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Por: Vinícius José de Oliveira Peres Almeida – M. I.

Introdução
A independência dos países latino-americanos no século XIX foi um processo complexo e multifacetado, influenciado por uma série de factores políticos, económicos e sociais. Após séculos de domínio colonial espanhol e português, as sociedades na América Latina estavam maduras para buscar a sua própria autonomia e liberdade. Neste contexto, a Maçonaria emergiu como uma força motriz por trás dos movimentos independentistas, fornecendo um espaço para a articulação de ideias revolucionárias, a organização política e o apoio mútuo entre os líderes visionários da época.
Além disso, a ascensão das ideias iluministas na Europa e a sua disseminação para as Américas desempenharam um papel crucial na formação da consciência política das elites latino-americanas. Os princípios de liberdade, igualdade e fraternidade pregados pela Maçonaria ressoaram profundamente entre aqueles que buscavam a emancipação dos seus países do jugo colonial. Portanto, este trabalho busca não apenas destacar o papel da Maçonaria na independência latino-americana, mas também contextualizar esse papel dentro do cenário mais amplo das transformações políticas e intelectuais da época.
Por meio de uma análise aprofundada dos eventos históricos, dos principais protagonistas e das contribuições específicas da Maçonaria em diferentes países latino-americanos, este estudo pretende lançar luz sobre a complexidade e a importância desse período de transição na história da região. Ao examinar a intersecção entre a Maçonaria e os movimentos independentistas, é possível compreender melhor como as ideias de liberdade e autonomia foram traduzidas em acção política, moldando o curso dos eventos e influenciando o destino das nações latino-americanas.
Contexto Histórico
No início do século XIX, a América Latina estava imersa num contexto político, económico e social marcado pela influência colonial europeia e por crescentes movimentos de resistência e reivindicação de autonomia. Após séculos de exploração e dominação colonial, as populações latino-americanas começaram a questionar a legitimidade do governo estrangeiro e a buscar formas de emancipação e autodeterminação.
Durante o período colonial, as potências europeias, especialmente Espanha e Portugal, impuseram um sistema de exploração económica nas terras latino-americanas. Por meio do sistema de encomenda e das plantações, os colonizadores exploravam os recursos naturais e humanos da região, gerando riquezas que eram enviadas de volta para a metrópole. Este modelo económico injusto e desigual gerou profundos ressentimentos entre as populações locais, que sofriam com a exploração e a opressão.
Paralelamente à exploração colonial, as ideias iluministas começaram a espalhar-se pela Europa e pelas Américas, desafiando as estruturas tradicionais de poder e promovendo a liberdade, a igualdade e a fraternidade como valores fundamentais. Estes ideais iluministas inspiraram intelectuais e líderes latino-americanos a questionar a legitimidade do domínio colonial e a defender a emancipação e a autonomia das nações latino-americanas. Ao longo do século XVIII e início do século XIX, surgiram vários movimentos de resistência e rebelião em diferentes partes da América Latina. Desde as revoltas indígenas contra a opressão colonial até as conspirações lideradas por crioulos (descendentes de europeus nascidos na América) descontentes com o domínio estrangeiro, esses movimentos reflectiam um crescente desejo por independência e autodeterminação.
A crise política na Europa, especialmente as Guerras Napoleónicas e a invasão francesa na Península Ibérica, enfraqueceu o controle das potências coloniais sobre as suas colónias na América Latina. A instabilidade política na metrópole abriu oportunidades para que líderes locais aproveitassem a situação e iniciassem movimentos independentistas. A ausência temporária de autoridade colonial directa permitiu que esses movimentos ganhassem força e se organizassem em direcção à independência. Neste contexto de agitação política e social, a Maçonaria emergiu como uma força política e social significativa na América Latina. Inspirada pelos ideais iluministas e pela busca pela liberdade e justiça, a Maçonaria atraiu membros das elites crioulas e indígenas que compartilhavam o desejo de emancipação e autonomia. Através das suas lojas maçónicas, a ordem oferecia um espaço para a discussão de ideias revolucionárias, a formação de redes de apoio e a organização política, desempenhando um papel crucial nos movimentos independentistas que marcaram a história da região.
A Maçonaria na América Latina
A presença da Maçonaria na América Latina remonta ao final do século XVIII, quando a ordem começou a se estabelecer na região, principalmente através de lojas maçónicas fundadas por imigrantes europeus e por membros das elites crioulas. Inspirada pelos ideais da Ilustração e pela busca pela liberdade, igualdade e fraternidade, a Maçonaria rapidamente atraiu membros influentes da sociedade latino-americana, incluindo líderes políticos, intelectuais, militares e empresariais. As elites crioulas na América Latina não eram predominantemente compostas por pessoas negras. O termo “crioulo” era originalmente utilizado para se referir aos descendentes de europeus nascidos nas colónias americanas, em contraposição aos europeus nascidos na Europa, chamados de “peninsulares”. No entanto, ao longo do tempo, o conceito de crioulismo foi-se ampliando para incluir também os descendentes de europeus nascidos na América Latina, independentemente da geração em que os seus antepassados chegaram ao continente.
As elites crioulas eram geralmente formadas por indivíduos de ascendência europeia, muitas vezes descendentes de espanhóis, portugueses ou outros colonizadores europeus. Estas elites detinham o poder político, económico e social nas colónias, controlando grandes propriedades rurais, cargos administrativos e comércio, entre outras actividades. Embora a maioria das elites crioulas fosse branca, é importante notar que havia uma diversidade de origens étnicas e raciais dentro desse grupo. Algumas famílias crioulas podiam ter ascendência mista, incluindo membros com traços de ascendência africana ou indígena devido ao histórico de miscigenação na região. No entanto, o acesso ao poder e aos privilégios geralmente estava ligado à proximidade com a cultura e a ascendência europeias.
Portanto, enquanto alguns membros das elites crioulas podiam ter alguma ascendência africana, a maioria dos líderes políticos, intelectuais e militares envolvidos nos movimentos independentistas e associados à Maçonaria na América Latina durante o século XIX eram brancos ou considerados como tal de acordo com as categorias raciais da época.
As primeiras lojas maçónicas na América Latina foram fundadas em cidades como Buenos Aires, Lima, México e Rio de Janeiro, muitas vezes por imigrantes europeus que trouxeram consigo os ideais maçónicos. No entanto, rapidamente se tornaram espaços de encontro e discussão para as elites locais, que viram na Maçonaria uma oportunidade de se organizarem politicamente e de promoverem os valores da liberdade e da justiça. Com o passar do tempo, a Maçonaria espalhou-se por toda a América Latina, estabelecendo-se em países como Chile, Colômbia, Venezuela, entre outros. A expansão da ordem foi facilitada pela criação de redes de comunicação e apoio entre as lojas maçónicas, permitindo que os membros compartilhassem ideias, recursos e estratégias para promover os seus objectivos políticos e sociais.
Uma das principais contribuições da Maçonaria para a luta pela independência na América Latina foi fornecer um espaço seguro e privilegiado para o debate de ideias e a organização política. Dentro das lojas maçónicas, os membros podiam discutir livremente questões relacionadas à emancipação e autonomia, sem medo de perseguição ou censura por parte das autoridades coloniais.
Além disso, a estrutura hierárquica e os rituais de iniciação da Maçonaria proporcionavam um senso de comunidade e pertencimento entre os membros, incentivando a solidariedade e a cooperação em prol de objectivos comuns. As lojas maçónicas também serviam como pontos de encontro para líderes independentistas, permitindo que estabelecessem contactos e alianças que seriam fundamentais para o sucesso dos seus movimentos.
Os valores e princípios promovidos pela Maçonaria, como liberdade, igualdade, a e fraternidade, foram fundamentais para inspirar e mobilizar os líderes independentistas na América Latina. Muitos dos principais protagonistas dos movimentos pela independência eram membros activos da ordem, que viam na Maçonaria uma plataforma para promover as suas ideias e agir em prol do bem comum. Além disso, a Maçonaria desempenhou um papel importante na formação da identidade nacional e na consolidação dos Estados latino-americanos pós-independência, contribuindo para a construção de instituições democráticas e para a promoção dos direitos humanos e civis.
O legado da Maçonaria na América Latina perdura até os dias de hoje, com a ordem continuando a desempenhar um papel activo na promoção da liberdade, da justiça e da fraternidade na região. As lojas maçónicas permanecem como espaços de debate e reflexão sobre questões políticas, sociais e filosóficas, enquanto os valores e princípios da ordem continuam a inspirar gerações de latino-americanos comprometidos com a construção de sociedades mais justas e inclusivas.
Países Latino-Americanos e o Papel da Maçonaria na Independência
A presença e influência da Maçonaria na luta pela independência variaram em cada país latino-americano.
Argentina
- Data da Independência: 9 de Julho de 1816
- Principal Personagem: José de San Martín
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria argentina desempenhou um papel fundamental na organização e apoio logístico das campanhas lideradas por San Martín para libertar a Argentina do domínio espanhol. San Martín, um Maçom proeminente, encontrou apoio dentro da ordem para as suas actividades revolucionárias.
Bolívia
- Data da Independência: 6 de Agosto de 1825
- Principal Personagem: Simón Bolívar
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria boliviana desempenhou um papel significativo na luta pela independência, com líderes como Bolívar, que era membro da ordem, encontrando apoio e camaradagem entre os seus irmãos maçons durante as campanhas libertadoras.
Brasil
- Data da Independência: 7 de Setembro de 1822
- Principal Personagem: Dom Pedro I
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria brasileira teve influência crucial na independência do Brasil. Muitos líderes independentistas, como José Bonifácio de Andrada e Silva, eram membros activos da ordem e usavam as suas lojas como locais de encontro para planear estratégias e mobilizar apoio popular.
Chile
- Data da Independência: 18 de Setembro de 1810 (início do processo)
- Principal Personagem: Bernardo O’Higgins
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria chilena desempenhou um papel importante na articulação dos ideais de independência e na formação de redes de apoio entre os líderes revolucionários. O’Higgins, um dos líderes independentistas mais proeminentes, era membro da ordem e encontrou suporte dentro dela para as suas iniciativas.
Colômbia
- Data da Independência: 20 de Julho de 1810 (início do processo)
- Principal Personagem: Simón Bolívar
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria colombiana foi activa na organização dos movimentos pela independência, com líderes como Bolívar, Francisco de Paula Santander e Antonio Nariño encontrando apoio e colaboração dentro da ordem.
Equador
- Data da Independência: 24 de Maio de 1822
- Principal Personagem: Simón Bolívar
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria equatoriana desempenhou um papel crucial na luta pela independência, com líderes como Bolívar e Juan José Flores, ambos maçons, liderando movimentos e encontrando apoio dentro da ordem.
México
- Data da Independência: 16 de Setembro de 1810 (início do processo)
- Principal Personagem: Miguel Hidalgo y Costilla
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria mexicana estava activamente envolvida nos movimentos pela independência. Líderes como Ignacio Allende e José María Morelos, ambos maçons, desempenharam papéis importantes na organização das revoltas e na mobilização popular contra o domínio espanhol.
Paraguai
- Data da Independência: 14 de Maio de 1811
- Principal Personagem: José Gaspar Rodríguez de Francia
- Contribuição da Maçonaria: Embora haja menos informações disponíveis sobre a influência específica da Maçonaria no processo de independência do Paraguai, alguns historiadores sugerem que a ordem pode ter desempenhado um papel na organização política e no apoio aos líderes independentistas.
Peru
- Data da Independência: 28 de Julho de 1821
- Principal Personagem: José de San Martín
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria peruana teve um papel significativo na luta pela independência, com San Martín e outros líderes independentistas encontrando apoio e colaboração dentro da ordem.
Uruguai
- Data da Independência: 25 de Agosto de 1825
- Principal Personagem: José Gervásio Artigas
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria uruguaia desempenhou um papel importante na luta pela independência, com líderes como Artigas, que era membro da ordem, encontrando apoio e camaradagem entre os seus irmãos maçons durante as lutas pela libertação.
Venezuela
- Data da Independência: 5 de Julho de 1811 (declaração formal)
- Principal Personagem: Simón Bolívar
- Contribuição da Maçonaria: A Maçonaria venezuelana desempenhou um papel essencial na mobilização popular e na organização militar durante a luta pela independência, com Bolívar sendo membro proeminente da ordem.
Estes exemplos ilustram a diversidade de contextos e experiências em que a Maçonaria desempenhou um papel na luta pela independência na América Latina, mostrando como a ordem estava intrinsecamente ligada aos movimentos revolucionários que moldaram a história da região.
As Lojas Lautaro Durante os Movimentos de Independência.
O nome “Lautaro” foi escolhido em homenagem a Lautaro, um líder indígena mapuche conhecido pela sua resistência contra os espanhóis no século XVI. As Lojas Lautaro foram fundadas com o propósito específico de promover os ideais de independência e libertação das colónias espanholas na América Latina. As Lojas Lautaro eram compostas principalmente por membros da Maçonaria, uma sociedade fraternal com uma longa história de promover ideais como liberdade, igualdade e fraternidade. Muitos dos líderes dos movimentos de independência, como Simón Bolívar, José de San Martín e Francisco de Miranda, eram maçons e estiveram envolvidos nessas Lojas.
O principal objectivo das Lojas Lautaro era organizar e apoiar os movimentos de independência em toda a América Latina. Eles serviram como centros de planeamento e coordenação para actividades revolucionárias, incluindo a disseminação de ideias iluministas e o recrutamento de apoio para a causa da independência. Além de promover ideais políticos e revolucionários, as Lojas Lautaro também estavam envolvidas em actividades práticas, como a arrecadação de fundos, o recrutamento de soldados e o fornecimento de apoio logístico para as forças rebeldes. Eles desempenharam um papel importante na mobilização popular e na organização das forças armadas.
O legado das Lojas Lautaro é significativo na história da América Latina. Eles desempenharam um papel crucial na conquista da independência por muitas nações latino-americanas, e a sua influência continuou a ser sentida na política e na sociedade desses países após a independência. O nome “Lautaro” tornou-se um símbolo de resistência e luta pela liberdade em toda a região. As Lojas Lautaro representam um exemplo notável de como a Maçonaria desempenhou um papel activo e influente nos eventos históricos que moldaram a América Latina, especialmente durante os movimentos de independência do domínio espanhol.
Conclusão
O papel da Maçonaria na luta pela independência dos países latino-americanos no século XIX foi um capítulo crucial e muitas vezes subestimado da história da região. Ao longo deste estudo, foi possível observar como a Maçonaria actuou como uma força catalisadora, promovendo ideais de liberdade, igualdade e fraternidade que inspiraram e mobilizaram líderes e populações em toda a América Latina.
A Maçonaria serviu como um espaço privilegiado para a articulação de ideias revolucionárias, a organização política e a formação de redes de apoio entre os líderes independentistas. As suas lojas maçónicas foram palcos de debates e planeamentos estratégicos, onde membros influentes da sociedade se reuniam para discutir o futuro dos seus países e traçar planos para a emancipação.
Além disso, a Maçonaria desempenhou um papel crucial na formação da identidade nacional e na consolidação dos Estados latino-americanos pós-independência. Os valores e princípios promovidos pela ordem, como democracia, tolerância e justiça social, ajudaram a moldar as instituições políticas e sociais das novas nações, contribuindo para a construção de sociedades mais inclusivas e democráticas.
No entanto, é importante reconhecer que a influência da Maçonaria na independência latino-americana não foi uniforme em todos os países, e houve variações significativas em relação ao grau de envolvimento e impacto da ordem em cada contexto específico. Além disso, a história da Maçonaria na América Latina é marcada por complexidades e contradições, e o seu legado deve ser analisado com uma abordagem crítica e contextualizada.
Em última análise, este estudo destaca a importância de se compreender o papel multifacetado da Maçonaria na história da América Latina e reconhecer as suas contribuições para a luta pela independência e para a construção de sociedades mais justas e democráticas na região. Ao fazer isso, podemos não apenas enriquecer a nossa compreensão do passado, mas também extrair lições valiosas para os desafios e oportunidades que enfrentamos no presente e no futuro.
Vinícius José de Oliveira Peres Almeida – M. I. – Loja Rei Salomão nº 43 – Grande Loja Maçónica do Estado de Rondónia – GLOMARON
Referências Bibliográficas
- Lynch (2009) aborda as Revoluções Hispano-americanas entre 1808 e 1826.
- Ferrer Benimeli (1999) discute a influência da Maçonaria na emancipação da América Latina.
- Guedes (2015) analisa o papel da Maçonaria na independência do Brasil.
- A Enciclopédia Maçónica Latino-Americana (2008) oferece um amplo panorama sobre o tema.
- Rodríguez (2012) apresenta uma perspectiva regional sobre a Maçonaria na independência da América Latina.
- Martínez (2005) discute a influência da Maçonaria na independência da América Latina.
- Silva (2011) oferece reflexões históricas e políticas sobre a participação da Maçonaria na independência da América Latina.
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