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Os nove mestres eleitos – o significado iniciático do grau 9

Por João Anatalino Rodrigues

Avental Grau 9 - Cavaleiro Eleito dos Nove (REAA)
Avental do Grau 9 – Cavaleiro Eleito dos Nove (REAA)

A lenda do grau 9

Diz a lenda do grau 9 que o rei Salomão, uma vez terminados os rituais devidos ao sepultamento de Hiram, quis punir os assassinos do seu Mestre Arquitecto, Hiram Abiff, ou seja, os Jubelos. Estes, após o crime, tinham-se escondido numa caverna. Um pastor, que os vira no esconderijo, denunciou-os ao rei. Ao saber disso Salomão reuniu os quinze Mestres mais antigos, e por votação feita entre eles, escolheu nove para uma expedição ao local onde os assassinos estavam escondidos. Liderados por Johaben, os Mestres iniciaram uma caçada aos criminosos; dois deles, encurralados diante de um abismo, preferiram antes saltar para a morte do que serem presos. O terceiro, acossado por Johaben dentro de uma caverna, cravou no próprio peito um punhal. Após cortarem as cabeças dos três assassinos, os Mestres voltaram a Jerusalém para dar satisfação ao rei do cumprimento da missão. Salomão, satisfeito com o resultado, deu-lhes o título de Mestres Eleitos.

A lenda dos Nove Mestres Eleitos foi desenvolvida com a finalidade de adaptar o simbolismo iniciático da Maçonaria aos propósitos morais que ela propaga. Em primeiro lugar, ninguém nela ingressa se não for “eleito”, ou seja, cooptado por alguém que a ela já pertence. O candidato tem que ser apresentado por um membro pertencente ao quadro, em seguida é pesquisado, sondado e afinal “votado” pelos irmãos como digno de fazer parte do grupo. Somente após essa “eleição” é ele iniciado.

Depois, a partir do momento em que é iniciado, o que se requer dele? Que “ submeta as suas paixões e erga templos à virtude , cavando masmorras ao vicio”. Que quer isso dizer? Que ele deve “matar em si mesmo” todos aqueles ”assassinos” que o impedem de ser virtuoso. Que ele vingue, com essas mortes, o assassinato do “homem justo”, que foi cometido por “ aqueles homens maus”, que são as paixões e os vícios que o desviaram da virtude. Quem são esses “homens maus”? São a ambição desmedida e sem moral, a avareza, a inveja, o ódio, a indiferença pela sorte dos seus irmãos de Ordem ou pela sociedade em geral, a ignorância, a preguiça e todos os vícios e sentimentos que aviltam o homem e o levam a se comportar como “filho das trevas”.

Na mística cristã, Jesus explica bem esta questão com a parábola dos trabalhadores da vinha. Nesse ensinamento, ele mostra que não importa a hora nem o momento em que o homem é chamado para cumprir a sua missão. Alguns podem trabalhar mais ou trabalhar menos. Mas todos, independentemente do tempo que trabalharem, receberão a mesma paga. Porque Deus chama a todos mas escolhe, realmente, a poucos. Aos “Eleitos” cabe a missão, realmente messiânica, de “ matar os assassinos” das virtudes do homem, para que ele, assim liberto, possa escolher entre permanecer no “mundo das trevas” ou iniciar a sua ascensão para o “mundo da luz”.

Por isso a missão dos doze mestres eleitos não é “vingar” o Mestre assassinado, mas sim, destruir os seus assassinos, como medida de justiça e saneamento do mal, evitando que ele daí prolifere.

Se quisermos ver neste simbolismo uma imagem da realidade profana, neste mundo em que vivemos, basta ver como as virtudes, no momento, estão sendo eclipsadas pelo vício. Em toda parte progride o comportamento criminoso, enquanto parece que cada vez mais a virtude se vê obstruída pelas trevas. Talvez por isso os autores do ritual do grau 9 tenham adoptado esse simbolismo, cuja inspiração é francamente gnóstica, pois aqui se trata de um combate entre a luz e as trevas, e ele nunca pareceu ser mais feroz do que nestes nossos dias. É preciso, hoje mais do que nunca, por em prática o ensinamento contido na lenda dos “ Eleitos do Nove” e sair à caça dos “ assassinos” do espírito humano que pregam a tolerância com o crime , com a destruição do meio ambiente, com os violações das leis da natureza, e deixar que justiça julgue e puna os violadores, pois estes, como disse Jesus, receberão a devida recompensa, já que é “ é necessário que ao mundo venha os escândalos, mais ai daqueles por quem os escândalos vem ao mundo”.

No ritual do grau, o presidente da Loja diz aos Mestres Eleitos que

“Desde que estás entre nós, continuastes a sofrer o peso do trabalho abandonado. A humanidade está sufocada pela ignorância, corrompida pelo crime. Será preciso sofrer eternamente? Sob os nossos olhos atentos, crescestes em dignidade; tendes a confiança de vossos irmãos. Podemos contar com a Vossa?”

Hiram morto é como a humanidade pecadora e decaída que precisará “ matar” os seus vícios para recuperar a virtude com a qual iluminará o seu espírito. Enquanto estes vícios permanecerem vivos, o trabalho de “construção do templo”, que é o trabalho de aperfeiçoamento moral do indivíduo, através da qual ele atinge a salvação, permanecerá abandonado. Este trabalho de recuperação moral da humanidade é a missão dos Nove Eleitos.

O significado iniciático do grau 9

Entre evocações à tradição hebraica e alusões à doutrina cristã, prossegue o ritual:

“Quando Salomão soube que Hiram não aparecera entre os seus operários, mandou todos para o trabalho e jurou não pagar salário algum se não se descobrisse Hiram, morto ou vivo. Todos os obreiros puseram-se em campo e o corpo de Hiram foi encontrado, enterrado sob um ramo de acácia” [1] .

Sim, pois que salário, que pagamento pode ser dado a uma humanidade cujo espírito está morto? Urge, primeiro que se encontre esse cadáver, e é preciso que todos sejam chamados para procurá-lo. E aqui ressurge novamente a parábola dos trabalhadores da vinha. Todos são chamados, apenas alguns serão escolhidos. Esta sabedoria iniciática está presente em todo o ensinamento de Jesus. Veja-se, por exemplo, a parábola da cizânia. Por ela Jesus ensina que os bons e os maus devem ser cultivados juntos. A eles se dá o mesmo tratamento. Mas no dia do julgamento será procedida a separação, por que então será mais fácil saber quem é bom ou mau. Aos primeiros se aproveita, aos segundos se queima. É como o pescador que lança a rede e trás tanto peixes pequenos como grandes. Os grandes são aproveitados os pequenos não.

O ritual antigo exigia que o Mestre a ser eleito entrasse na câmara, coberto por um véu vermelho. Este simbolismo deve ter sido introduzido no ritual por influência dos hermetistas, particularmente os adeptos da tradição alquímica. Segundo o magistério alquímico, não se pode promover nenhuma transmutação num metal sem primeiro aquecê-lo através do fogo. Aliás, toda a arte de Hiram, como fundidor, assim como de Tubalcain, seu Mestre, consistia em moldar, pela aplicação do calor, os metais. Assim, o fogo, a cor rubra, tem uma importante parte nessa simbologia.

O “metal” a ser aquecido é o próprio recipiendário que, como iniciado, vai sofrer a transmutação. Ele é “amolecido” no seio da Loja, expressão essa significativa do reconhecimento que o Maçom elevado ao grau deve ter dos seus defeitos e vícios, que precisam ser vencidos. Nas mãos leva o ramo de acácia, que significa a vitória sobre a “morte” psíquica que sofrerá e a prometida ressurreição. Caminha descalço, imitando os iniciados nos Mistérios de Ísis e Osíris, que adentravam assim a câmara do ritual, com o pé direito à frente do esquerdo [2]. Esta atitude ritualística evoca também Moisés quando pisou no terreno sagrado do Monte Sinai, onde Deus o convocou para a missão de libertar Israel [3].

Na liderança do cortejo vai Johaben (ou Joabe), que por dedução cabalística significa “ Filho de Deus”. Todos os nomes dos Mestres que comandam os trabalhos de Loja são deduções cabalísticas e tem um significado extraído a partir da aplicação da Cabala. Stolklin, o 2º Vigilante, é a “ Sabedoria que Sabe”, o que quer dizer que nem toda ciência é sabedoria e o verdadeiro Mestre deve saber distingui-la.

Jesus também advertiu sobre a “falsa sabedoria” quando conclamou os seus discípulos a se “guardarem do fermento dos escribas e dos fariseus”. Com esta metáfora ele queria dizer que os seus discípulos deviam tomar cuidado com as falsas doutrinas. Por outras palavras, não importa saber muito; é preciso ter saber qualitativo. E isso também diz respeito ao Maçom.

Zerbal, por transposição cabalística, significa “inteligência que cria”. Seria, na correspondência gnóstica, e também na filosofia aristotélica, a enteléquia, a força que vem de dentro do ser para dar a ele a sua conformação. Jorge Adoun o compara ao “Verbo Criador” do Evangelho de João [4].

Note-se, entretanto, que os Mestres que comandam o trabalho de eleição dos Nove Eleitos são três. Neste simbolismo está, novamente, a evocação do princípio trinitário que está na base de todas as religiões deístas, a partir do qual, segundo se crê, todas as coisas são criadas [5].

Os Mestres viajam em busca dos criminosos e os encontram encerrados em cavernas e junto a despenhadeiros. Esta alegoria é por demais reveladora para que precisemos comentá-la. Só podemos eliminar os nossos defeitos de personalidade se primeiro reconhecermos que os temos. Para isso é preciso fazer uma rigorosa auto-análise. E para fazê-la é preciso descer ao fundo de nós mesmos, nas cavernas do nosso subconsciente, e enfrentar os abismos que lá existem, e nos quais muitas vezes nos lançamos. Se o fizermos, os nossos “assassinos”, como fantasmas expulsos pela súbita iluminação do ambiente, saltarão para o nada de onde vieram para obscurecer a luz do nosso entendimento e prejudicar a ascensão do nosso espírito.

O simbolismo do número nove

Nove são os Mestres que foram eleitos para a missão justiceira. Não há muito acordo entre os autores sobre o significado desse número. Todavia, face às influências da mathese, parte da Cabala que trata do cálculo metafísico, sabe-se que o número nove, para a Maçonaria, simboliza a imortalidade. Assim o informa Ragon no seu Tratado de Ortodoxia Maçónica.[6] Este número significa um regresso às origens pelo facto de ser o que está mais próximo do dez, que é o número perfeito, representativo da Divindade. Ele marca também a etapa última de um processo de purificação, o derradeiro degrau de uma escada que o iniciado terá que galgar obrigatoriamente, antes de se integrar ao Uno, ao Perfeito. Na tradição vedanta, ele simboliza o número da duração da vida material sobre o cosmo, já que Vishnu teve que encarnar nove vezes para salvar a humanidade. Também Jesus Cristo morre à nona hora do dia. O nove encerra, portanto, uma ideia esotérica de salvação espiritual, de missão cumprida, de cumprimento de uma etapa purificadora, razão pela qual os seguidores de Mitra sempre terminavam os seus cultos com uma “novena”, tradição essa que também foi adoptada pelos cristãos. Nove também foi o número dos cavaleiros que fundaram a Ordem dos Templários, que por nove anos não admitiram nenhum outro membro na sua Fraternidade.

Portanto, não nos parece estranho que este número tenha sido escolhido para simbolizar a missão dos nove Mestres, missão essa que consistia numa expedição destinada a “restaurar” a pureza de um ambiente, pureza essa necessária à construção de um templo dedicado ao Senhor. E aqui está encerrada, talvez, uma das mais importantes ideias contidas em todos os ensinamentos iniciáticos: a de que o espírito humano é o templo da divindade, talvez o único e verdadeiro templo digno desse nome, sendo as construções humanas erguidas para esse fim, nada mais que simples simulacros dessa realidade!

Pois não é no coração deste templo, que é o ser humano, que repousa a chama sagrada, a luz que deve ser liberada para que o espírito ganhe, afinal, a condição necessária para se integrar à Divindade? E não é essa a função de todas as religiões, a de “religar” o homem a Deus? E não é este, também, o objectivo das práticas iniciáticas, ou seja, “acelerar” o processo de purificação do espírito, tornando-o capaz de libertar-se de todos os vestígios de matéria, que impedem que ele se transforme em pura luz?

Cumpre-se, desta forma, o objectivo do complicado simbolismo iniciático presente no ritual do grau 9, que fecha o conjunto de ensinamentos baseados na alegoria da morte do Mestre Hiram.

Notas

[1] Conforme o ritual

[2] Note-se que as representações dos faraós e sacerdotes egípcios sempre aparecem nessa atitude ritual.

[3] Simbolicamente, é a libertação da humanidade do seu cativeiro psicológico

[4] J. Adoun – O Grau Eleito dos Nove, pg. 16

[5] O Pai, O Filho e o Espírito Santo, na Teologia Cristã, Brahma, Vishnu e Xiva, na tradição vedanta, Osíris, Isis e Hórus, na tradição egípcia etc.

[6] Cf. Alexandrian, op citado, pg. 133

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