de Portugal incentivaram as articulações visando o rompimento definitivo entre Brasil e Portugal. Nesse contexto, Ilmar R. Mattos e F. Falcon afirmam que a atuação das sociedades secretas, especialmente a da Maçonaria, e da imprensa foi sumamente importante na mobilização e na união das diferentes força políticas. É interessante observar que o principal jornal engajado na luta pela emancipação, o Revérbero Constitucional Fluminense, possuía como redatores os maçons Januário da Cunha Barbosa e Joaquim Gonçalves Ledo.” (BARATA, 1999, p.62)

[7] Ver: PEDRO, Joana Maria. Nas tramas entre o público e o privado: a imprensa de Desterro no século XIX. Florianópolis: Editora Ufsc, 1995. 105 p.

[8] Acervo disponível no site http://www.hemeroteca.ciasc.sc.gov.br

[9] KOFES, 2007, p.28

[10] NORA, Pierre. Entre memória e história – a problemática dos lugares. Tradução de Yara Aun Khoury. Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da PUC/SP. São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

[11] Ibidem, p.21

[12] Ibidem, p.21

[13] KOFES, 2007, p.29

[14] Termo de tratamento entre maçons iniciados na instituição maçônica.

[15] FLORIANÓPOLIS, Câmara Municipal de. Mensagem nº. 041, 30/08/2006.

[16] Ver página de contato em: https://gosc.org.br/. Último em acesso em 06/10/2017

[17] Dentro da Maçonaria, os profanos são todos os sujeitos que não fazem parte da Ordem Maçônica, que não foram convidados e iniciados nos trabalhos da instituição.

[18] MANGRICH, José Bernardino; GONÇALVES, Paulo Roberto Riccioni. Pequena História da Regeneração Catarinense. Disponível em: <http://www.regeneracaocatarinense.com.br/site/index.php?modulo=conteudo&int_seq_secao=17&int_seq_subsecao=7&int_seq_conteudo=7> . Acesso em: 13/10/2017.

[19] FLORIANÓPOLIS, Câmara Municipal de. Mensagem nº. 041, 30/08/2006

[20] Membros da maçonaria. Em sua gênese, essa associação secreta era constituída por pedreiros, que eram livres da jurisdição dos bispos.

[21] KOFES, 2007, p.35 24 Ibidem, p. 33.

[22] MONTAÑO, 2007, p.199-200

[23] KOFES, 2007, p.30

[24] KOFES, 2007, p. 34

[25] Fonte: Câmara Municipal de Florianópolis.

[26] Fonte: Câmara Municipal de Florianópolis.

[27] FLORIANÓPOLIS, Câmara municipal de. Publicação no Diário Oficial nº 16943, 09/07/2002, Lei nº 6055/2002, p.27.

[28] SCHWEIDSON, 1989, p.10

[29] Ibidem, p.12

[30] SCHWEIDSON, 1989, p.25

[31] Ibidem, p.49

[32] Ibidem, p.49

[33] Ibidem p.155

[34] SCHWEIDSON, 1989, p.163

[35] SCHWEIDSON, 1989, p.170-171

[36] FLORIANÓPOLIS, Gabinete da Prefeita Municipal de. Mensagem nº. 09/2002.

[37] NICOLICH,1999.

[38] NORA, 1993.

[39] MACHADO, 2001, p.101

[40] Ver SCHWEIDSON, Jacques. A Saga Judaica no Desterro. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1989. 42 CABRAL, 1979, p. 95

[41] COLUSSI, 1998, p. 312

[42] MACHADO, 2001, p.102

[43] MACHADO, op.cit, p. 102.


Publicado em “Revista Santa Catarina em História – Florianópolis – UFSC – Brasil ISNN 1984-3968 – v.12, n. 1-2, 2018

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