J. Filardo M⸫ I⸫
Reina no Brasil uma grande confusão terminológica envolvendo o Rito Moderno.
De fato, dois ritos diferentes são praticados sob a denominação de Rito Moderno: um deles é o Rito Francês conforme praticado no Grande Oriente de França, e o outro é a versão resultante da Revisão Amiable de 1887 que produziu um ritual enxuto e breve, muito semelhante ao tradicional Rito de São João.
Na França, o Rito Francês surge em 1804 com o Regulateur du Maçon, uma cuidadosa e exaustiva compilação das práticas maçônicas do século XVIII. Era um rito que tinha por espírito preservar os conceitos revolucionários introduzidos pelos ingleses em 1717 quando constituíram a Grande Loja de Londres e Westminster, uma grande loja ilegal, constituída com objetivos políticos e que visava assumir o controle da Maçonaria inglesa fortemente influenciada pelas ideias jacobitas, em franco desafio à coroa hanoveriana.
Vamos lembrar aqui o Artigo Primeiro daquelas Constituições de 1723 da Grande Loja de Londres:
Sobre Deus e Religião
Um Maçom é obrigado, por dever de ofício, a obedecer a Lei Moral; e se ele compreende corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso. Muito embora em tempos antigos os Maçons fossem obrigados em cada país a adotar a religião daquele país ou nação, qualquer que ela fosse, hoje pensa-se mais acertado somente obrigá-los a adotar aquela religião com a qual todos os homens concordam, guardando suas opiniões particulares para si próprio, isto é, serem homens bons e leais, ou homens de honra e honestidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir; por isso a Maçonaria se torna um centro da união e um meio de conciliar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam em perpétua distância.
Esse conceito era contrário ao conceito tradicional dos maçons em que a exigência da crença no deus de abraão e a presença do livro da lei, a bíblia, em loja eram conceitos centrais. Isso gerou enorme reação dos maçons de York e Irlandeses que constituíram a partir de 1731 uma Grande Loja dos Maçons Antigos e Aceitos, que era a verdadeira Grande Loja segundo a tradição.
A Grande Loja de 1717 permaneceu ilegal até 1813 quando o Príncipe Regente do Reino Unido, receoso de que Napoleão aproveitasse a fratura da sociedade inglesa representada pela existência das duas Grandes Lojas, determinou que elas se fundissem, criando a Grande Loja Unida que, essa sim, respeitava a tradição maçônica de pedigree e autoridade herdados da Loja de York.
O que ocorreu foi que a Maçonaria inglesa continuou a se modificar ao longo do Século XVIII até ser fagocitada pela Grande Loja dos Antigos, enquanto a Maçonaria francesa continuou a praticar o rito de 1717, congelado no tempo e espaço.
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A HISTÓRIA DO RITO FRANCÊS
Some-se a isso a delirante imaginação dos franceses e o seu gosto pelos Altos Graus, ao ponto de existirem 81 graus em 1800, graus que foram escritos e depositados em uma “Arca” colocada no centro do templo da Vª Ordem.
Em 1784 a comissão liderada por Roëttiers de Montaleau, apresentou um projeto, votado em 1785 que reorganizava os graus simbólicos e em 1804 publicou-se o Regulateur du Maçon contendo os graus e ordens do rito.
Depois da publicação do Regulateur, os rituais simbólicos do RF sofreram revisões que modificaram o conteúdo inicial, por meio de revisões deístas, introdução de elementos estranhos baseados em esoterismos ocidentais, e desprezo pelos graus compilados por Montaleau, substituídos pelos Altos Graus do REAA. Isso ocorreu diante do aparecimento, ou retorno, do REAA à França onde este começou a “roubar” irmãos do Rito Francês.
O Rito Francês permaneceu nessa situação por cerca de 50 anos, até 1858 quando passou por uma revisão sob o Grão Mestre Principe Murat em que foi introduzida a invocação ao GADU e outros elementos de natureza religiosa e os altos graus do REAA oficializados em substituição das cinco ordens do Rito Moderno.
Essa situação vai durar até 1877 quando se realiza um Convento no qual se define o princípio da Plena Liberdade de Consciência e nos dez anos seguintes o rito passa por uma revisão de uma comissão chefiada pelo advogado Louis Amiable. A ideologia predominante na época era o positivismo, que viria a caracterizar o ritual decorrente dessa reforma.
Nessa revisão, o símbolo GADU foi removido e o ritual simplificado e reduzido a quase uma rotina burocrática, que enfatizava o aspecto racional, com viagens silenciosas, discurso moralizantes e interrogatórios sobre questões sociais.
A Revisão Amiable foi introduzida no Brasil em 1892 pelo decreto nº. 109 de 30/07/1892 do então Grão- Mestre Irmão Antonio Joaquim de Macedo Soares, ou seja, em um momento em que o positivismo estava em seu topo entre os golpistas de 1889. Retornou-se ao Rito de São João (da loja Commercio e Artes) em 1822, só que agora com uma atitude francesa.
Mas, ocorreu com o Rito Moderno brasileiro (versão) Amiable, o mesmo que ocorrera com o Rito Francês em relação ao Craft de 1717. O Rito Moderno Amiable ficou congelado no Brasil, enquanto o Rito Francês (ou Rito dos Modernos) evoluía e se transformava. Na França, o Rito Moderno sofre outra revisão em 1938 (Revisão Groussier) que só entraria em vigor em 1955, e que é basicamente a versão utilizadas atualmente (2024) no GODF.
Nessa altura, em que pese sua origem comum, na prática, o Rito Moderno praticado no Brasil é um rito diferente do Rito Moderno praticado na França. A versão Amiable também seria praticada na Bélgica.
Esse ritual resultante da revisão Amiable é regido pelo SUPREMO CONSELHO DO RITO MODERNO (SCRM) e utilizado por lojas do GOB, do GOSP, algumas lojas da GLESP, enquanto outras potências brasileiras praticam, de fato, o atual Ritual do Rito Francês dos Modernos como se fosse o Rito Moderno Amiable.
Em Portugal, o Rito Francês de inspiração Amiable foi introduzido no Grande Oriente Lusitano em 1897 conforme nos ensina o Irmão Joaquim Grave dos Santos em seu texto publicado na Revista Ágora #3 de outubro de 2024, no qual ele detalha os eventos que culminaram com a adoção dos princípios da revisão Amiable pelo Grande Oriente Lusitano.
Leia sobre isso no link:
A Introdução da Revisão Amiable no Grande Oriente Lusitano Unido – A plena liberdade de consciência importada de França


