Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

E-Mail: revista.bibliot3ca@gmail.com – Bibliotecário- J. Filardo

Quatrocentos Anos de Maçonaria na Escócia

Tradução J. Filardo

Por David Stevenson[1]

ABSTRACT 

A Escócia tem as lojas maçônicas e registros maçônicos mais antigos do mundo, antecedendo suas correspondentes inglesas em mais de um século. A Maçonaria é geralmente negligenciada pelos historiadores sociais e culturais, em parte pode ser por ignorância e estereótipos negativos do movimento e, em parte, pelo sigilo excessivo dos maçons no passado. O objetivo deste artigo é examinar o desenvolvimento do movimento e indicar os muitos aspectos da ‘Arte’ que podem ser um assunto rico para pesquisa. As lojas escocesas começaram como organizações de pedreiros, mas a princípio lentamente começaram a admitir homens de outros ofícios e homens de alto status social. Este processo acelerou rapidamente após a fundação de uma Grande Loja em Londres em 1717: a Maçonaria tornou-se moda. Mas, embora muitas lojas tenham sido dominadas por homens de alto status, muitas outras permaneceram – e permanecem – com membros qualificados das classes trabalhadoras.

Quando o aberdeenense James Anderson, residente em Londres, compilou a famosa (mas quase inteiramente fictícia) história da Maçonaria nas Constituições dos Maçons de 1723, ele começou com a criação do mundo.[2] Os princípios da Maçonaria eram inerentes a Deus, então quando Ele criou o homem à sua própria imagem, a humanidade herdou esses princípios. De forma muito menos ambiciosa, este artigo começa no século XVI. Na Escócia (como em outros lugares) os pedreiros já tinham mitos e tradições de seu ofício, e provavelmente rituais associados a eles, durante séculos. Os pedreiros medievais tiveram ‘lojas’ temporárias, no sentido de galpões de trabalho cobertos e, sem dúvida, às vezes usados para fins sociais e rituais. Essas lojas eram anexas a edifícios individuais, em vez de servir aos pedreiros de uma cidade ou área inteira. No entanto, na Escócia, pelo menos algumas dessas lojas evoluíram para se tornarem entidades permanentes. Grandes edifícios de pedra exigiam manutenção de rotina contínua, proporcionada por um Mestre de Obras com um número variável de pedreiros assalariados sob ele, e eles se consideravam formando lojas, com tradições a manter. Assim, em Dundee, em 1537, o conselho e o mestre da igreja de Dundee nomearam George Boiss pedreiro vitalício, de acordo com o antigo uso e costume da Loja Nossa Senhora de Dundee.[3] A loja estava se tornando uma instituição, embora estivesse ainda anexada a um edifício específico, neste caso a igreja de Santa Maria em Dundee.

Então, no final do século XVI, aparecem evidências de que havia interesse em organizar o ofício de pedreiro em uma base mais ampla – há menção de um ‘Vigilante’ regional de pedreiros no nordeste da Escócia. Mas a grande mudança veio no final da década de 1590, quando William Schaw, Mestre de Obras de Jaime VI, reivindicou autoridade como vigilante geral sobre todos os maçons da Escócia e procurou estabelecer uma rede de lojas que, embora provavelmente em muitos casos baseadas em instituições existentes, deveriam ser reformadas, padronizadas e regulamentadas por ele. Códigos de estatutos foram emitidos por Schaw em 1598 e 1599. Uma de suas reformas (pela qual os historiadores são gratos) foi ordenar que as lojas mantivessem atas escritas. Como resultado, as lojas de repente emergem da obscuridade: as primeiras atas de lojas sobreviventes datam de 1599. Schaw morreu alguns anos depois de começar suas reformas, mas essas lojas de novo estilo sobreviveram como instituições permanentes de manutenção de registros, embora o tipo de supervisão centralizada das lojas que Schaw havia planejado tenha morrido com ele.

Por que Schaw inovou da maneira que fez? Isso só pode ser adivinhado, mas a ambição de aumentar seu próprio poder está obviamente presente. Talvez também houvesse reconhecimento de que o ofício e suas tradições estavam em mau estado. A Reforma Protestante privara os maçons de um de seus principais patronos, com mais destruição do que construção de igrejas. O ritual religioso baseado em guildas de artesanato com seus próprios altares nas igrejas do burgo foi suprimido e talvez tenha havido a necessidade de substituí-lo por rituais seculares baseados em tradições maçônicas. Do lado mais positivo, a Escócia estava em 1600 escapando de décadas de instabilidade política. Com maior estabilidade, veio uma onda de construção de novos castelos, casas de campo e projetos municipais. Intelectualmente, houve desenvolvimentos que significavam que os maçons poderiam reivindicar alto status. O conceito moderno e exaltado do arquiteto estava surgindo e os pedreiros afirmavam ser arquitetos. A geometria e a matemática eram cada vez mais aceitas como chaves para entender o mundo – e a ideia de Deus como o Arquiteto Divino já era corrente. Os maçons orgulhosamente se gabavam de serem geômetras, praticantes de uma das sete artes liberais, por séculos, e agora essas ideias renascentistas pareciam dar credibilidade às suas reivindicações de alto status. É significativo que William Schaw, Mestre de Obras, tenha sido descrito como um arquiteto em seu túmulo.

As lojas de Schaw eram inteiramente “operativas” – isto é, seus membros eram todos pedreiros. Suas funções eram semelhantes em muitos aspectos às das guildas de ofício – regulamentação de um ofício, especialmente a admissão e o treinamento. Elas também, como as guildas, tinham funções semelhantes às das Sociedades Beneficentes ou Sociedades Amigáveis posteriores – pagamentos a membros que estavam incapacitados por doença ou lesão, ou em caso de morte às suas viúvas. Finalmente, embora não seja mencionado em atas, é certo que, desde o início, essas lojas realizavam iniciações rituais em segredo, embora a referência escrita a elas não sobrevivesse antes da década de 1630. Esses segredos tinham um propósito utilitário, pois estavam em grande parte relacionados a códigos de reconhecimento, por meio dos quais os iniciados podiam dizer se os homens que afirmavam ser iniciados realmente o eram. Se não fossem, os maçons iniciados deveriam se recusar a trabalhar com eles. A ideia de ter segredos também era uma afirmação de orgulho – os maçons eram superiores a todos os outros ofícios, e os rituais que transmitiam os segredos estavam cheios de referências às reivindicações tradicionais de grandeza e antiguidade do ofício.

Essas lojas eram órgãos autônomos. Embora haja exceções, a maioria não queria ser guildas oficiais (incorporações), regulamentadas e licenciadas pelas autoridades do burgo. Eles se orgulhavam de sua independência, do fato de não responderem aos conselhos de burgos. Em alguns casos, as lojas se reuniam deliberadamente fora das cidades, em vez de dentro delas. Em termos metafóricos, eles estavam sempre “fora” de cidades ou burgos, não eram parte deles. Uma verdadeira loja, dizia-se com exagero literário, deveria se reunir “a um dia de viagem de uma cidade burguesa sem latidos de cachorro ou canto de galo”.[4] Na maioria dos ofícios em burgos, as carreiras dos homens envolviam a busca de avançar em uma única hierarquia, a da sua incorporação, passando de aprendiz a assalariado jornaleiro e depois (esperava-se) a mestre. Mas os maçons em Edimburgo e talvez em alguns outros burgos também avançaram em uma segunda instituição paralela, a loja, tornando-se aprendizes e depois companheiros de ofício ou mestres. Por que foi isso? Primeiro, os maçons valorizavam sua independência. Em segundo lugar, muitos agrupavam vários ofícios – pedreiros muitas vezes sendo agrupados com outros ofícios de construção. Isso significava que as incorporações não podiam atender plenamente às necessidades dos maçons, pois eles precisavam de um lugar para realizar rituais e iniciar os homens em segredos que eram exclusivos deles, secretos de todos os outros artesãos. Em Aberdeen, os pedreiros seguiram uma estratégia diferente para preservar sua exclusividade. A partir de meados do século XVI, nenhum pedreiro se tornou burguês e quando o burgo começou a registrar o aprendizado no início do século XVII, nenhum pedreiro foi listado. Os maçons, ao que parece, optaram por sair da estrutura do governo burguês.

Embora no início as lojas da Escócia fossem inteiramente compostas por pedreiros, com o tempo um punhado de estranhos, principalmente cavalheiros, começou a se juntar a eles. Na década de 1690, uma nova loja em Dunblane foi estabelecida, dominada por cavalheiros desde o início. O que estava acontecendo? Em primeiro lugar, por que as lojas concordariam em admitir pessoas de fora em suas organizações e segredos exclusivos? Um dos motivos era que, em uma sociedade hierárquica, era profundamente lisonjeiro para esses artesãos ter nobres desejando se juntar à sua irmandade. O fato de os cavalheiros quererem a iniciação em seus segredos parecia validar as altas reivindicações que faziam de seu ofício como a personificação da geometria, a ciência que tornava o mundo explicável. Outra razão para admitir forasteiros de alto status era que muitas vezes eles estavam dispostos a pagar altas taxas ao caixa da loja. No século XVIII, quando o gotejamento de forasteiros que queriam ingressar se tornou uma enxurrada, o dinheiro era muitas vezes o principal incentivo para admiti-los. Muitas lojas antigas estavam em dificuldades. A regulamentação comercial tradicional estava quebrando. As lojas deveriam ser corpos nos quais os maçons trabalhavam juntos pelo interesse comum, mas surgiram divisões internas. Os mestres quebravam as regras que limitavam estritamente o número de aprendizes que podiam aceitar. Os aprendizes eram mão de obra barata. Mas uma vez que seu aprendizado terminava, eles se tornavam jornaleiros e descobriam que tinham pouca esperança de se tornarem mestres. Eles ficavam presos como trabalhadores assalariados por toda a vida e se ressentiam disso. Eles podiam ter a posição de companheiros e mestres na loja, mas no mundo real eles não tinham poder.

As tensões causadas por tais desenvolvimentos levaram muitos jornaleiros da Loja de Edimburgo a se separarem em 1707 para formar sua própria loja, visando proteger seus interesses. Até 1840, a loja insistia que 90% dos novos membros fossem artesãos.[5] E ainda hoje existem lojas que só admitem artesãos qualificados e sazonados. Assim, toda uma gama de tipos de lojas começou a surgir, algumas dominadas por “operativos” – trabalhadores – algumas por artesãos em melhor situação, algumas por nobres. As lojas mais antigas que enfrentavam dificuldades financeiras muitas vezes procuravam uma solução na diversificação de seus membros – deixando entrar a pequena nobreza e outros.

O outro lado da moeda das razões pelas quais as lojas admitiram pessoas de fora é, claro, por que essas pessoas de fora queriam ingressar nas lojas? No início, o acaso e a curiosidade os traziam. Os maçons eram conhecidos por terem segredos, a ‘Palavra de Maçom’ como eram conhecidos, talvez deliberadamente aludindo a ser a Bíblia ‘a Palavra de Deus’. E pode-se suspeitar que alguns maçons gostavam de se gabar em termos gerais dos segredos que tinham, dos poderes que estes lhes davam e da antiga tradição que possuíam. Os cavalheiros ficaram intrigados ─ eles queriam conhecer os segredos e rituais de que ouviam falar. Talvez aqueles com interesses matemáticos tenham sido especialmente atraídos por pedreiros falando de sua arte ser geometria. Também pode ter havido um elemento de ‘misturar com o povo’ – dar uma olhada no que esses profissionais estavam fazendo e socializar com eles como irmãos. Muitos cavalheiros maçons, uma vez iniciados, nunca mais foram vistos em loja.

A partir de cerca de 1700, foram, no entanto, os desenvolvimentos culturais e sociais que impulsionaram o desenvolvimento da Maçonaria. O “mundo associativo” descrito por Peter Clark estava emergindo, uma cultura masculina baseada em uma ampla variedade de organizações voluntárias, centradas na cidade de Londres.[6] Um grande número de clubes e sociedades apareceu. Em seus núcleos estava a sociabilidade leiga, grupos de homens reunindo-se em cafés conversando, brincando, bebendo, comendo e cantando. Pode-se notar que muitos dos clubes tinham valores que os maçons posteriores reivindicariam como especificamente maçônicos. Os clubes muitas vezes misturavam homens de diferentes status social, baseavam-se na amizade ─ ou irmandade ─ e, para evitar polêmicas, muitos não falavam de política e religião. Alguns clubes desenvolveram interesses específicos. Às vezes, eram totalmente sérios – culturais, educacionais ou literários. Outros acharam divertido inventar seus próprios rituais e mitos simulados ou semissérios de origens antigas. A Inglaterra no passado não havia desenvolvido lojas permanentes como na Escócia, mas o mesmo tipo de conhecimento maçônico e iniciações eram conhecidos, e no século XVII, pequenos grupos flutuantes de nobreza no campo se reuniam de tempos em tempos para realizar iniciações. Não é surpreendente, portanto, que no turbilhão de clubes de Londres alguns escolheram temas maçônicos. Em 1716, quatro lojas com nomes de tavernas, ou pubs de Londres se uniram e decidiram formar uma Grande Loja. ‘Grande’ era um pouco exagerado, mas a ideia capturou a fantasia da época. Dentro de alguns anos, homens da nobreza para baixo se apressaram em se juntar à moda de ser maçom, fundando muitas novas lojas. Os maçons foram o grande sucesso do que pode ser chamado de “branding” no mundo dos clubes, o Starbucks da época, com uma rede crescente de lojas locais vagamente unidas pela Grande Loja.

Essa mania londrina pela Maçonaria logo se espalhou para a Escócia e as pressões sobre as lojas existentes para admitir um grande número de forasteiros cresceram. Algumas resistiram, os pedreiros temendo que sua instituição fosse inundada e usurpada. Eles estavam frequentemente certos, mas as recompensas financeiras por admitir os recém-chegados eram muito tentadoras. O debate às vezes pode ser rastreado. A Loja de Edimburgo estava tendo problemas na década de 1720 porque muitos jovens pedreiros não se preocupavam em ingressar, pois a adesão a uma loja não era mais necessária para que eles tivessem uma carreira. Uma sugestão feita na Loja de Edimburgo foi reduzir as taxas para atrair esses pedreiros. Outra era admitir estranhos na loja – mas apenas artesãos de outros ofícios. Houve a princípio hostilidade a essa diluição da exclusividade dos pedreiros. No entanto, devido a pressões financeiras, na década de 1730, a maioria dos novos iniciados eram de outros ofícios – além de alguns nobres.[7]

A loja St. Andrews teimosamente permaneceu exclusiva para pedreiros até 1767, mas uma ata extraordinariamente franca revela que até então estava em uma bagunça financeira e carecia de liderança. Havia bons pedreiros na loja, afirmava-se, mas poucos estavam aptos a ser mestres por falta de ‘habilidade e interesse’. Decidiu-se, portanto, recrutar ‘Cavalheiros desta Vizinhança’, que pagariam altas taxas e forneceriam liderança.[8] Mas depois que eles foram admitidos, eles logo passaram a dominar a loja.

As atitudes em relação à iniciação às vezes eram distintamente casuais. A loja de Melrose em 1751 estava com pouco dinheiro e resolveu que qualquer pessoa que desejasse ingressar “para seu próprio prazer ou fantasia” deveria ser admitida – desde que pagasse altas taxas.[9] Algumas lojas ficaram felizes em ver iniciações realizadas por membros individuais fora da loja – desde que as taxas fossem encaminhadas à loja.[10] Em 1835, a loja de Scoon e Perth autorizou um de seus membros a iniciar novos maçons sempre que quisesse.[11] Uma loja de Edimburgo recrutou extensivamente em Montrose – para a fúria da loja local, pois essa caça furtiva significava que esta estava perdendo as taxas de iniciação. Em algumas lojas, era aceito que os candidatos cavalheiros estivessem interessados apenas em ver o que acontecia nas iniciações e era incômodo para eles terem que vir mais de uma vez, então eles deveriam ter permissão para passar por todos os graus de iniciação em uma única reunião.[12] O quão lucrativo era o recrutamento de membros de alto nível pode ser é mostrado pela escala de taxas de iniciação de Haughfoot. Um artesão pagava £ 1; um cavalheiro pagava £ 7.[13]

O recrutamento de um grande número de pessoas abastadas podia levar a tensões. Quando se tratava de jantares, os novos membros ricos queriam comida e bebida de melhor qualidade do que os artesãos podiam pagar e eles podiam aumentar as taxas para pagar por refeições mais luxuosas. Às vezes, divisões se seguiam. Um acordo amigável em 1816 viu os membros mais pobres da Loja Kelso se retirarem e formarem uma nova loja com taxas mais baixas.[14] Assim, os maçons podem dizer que se reuniam “no nível”, mas nem sempre queriam socializar ou comer no mesmo nível. Outras desigualdades entre irmãos supostamente iguais também apareciam de tempos em tempos. Homens úteis para uma loja podem ser iniciados gratuitamente – como músicos – mas às vezes eles não tinham permissão para votar nos assuntos da loja. Da mesma forma, algumas lojas procuravam definir todos os membros que não eram artesãos como maçons honorários, para que não tivessem direito a voto.

Todas as lojas usavam parte de seus fundos para fazer pagamentos de beneficência aos membros necessitados. De meados do século XVIII a meados do século XIX, em muitas lojas na Escócia rural, esses direitos de benefício se tornaram a principal razão pela qual muitos homens se tornavam maçons. As lojas tornaram-se instituições financeiras com rituais de iniciação anexados. Um relatório do final do século XVIII sobre o distrito de Cunningham em Ayrshire disse sobre as lojas maçônicas que todas essas “sociedades harmônicas também podem ser consideradas associações para o socorro a doentes e em dificuldade. Todas elas tinham fundos apropriados para esse fim – alguns deles muito consideráveis”.[15] Com a mudança econômica, um número cada vez maior de homens trabalhava por salários em dinheiro. Sem seguradoras ou bancos, aqueles que buscavam economizar para o futuro tiveram que formar suas próprias sociedades de benefício mútuo e muitas vezes recorreram à Maçonaria como um tipo de seguro. A Maçonaria era amplamente conhecida e oferecia princípios estabelecidos de fraternidade e caridade aos seus membros, que eram, ao que parece, amplamente confiáveis. Assim, muitos trabalhadores aceitaram uma estrutura maçônica para suas sociedades de amigos – assim como no século XIX muitos dos primeiros sindicatos copiaram a Maçonaria em sua organização e ritual.

Às vezes, os homens que se juntavam às lojas por razões financeiras tinham dúvidas sobre o ritual maçônico. Em Jedburgh, em 1811, por exemplo, houve uma dificuldade com membros que foram iniciados no primeiro grau, mas que se recusaram a ser iniciados como mestres. Houve um movimento para proibi-los de receber benefícios, pois não pagavam as taxas de iniciação dos mestres, mas descobriu-se que os motivos dos recusadores não eram financeiros. Eles não se tornariam mestres porque tinham escrúpulos de consciência sobre os rituais envolvidos – eles já tinham ouvido o suficiente sobre o ritual secreto, ao que parece, para saber que envolvia temas de morte e tentativa de ressurreição, o que alguns consideravam blasfêmia. No final, a Loja Jedburgh decidiu que os homens que se recusassem a ser iniciados como mestres deveriam ter direitos de benefício – desde que pagassem as taxas que teriam que pagar se tivessem se tornado mestres! Esses não-iniciados eram proibidos de participar da administração da loja e, obviamente, tinham que se retirar antes que alguns rituais fossem realizados.[16]

Uma das declarações mais claras da importância das lojas como sociedades beneficentes vem de Robert Burns em 1782. As finanças de sua loja estavam uma bagunça. Seu mestre era um proprietário de terras local que raramente participava das reuniões. Burns apelou para ele por ajuda. “Consideramos nossa Loja Maçônica um assunto sério, tanto no que diz respeito ao caráter da Maçonaria em si, quanto a ser uma sociedade beneficente.” O mestre podia não estar muito interessado nisso, ‘mas para nós, senhor, que somos das ordens mais baixas da humanidade, ter um fundo em vista, do qual podemos com certeza depender para sermos mantidos longe da necessidade se estivermos em circunstâncias de dificuldades ou velhice, isso é uma questão de grande importância.” Burn’s implorou ao mestre que convocasse uma reunião para resolver as coisas.[17]

Tornou-se frequentemente difícil conciliar as atividades da loja e da sociedade beneficente. Havia disputas crescentes sobre como o dinheiro arrecadado na ‘caixa’ da loja deveria ser usado. Algumas lojas gastavam apenas em custos de funcionamento e pagamento de benefícios. Mas outras pagavam por comida e bebida com o dinheiro do caixa, ou para assistir a peças de teatro, ou fazer doações a causas locais, como a construção de uma nova ponte ou prefeitura. Em lojas com membros socialmente mistos, os abastados não davam prioridade à constituição de fundos de loja que os membros mais pobres davam. Aqueles que viam a loja principalmente como um lugar para diversão social quase inevitavelmente tinham opiniões diferentes daqueles que se viam pagando prêmios de seguro.

Nas últimas décadas do século XVIII e na primeira década do XIX, a legislação estatal começou a regular as sociedades beneficentes. Elas poderiam obter um status legal reconhecido como “incorporações” – mas apenas se seus fundos fossem dedicados exclusivamente a custos administrativos e pagamento de benefícios. As lojas muitas vezes tinham que separar os fundos gerais da loja dos fundos de benefícios. Algumas foram mais longe e abandonaram suas atividades beneficentes. Em 1841, a Loja Tweed em Kelso decidiu fazer isso. Um quarto dos fundos existentes foi retido pela loja, enquanto o restante foi reembolsado àqueles que tinham direito aos benefícios.[18] Mais de 230 membros receberam pagamentos, um número que mostrava que a loja estava operando como uma sociedade beneficente com benefícios maçônicos, não como uma pequena instituição social de amigos.

As lojas de Edimburgo que atraíram membros de elite, ou foram fundadas especificamente para eles, eram muito diferentes das lojas de sociedades provinciais de benefícios em dificuldades. Mas suas fortunas muitas vezes flutuavam dramaticamente. Veja a Loja Holyrood House. Foi fundada em 1734 por cinco pedreiros, três outros artesãos e dois cavalheiros. Em 1758 começou a se reunir em instalações próximas à Universidade. Muitos iniciados eram médicos e estudantes de medicina. Depois de um período em que se aproximou da extinção, reviveu com forte liderança e subiu no mercado, com muitos advogados, banqueiros, oficiais do exército e outros membros das elites burguesas. As lojas de Edimburgo em geral tendiam a ser dominantes na Grande Loja da Escócia (fundada em 1736) devido a comunicações precárias, e Holyrood tornou-se a mais poderosa, praticamente administrando a Grande Loja da Escócia em 1800; e foi notada como sendo dominada por Whigs.[19]

Como o ideal maçônico de fraternidade universal que evoluiu no século XVIII se encaixava em outras lealdades, como patriotismo e política? As lojas viviam de acordo com seus ideais de serem lugares de igualdade para homens com diferentes origens e crenças? Os maçons, quando em loja, deveriam estar acima da política partidária, mas às vezes isso ocorria. De fato, na medida em que a Maçonaria britânica como um todo se tornou fortemente comprometida com o status quo – governo protestante e a dinastia hanoveriana – ela poderia ser considerada um movimento político. É verdade que algumas lojas admitiram jacobitas, mas, mesmo assim , o viés político geral do movimento era óbvio.

Quanto à diversidade, a mistura social foi alcançada em um grau muito maior do que na maioria das instituições, mas, como já observamos, gostos e bolsos diferentes muitas vezes significavam lojas diferentes para ricos e pobres. Outras formas de diversidade eram difíceis de alcançar porque a Escócia não era um país que atraía muitos visitantes do exterior ou um grande número de imigrantes – exceto pelos católicos irlandeses pobres, que certamente não tinham uma recepção maçônica fraterna e nem queriam uma.

Oficiais ingleses e oficiais do exército estacionados na Escócia eram, no entanto, comumente admitidos às lojas escocesas. Após a supressão do levante jacobita de 1745-6, as lojas regimentais começaram a receber cartas constitutivas da Grande Loja Escocesa e os primeiros regimentos a obter cartas escocesas eram ingleses. Formas mais exóticas de estranhos foram avidamente recepcionadas. Holyrood House e outras lojas de Edimburgo alegremente aceitaram dois sapateiros muçulmanos turcos, recomendados por irmãos em outros países, e em 1784, a loja Holyrood aceitou dois russos que estavam de passagem, presumivelmente russos de fé ortodoxa.[20] A loja de Inveraray admitiu três nobres em 1802 – um francês, um italiano e o camareiro do czar da Rússia: eles devem ter sido convidados do duque de Argyll, que atuava como mestre, mesmo estando ausente da loja por várias décadas.[21] Mas a maior presença estrangeira em lojas neste período era francesa. Em 1810-14, muitos prisioneiros de guerra franceses foram colocados em liberdade condicional em cidades do interior do sul da Escócia. Aqueles que já eram maçons foram autorizados a ingressar em lojas como a Kelso e muitos novos maçons franceses foram iniciados. Os sentimentos fraternos tornaram-se tensos, no entanto, quando alguns dos prisioneiros franceses começaram a formar suas próprias lojas, sem autorização da Grande Loja, argumentando que suas ações eram perfeitamente justificadas em termos das tradições maçônicas francesas.[22] Mas a presença deles alguns benefícios. Em Kelso, notou-se que os padrões da loja em termos de conversação e canto foram “muito aumentados pelas maneiras educadas e poderes vocais dos irmãos franceses”.[23]

Assim, os inimigos na guerra podiam achar útil serem maçons, os cativos se vendo tratados como irmãos por alguns de seus captores. Um caso em questão é o de um capitão do mar escocês cujo navio foi forçado a desembarcar na costa espanhola. Ele se tornou prisioneiro de guerra, mas quando levado perante Don Antonio de Pizarro, governador de Tarragona, os dois homens se identificaram como maçons. Pizarro então libertou o capitão e sua tripulação e permitiu que navegassem para Gibraltar. Quando a Grande Loja da Escócia soube disso, em 1762, ordenou que todas as lojas escocesas fizessem de Pizarro um membro honorário.[24] É possível que a popularidade da Maçonaria nas forças armadas tenha sido até certo ponto influenciada pela esperança de que, se capturados, os membros pudessem encontrar inimigos que os tratassem como irmãos.

Este incidente de irmandade sobrepujando o dever patriótico levanta a questão de lealdades conflitantes. A Grande Loja decidiu sobre o assunto em 1778. A loja de Kelso teve problemas por excesso de zelo patriótico na guerra contra os colonos americanos. Um grupo de recrutamento entre os Highlanders de Atholl – cujo comandante era um maçom inglês – foi recebido em Kelso pela loja, que marchou em procissão com os soldados e ofereceu a cada novo recruta que se alistou uma recompensa de três guinéus proveniente dos fundos da loja. Denúncias foram feitas à Grande Loja e esta determinou que as recompensas eram uma alienação imprópria dos fundos da loja, desviando-os dos pobres e angustiados. Além disso, tal conduta equivalia a uma ‘prostituição’ da maçonaria. “A Maçonaria é uma Ordem de Paz e considera toda a humanidade como Irmãos Maçons, estejam eles em paz ou em guerra uns com os outros tais como súditos de países em conflito.”[25] Não foi explicado o que na prática isso significava, mas a mensagem parece ter sido que servir nas forças armadas de um país era um dever patriótico, mas a Maçonaria não deveria ser usada para o esforço de guerra. No entanto, em 1797, a Loja St. Andrews concordou em contribuir com dois guinéus para uma subscrição voluntária para a defesa do país por causa da “atual situação alarmante dos assuntos públicos” – outra ameaça de invasão francesa.

Em tempos de crise, as tensões políticas às vezes tendiam a eclodir dentro da Maçonaria e houve poucas crises tão intensas quanto as da década de 1790, desencadeadas pela Revolução Francesa. Em alguns setores, houve entusiasmo inicial por ideias revolucionárias e muitas sociedades e associações políticas radicais surgiram. Em 1791, a Grande Loja ordenou que as lojas não tivessem poder para excluir membros por diferirem da maioria sobre os assuntos políticos de sua cidade ou vila, refletindo disputas nas lojas provinciais.[26] Mas havia temores de que algumas lojas estivessem admitindo radicais ou pelo menos fornecendo-lhes locais de reunião. Em 1793, foi relatado que algumas lojas em Edimburgo e arredores estavam permitindo que os Amigos do Povo se reunissem em suas instalações. Evidentemente, esses radicais estavam realmente sendo iniciados, pois a Grande Loja, ao bani-los, observou que eles não eram homens cuja entrada ajudaria a depositar fundos – eles eram pobres demais para serem maçons, além de tenderem a ser turbulentos e sediciosos. Quatro membros da loja de Edimburgo foram posteriormente suspensos por terem continuado a admitir radicais.[27] Isso era discriminação política – mas, como a Grã-Bretanha e a França revolucionária estavam à beira da guerra, isso poderia ser justificado como lealdade maçônica patriótica ao regime.

A aprovação de uma lei em 1799 que proibia juramentos secretos pode ter parecido ameaçar a maçonaria, mas as lojas maçônicas que já estavam estabelecidas estavam isentas da lei, desde que se registrassem junto às autoridades. Alguns podem temer que as lojas maçônicas abrigassem radicais perigosos, mas muitos nobres e vários membros da família real eram maçons. De fato, o príncipe de Gales era Grão-Mestre da Inglaterra e se tornaria Grão-Mestre da Escócia em 1806. Ter condenado a Maçonaria britânica teria sido um ataque à coroa. O mestre e o primeiro vigilante de uma loja foram, no entanto, julgados por sedição e administração de juramentos ilegais em 1800, embora tenham sido absolvidos. Todo o caso explodiu como resultado de amargas disputas entre alguns maçons de Ayrshire. Um grupo de homens se separou da loja de Maybole e formou uma nova loja. A loja mais antiga alegou então que alguns dos separatistas eram membros de uma organização ilegal, os Irlandeses Unidos, e que na nova loja a Bíblia havia sido substituída por uma cópia dos Direitos do Homem notoriamente revolucionários de Thomas Paine.[28]

O caso foi arquivado, mas alguns anos depois a própria Grande Loja foi dilacerada por divisões políticas. Em 1807, o Dr. John Mitchell, mestre da Loja Caledônia de Edimburgo, propôs uma moção à Grande Loja da Escócia para enviar um discurso ao Rei George III. No contexto de uma crise política da época, o discurso parabenizava implicitamente o rei por demitir um regime Whig e instalar um substituto conservador. A Grande Loja ficou inicialmente dividida. Mitchell perdeu a moção para fazer o discurso – mas apenas por um voto. Ele então liderou a Loja Caledônia de Edimburgo e várias outras lojas em secessão da Grande Loja, dividindo a Maçonaria escocesa entre uma Grande Loja dominada pelos Whigs que defendia a neutralidade política e os Tories separatistas. Somente em 1813 essa secessão foi encerrada.[29]

Podem ter sido as lições derivadas desses eventos que persuadiram a Grande Loja a evitar o envolvimento em um dos debates políticos mais intensos do século, a agitação que levou à grande Lei de Reforma (1832), que buscava ampliar o eleitorado. Um corpo maçônico, o ‘Capítulo do Arco Real dos Maçons’ de Cupar, assumiu uma ação política notavelmente aberta ao fazer uma petição ao parlamento em favor da reforma. [30] Outras lojas se dividiram sobre o assunto. A loja Kelso deixou de se reunir por dez anos.[31] Em Hawick, o número de irmãos presentes em loja caiu drasticamente. Depois que a Lei de Reforma foi aprovada, a loja tinha se juntado a uma procissão triunfante de cerca de mil pessoas, uma demonstração descaradamente política de lealdade aos Whigs. Mas então a loja deixou de se reunir por quase três décadas.[32] Há muitas evidências de que nas elites da sociedade como um todo, a amargura das disputas do Projeto de Lei de Reforma rompeu amizades para toda a vida. Claramente, esse tipo de amargura duradoura estava presente em algumas lojas. Possivelmente, esta é a razão pela qual o número de novas iniciações nas lojas caiu nas décadas de meados do século.

A ameaça estrangeira deveria fornecer uma nova unidade patriótica. Em 1859-60, uma ameaça percebida de invasão francesa levou à criação generalizada de companhias de rifles voluntárias. Um Regimento de Voluntários de Rifle de Edimburgo apareceu e em 1859 foi formada dentro dele a ‘Companhia de Maçons’. Ela se exercitava no Freemason’s Hall e em sua cabeça pavoneava-se o Capitão W. A. Lawrie, Grande Secretário e autor de uma História da Maçonaria e da Grande Loja da Escócia, publicada no mesmo ano. Esta unidade maçônica única das forças armadas ainda existia na década de 1890.

Na Primeira Guerra Mundial, a Maçonaria escocesa limitou oficialmente seu esforço de guerra ao apoio a causas humanitárias, tais como hospitais militares, mas o patriotismo do movimento se intensificou.[33] A guerra levantou questões da natureza internacional da fraternidade maçônica. Em 1916, foi decidido que todos os membros das lojas escocesas que nasceram ou eram cidadãos de nações inimigas não deveriam participar das reuniões de loja.[34] Nisso, a liderança da Grande Loja da Inglaterra foi aceita e o mesmo provavelmente aconteceu na Segunda Guerra Mundial. Mas a situação era complicada pelo fato de que muitos dos nascidos em países inimigos que se tornaram maçons eram refugiados e haviam recebido a nacionalidade britânica. Chegou-se a um compromisso: tais casos devem ser examinados individualmente e a exclusão das lojas não deveria ser automática.[35]

Assim, a política nacional ocasionalmente colidia com a Maçonaria. Muito mais comuns eram as ligações entre as lojas e o governo local. Os exemplos podem ser multiplicados infinitamente, mas apenas três exemplos que demonstram o quão próximos podiam ser esses vínculos serão citados aqui. Em Greenock, na década de 1760, foi decidido construir um prédio da prefeitura. A loja maçônica local contribuiu generosamente – e recebeu o direito de se reunir naquele prédio. Em 1877, após a construção de novos edifícios municipais, o direito da loja de se reunir neles foi aceito e até hoje a Greenock Lodge se reúne no ‘Salão da Prefeitura’.[36] Em Old Aberdeen, no final do século XVIII, um arranjo semelhante viu a corporação mercantil e de ofícios incorporados se juntarem à loja maçônica para construir uma nova prefeitura, um andar da qual era usado pelos ofícios incorporados e outro pela loja. Finalmente, a prefeitura construída em St. Andrews no final do século XIX tem uma pequena passagem ao lado que leva às instalações da loja maçônica incorporadas ao edifício. Esses edifícios indicam uma relação entre a Maçonaria e o governo local que agora seria inaceitável. Parece que os maçons estavam procurando dominar os conselhos, mas os envolvidos teriam visto as coisas de forma diferente. Um senso de dever cívico e o bem público levavam os homens a servir em conselhos e tais valores estavam em sintonia com os ideais maçônicos e o senso de fraternidade. Os maçons se viam (especialmente no final do século XIX e início do século XX) não como pertencentes a uma instituição marginal, mas a uma instituição que estava no centro da sociedade, uma elite de virtude cívica. Eles eram uma força beneficente ansiosa para servir a comunidade.

INICIAÇÕES DA GRANDE LOJA DA ESCÓCIA

Figura 1: Iniciações da Grande Loja da Escócia 1800-2003.

Os registros da Grande Loja da Escócia permitem que os números de iniciados por ano sejam compilados a partir de 1800 (ver Figura l).[37] Os números mostram iniciações entre um e três mil por ano nas três primeiras décadas do século XIX, com um declínio nas décadas de 1830, 1840 e 1850. Considerando que a população total estava crescendo fortemente, os maçons estavam perdendo terreno. Mas então, a partir do final da década de 1850, a tendência foi fortemente ascendente até 1914. De um ou dois mil iniciados por ano, os números subiram para até 13.000 por ano. A Maçonaria estava prosperando e se espalhando e os números sugerem que a Escócia era um país muito mais maçônico do que a Inglaterra. Na década de 1870, por exemplo, a Escócia tinha uma população de cerca de 15% do tamanho da população da Inglaterra e do País de Gales, mas o número de maçons iniciados era superior a 50% do total de iniciados ingleses.[38] Os números de iniciações escocesas não são, no entanto, um guia preciso para se definir o número de maçons realmente na Escócia, pois muitas lojas supervisionadas pela Grande Loja da Escócia estavam sediadas no exterior, espalhadas pelo crescente Império Britânico e a Escócia tinha uma proporção muito maior de lojas no exterior do que a Inglaterra e o País de Gales.[39]

Parece, no entanto, que mesmo depois se fazendo uma concessão para isso, a Maçonaria era cada vez mais popular na Escócia. A Maçonaria crescia entre os ricos dos mundos industrial e comercial, as classes médias e setores das classes trabalhadoras. Mas, como no passado, embora os homens de todas as classes fossem irmãos e “no nível”, na prática, a loja a que um homem se juntava era frequentemente ditada por classe.

O deslocamento dos primeiros anos da Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1916, causou algum declínio nos números, mas então algo notável aconteceu. As iniciações explodiram, chegando a 45.000 por ano em 1919.[40] Parece uma suposição segura que essa grande expansão em números foi em grande parte provocada pelo recrutamento de homens para as forças armadas e por sua subsequente desmobilização. Parece que os homens, separados do lar e da família, enviados a lugares estranhos e desconhecidos entre estranhos, sentiram cada vez mais que a Maçonaria lhes oferecia fraternidade e um senso de identidade nos mundos estranhos em que haviam sido jogados. Também oferecia benefícios para eles caso se ferissem ou para suas famílias caso morressem.

Essa rápida expansão trouxe alegria, mas também preocupações com candidatos inadequados e procedimentos irregulares. Em 1917, uma grande loja provincial relatou que as lojas estavam crescendo a uma “taxa fenomenal”, mas expressou preocupação com a qualidade dos candidatos. Havia necessidade de tomar cuidado para evitar candidatos “contaminados” – e “os candidatos que são admitidos com o objetivo de receber ajuda, em vez de poderem conferir benefícios a seus companheiros, não devem ser encorajados”.[41] Em resposta aos picos de 1918-19, foi introduzido um regulamento de que uma loja não poderia iniciar mais do que sete candidatos em uma única reunião e esta foi considerada uma das razões para a queda nos números anuais que se seguiu. Financeiramente, era tarde demais. Os fundos da Grande Loja para o pagamento de benefícios mostraram-se irremediavelmente inadequados, com muitas reivindicações tendo que ser rejeitadas.[42]

No entanto, pelo menos um oficial da Grande Loja viu números crescentes como o alvorecer de uma nova era. ‘A Maçonaria’, declarou ele, ‘desempenhou um grande papel na guerra. Foi um grande conforto para os que estavam nas trincheiras e para os prisioneiros que encontraram ao lado deles irmãos que os ajudariam em suas horas mais sombrias. Ele se aventurou a pensar que a Maçonaria formaria a espinha dorsal do país. Todos os bons maçons eram bons cidadãos.[43] Claro, essa nação maçônica sonhada não se materializou.

Na década de 1930, o recrutamento caiu para níveis abaixo dos níveis pré-guerra, a depressão econômica e o alto desemprego, sem dúvida, sendo parcialmente responsáveis. Em 1923, os maçons se orgulhavam de lojas que prestavam “serviços esplêndidos para aliviar a angústia causada pelo desemprego”, mas muitos não podiam se dar ao luxo de ingressar ou permanecer ativos no movimento se já fossem maçons.[44] No entanto, Christopher Harvie argumentou que, neste período, a Maçonaria fornecia uma das “poucas áreas de mistura entre classes” na Escócia. Ele comparou esse aspecto da Maçonaria com o papel das organizações de ex-militares, como a Legião Britânica e, de fato, as duas se sobrepunham.[45] Em 1920, um ex-oficial lembrava com melancolia todos os amigos que havia perdido na guerra e como aqueles que viveram sentiram que estavam em uma nova sociedade estranha do pós-guerra:

Meus pensamentos então se voltaram para como nós, que restamos, poderíamos nos manter juntos e lembrar nossos amigos que partiram, e nos aproximarmos aqueles que permaneceram de nossas fileiras em um corpo amigo que não poderia existir em condições militares.

Ele então fundou a Loja Queen’s Edinburgh Rifles (The Royal Scots), no qual oficiais e homens podiam relembrar e recriar a camaradagem das trincheiras.[46]

Na Segunda Guerra Mundial, o padrão da Primeira Guerra Mundial se repetiu, embora em uma escala muito menor. Mais uma vez, a rápida expansão trouxe algumas preocupações e tensões. Na Inglaterra, a Grande Loja estava preocupada com relatos de que muitas iniciações irregulares ou falsas haviam ocorrido nas forças armadas do Egito.[47] A loja de Canongate e Leith, uma das favoritas dos homens que serviam na marinha, interrompeu as iniciações porque estava inundada por petições de adesão.[48] A queda do pós-guerra não foi tão severa quanto após a Primeira Guerra Mundial. O declínio ocorreu, mas mesmo no início dos anos 1980 havia cerca de 8.000 iniciações por ano. O declínio contínuo, no entanto, testemunhou uma queda para cerca de dois a três mil iniciados por ano. A tendência já é de queda há mais de meio século. Obviamente, esta é uma fonte de muita consternação e profunda reflexão entre os maçons, mas uma maneira de colocá-la em perspectiva é compará-la à queda nas frequências aos cultos das igrejas no mesmo período. A sociedade e a cultura mudaram rapidamente, novas formas de socialização, vínculo e entretenimento têm um forte impacto sobre as antigas.

Como foi mostrado, as primeiras lojas recrutavam apenas pedreiros, trabalhadores qualificados, mas com o tempo desenvolveu-se um corpo misto que variava de nobres a trabalhadores qualificados, a mais ampla adesão de qualquer instituição, exceto a Igreja. Mas, embora os pedreiros fossem inundados por homens de outras classes, a Maçonaria escocesa manteve uma forte adesão da classe trabalhadora. Ainda existem lojas com a palavra “operativa” em seus títulos e muitas outras lojas são compostas inteiramente de profissionais do ramo qualificados e “experientes”.

As diferenças entre a Maçonaria escocesa e inglesa nos tempos modernos nunca foram investigadas, mas parece que o elemento da classe trabalhadora na Maçonaria é muito mais forte ao norte da fronteira; e ser maçom na Escócia é consideravelmente mais barato do que no sul, atraindo assim homens com renda mais baixa. Entre as explicações dessa diferença de classe entre as maçonarias estão as diferentes maneiras pelas quais elas evoluíram. Na Escócia, a Maçonaria moderna surgiu diretamente de organizações de trabalhadores, enquanto na Inglaterra as lojas só começaram a aparecer no início do século XVIII e foram em grande parte criadas por homens da classe média que praticamente não tinham vínculos com organizações de trabalhadores.

Os historiadores acadêmicos na Grã-Bretanha têm sido até recentemente muito relutantes em estudar o papel da Maçonaria na cultura e na sociedade – porque eles suspeitam da “maçonaria”, ou porque a grande quantidade de lixo escrito sobre ela os afasta, ou talvez devido a uma tendência de supor que tal movimento “secreto” negará o acesso aos seus arquivos. No entanto, como este artigo demonstra, na Escócia, mais do que em qualquer outro país, a Maçonaria está profundamente enraizada no passado da nação – para o bem ou para o mal. O fato de os acadêmicos terem evitado estudar a história da Maçonaria foi em parte culpa dela mesma. No início do século XX, com jantares aos quais as esposas eram admitidas, procissões públicas e cerimônias de lançamento de pedras fundamentais, a Maçonaria tinha uma face muito pública. Mas com o tempo “a maçonaria” na Grã-Bretanha tornou-se cada vez mais introspectiva, discreta – e secreta. Desconhecem-se as razões para isso, mas é muito provável que uma parte da resposta esteja no período entre guerras, quando a Maçonaria foi atacada pela extrema esquerda e pela extrema direita. Os comunistas a denunciavam porque encorajava a fraternidade entre as divisões de classe, enquanto a luta de classes exigia que as lealdades dos trabalhadores fossem exclusivamente aos companheiros. A extrema direita denunciava os maçons por seus ideais de fraternidade internacional. Como  maçons às vezes me disseram ironicamente, ‘deve haver algo de bom em nós – fomos perseguidos tanto por Hitler quanto por Stalin’. Os ataques políticos podem ter ajudado a levar a Maçonaria a um sigilo quase paranoico – mas esse sigilo levou a uma crescente suspeita do movimento. Nas últimas décadas, a Maçonaria britânica, no entanto, mudou suas políticas e se tornou muito mais receptiva ao interesse externo. Ela aceita a necessidade de uma reforma de relações públicas e historiadores profissionais interessados no passado do movimento provavelmente encontrarão cooperação. Os arquivos estão lá, uma fonte rica, mas negligenciada para o historiador social e cultural.

DAVID STEVENSON 

Notas

[1] David Stevenson é professor emérito de história escocesa na Universidade de Andrews. Uma versão anterior deste artigo foi apresentada ao Centro de Pesquisa em Maçonaria, da Universidade de Sheffield

[2] O material relativo ao período até o início do século XVIII é derivado das seguintes obras: David Stevenson, As Origens da Maçonaria: Século da Escócia 1590-1710 (Cambridge, 1988) e David Stevenson, Os Primeiros Maçons: Escócia Primeiras lojas e seus membros (2ª ed., Edimburgo 2001).

[3] Douglas Knoop e G. P Jones, O maçom escocês e a palavra maçônica (Manchester, 1939), 61-2; R. S. Mylne, Os Mestres Maçons da Coroa da Escócia (Edimburgo, 1893), 93-4

[4] Douglas Knoop, G. P Jones & Douglas Hamer (eds), O Maçônico Primitivo Harry Carr (2ª ed., Manchester, 1963), 32. Ortografia modernizada..

[5] R. F. Gould, História da Maçonaria de Gould, ed. Herbert Poole, 4 vols (Londres, 1951), i. 155.

[6] 5 P Clark, Clubes e Sociedades Britânicas, 1580-1800: As Origens do Mundo Associativo (Oxford, 2000)

[7] Lisa Kahler, ‘A loja de Edimburgo, 1598-1746’, em R. W. Weisberger (ed.), Maçonaria em ambos os lados do Atlântico: Ensaios sobre a Arte nas Ilhas Britânicas, Europa, Estados Unidos e México (Nova York, 2002), 6-31.

[8] St Andrews, Loja de St Andrews, Atas. Sou grato a Mark C. Wallace por esta referência.

[9] W. F. Vernon, História da Maçonaria na Província de Roxburgh, Peebles e Selkirkshire (Londres, 1893), 32.

[10] DM Lyon, História da Loja de Edimburgo (Capela de Maria) nº 1, abrangendo um relato da ascensão e progresso da Maçonaria na Escócia (Edimburgo, 1873; edn tricentenário, 1900), 109.

[11] Lyon, História, 112-13.

[12] Por exemplo, Dunblane em 1716 (Lyon, História, 109).

[13] Vernon, História, 283.

[14] Vernon, História, 2

[15] George Robertson, Descrição Topográfica de Ayrshire (Irvine, 1820), 430. A legislação da década de 1790 levou várias lojas a se registrarem oficialmente como sociedades beneficentes: ver Edimburgo, Registros Nacionais da Escócia, FSl / 10/1; FS1/12/13; FS1/16/38; FS1/17/91.

[16] Vernon, História, 183.

[17] John Weir (ed.), Robert Burns, o Maçom (Edimburgo, 1996), 25

[18] Vernon, História, 231.

[19] R. S. Lindsay, Uma História da Loja Maçônica da casa de Holyrood (St Luke’s), nº 44, 2 vols (Edimburgo, 1935), i. 251.

[20] Lindsay, História, i, 222-3.

[21] John Johnstone, A História da Loja Maçônica Inveraray, nº 50 [nd], 25, 31.

[22] Vernon, História, 46, 69, 201; Lyon, História, 62-3.

[23] Vernon, História, 131.

[24] Lindsay, casa de Holyrood, i. 142-3.

[25] Lyon, História, 89; Vernon, História, 127.

[26] Lindsay, casa de Holyrood, i. 246.

[27][27] Lindsay, casa de Holyrood, i. 2

[28] LD Wartski, ‘O julgamento de Maybole’, Anuário da Grande Loja da Escócia (1985) 69-71; Lyon, História, 324-9.

[29] Gould, História, iii. 267-9; Lyon, História, 285-310.

[30] Diário da Câmara dos Lordes 63 (4 de outubro de 1832).

[31] Vernon, História, 138.

[32] Vernon, História, 204-5.

[33] John Agnew, William Russell e A. N. Maclnnes, História da Província de Dunbartonshire, 1739-1989 (Glasgow, 1991), 43.

[34] O escocês, 5 de maio de 1916, p. 7.

[35] J. W. Stubbs, ‘Os últimos cinquenta anos’, em A. S. Frere (ed.), Grande Loja, 1177-1967 (Oxford, 1967), 182.

[36] H. S. Tibbies, ‘Lodge Greenock Kilwinning No. xii, 1728-2003’, Anuário da Grande Loja da Escócia (2005) 90-107.

[37] Os números do século XIX e do período da Primeira Guerra Mundial estão impressos há muito tempo, mas parecem ter despertado pouco interesse. Veja Lyon, História, 473-4 e Lindsay, Holyrood house, ii. 505. A estes podem agora ser adicionados números para o resto do século XX, que foram compilados por Bob Cooper, Curador da Grande Loja da Escócia. Sou grato a ele por me permitir usar os resultados de seus trabalhos.

[38] Esta generalização é baseada em números fornecidos a mim por Andrew Prescott.

[39] Isso continua sendo verdade hoje. Das lojas sob a jurisdição da Grande Loja Unida da Inglaterra, 9,4% estão no exterior, enquanto 42% das lojas sob a Grande Loja da Escócia estão localizadas no exterior. Veja o Anuário da Grande Loja da Escócia (2005) 36 e, para a Inglaterra, o Diretório de Lojas e Capítulos (2006).

[40] O pico inglês em iniciações veio mais tarde, em 1923, e atingiu apenas 27.000.

[41] Agnew, Russell e Maclnnes, Dunbartonshire,

[42] O escocês, 4 de novembro de 1921.

[43] O escocês, 1º de dezembro de 1920. 294

[44] Agnew, Russell e Maclnnes, Dunbartonshire, 47.

[45] Chistopher Harvie, Sem deuses e poucos heróis preciosos: Escócia, 1914-80 (Edimburgo, 1981), 126. Harvie corajosamente faz uma estimativa do número de maçons na Escócia: 10% da população masculina adulta.

[46] W. Kerr, Rifles de Edimburgo da Rainha da Loja (The Royal Scots), nº 1253. História da Fundação e História Inicial da Loja, http://www.grandlodgescotland. com/index.php?option=com_content&task=view&id= 183&Itemid= 167 (acessado em novembro de 2007).

[47] Stubbs, ‘Os últimos cinquenta anos’, 185-6.

[48] CM Douglas, Uma História de Canongate e Leith, Leith e Canongate, No. 5 (Edimburgo, 1949), 160.