Bibliot3ca FERNANDO PESSOA

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Sobre o mito-história da Maçonaria

Tradução J. Filardo

Por Francesco Angioni

É a continuidade histórica entre guildas romanas e medievais e lojas maçônicas, fantasia ou realidade?

O imaginário coletivo maçônico é baseado em duas ilustrações fascinantes da origem das lojas maçônicas: A primeira é uma espécie de milenarismo que atribui uma fratura ou hiato entre a cultura religiosa e a cultura secular, a chamada “secularização” que explicaria o nascimento das lojas maçônicas como produto da secularização da sociedade europeia insular e continental; a segunda é que as próprias lojas são o produto das Universitas [1]medievais. (corporações ou guildas) que por sua vez seriam uma continuação histórica direta dos Collegia romanos  (corporações).

Existem dois níveis de interpretação sobre a semelhança entre os três fenômenos distintos das guildas romanas, as universitas medievais e as lojas maçônicas. Um nível de interpretação é que todos os três têm as características comuns de religiosidade e ocultismo, portanto, de espiritismo tanto em um sentido genérico geral quanto esotérico-iniciático. O outro nível de interpretação que justificaria o primeiro é uma espécie de continuidade histórica entre os três fenômenos, como se estivessem entrelaçados por relações lineares de causa e efeito. A atribuição do termo genérico espiritualidade ou espiritualismo não permite um exame da dinâmica dessa característica e, portanto, não pode ser examinada aqui. O caso das naturezas místico-religiosas e mágicas atribuídas a corporações e lojas é diferente. E isso será discutido mais tarde.

A esta gama de interpretações junta-se uma tese de uma dimensão mais ampla, que é o chamado fenómeno sociocultural da «secularização». Deve-se dizer desde já que essa denominação despertou e ainda desperta muita discussão na esfera historicista, atribuindo diferentes definições e métodos de análise. A tese de certos autores na esfera maçônica é que o estabelecimento e desenvolvimento de lojas modernas a partir do século XVII seria o efeito de um lento processo de secularização que diferenciaria a Idade Média vista como uma era de alta espiritualidade do período pós-renascentista caracterizado por níveis cada vez mais altos de secularização. O complexo problema da secularização, se quisermos adotar essa nomenclatura, exposta nesses termos simplistas, cria perplexidade; de fato, uma velha lógica historiográfica é proposta novamente, de modo que os eventos subsequentes se ligam aos anteriores de forma linear e causalista. Essa lógica esteve na base de certas análises de importantes expoentes do Iluminismo que adotaram os métodos ainda mais antigos de análise historiográfica; no entanto, mesmo assim, eles foram submetidos a severas críticas por estudiosos contemporâneos que negaram a linearidade causalista dos fenômenos históricos, enfatizando uma abordagem diferente[2]. O que é mais impressionante é que aceitar a tese das lojas maçônicas como resultado da secularização minaria os pressupostos da espiritualidade entre as corporações de diferentes épocas e as lojas. O presente ensaio tenta dar respostas críticas a esses problemas.

Em primeiro lugar, deve-se notar que as teses mencionadas acima baseiam-se na ideia da continuidade histórico-cultural das características iniciáticas e esotéricas dos Collegia Romanos, das Universitas medievais  e das modernas Lojas maçônicas. Essa ideia atribui um crisma exclusivo, esotérico-iniciático, às lojas e, em seguida, atribui o mesmo crisma a outros fenômenos sócio-históricos anteriores; em outras palavras, é uma inferência evidente de um evento do presente sobre eventos anteriores, ou seja, as relações de causa e efeito são invertidas. A adesão acrítica de muitos “maçonologistas” ao paradoxal cum hoc vel post hoc, ergo propter hoc [com isso ou depois disso, portanto, devido a isso] parece evidente.

Mito-história da Maçonaria

Na esfera maçônica, o mito-história tem um charme particular e entre as muitas mitologias sobre as origens da Maçonaria moderna, a mais célebre é a de sua derivação direta das guildas medievais. A tese é linear: afirma-se que na época romana as guildas de profissões seguiram em continuidade histórica as medievais e destas nos séculos XVII e XVIII as lojas maçônicas. A hipótese segue uma lógica de “causalidade necessária” precisamente no princípio linear de causa-efeito (as guildas romanas no final deram origem às lojas maçônicas, no mesmo sentido que as lojas maçônicas são a consequência necessária das guildas romanas); uma compreensão da história como um continuum, um desenvolvimento ininterrupto de processos socioculturais onde cada evento é a consequência dos anteriores e a causa dos subsequentes, sem quebras e retornos, vinculando, neste caso, os Collegia às Universitates e às Lojas.

Obviamente, na lógica determinista do cum hoc vel post hoc, ergo propter hoc, um evento que apareceu junto com outro ou posterior deve necessariamente estar causalmente ligado ao anterior; essa construção lógica rigidamente racionalista examina apenas os fatores escolhidos e não todos aqueles que podem contribuir para excluir o nexo causal.

A Maçonaria moderna nos séculos XIX e XX transformou o caráter esotérico em ocultista, privilegiando os aspectos misteriosos, secretos, mágicos e iniciáticos dos esoterismos e atribuindo-lhes um caráter exclusivamente espiritualista, ao contrário dos antigos esoterismos que estavam além do valor espiritualista, ou melhor, teológico, e também uma forma de acessar os mistérios da natureza e do cosmos; uma figura declarativa de que a natureza e o cosmos são regulados por questões metafísicas, mas também leis físicas, para as quais havia esoterismos empíricos e espiritualistas, onde nesses segundos a pesquisa empírica era a base de uma pesquisa metafísica e espiritual. Neste quadro especulativo da Maçonaria neomoderna, desenvolveu-se a tese de atribuir às guildas romanas e medievais propósitos sagrados e religiosos internos e princípios de caráter iniciático e esotérico que justificariam os aspectos iniciáticos e esotéricos das lojas maçônicas. Da lógica anterior da causalidade dos eventos adotamos a lógica anti-histórica do post hoc, ergo ante hoc, o que vem depois justifica o que havia sido antes, eliminando a linha do tempo para a qual paradoxalmente o presente causa o passado.

Sem entrar no mérito de uma crítica precisa a esse pseudo-método historiográfico, a tese da continuidade entre as associações comerciais romanas, as medievais e as lojas maçônicas necessita de um maior aprofundamento das características dos dois primeiros fenômenos que justificariam o terceiro, atentando para a semântica utilizada em diferentes épocas para os três fenômenos. A forma de proceder, típica de uma certa mítico-história maçônica, é uma metodologia antiga usada no início de 1700 por James Anderson quando escreveu a parte “histórica” das Constituições dos Maçons Livres em 1723, posteriormente expandida na edição de 1738. Já no final do século XVIII, o jovem Herder, historiador e maçom, demonstrou a falta de fundamento do método historiográfico causalista e a ideia da história como um progresso linear dos acontecimentos. Os partidários da continuidade histórica e operacional entre as guildas romanas e medievais e as lojas maçônicas dos séculos XVII e XVIII não parecem estar interessados no fato de que essa tese não pode ser comprovada com documentos estabelecidos, uma vez que eles não existem, mas apenas a declaram fideisticamente[3].

Secularização

Sempre na mito-história maçônica aparece um terceiro procedimento, mais metodologicamente correto, mas que ainda no campo historiográfico suscita polêmica por certa indeterminação das definições utilizadas[4]. Alguém avança a tese de que as lojas maçônicas inglesas nasceram como um produto da “secularização” da cultura europeia, distinguindo-se das corporações maçônicas que, em vez disso, eram uma parte íntima de uma cultura religiosa, não secularizada.

A secularização, em extrema síntese, é um processo no qual uma sociedade ou cultura perde suas conotações religiosas ou confessionais com a consequência da separação das instituições sociais e estatais das religiosas, influenciando os processos culturais dos povos e nações. Em outras palavras, um lento desdobramento de eventos em que as instituições civis e a cultura de uma sociedade se sobrepõem a formas de secularismo que separam o mundo religioso do profano. Tal processo é objeto de muitas discussões entre historiadores que ainda não esclareceram definitivamente o conceito de “secularização”, mas também porque a definição de secularização foi atribuída a um conjunto de eventos de grande complexidade que os historiadores sozinhos, sem a contribuição de outras disciplinas humanísticas e sociais, dificilmente podem resolver senão em aspectos isolados.

O termo secularização, portanto, parece mais o título de um modelo interpretativo de fenômenos particulares do que uma teoria capaz de explicar o desenrolar de um processo histórico-cultural que durou mais de mil anos para todo o mundo ocidental[5]. Olhando mais de perto, o termo “secularização” pode ser enganoso ou, pelo menos, deve ser usado quando se limita à condição em que a nação e o Estado passam da condição “confessional” para a condição “não confessional”. A questão é mais complexa, no sentido de que os processos estruturais da sociedade não abandonam a “religiosidade”, mas é a “sacralidade” que retira de seu valor abrangente, um valor que deu sentido a toda forma de organização social. Em vez de secularização, deve-se falar de uma crise do sistema de religiosidade totalizante, o que Hans Blumenberg chama de “absolutismo teológico”. Esse sistema permeou os séculos da Idade Média à Reforma e terminou formalmente com a Revolução Francesa, então pode-se dizer que o século XVIII  e especialmente o século XIX  foram os séculos da “grande secularização”. Em conclusão, a lógica do post hoc, ergo ante hoc é apresentada novamente, segundo a qual uma secularização iniciada em um determinado século é creditada aos séculos anteriores.

Secularização e laicização

Os processos de secularização, de fato, não significam a abdicação de formas institucionais religiosas (igrejas, cultos, preceitos e dogmas, crenças), estas permanecem bem presentes combatendo qualquer manifestação sociocultural contrária com todos os instrumentos. Do outro lado da barricada estão os processos de produção que é difícil rastrear até padrões de secularização, sendo eles (seculares) por natureza. A lógica da Maçonaria moderna como consequência (sic) da secularização parte do preconceito de que os processos de produção medievais na era do “absolutismo teológico”[6] estavam imbuídos de espiritualismo sem considerar que, se uma instituição religiosa pode se secularizar, é difícil reverter o processo em que uma instituição secular se “espiritualiza” perdendo suas conotações seculares[7]. Essa consideração da espiritualização das guildas romanas e medievais promovida por uma certa publicidade maçônica provavelmente deriva de uma leitura superficial de aspectos culturais específicos da Idade Média, quando a única classe culta, os clérigos com Tomás de Aquino à frente, retomaram o “desprezo pela concretude” das figuras platônicas[8], ligando economia e [9] moralidade. Estritamente falando, o caráter de religiosidade e fraternidade mais acentuado do que econômico[10], pertencia antes às guildas gregas da era clássica[11].

Numa posição mais mediada, Max Weber situa os processos de secularização do mundo ocidental dentro de uma inelutável «racionalização» totalizante, um «destino do Ocidente» predestinado e de raízes antigas, num amplo caminho histórico-religioso de «desencantamento do mundo» que rejeita «todos os métodos mágico-sacrais de busca da salvação»[12]. A «racionalização» werberiana poderia corresponder ao processo de organização lógico-racional da sociedade institucional e os «métodos mágico-sacrais» à sacralidade totalizante das sociedades primitivas, enquanto o «desencanto» é precisamente o abandono do sentido do sagrado para o sentido religioso institucionalizado ou, se desejado, a perda do encantamento aristotélico perante o cosmos com a busca das leis que o regulam.

Mais concretamente, o raciocínio de Weber deve ser entendido em um processo de laicização e não de secularização. A distinção entre «secularização» e «laicização» é, portanto, de alguma importância. O primeiro termo, como já mencionado, é relativo àqueles processos socioculturais em que a perda do sentido do sagrado não implica necessariamente a eliminação das formas religiosas que permanecem ligadas às formas mais especificamente sociais, atribuindo sincreticamente uma vontade divina ao poder civil superior, enquanto o segundo termo define o descolamento do sentido das formas sagradas e religiosas das formas institucionais da sociedade,  isto é, quando as instituições sociais retiram de suas características constituintes qualquer referência ou aspecto religioso ou mágico-sacral. Mais precisamente, a sociedade seculariza as instituições e, mudando o significado da palavra sagrado, atribui às instituições um valor sagrado desprovido de qualquer sentido e significado metafísico, uma sacralidade de significado apenas civil.

Se realmente queremos falar de secularização, isso tem algum sentido para as guildas de comerciantes e, antes disso, para as realidades associativas nas sociedades nórdicas com costumes antigos, mesmo pré-cristãos, associações de fraternidade que tinham um caráter mais marcadamente espiritualista e religioso. No que diz respeito às guildas de comércio, ao contrário, as formulações ritualísticas, comuns a todas as manifestações públicas tanto na época romana quanto na medieval, não assumiram um caráter que as identificasse como associações religiosas ou pararreligiosas e, portanto, é difícil falar de secularização, uma vez que as guildas desde o seu surgimento eram substancialmente seculares em sua natureza e sem funções espiritualistas. Concretamente, desde os tempos dos gregos e latinos, as guildas não abandonaram o sentido religioso, mas perderam o sentido sagrado de seu trabalho; a sacralidade havia sido reduzida a formas cerimoniais, portanto, não era o sagrado que as definia como uma obra de valor sobre-humano. Essa perda ocorreu muito antes na história da humanidade, foi perdida quando os processos de socialização e organização social (o sentimento de pertencimento a uma comunidade e suas formas organizacionais) se tornaram mais complexos, tornaram-se “civilizados” de comunidades tribais para comunidades regionais e nacionais.

Nas comunidades tribais ou de clãs, aquelas ainda não organizadas em estruturas institucionais geopolíticas mais amplas, o social era identificado com o religioso no esquema do “religioso-social” e a expectativa humana configurou toda atividade em um sentido sagrado, no sentido de que os fenômenos religiosos ou de fé juntamente com os aspectos sociais, individuais e grupais, se fundiram em um “sagrado absoluto” e, consequentemente, todo fenômeno social foi caracterizado pela cerimonialidade e ritualidade que davam seu significado sagrado. O Absoluto Sagrado naquelas épocas era identificado com um “Absoluto Espiritual”. Quanto mais as comunidades se estabeleciam em formas sedentárias, mais elas se expandiam e se organizavam institucionalmente, mais a religião era ordenada em estruturas e o sistema social era dessacralizado; passou para o “social-religioso”, onde as expectativas que escapavam ao sagrado eram transferidas para o nível social, enquanto o religioso foi preservado sob as formas de prática institucionalizada, criando hierarquias religiosas e diferentes cultos.

Assim, esquematicamente, o processo gradual de “dessacralização” desenvolveu-se em uma condição em que o social e o religioso juntos constituíam um “teológico absoluto” onde toda a sociedade e suas instituições eram permeadas por essa religiosidade absoluta para a qual o teologal também ditava as regras sociais e condicionava as institucionais que desenvolviam seus próprios rituais e cerimônias agora desprovidas de sacralidade, mesmo que com religiosidade formal; isso, no entanto, não pode ser definido como “absoluto espiritual”, uma vez que as estruturas sociais de um tipo comercial, militar e, de certa forma, de poder, não são caracterizadas por seu valor espiritual e não produzem em si mesmas um senso de espiritualidade.

Finalmente, no início do século XIX, chegamos à fase de separação entre a religiosidade social institucionalizada e a religiosidade institucionalizada, o chamado “absoluto secular” em que o civil e o religioso se separam com possíveis antagonismos recíprocos. O sentido religioso nos termos de “absoluto teológico” permeou a história europeia desde a Idade Média até o final do século XVIII, quando começou a ruptura do pacto entre Estado e Igreja e as primeiras formas de Estado laico e não confessional foram experimentadas. Causa e consequência em um nível cultural foi o questionamento da moralidade como o único e universal sistema de comportamento religioso; um processo que se tornou evidente na segunda metade do século XVII e na seguinte nos países europeus com um fermento inovador generalizado na relação entre pessoa, Estado e religião, um processo que Hegel formalizou com a distinção entre moral e ética.

Voltando à tese das lojas maçônicas como produto da secularização do mundo ocidental, a afirmação é muito geral para ter um valor explicativo, além disso, muitas coisas são tomadas como certas de que, em vez disso, deveriam ser avaliadas individual e criticamente. Aceitando essa tese acriticamente, a consequência da afirmação seria que as lojas do final do século XVII e início do século XVIII eram formas de secularização de um fenômeno anterior, o das guildas medievais que por sua vez teriam sido expressões de uma realidade socioeconômica caracterizada pelo religioso-espiritualista, nem secularizado nem laicizado. Como consequência lógica das nascentes lojas maçônicas, portanto, faltaria o sentido espiritual que teria caracterizado as guildas romanas e medievais. Em outras palavras, de acordo com essa tese, a conexão com o mundo do sagrado e com o senso de espiritualidade estaria ausente e a Maçonaria seria um reflexo da dessacralização e secularização da sociedade, como se dissesse que as lojas são uma expressão plena da cultura dessacralizada dominante e das mudanças secularizadas que ocorrem na sociedade.

Do ponto de vista formal, essa ideia tem alguma sugestão e confiabilidade. Deve-se considerar, de fato, que as lojas do século XVII, embora secretas e bem separadas da sociedade civil, eram, no entanto, compostas por homens bem inseridos na realidade sociocultural da época e que não estavam imunes a esse processo de secularização. A questão, no entanto, não é colocada pelos defensores da ideia de secularização maçônica nesses termos, eles fazem dela um processo que durou vários séculos, um processo que os historiadores ainda não resolveram por causa dos problemas mencionados acima e sua ideia é que existe um processo causalista-linear na história das sociedades ocidentais. A ideia provavelmente vem de uma suposição acrítica da filosofia do Iluminismo e também da tradição anterior, especialmente da igreja cristã, que efetivamente colocou a história humana como um processo linear-causalista progressivo, uma visão historicista que maçons como Herder e muitos outros contestaram.

Uma análise mais cuidadosa e menos preconceituosa mostra que os homens que constituíram as primeiras lojas no final do século XVII e início do século XVIII eram homens que perseguiam os ideais de uma cultura “laicizada” que se desenvolvia em seu tempo e que queriam constituir uma nova realidade mais moderna com regras absolutamente inovadoras, cujas referências a fenômenos culturais e a uma realidade social de outros tempos (corporações medievais) tinham apenas valor ideal e alegórico. Vejamos então o que foram as três instituições responsáveis pela construção de edifícios civis e religiosos na realidade histórica.

Collegia Romana

Em certas publicações maçônicas, as primeiras formas romanas de cooperação de trabalho são carregadas de manifestações de esoterismo e ritualismo iniciático que continuariam na história nas corporações e corporações medievais, também permeadas de esoterismo e práticas iniciáticas, até a maçonaria moderna, decretando uma espécie de continuidade espiritualista-misteriosa. Conforme foi dito, as associações comerciais romanas não eram chamadas de corporações, mas Collegia ou mesmo corpora opificum quando recebiam reconhecimento legal[13]. Cada organização comunitária era um Collegium e, de fato, também as organizações religiosas dos Pontífices, dos Augúrios, dos Fetiales, dos Luperci, dos Arvales, dos Salii, das Vestales eram Collegia[14]. Estes Collegia religiosos  tinham laços estreitos com a vida civil e política, prefigurando as primeiras formas da mencionada teologia absoluta. No entanto, deve-se notar que a escolha dos membros era feita de forma não iniciática, mas de cerimonialidade religiosa e civil juntas.

De outro aspecto eram as religiões misteriosas-iniciáticas que foram cultivadas fora das cerimônias cívicas religiosas, como as religiões de Elêusis, Dionisíaca, Órfica, Sabatiana e Cabyric e, em tempos mais avançados, as religiões mitraica e ática e outras de derivação egípcia e persa[15] . Estas religiões, precisamente por causa de seu caráter iniciático, não podiam ser professadas em condições sociais e econômicas, políticas e culturais abertas ao profano[16] e, portanto, nem mesmo em corporações. Isso não diminui o fato de que as formas de tradição religiosa antiga estavam presentes nas classes sociais menos cultas, mas eram aceitas mais como formas de vida associativa do que reservada. Além disso, a expansão das conquistas romanas trouxe cultos exóticos que despertaram emoções e curiosidade, especialmente durante a decadência do império, estabelecendo uma fronteira clara entre a piedade popular e as classes mais cultas[17], cultos que no povo muitas vezes assumiam formas orgiásticas-entusiásticas, como nos cultos com a forte poluição oriental de Dionísio e Cibele, que no entanto em círculos estreitos tinham rituais iniciático-misteriosos[18]. Deve-se notar também que os cultos religiosos, mesmo os misteriosos, foram simplificados e tornados acessíveis ao povo, ao contrário das formas mais iniciáticas, reservadas a alguns eleitos[19]. As informações sobre os Collegia e Corpora  romanos (colégios e associações comerciais) são raras no período republicano e mais numerosas no período imperial; consistem principalmente em inscrições (196 são conhecidas no total) e algumas referências de Tito Lívio, Tácito[20], Cícero, Plínio e outros menores e, mais tarde, no período imperial tardio por muitos juristas que lidaram com questões conflituosas entre o Estado e os Collegia ou a definição de seus Regulamentos internos. Esses documentos tratam quase sempre da relação entre o Collegia e o Estado, especialmente o fabrorum, que era o mais representativo, reunindo as mais diversas atividades manufatureiras, a organização administrativa e as funções públicas que tinham de desempenhar, as obrigações estatais e os privilégios fiscais reservados apenas aos fabricantes (sed artificium dumtaxat). O que os caracterizava em relação à sociedade e às autoridades civis era seu caráter de ópera publicis utilitatibus necessária, sem a qual não eram reconhecidos e não podiam operar[21]. Os Collegia eram, no entanto, de três tipos diferentes: profissionais, religiosos e administrativo-governamentais e sua participação não era ocasional, mas implicava continuidade. Segundo Plutarco[22], houve o reconhecimento oficial do Collegia opificum desde a época real para as profissões de carpinteiros, oleiros, padeiros, sapateiros, tintureiros, caldeireiros, ourives e flautistas. De acordo com o jurisconsulto Gaio, os Collegia já estavam presentes nos gregos que os chamavam de ἑταιρείαν (etaireìan) entendidos como associações políticas e também comerciais, caracterizadas pela solidariedade entre seus membros. A Collegia structorum (associações de construtores) reuniu uma variedade de profissionais, como os arcuarii, que se especializaram na construção de abóbadas envolvendo complexas estruturas de suporte de madeira. O mesmo trabalho em pedra exigia diferentes habilidades profissionais, para as quais existiam os Collegia de lapidarii, marmorarii, quadratarii . Isso não era diferente do caso da siderurgia, que incluía ferrarii, clavarii, tignarii, legnarii, centonarii, rectores materiarum[23]. Os Collegia nos tempos republicanos e imperiais não eram associações voluntárias, mas constituídas por lei senatorial ou imperial e às quais era obrigatório aderir, se você quisesse operar, tinha que ser membro. Essas associações profissionais receberam, em troca de uma corvéia de utilidade pública[24], privilégios especiais como isenção de certas obrigações públicas, serviço militar e impostos extraordinários. A regulamentação das relações entre o Estado e os Collegia foi bem definida no Império Bizantino e nas regiões itálicas sob seu domínio até o século IX[25]. Alguns autores latinos relatam que o Collegium fabrorum tinha Jano como seu corpo protetor e que sacrifícios foram feitos a ele. Isso não é surpreendente, a prática de se referir a alguma divindade ou divindade foi muito difundida nas atividades sociais e econômicas em todos os períodos da cultura romana e posterior[26]. O Collegium fabri tignari (guilda de construtores e carpinteiros) destacou-se entre os outros porque orgulhosamente reivindicou seu altar sacrificial com as ferramentas de sua arte[27] , mas apenas como um logotipo ou marcas registradas de sua atividade, eram “sinais” (no sentido linguístico) ou emblemas e não símbolos; uma espécie de marca registrada no sentido moderno. Os Collegia de Empresários não eram organizações religiosas ou sagradas, mas profissionais, autorizadas e controladas pelas autoridades civis[28]. Plínio é conhecido por ter escrito sobre o debate senatorial de instituendo collegium frabrorum[29] demonstrando que a criação de um Collegium não ocorreu espontaneamente, mas foi concedida a um grupo de empresários que queriam estabelecer uma relação econômico-financeira e fiscal com o Estado (res publica).[30]

Carrié diz: “à l’époque tardive tout les membres d’une profession faisaient ipso facto partie du collège correspondant» [naquela época, todos os membros de uma profissão faziam parte ipso facto do respectivo colegiado][31]. Este ipso facto, no sentido de automatismo, documentaria que mesmo no final do Império os Collegia não tinham uma lógica constitutiva iniciática, mas entravam por direito/dever de direito e os que eram membros eram chamados  de co-ptarius, aceitos pelos membros do Collegium com a fórmula de recipere in Collegium.

Havia, no entanto, Collegia não reconhecidos  com valor religioso e solidário, como o Collegia funeraticia, que tratava de funerais de alto valor sagrado. Daí derivaram provavelmente certas formas medievais de associação e solidariedade, as chamadas “confrarias”. No que diz respeito aos Collegia profissionais  na época republicana e imperial, a informação, que só pode ser deduzida de Lívio e Cícero, não fala de práticas esotéricas, misteriosas ou outras, nem que a admissão e organização dos pontífices era de tipo iniciático; os dois autores citam apenas algumas regras administrativas

Uma lista completa das guildas romanas é dada por Waltzing JP em seu monumental Étude historique sur le corporations professionelles chez le Romains I-IV, Lovain, 1895-1900. O autor enumera quarenta e cinco diferentes corporações gregas e latinas; estudos epigráficos mais recentes identificaram outros, a esse respeito podemos ver Epigrafia e território, política e società: temi di antichità romane, Edipuglia, 1994, de Marcella Chelotti. O texto de Cameron Hawkins Roman Artisans and the Urban Economy, Cambridge University Press, 2016, também é relevante para as corporações romanas.

O conceito de utilidade pública (utilitas publica) era entendido de forma bastante ampla pelos romanos, de modo que o Collegium Centonariorum, uma guilda de fabricantes de tecidos, também era de utilidade pública em todos os sentidos.

Recorde-se que em Bizâncio Leão VI, o Sábio (866-912), com o “Livro do Prefeito”, regulamentou a atividade e a organização interna das associações comerciais chamadas πολιτικά σωματεῖα (politicà somateìa) ou συστήματα (sustémata), de modo que as atividades artesanais foram reunidas em associações e a admissão de novos artesãos estava sob controle e aceitação dos funcionários públicos.

Para sua eleição, a composição do conselho e pouco mais que isso[32]. Plínio afirma que o Collegium dos Pontífices tinha apenas funções públicas religiosas e não administrativas.[33], e que essas funções eram de preservação ciumenta da religiosidade tradicional,[34] mas não se sabe mais. Em suma, as corporações da época romana eram formadas por empresários para negociar seus interesses perante as autoridades e usavam técnicas profissionais sofisticadas que nada tinham de esotérico e eram de fato conhecidas e aplicadas em todo o Império.[35] Por uma série de razões óbvias, não havia necessidade de manter em segredo o conhecimento e as técnicas de construção possuídos pelo Collegia structorum[36]; o que era necessário na Idade Média, quando esses conhecimentos e técnicas foram perdidos coletivamente e foram retrabalhados apenas por aqueles que tinham as habilidades intelectuais e culturais e as disponibilizaram para organizações dispostas a pagar por esse conhecimento. Nesta última época, a economia estava sem controle estatal e a competição entre as corporações era muito viva e era conveniente manter o “segredo industrial” para obter pedidos. É sabido que era costume e norma peremptória das guildas que ao final das obras todos os documentos fossem destruídos, provavelmente para evitar que outras guildas concorrentes pudessem copiar os métodos de construção e, de fato, esse monopólio técnico-projetual[37] foi defendido com pactos internos de sigilo. Aliás, é curioso notar que a prática de destruir documentos foi retomada pelas primeiras lojas maçônicas, que ao final do trabalho eliminavam qualquer vestígio do que pertencia aos rituais, evitando cuidadosamente que vazassem informações sobre o que estava acontecendo na loja maçônica. Mas isso certamente não justifica uma continuidade histórica entre o presente e o passado.

Além dos Collegia religiosos ou políticos, os Collegia e Corpi com caráter econômico-produtivo nessa função pública, secular e econômica não diferiam das guildas e corporações medievais, no sentido de que na Idade Média a tradição organizacional e profissional romana foi continuada para fins econômicos e não para tradição religiosa ou iniciática ou esotérica. Rituais e cerimônias de natureza civil e política respondiam à religiosidade generalizada da época e com não pouca indiferença esses métodos religiosos eram usados para uma melhor apropriação do consenso social para fins políticos diretos, na verdade as guildas estavam ligadas aos potentados políticos e religiosos que asseguravam as comissões.

Às vezes afirmava-se que os construtores romanos possuíam conhecimento esotérico, como o conhecimento pitagórico. As teses elaboradas por Pitágoras e seus discípulos e por toda a cultura aritmética e geométrica da antiguidade eram conhecimentos desenvolvidos por uma elite pertencente a uma academia de tipo especulativo, semelhante à platônica ou aristotélica, com mais cientificidade[38]. Tal conhecimento foi rapidamente conhecido por todos e aplicado pelos romanos por sua funcionalidade técnica e certamente não por seu “valor” esotérico. A construção de uma ponte, um circo ou uma domus não cumpria propósitos esotéricos e a presença de quaisquer afrescos ou estátuas de apelo esotérico não justificava a construção em si nem a operacionalidade de quem os construiu, mas as necessidades culturais e religiosas do cliente. As cerimónias ligadas à construção de circos, termas, pontes ou aquedutos eram rituais sociais com uma forte dimensão política validada ainda mais pelas cerimónias religiosas, tal como os seus propósitos de construção. No caso dos templos, como para todos os edifícios religiosos em todos os lugares e sempre, as condições eram diferentes, mas o possível modo esotérico era reservado para o cliente e o próprio edifício e não atribuível à construtora.

Os princípios aritmético-geométricos da construção eram conhecidos por muitas pessoas que trocavam esse conhecimento e, de fato, as técnicas de construção de um povo rapidamente passavam para outro sem rituais especiais. As obras de construção civil e religiosa dos romanos espalharam esse conhecimento tecnológico por toda a Europa romanizada e em outros lugares. Claro que não eram conhecimentos “populares”, mas uma formação científica e cultural de especialistas e técnicos de alta cultura, ou seja, não eram reservados para mágicos, esoteristas ou iniciados. Os romanos elaboraram de forma autônoma algumas técnicas de construção, como o arco e a abóbada, desconhecidas dos construtores anteriores e essa elaboração veio do aprofundamento criativo das técnicas aprendidas principalmente com os etruscos, os gregos, os egípcios e outras populações do Oriente Médio e é difícil representar o arco ou a abóbada como uma elaboração do pensamento iniciático-esotérico. O fato de certas elaborações “científicas” terem sido desenvolvidas por comunidades reservadas a especialistas, eruditos em campos particulares, como as academias gregas, helênicas ou itálicas, não torna ipso facto esse conhecimento como iniciático-esotérico.

Em última análise, os Colégios eram estruturas econômicas “seculares” em um mundo não secularizado; um mundo impregnado de religiosidade, mas que, como em qualquer realidade social, também apresentava aspectos puramente seculares e se nesses aspectos havia valores ritualísticos e cerimoniais, estes não são necessariamente definíveis como iniciáticos ou esotéricos. Qualquer afirmação sobre o caráter esotérico-iniciático das guildas romanas é uma interpretação exagerada baseada na fantasia, a fim de criar um mitologema[39] em termos de cum hoc vel post hoc, ergo propter hoc.

As Universidades Medievais

A dissolução estatal do Império Romano foi também a dissolução jurídica das instituições após a mudança radical na economia europeia e não europeia.

A economia imperial romana, que se baseava principalmente na guerra e na conquista, entrou em colapso. Nada permaneceu o mesmo de antes, o jus romanum foi adaptado às peculiaridades dos novos conquistadores, principalmente dos imperadores de origem não latina, e às suas tradições culturais, mesmo que permanecesse em seus fundamentos, de modo que as realidades sociais cotidianas foram emprestadas de diferentes formas jurisprudenciais. As comunidades de pessoas com a mesma profissão (os Collegia) não podiam ser substituídas por instituições sociais economicamente diferentes; o momento histórico não permitia saltos ideológicos, econômicos ou operacionais. Em um período de grave crise econômica, quando o ouro não era mais a moeda de troca[40] , quando o comércio internacional entrou em colapso devido à falta de uma organização estatal que o controlasse e administrasse, quando as cidades foram drasticamente reduzido de cerca de dois mil na época romana a aldeias de dezenas de famílias, tudo foi organizado seguindo os costumes locais do passado[41]. A única possibilidade de uma nova economia manter certa solidez era representada pelas Universitates (personarum)[42], estruturas que progressivamente se auto-autonomizavam dos poderes locais, assegurando aos seus associados formas de solidariedade e controle da exclusividade do conhecimento tecnológico, ao contrário de antes, quando as inovações tecnológicas passavam de um lado do Império para o outro. A quebra do poder estatal e institucional do império mudou o cenário.

As invasões bárbaras trouxeram novas formas de associacionismo baseadas na “irmandade” caracterizadas por diferentes critérios que não eram os de parentesco ou descendência; eram as “associações voluntárias e livres” que Gierke chamou  de Genossenschaften[43] da genuína lei germânica, distinguidas por funções religiosas e civis. Para alguns historiadores, as guildas que surgiram nas aglomerações urbanas do início da Idade Média contribuíram para o desenvolvimento dessas aglomerações na cidade, assumindo assim também um certo caráter político devido aos privilégios que obtiveram das autoridades civis; especialmente na Inglaterra, esse processo foi de considerável importância[44]. O poder político das guildas tornou-se tão forte que, no século XV, em Münster, nenhum membro da guilda podia ser preso sem a permissão das guildas e, especialmente na Itália, esse poder era muito forte, mas também na Inglaterra sob Eduardo II, a ponto de haver rebeliões de pequenas burguesias contra as guildas de comerciantes que governavam os cidadãos mais pobres e impunham impostos exorbitantes[45]; essa condição de poder de governo,  que se baseava no reconhecimento religioso[46], também estava presente na França[47].

A partir do século XI, as novas guildas recuaram para a defesa de seu know-how (conhecimento técnico) do comércio. O desenvolvimento tecnológico, a princípio generalizado e público, tornou-se posse privada dentro de categorias profissionais cada vez mais exclusivas e em forte concorrência entre si. As guildas conseguiram preservar o princípio presente na legislação do Império Romano de que ninguém poderia exercer qualquer atividade não agrícola sem ser membro de uma guilda, direcionada a atividades comerciais, ou de uma corporação, diretamente dedicada a atividades produtivas/manufatureiras. As inovações científico-tecnológicas não eram divulgadas, permaneceram patrimônio exclusivo das profissões avulsas, um capital intelectual protegido com mecanismos coercitivos em nada diferente dos segredos industriais atuais que exigem que a administração e os trabalhadores não divulguem os processos produtivos à concorrência.

Desta forma, a restrição de sigilo garantia que as guildas medievais pudessem competir com outras guildas no mesmo comércio. Qualquer processo de produção inovador que envolvesse uma aquisição maior e mais fácil de encomendas tinha de permanecer dentro das hierarquias operacionais mais elevadas. Isso deu origem a mecanismos de aceitação de novos comerciantes em bases ritualísticas e cerimoniais que determinaram diferenciações de nível profissional bem articuladas com uma progressividade cognitiva cada vez mais sofisticada e reservada do comércio. Viva e sem respeito foi a luta pela aquisição de encomendas importantes, como a construção de edifícios civis ou religiosos sofisticados e imponentes. Não há informações históricas sobre as manobras da chamada espionagem industrial, que provavelmente era muito dinâmica e isso poderia ser interrompido impondo com métodos rituais a não divulgação de tecnologias e conhecimentos que poderiam ser adquiridos durante o trabalho.

O discurso sobre o sigilo das técnicas de construção (ainda não havia um corpus teórico como engenharia ou arquitetura no sentido moderno) parece mais um formalismo do que uma realidade operativa, na verdade um bom construtor ou artesão que havia terminado seu trabalho e queria se mudar para uma corporação em outra região ou nação não precisava de nenhum sinal ou gesto particular para reconhecer suas habilidades profissionais e estas agora eram suas habilidades pessoais, uma herança que ele não podia ignorar. Tais sinais e gestos tinham mais um significado cerimonial do que iniciático, uma espécie de gestual e verbal profissional certificado[48].

Os rituais dentro da corporação para garantir a solidez da própria corporação tinham que ter formulações de indiscutibilidade que apenas sua “sacralização leiga” poderia garantir, no entanto, no clima cultural de absolutidade teológica, a melhor sinecura era encobrir tais rituais de religiosidade. A nível pessoal, entrar na corporação como uma pessoa com bom potencial profissional significava um desenvolvimento profissional de outra forma inatingível, pelo que era um momento muito importante para quem queria adquirir um conhecimento técnico e para a própria organização que também tinha o bom senso de aumentar e estabilizar o seu capital humano. Conforme foi dito, o sistema corporativo era garantido por um sistema legal local e/ou nacional que, sob pressão das próprias corporações e guildas, não permitia que operassem a menos que pertencessem a uma associação comercial, assumindo os ditames originais do ius romanum.

Até que a situação econômica e produtiva experimentasse uma fase de estagnação com níveis modestos de estagflação, as corporações foram autorizadas a operar de forma bastante estável; na realidade, a situação dos processos sociais de produção estava longe de ser sólida. A permanência das condições sócio-produtivas era, na verdade, apenas a expressão de uma rigidez artificial baseada na força dos mais poderosos sobre os mais fracos. As guildas e corporações eram as forças poderosas que dominavam a estrutura econômico-produtiva, verdadeiros lobbies da época, com os quais até mesmo os poderes estatais e institucionais tinham que chegar a um acordo. Elas tiveram o efeito positivo de tornar contínuas as atividades produtivas e toda a economia, mas ao mesmo tempo a rigidez técnico-econômica nos aspectos estruturais e superestruturais dessas associações não pôde responder com a flexibilidade necessária às mudanças nas sociedades e nas instituições jurídicas e governamentais. Finalmente, eles eram um fenômeno de rigidez dentro de uma realidade extremamente mutável. O fato de as corporações estarem intimamente ligadas às instituições políticas municipais e nacionais não é simplisticamente justificável com base no fato de que as próprias corporações eram flexíveis em suas negociações[49], mas sim a relação necessária entre estrutura econômica e superestrutura política. Uma relação que viu os poderes políticos, ligados às corporações, desistirem de intervir nos assuntos internos das próprias corporações, ao contrário da época romana, quando as corporações estavam sob o controle das leis e da jurisprudência do Estado. Nesse relacionamento, no entanto, quando o poder civil assumiu importância primordial, como em situações de poder municipal, que também era capaz de se opor ao poder imperial, as corporações estavam sujeitas às leis e à jurisprudência ditadas pelo poder político[50].

No entanto, deve-se notar que dentro dessa “rigidez” estrutural, as guildas expressaram, após o século X, muitas inovações tecnológicas e organização produtiva[51] em comparação com o período da Alta Idade Média, política, econômica e legislativamente devastada pelas invasões bárbaras.

Para compreender este fenómeno das corporações comerciais, é preciso recuar no tempo, até ao fim do Império Romano, quando o valor da moeda, da economia e da indústria entrou em colapso, por um lado, e quando, por outro, o sistema de valores religiosos latinos teve de dar lugar a culturas e religiões do nordeste europeu, do helenístico e do Médio Oriente. A economia imperial tardia, com os enormes territórios conquistados, ainda se baseava na grande massa de escravos que sustentavam a agricultura, a manufatura e a indústria; uma quantidade tão grande que o preço dos escravos estava ao alcance de quase todos os homens livres e até mesmo os libertos, escravos libertos, podiam comprar alguns[52]. Nessa época, os escravos eram quase todos bárbaros de regiões do cinturão extremo do império e nem mesmo as teologias humanitárias do neocristianismo greco-latino questionavam a necessidade da escravidão. 

Sabe-se que entre os Collegia do Império Romano e as primeiras formas de associações artesanais medievais existe um hiato de quase cinco séculos. O colapso do império e de seu sistema econômico remonta ao século V[53], mas as crises também foram anteriores, e os Collegia em tais condições não podiam mais operar. As primeiras guildas comerciais (Universitates) começaram entre o final do século X e o início do século XI, quando a economia geral começou a se recuperar e o comércio interno e externo aumentou; foi a época em que as potências marítimas, especialmente as italianas, começaram seu desenvolvimento[54].

Portanto, é difícil demonstrar uma continuidade histórica direta entre Collegia e Universitates. A continuidade era uma lógica produtiva porque, na ausência de alternativas, a condição de fusão com base no mesmo comércio permanecia, mas isso não era uma escolha e nem mesmo uma causa da criação das Universitates,  mas uma consequência de uma economia despedaçada em reconstrução. A diferença entre as duas instituições econômicas era clara, os Collegia funcionavam apenas se autorizados pelo poder político e com regras definidas pelo Estado e não internas, enquanto as Universitates estavam livres de qualquer constrangimento e suas regras eram estabelecidas pelos oficiais e administradores da corporação ou guilda. Os mesmos poderes estaduais e legais não poderiam interferir em assuntos e regulamentos internos das corporações, especialmente, como mencionado acima, em situações municipais; veremos então que na esfera jurídica as coisas não eram tão claras. Ninguém no Império poderia fazer negócios a menos que pertencesse a um Collegium, enquanto essa regra para guildas e corporações surgiu muito mais tarde, quando os poderes centrais e os cidadãos se tornaram mais fortes. A única exceção era nas regiões italianas sob domínio bizantino, onde no século VII havia guildas residuais do tipo romano chamadas scholae, sob controle público[55]. Na área do norte da Europa, no entanto, havia corporações no século VI e, em particular, guildas[56], mas ambas eram mais como irmandades caracterizadas pela solidariedade entre os membros. Sob os lombardos, houve raros casos de guildas regulamentadas (por exemplo, pelo decreto de Rotarianos), tais como os magister comacini, construtores com liberdade de movimento de região para região e fabricantes de sabão de Piacenza. As primeiras formas de regime monopolista de atividades produtivas, pagando impostos ao tesouro real, foram formadas no século XI com as miniteria de comerciantes, pescadores, cozinheiros, barqueiros, fabricantes de sabão. Na época do fim das potências centrais, agora despedaçadas entre nobres, senhores feudais e bispos, as associações artesanais assumiram características religiosas mais precisas quando estavam sujeitas aos bispados, perdendo assim aquela natureza de agregação de comércio não relacionado à religião como eram os Collegia da era imperial. O controle do poder público foi reforçado durante o período municipal e a economia urbana, impedindo que atividades de interesse público operassem sem supervisão civil.

Corporações e guildas medievais nasceram na Europa[57] com o fim do feudalismo e o surgimento de atividades econômicas livres, para a desintegração das instituições do governo central. As primeiras guildas mercantis apareceram oficialmente na Inglaterra[58] em 1087 e logo se tornaram parte da vida civil e administrativa, enquanto as guildas de ofício surgiram logo depois, novamente na Inglaterra em 1100 com os tecelões de Oxford, mas em um papel subordinado às guildas mercantis, uma vez que esses trabalhadores eram excluídos da afiliação às guildas mercantis. 

Há relatos indiretos de que corporações semelhantes apareceram na Alemanha e em Flandres no mesmo período. Ao mesmo tempo, na organização mais ampla das atividades socioeconômicas, que também incluía faculdades profissionais, confrarias religiosas e consórcios nobres, havia guildas de tipo mercantil e artesanal. Atualmente, não há documentos estatutários anteriores aos séculos XIII e XIV que ilustrem as práticas das guildas comerciais e, presumivelmente, tudo foi transmitido oralmente. A única referência é L’Histoire des rois de Bretagne, de Goffrey de Monmouth, onde se fala sobre as sete artes liberais e geometria e uma história lendária da Maçonaria e os deveres morais e profissionais de “pedreiros” (maçons). Mais tarde, a partir de cerca de 1390, são conhecidos outros estatutos de guildas de maçonaria conhecidos como Old Charges ou Antiens Devoirs, estudados pelos fundadores da primeira Grande Loja (1717) e, idealmente, na base das Constituições dos Maçons elaboradas por Anderson (1723).[59]

O elemento fundador dessas associações comerciais, em particular as produtivo-industriais, era a defesa do monopólio da atividade e das técnicas operacionais de seus capatazes e o controle da produção. Especialmente nas indústrias mercantis, a qualidade do trabalho realizado era importante, de modo que os regulamentos internos estabeleciam regras precisas sobre as matérias-primas a serem utilizadas, ferramentas e técnicas de processamento. Esses regulamentos definiam uma igualdade formal entre os membros para evitar a concorrência desleal, mesmo que estivessem hierarquicamente divididos entre simples trabalhadores, aprendizes e mestres com diferenças econômicas consideráveis entre eles.

O aprendizado em associações comerciais era rigidamente codificado da mesma forma que as disputas entre afiliados eram assunto exclusivo da associação e cujo apelo em certas situações regionais era deixado apenas para a autoridade real. Um exemplo clássico da alienação do poder da cidade dos assuntos internos da corporação. Corporações e guildas eram administradas com diferentes níveis de poder para as diferentes atividades realizadas, enfim, era um complexo de atividades administrativas, civis e operacionais que não eram redutíveis apenas às atividades do canteiro de obras. Por trás do canteiro de obras havia uma complexa articulação de atividades econômicas, organizacionais e relações sociais e políticas que eram de responsabilidade da equipe de gestão e nas quais o papel do projetista ou arquiteto da obra a ser realizada era subsidiário. O canteiro de obras era a última fase de uma grande operação sem a qual nenhum projeto poderia ter começado[60].

Uma tese bastante difundida entre alguns historiadores é que na França, no século XV, uma forma particular de guilda operária se desenvolveu, a compagnonnage, uma forma primordial de coalizão operária em oposição à gestão autocrática dos mestres das guildas. A tese conflituosa é duvidosa e difícil de corroborar, mas provável, de fato, como visto acima, em certos casos, o poder das corporações criou desacordos e alarme social nas classes mais baixas. Nos mais de cem documentos oficiais conhecidos de guildas medievais e posteriores, há poucos que ilustram cerimônias de afiliação ou aceitação de novos membros, mas estas não podem ser entendidas como iniciações no sentido estrito. Da mesma forma, as referências de tipo religioso cristão como partes de orações ou apelos à divindade e aos santos, não conferiam um valor sagrado ou espiritual específico aos documentos, fazendo parte de uma oficialidade envolta no senso religioso comum que reinava na época, aquele absolutismo teológico mencionado acima, onde nomeia sunt numina,  onde as palavras refletem o divino até mesmo em documentos políticos.

Em conclusão, esses atestados de religiosidade não podem caracterizar as guildas como grupos de espiritualidade ou, em qualquer caso, devotados ao sagrado, o que foi bem expresso em grupos conventuais e confrarias, associações ligadas às guildas e guildas, mas com propósitos e funções diferentes. De qualquer forma, a função de estabilidade econômica e preservação do poder político institucional prevaleceu até o século XVI, quando, por outro lado, os Estados assumiram um caráter geopolítico e controle mais amplos; quando as primeiras formas de profissionalismo independente das guildas foram mais definidas e o conhecimento técnico desenvolvido a ponto de não mais poder ser secreto. Mas foi no século XVII que o processo final de dissolução das guildas começou por razões complexas, tanto no que diz respeito ao seu poder civil e político quanto à sua função econômica, como será visto a seguir.

A crise das corporações no século XVII

Na mitologia maçônica, o fenômeno das guildas de comerciantes e corporações (do tipo produtivo) se apresenta como se dos séculos X e XI até o início do século XVIII elas tivessem permanecido as mesmas e, com ingênua generalização, não tivessem diferenças regulatórias internas, não fossem reguladas pelos poderes civis, não operassem organizacional e funcionalmente de maneira diferente e não tivessem uma distribuição territorial em uma mancha de leopardo em toda a Europa. Além disso, não se considera que nos vários países as guildas tivessem nomes diferentes e que muitas vezes, como na Grã-Bretanha (Inglaterra, Escócia, Irlanda), o mesmo nome fosse usado para diferentes associações, por exemplo, reunindo as guildas com as confrarias. Deve-se dizer, no entanto, que o conhecimento dos nomes das guildas, sempre ligado à atividade realizada, revela a diferença em relação às confrarias nomeadas por uma referência puramente religiosa, um local de culto, um santo ou um elemento trinitário.

Operando por aplicação do post hoc, ergo ante hoc paradoxalmente passamos a ignorar a descontinuidade da realidade corporativa no curso da história e também qualquer análise da situação de profunda crise institucional e econômica das corporações no século XVII coincidindo com o surgimento das primeiras lojas não operativas. Uma tese de continuidade histórico-social e espiritual (sic) que não explica por que teria havido tal continuidade em uma situação generalizada de crise continental das corporações apenas na Escócia e na Inglaterra. Pode-se dizer com alguma confiança que as lojas maçônicas não foram um efeito direto das corporações, mas foram a resposta “sociocultural” a fenômenos mais complexos, incluindo a dissolução da função civil e econômica das próprias corporações.

No século XVII, as mudanças nas condições econômicas das nações europeias viram a importância das guildas comerciais diminuir por vários motivos. Este foi um século de grave crise geral devido a múltiplos fatores que individualmente não justificam os graves problemas gerais, mas cuja interação teve resultados sinérgicos negativos. Estruturalmente, esses fatores foram: a regressão da produção agrícola, as pestes e numerosas guerras locais com a consequente parada repentina do crescimento populacional, a diminuição do volume do comércio internacional devido a problemas locais, a estagnação do desenvolvimento tecnológico e toda uma série de outros fatores menores, tanto estruturais quanto superestruturais.

Voltando ao tema do sigilo, tão importante na esfera maçônica, com o passar do tempo, a partir do século XVI, manter o segredo da tecnologia era uma tarefa difícil de cumprir; o desenvolvimento científico fez com que aqueles que tinham educação e experiência profissional adequadas compreendessem os princípios técnicos outrora zelosamente preservados; agora era possível remontar aos seus princípios teórico-construtivos. O que é mais importante, no entanto, é que as profissões individuais sozinhas não poderiam sobreviver e, com perspicácia empresarial, as corporações e guildas uniram forças em estruturas maiores do que a guilda do ofício específico. Se no passado muitas guildas estavam envolvidas na construção de um grande edifício civil ou religioso, as da carpintaria dos escultores e pintores, dos marceneiros e muitas outras, nesta nova realidade socioeconômica cada uma sozinha viu as possibilidades operacionais e econômicas drasticamente reduzidas. A solução foi forçada: fundir-se em estruturas organizacionais maiores, incluindo múltiplas especializações, a fim de obter contratos e aquisições vantajosas para todos, garantindo assim um trabalho completo sem ter que forçar o cliente a negociar com diferentes corporações e sofrer a chantagem de “sem nós e em nossos termos você não termina o trabalho”. Os clientes que estavam bem cientes de que finalmente tinham maior poder de barganha diante das corporações favoreceram, sob os múltiplos aspectos da jurisprudência, legislação e prática operacional, focar nos resultados e não em como alcançá-los. A competição pelo mercado de compras e a consequente racionalização operacional ofuscaram os aspectos superestruturais das operações, de modo que a eficácia foi esmagadoramente acompanhada pela eficiência e a construção de grandes obras não durou mais alguns séculos, mas algumas décadas. A eficácia e a eficiência técnico-organizacional fizeram com que os vínculos com a história e a cultura antigas, bem como as referências ao simbolismo e ao misticismo de várias matrizes esotéricas, assumissem modalidades formais que visavam a estética e não a pedagogia do cidadão ou dos fiéis, e isso é claramente visível, por exemplo, na fachada da catedral de Granada e na subsequente catedral espanhola dos construtores Churriguera de Sevilha. A substância tornou-se “invisível”, coberta por superestruturas gotejantes com a formalidade “visível” do barroco tardio e do rococó que também invadiu o estilo iconográfico maçônico.

Também não podemos ignorar o fato de que certos conhecimentos esotéricos, como a cábala, trazidos ao conhecimento na Europa e especialmente na Itália pela diáspora dos cabalistas judeus depois de 1492, mas igualmente muitos conhecimentos herméticos, astrológicos e mágicos não faziam parte do conhecimento geral dos membros das guildas, sendo escritos em línguas como o grego ou o árabe, desconhecidos para a massa de pessoas na Idade Média e conhecidos apenas por pequenos círculos de clérigos. Devemos chegar ao século XVI para que, com as traduções de Ficino e Pico della Mirandola, esse conhecimento possa ser estendido a círculos maiores. Portanto, é difícil pensar, mais uma vez, que nas guildas antes do século XV houvesse noções esotéricas bem definidas, mas apenas informações vagas e fragmentárias introduzidas por pessoas que tinham relações de vários tipos com países distantes. Mas no final deste século XV as situações econômicas sociais e culturais, incluindo as religiosas, mudaram drasticamente.

Ciência e tecnologia no final da Idade Média

Para as restantes corporações artesanais do século XVII, o objetivo contratual a atingir foi imposto em termos de um calendário diferente, no sentido de que a possibilidade de utilizar o resultado o mais rapidamente possível obrigava a uma organização diferente do trabalho. Se antes a intervenção de uma especialização era condicionada pela de outras especializações a serem contratadas no decorrer do trabalho, agora solicita-se da mesma empresa (guilda multidimensional de ofícios) que ela garanta o resultado no devido tempo. As novas corporações de ofícios unificados podiam garantir os pedidos dos clientes que operavam, pelas mais variadas razões para a realização das contingências rigorosas de um poder político muito variável no espaço e no tempo, um poder ansioso por ser transmitido antes de desaparecer da face da política e da história. 

Os regulamentos internos medievais do tipo exclusivista com os ritualismos religiosos opostos, a lógica aristotélica da hierarquia onisciente penetrante em todas as esferas da atividade humana secular e espiritual se rompeu. Agora as profissões individuais reivindicavam sua própria especificidade, colocando também o nome do autor e o ano de realização nas obras, e as primeiras formas de socialidade profissional foram vistas surgir, prefigurando os futuros sindicatos. As corporações não satisfaziam mais as necessidades de afirmação profissional de muitos que não queriam esperar o longo tempo que levava para passar de uma categoria de profissionalismo para uma superior. No século XVII, as obras agora são assinadas pelo designer ou arquiteto e não mais anonimamente pela corporação. Pensar que o anonimato do projeto e da construção tem um significado de sacralização em oposição à secularização obviamente não faria sentido, era apenas um sinal de tempos passados em que a obra era fruto de toda uma comunidade e em que o indivíduo, arquiteto ou trabalhador, não tinha significado sociocultural personalista, uma época em que o indivíduo se identificava com um grupo social. Nesta nova era, o único resquício histórico era o cliente, não na forma de personagens que podem ser definidos historicamente, mas de grupos sociais operando publicamente, então, no final, quem deu e significou o trabalho foi o cliente e não o criador (corporação), embora para os historiadores da arte o nome do designer continue sendo uma prioridade.

Após o fim da Idade Média, o conhecimento tecnológico desenvolveu-se rapidamente com caracteres “científicos” que foram reservados a algumas figuras brilhantes. A figura do criador da obra se apresentou e imprimiu na própria obra a marca de sua individualidade artística e técnica. O Mestre como figura intelectual se impôs não apenas ao cliente, mas também a toda a comunidade dos trabalhadores que criaram a obra, uma comunidade que não se identificava, mas se representava em um indivíduo magistral. Em termos de atividade de construção, o nome do arquiteto é transmitido, mas não os nomes de dezenas de mestres das muitas especializações que contribuíram para a obra como um todo. Um exemplo bem conhecido foi a construção da Catedral de São Paulo em Londres, da qual muito se sabe sobre seu arquiteto, Christopher Wren, mas pouco ou nada sobre a guilda que a construiu e seus mestres construtores. Esses foram os primeiros passos tímidos das profissões liberais.

O fenômeno corporativo não pode ser arrancado do contexto social, jurídico, político e cultural, por isso deve ser contextualizado em situações macroeconômicas e essa situação de crise de um passado em desintegração aparece com o surgimento do século XVII impregnado de problemas que não podem ser resolvidos com os esquemas de solução dos séculos passados e, portanto, com a crise das funções socioeconômicas das corporações. 

Por outro lado, uma vez que a Maçonaria nasceu na Inglaterra, é no contexto dos territórios britânicos (Inglaterra, Escócia e Irlanda) que se deve olhar. O século XVII é dramático: as guerras e a devastação do campo, com o afluxo de populações agrícolas nas maiores cidades, em condições miseráveis, favoreceram as pestes. A população diminuiu drasticamente e a força de trabalho também[61]. As guerras religiosas nos séculos XVI e XVII destruíram as prósperas comunidades monásticas, os principais comandantes das grandes obras de construção. Os outros grandes comandantes, as cortes reais e nobres, dissiparam recursos econômicos e reduziram drasticamente os investimentos para grandes obras. As corporações de construtores por falta de mão de obra e encomendas foram as que sofreram a maior crise. Com a lógica empresarial, eles se transformaram em corporações multi-profissionais, como foi mencionado acima, mas a crise foi irreversível, a economia mudou e o empreendedorismo se voltou para a privatização não corporativa. A burguesia empresarial privada começou a se desenvolver ao lado das financeiras, comerciais e profissionais. Em todo esse processo bastante rápido, a crise certamente não teve a característica da decadência espiritual, a chamada secularização. As corporações de construtores dedicavam-se principalmente a ordens civis, reconstruções de bairros da cidade e edifícios públicos, edifícios onde arquitetos e mestres construtores tinham pouco espaço para expressão de seu eventual conhecimento místico e esotérico e ainda menos espiritual. Focando nas guildas de alvenaria, referindo-se ao interessante e tradicionalista texto de Thomas Carr (1911)62,  sabemos que na Grã-Bretanha, desde o início do século XVII, os chamados “maçons” foram distinguidos em muitas categorias relacionadas ao seu trabalho prático. Principalmente havia os maçons, membros efetivos da guilda e, em seguida, outras especializações usadas sob comando e organizadas separadamente: os Wallers (construtores de paredes principalmente de fortificações de pedra), os Slaters (construtores de telhados, geralmente de ardósia), os Paviors (construtores de pisos de pedra, mármore ou pedra dura), os Plaisteres (estucadores e pintores presentes em Londres desde 1501), os pedreiros (construtores de paredes de tijolos), os carpinteiros (carpinteiros ou mestres de machados). Em 1604, havia uma guilda em Oxford chamada The Company of Free Masons, Carpenters, Joiners e Slaters da cidade de Oxford[62]. Em Kendall, em 1667, a 12ª Companhia de Comércio incluía maçons livres, pedreiros ásperos, wallers, plaisterers, slaters e carpinteiros. Sempre T. Carr relata que em 1761 em Gatesgate havia uma curiosa agregação, fundida em Cosin Bishop de Durham, de várias especializações operacionais: Maçom Livre, Escultores (primeiros gravadores de pedra, Pedreiro, Esculturas, Pedreiro), Tylers, Pedreiros, Glaysiers (vidraceiros), Penterstainers (pintores de interiores), Fonders (fundadores de bronze) Neilers (fabricantes de pregos), Pewterers, Encanadores, Millwrights (carpinteiros de máquinas), Sadlers (seleiros), Bridlers (fabricantes de freio de animais), Trunkmakers (marcadores de limite) e Destiladores, portanto, uma série de diferentes especializações artesanais e profissionais não necessariamente unidas pelos mesmos projetos operacionais. Também em Edimburgo foram incorporados na Capela de Santa Maria outra série de especializações diferentes, juntamente com os maçons (pedreiros) havia tanoeiros, estofadores, arqueiros (fabricantes de livros), slaters, vidraceiros, pintores, encanadores e wrights (carpinteiros). O próprio autor menciona uma série considerável de agregações de diferentes habilidades profissionais em corporações operacionais.

Em termos modernos, pode-se dizer que as corporações foram progressivamente estruturadas em Incorporações[63], perdendo todas as características operacionais e culturais das corporações comerciais medievais de um único ofício, de modo que não é possível falar nesses casos não esporádicos de um processo geral de secularização, uma vez que são verdadeiros mecanismos de adaptação empresarial a novas situações econômico-produtivas. Estas tendências histórico-culturais demonstram o carácter fundamentalmente profano e laico das corporações, e nenhum documento atual pode nos permitir falar de um processo global de secularização e de perda de características espirituais, religiosas e sagradas, partindo de situações individuais para as generalizar a toda a sociedade medieval. A perda dos chamados valores sagrados considerados os fundamentos de um ofício não seria então a causa da mudança sociocultural (superestrutura no sentido marxista), mas a consequência inevitável da mudança na estrutura social da produção (sempre no sentido marxista). As mudanças superestruturais acompanham, solidificam, dão explicação ou justificação, em uma palavra que podem condicionar, mas raramente determinam as estruturais.

Lojas Maçônicas

No século XVII, uma nova realidade começa. As corporações de construtores constituídas pelos pedreiros continuaram suas atividades, mas ao lado deles foram criados grupos que contraíram a definição genérica em maçons livres e que não pertenciam operacionalmente às corporações. O uso do adjetivo livre vem principalmente, na Idade Média britânica, da existência de pessoas que, não sendo servos ou escravos, mas livres, reunidos em formas associativas com finalidades distintas e também aqueles que tinham atividades puramente civis distintas dessas corporações.

A partir dos raros dados documentais, é mais fácil supor que lateralmente às corporações havia associações de personalidades influentes do mundo civil não operacional que flanqueavam as próprias corporações, dando-lhes um significado social maior do que as confrarias dedicadas às atividades religiosas solidárias. Típica em tempos mais modernos, no início do século XVIII foi a figura de Christopher Wren, arquiteto inglês da Catedral de São Paulo que pertencia a uma associação ligada à guilda de pedreiros de Londres, sem ser membro da guilda. De fato, sua função como projetista da catedral não foi confiada a ele pela corporação, mas pelo município de Londres e sob controle eclesiástico. Poder-se-ia então apresentar uma tese que não é fácil de provar hoje que, no contexto de um declínio na importância política, social e econômica das corporações, as organizações paralelas e de apoio das corporações assumiram maior importância também para os membros de alto escalão que as constituíam e gradualmente se estruturaram em formas organizacionais com o caráter de lojas maçônicas nas quais os membros não eram operacionais. Essa é uma tese que pode ser confortada pelo fato de que os membros operativos das corporações presentes em tais estruturas eram uma pequena minoria em comparação com os não operativos. Para distingui-los dos não operativos, foi adotada a definição de adotados ou aceitos, provavelmente para manter um vínculo estreito com a corporação adotiva, mas declarando que não pertenciam a ela. Outro termo importante é adicionado, o de livre. Um termo também retirado da tradição histórica das corporações medievais, mas com um significado diferente. Não é mais o trabalhador que não está vinculado por uma relação de servo ou escravo com um proprietário de terras sendo membro de uma corporação, mas aquele que não pertence a nenhuma instituição artesanal ou profissional (Métier ou Craft), que trabalha individualmente com uma empresa familiar. Ao mesmo tempo, o adjetivo era geralmente atribuído a estudiosos, militares, cavalheiros, nobres. Mesmo em tempos anteriores, havia muitas guildas na Escócia que admitiam homens livres, operadores independentes ou simples cidadãos, e essa tradição provavelmente pode ser atribuída à presença de membros não operativos[64] nas primeiras lojas maçônicas do século XVII na Escócia. O termo livre na esfera maçônica assumiu um significado tão importante quanto o de aceito. Sem abordar a questão linguística das várias superinterpretações do lema livre resultantes de modificações socioculturais, seu significado original pode ser reencontrado, diferente da superinterpretação sociocultural que foi dada entre o final do século XVII e o início do século XVIII. Originalmente, na era medieval, a  palavra livre não tinha um sentido jurídico preciso e generalizado, dependendo dos países, costumes sociais, momentos históricos e, portanto, determinando uma grande variabilidade de significados[65]. Portanto, a palavra nunca teve um significado social, jurídico, legislativo e, finalmente, culturalmente solidificado diante das democracias modernas por causa da fluidez das situações geopolíticas e socioculturais da Idade Média e das épocas seguintes. De fato, no início e no final da Idade Média, na mesma grande região linguística e culturalmente definida, poderiam existir diferentes enclaves de cultura, língua e instituições. As mesmas fronteiras entre um país e outro não eram definidas por um rio, cordilheira ou outro, eram grandes regiões onde culturas e línguas, bem como instituições, fluíam e se misturavam sem determinação precisa com mutações fáceis, o que foi ainda mais complicado pelas invasões de certos povos em outras regiões, que envolveram mudanças normativas mais ou menos estáveis.

O conceito de livre em si não é definível se não o compararmos com dois outros conceitos, escravidão e servidão, conceitos derivados das explicações oferecidas pelas categorias regionais jurídicas e políticas; de modo que a mesma palavra, servo livre e escravo, assumia significados diferentes; ao mesmo tempo, as palavras servo e escravo ou servo e livre poderiam ser identificadas com base nas regulamentações locais. Na verdade, o próprio conceito de servidão às vezes se aproximava do de livre, dependendo das obrigações devidas a uma autoridade superior. Foram, portanto, as obrigações devidas que determinaram as nuances de significado, por exemplo, a vassalagem pode ser considerada uma forma de servidão em relação ao nobre de posição superior ou ao alto nobre com obrigações de servidão militar em relação ao rei ou imperador. Consequentemente, o próprio conceito de liberdade dependia e estava condicionado por maiores ou menores obrigações a uma autoridade superior, como se dissesse que a privação de liberdade era variável e eram os tribunais e as instituições legislativas que determinavam a terminologia controversa, a tal ponto que em 1263 na França o parlamento de Saint Martin d’hiver delegou a condição servil à consuetudo patriae [costume do país],  no sentido de que cada aldeia é um país[66].

Em conclusão, o conceito de livre é derivado da definição de escravo e servo e não o contrário. A variabilidade dos títulos em uso, portanto, torna extremamente difícil a adoção de definições genéricas desses termos e a questão se arrastou até o século XVIII, observando as diferenças legais e legislativas nos vários países europeus[67]. Isso obviamente assume um significado particular no léxico maçônico adotado pelas Constituições de Anderson em 1723, no qual a palavra pedreiros de pedra livre nunca aparece, provavelmente para distinguir os novos maçons dos trabalhadores das corporações maçônicas.

Hoje, para falar das primeiras “lojas maçônicas”, é feita referência a certas associações presentes na Escócia no início do século XVII. De algumas dessas lojas, temos notícias de sua existência, os locais e datas de suas reuniões, os nomes e a profissão de seus associados, mas nada mais. Não temos informações sobre seus rituais de iniciação, em que consistiam, se eram esotéricos e com quais esoterismos se relacionavam. A única informação interessante resultante de documentos raros é que em certas lojas os associados eram em sua maioria nobres burgueses e provinciais, com rara participação de membros das corporações de maçonaria residuais, como se supusesse que eram estes últimos que eram “aceitos” e não os primeiros. As primeiras datas que confirmam a existência de lojas maçônicas datam de 1641[68] na Escócia e depois na Inglaterra em 1646, com a famosa anotação no diário de Elias Ashmole de 1682[69], da qual se deduz que havia um Salão dos Maçons em Londres, provavelmente a sede da Corporação de Maçons em Londres; mais interessante é o fato,  que não parece ter atraído a atenção dos estudiosos, é que Ashmole não fala de guilda ou corporação, mas de loja (sem especificar o nome) e é razoável supor que a loja a que ele se refere era uma organização externa à corporação, mas ligada a ela se ela se reunisse na sede da corporação. Seria, portanto, confirmado, se esta hipótese for plausível, que a loja não era uma emanação da corporação ou que não estava subordinada a ela, em outras palavras, que não havia filiação direta da loja da corporação.

No contexto da mito-historiografia, pouca consideração foi dada ao trabalho de David Stevenson As Origens da Maçonaria: Século da Escócia, 1590-1710[70]. A cuidadosa pesquisa documental de Stevenson recria a linha do tempo do processo de transição de lojas operacionais para especulativas, que ocorreu antes do final do século XVII e na Escócia antes da Inglaterra, desafiando as alegações não documentadas da história do mito maçônico anti-historicista. Um tratamento de “história-ficção” que deixa o caminho dos documentos apurados para o caminho do possível e inventado mais do que imaginável, um tratamento de história virtual ao qual se deve reconhecer uma força de atração não pequena. A história da Maçonaria, observa Stevenson, não é compreensível apenas em seus eventos internos: ela deve entender as relações com o contexto de seus eventos, fazendo uso das contribuições de outras disciplinas sociais e humanísticas. A documentação sobre as primeiras lojas especulativas escocesas do século XVII é extensa na Escócia, mas, para o mesmo período, inexistente na Inglaterra. Quando Stevenson relata que as primeiras lojas criadas na Escócia por não-operativos parecem ter sido os de Canongate Kilwining (1677), Canongate Leith (1688)[71]70 e Hamilton (1695)[72]71 ele não está dizendo que a Maçonaria Escocesa nasceu no final do século XVII como outras lojas inglesas, mas ele confirma que essas lojas foram a conclusão de um processo iniciado há algum tempo. O mérito de Stevenson é o de reposicionar a história da Maçonaria dentro da história dos países britânicos. Ele, falando de “fases” da história da Maçonaria (medieval, renascentista e iluminista), identifica a centralidade histórica escocesa, em polêmica implícita com aqueles que querem fazer uma história das origens da Maçonaria exclusivamente de marca inglesa.

Stevenson reconhece que os primeiros documentos dos maçons das Antigas Obrigações ou Antigas Constituições são ingleses e não são diferentes dos de outras guildas; As cópias escocesas só apareceram em meados do século XVII. Nestas Antigas Obrigações aparece uma ênfase especial na moralidade identificada na Geometria e referências a edifícios antigos, como os egípcios e o Templo de Salomão. Essas referências, no entanto, não justificam uma relação de continuidade histórica, da qual na Escócia só por volta do início do século XVII se começa a falar. Na Inglaterra, a presença de cavalheiros nas lojas aparece apenas por volta dos anos 40 de 1600 e deve-se dizer que o processo de “laicização” das lojas inglesas ainda é obscuro. Ao mesmo tempo, como vimos, na Escócia e em outros países, a prática de admitir pessoas que não eram do ofício (homens livres) nas guildas era bastante comum antes do século XVII. A fase da influência escocesa na protomaçonaria inglesa terminou no final do século XVII, quando novos estímulos intelectuais e culturais envolveram lojas escocesas e inglesas, o racionalismo iluminista em primeiro lugar, e a Maçonaria tomou uma nova direção. Stevenson reivindicou do movimento maçônico escocês uma lista precisa e documentável da primogenitura das manifestações ou aspectos que mais tarde caracterizariam a Maçonaria moderna[73]:

“Uso mais antigo da palavra ‘loja’ no sentido maçônico moderno, e evidência de que tais instituições permanentes existem

Primeiros livros de atas oficiais e outros registros de tais lojas

Primeiras tentativas de organizar lojas em nível nacional

Primeiros exemplos de ‘não-operativos’ (homens que não trabalhavam como pedreiros) ingressando em lojas

Evidências mais antigas que conectam a maçonaria da loja com ideias éticas específicas expostas pelo uso de símbolos

Evidências mais antigas indicando que alguns consideravam a maçonaria sinistra ou conspiratória

Primeiras referências à Palavra de Maçom

Primeiros ‘catecismos maçônicos’ expondo a Palavra de Maçom e descrevendo cerimônias de iniciação

Primeiras evidências do uso de dois graus ou graus dentro da alvenaria

Uso mais antigo dos termos ‘aprendiz ingressado’ e ‘companheiro’ para esses graus

Evidência mais antiga (dentro da Loja de Edimburgo) do surgimento de um terceiro grau, criado por um movimento no sentido de considerar companheiro e mestre não como termos alternativos para o mesmo grau, mas como se referindo a graus separados (ou pelo menos status) ».

Stevenson reconhece vários primados na Maçonaria inglesa ao mesmo tempo[74]:

« Cópias mais antigas das Antigas Obrigações (não são conhecidas cópias escocesas anteriores a meados do século XVII)

Uso generalizado da palavra ‘maçom’ e uso do termo ‘maçom aceito’

A loja mais antiga era composta inteiramente de “não-operativos” (o que pode ser interpretado como uma indicação de como a maçonaria inglesa era, muito mais do que escocesa, uma criação artificial, não algo que cresceu a partir das crenças e instituições dos pedreiros que trabalhavam). A primeira grande loja ».

Os pedreiros que trabalhavam na Escócia, mas também em outros países, não diferiam de outros artesãos, mas em comparação com os membros de outras corporações e guildas apenas por sua atividade, eles podiam se mudar de uma região para outra com certa liberdade para novos empregos. Desconcertante é o fato de que desde 1590 a guilda era a única no mundo corporativo a surgir para seu desenvolvimento. Foi durante esse período que surgiu a importância de William Schaw, Mestre Real de Obras (King’s Maister o’ Wark).[75]

Stevenson relata que Schaw emitiu um código de regras sobre a organização e administração dos maçons em 1598, seguido em 1599 por um segundo código no qual a Loja Kilwinning e as Lojas de Edimburgo e Stirling são mencionadas; a de St. Andrew’s é mencionada em uma ata da Loja de Edimburgo. Foi nesses anos (1600-1601) que Schaw confirmou William Sinclair de Roslin[76] como protetor da maçonaria, ele era descendente de William 1º Conde de Caithness da família normando-escocesa Sinclair, que mandou construir a famosa Capela de Rosslynd em meados do século XV[77].

Nada se sabe sobre os segredos das lojas do século XVII, os documentos e atas da loja obviamente não contêm coisas confidenciais, e isso, como observa Stevenson[78], cria alguns problemas para os historiadores. No entanto, a presença de não-operativos (homens livres) nessas lojas é bem conhecida e foi visto que essa prática era bastante frequente em muitas corporações e guildas europeias medievais na meia-idade e na alta idade. Também não temos nenhuma informação sobre sua forma de operar e defini-los como iniciáticos e esotéricos é apenas uma suposição. Outro mistério são as relações entre essas lojas, que não poderiam deixar de existir, mesmo que provavelmente não assumissem as formas que ocorreram na era do cosmopolitismo maçônico do século XVIII.

As perguntas de David Stevenson são, em primeiro lugar, “Quais eram os segredos e rituais dos maçons operativos e como eles os adquiriram?” e depois, “Por que os homens que não eram pedreiros desejavam participar das atividades e segredos dos pedreiros, e que tipo de homens eram esses não-pedreiros que se juntaram às lojas?”

A primeira pergunta não pode ser respondida sem informações sobre os rituais e os chamados segredos dos maçons. As corporações, como vimos, não eram grupos iniciáticos e faltam informações para afirmar que realizavam atividades esotéricas, então os segredos eram possivelmente segredos industriais e, se se pode falar de segredos industriais, estes foram adquiridos não por meio de fórmulas iniciáticas ou esotéricas especiais, mas com experiência de trabalho e sob a orientação dos mais experientes. As técnicas de construção mais complexas não estavam ao alcance de todos, apenas as raras pessoas não clericais poderiam tê-las estudado e elaborado. Mas, ao mesmo tempo, deve-se dizer que não havia ciência da arquitetura e da engenharia, os métodos de construção eram o produto da experiência empírica, da consciência dos erros cometidos anteriormente e da inteligência e racionalidade em encontrar as soluções certas para esses erros. Quanto mais sofisticado era esse procedimento empírico, mais a arte de construir era aperfeiçoada. Dizer “arte de construir” é antitético à “ciência de construir”; métodos e teorias verificados e repetíveis são a base da ciência, enquanto a experiência, a memória técnica, o intelecto, a razão e a criatividade são a bagagem cognitiva do artista. De fato, a atividade de construção recebeu a definição de “arte” e, como esta foi aplicada a importantes obras civis, militares e religiosas, sempre sob a proteção dos mais altos cargos civis e eclesiásticos, tornou-se “Arte Real”, uma forma de defini-la que também foi adotada nas lojas maçônicas.

Portanto, o sigilo só poderia fazer sentido por razões de competição entre corporações, mas como se sabe que os mestres pedreiros se mudaram para diferentes regiões trabalhando para outras corporações, mesmo esse sigilo não era sigilo real. Os rituais eram quase certamente cerimônias destinadas a comprometer o novo trabalhador a respeitar as regras da corporação e de seus colegas artesãos e a resolver os problemas que haviam surgido para não recorrer a nenhuma autoridade que não fosse o conselho de administração da corporação. A corporação, em troca, comprometia-se a garantir o trabalho e a remuneração adequados às suas habilidades, assistência a ele e sua família em caso de necessidade e, em certas guildas, especialmente comerciantes, que em caso de morte sua esposa o substituiria dentro da guilda. Esses convênios eram muito exigentes e certamente eram realizados com cerimonialidade adequada e um mínimo de ritualização própria de cada corporação.

Há outra pergunta a ser feita: se as corporações tivessem sido iniciáticas e esotéricas, com referências diretas aos conhecimentos e práticas pagãs, como isso poderia ser admitido e concedido em uma época de absolutismo teológico, quando a Igreja intervinha com controle social capilar e intransigência férrea contra qualquer forma de preservação das práticas pagãs? Alguns podem responder que essas práticas de magia esotérica eram o segredo das guildas, mas é uma resposta que descende da suposição infundada de que tais práticas existiram, e é difícil acreditar que em todas as regiões europeias e em todas as guildas tal segredo tenha sido mantido por muitos séculos sem que nenhuma informação vazasse. Ao contrário do mistério, que é algo desconhecido que não pode ser comunicado, o segredo é algo conhecido que não é comunicado.

Com sutil ironia, Stevenson observa um certo esnobismo ao atribuir aos construtores de canteiros de obras “o trabalho de cavalheiros respeitáveis e educados”. O Autor, com precisão semiológica, observa que há limites para possíveis interpretações. Stevenson é radical e provocativo quando observa peremptoriamente que a distinção entre operativo e especulativo tem a intenção de distinguir duas fases históricas: como diz o autor, esta é uma definição muito bizarra (de especulativa), que superestima as diferenças de status social quando argumenta que a Maçonaria moderna começou quando os cavalheiros entraram nas lojas operativas. De modo que a Maçonaria seria definida pela posição das pessoas que realizam certas atividades, e não pelas atividades em si[79].

Observamos que a Maçonaria no início do século XVIII saiu do sigilo das lojas do século XVII e foi abertamente inserida na sociedade, configurando-se como uma associação civil (Grande Loja), pois estava imersa na concretude social e cultural da época e cujos membros devem ter uma posição social relevante. Isso é bem evidenciado pelas listas de membros da Primeira Grande Loja, nas quais entre os primeiros Grandes Oficiais havia principalmente cavalheiros (livreiros, cientistas, estudiosos), mas muito em breve a estes foram adicionados, especialmente em altos cargos, expoentes da nobreza e da burguesia rica e intelectuais importantes.

As declarações, por parte das novas lojas maçônicas, de benevolência e outras relações diretas com a comunidade civil são, no entanto, emancipadas das prescrições sociais da cultura religiosa de épocas anteriores e daquele momento, e isso é certamente uma novidade cultural, vinda dos livros e petições dos filósofos. Os fundadores eram pessoas que muitas vezes aderiram a formas de religiosidade deístas e latitudinárias, mas em um conjunto bastante confuso de reformismos anglicanos, episcopais e outros reformismos religiosos, bem como tensões católicas. O que, no entanto, unificou sub-repticiamente as diferentes posições foi a ideia de uma “moralidade universal” que se separava das expressões morais específicas das muitas igrejas; Havia também mentes culturais presentes e não incomumente ativas, como libertinos cultos e ateus esclarecidos. Essa mistura de expectativas religiosas e até políticas, todas destinadas a romper com as sangrentas guerras religiosas, deu origem não à elaboração de uma espiritualidade genérica, mas a uma ideia de moralidade universal do homem que foi expressa no primeiro artigo das Constituições dos Maçons Livres em 1723.

A primeira espiritualidade maçônica não tinha valor estritamente religioso, estava ligada às novas ideias que surgiram da desilusão de que a religião e a espiritualidade da igreja poderiam resolver problemas humanos contingentes, desenvolvendo novas formas de interpretar o mundo, a natureza e o homem em uma chave baseada na moralidade e não na fé. Os primeiros maçons queriam alcançar uma humanidade nova e superior no mundo de hoje sem se referir à vida após a morte, e essa era a ideia deles de “progresso” humano. Uma espécie de revolução cultural que laicizou a tradição da religiosidade formal das guildas medievais e as mesmas referências à Bíblia tinham o sentido alegórico de um modo de pensar e agir alheio à religião codificada, pois sempre no primeiro artigo fica explícito que as religiões são fenômenos ligados a realidades sociais individuais que tendem a impô-las a todos,  violando a liberdade de consciência. Pode-se então dizer que as primeiras lojas maçônicas estavam entre as primeiras formas sociais de laicização, uma vez que o associacionismo maçônico foi separado de todas as formas de confessionalidade religiosa; laicização não é secularização.

Existem documentos escoceses e até ingleses do final do século XVII que descrevem, também de forma catequética, certos rituais que eram realizados em algumas lojas. A única observação a fazer é que eles não refletiam de forma alguma as guildas medievais, exceto por algum aspecto alegórico, como a adoção de certos instrumentos ritualísticos e simbólicos, como as ferramentas usadas pelos construtores (equipe, bússola, nível, cinzel, martelo, avental, etc.) e a hierarquia interna dos dois graus de Aprendiz e Companheiro. Todas as outras características das lojas maçônicas eram extremamente novas em comparação com o passado, um passado que assumiu o disfarce de mítico, ou de preferência alegórico e não de continuidade histórica, mas sim de contiguidade ideal. O fim desta fase histórica pode ser desenhado com a criação de uma estrutura organizacional sem precedentes, a Grande Loja, que, ao extremo, poderia recordar as guildas dos múltiplos ofícios do século XVII, quando várias guildas eram federadas em uma única organização.

Pelos fatos atualmente conhecidos nas associações comerciais romanas ou medievais anteriores, não havia rituais iniciáticos, igualmente não há notícias de práticas esotéricas, mas possivelmente de práticas de religiosidade pública e cerimonialidade institucional interna. Os mesmos papéis atribuídos aos “oficiais da loja” na Primeira Grande Loja existiam apenas em parte em épocas anteriores e as novas “lojas” não correspondiam como estrutura organizacional às corporações. A única exceção pode ter sido o uso do termo Waren, atribuído a Schaw, mas no sentido de fiador perante a autoridade pública, um papel diferente daquele das lojas maçônicas do século XVIII. 

 A “loja” na nova semântica definia o grupo de filiados, embora todos saibam que, originalmente, era uma estrutura predial presente no estaleiro que cumpria as funções de depósito e reunião e que, às vezes, era amplamente aplicada à corporação. A palavra lodge no inglês dos séculos XVII e XVIII tinha o significado de um pequeno prédio ou da habitação de um porteiro e o verbo alojar era ficar em uma habitação temporária[80]. A referência no contexto da construção é óbvia, a lodge é um edifício onde armazenar algo e reunir, por isso é um termo usado para definir uma estrutura com múltiplas funções dentro do canteiro de obras. Mesmo pensando que certos canteiros de obras poderiam operar por dezenas de anos, não se pode considerar que tal estrutura fosse parte constituinte da corporação, que exercia suas atividades em outros locais mais apropriados e dentro da cidade. A loja era um edifício mais ou menos estável no qual, em primeiro lugar, os projetistas do edifício trabalhavam preparando os planos de construção, dando as diretrizes operativos do local e gerenciando as questões administrativas mais imediatas. Provavelmente foram realizadas reuniões na loja entre os mestres construtores das múltiplas atividades necessárias para a construção do edifício. Talvez em alguma parte dela também tenham sido mantidos todos os instrumentos especializados necessários para os mestres construtores e arquitetos e também como um arquivo da documentação administrativa e operacional do canteiro de obras. No final da construção, quando o canteiro de obras era fechado, a loja também cumpria sua função. Referindo-se ao local de encontro dentro dos canteiros de obras, os primeiros maçons tiveram a sugestão de relembrar justamente esse senso de comunidade reunido em um espaço restrito e reservado, para um grande propósito e discussão sobre assuntos de grande importância e talvez essa tenha sido a razão subjacente à escolha do nome, dando-lhe um significado simbólico.

Há questões para as quais parece haver relutância por parte da Maçonaria oficial com a mera manifestação delas. As lojas maçônicas operavam em absoluto sigilo, por quê? Não era costume das corporações para as quais eles estavam retornando. A resposta de que as lojas maçônicas queriam reconstituir simbólica ou alegoricamente os segredos operacionais das corporações é uma resposta fraca. Por que eles realizavam rituais cerimoniais dos quais não há registro nos antigos estatutos corporativos então conhecidos, exceto no final do século XVII? Eram rituais que surgiam das necessidades internas das lojas maçônicas, era a necessidade de se dar uma solidez ideológica? As respostas só podem ser hipotéticas. Em vez disso, surge uma questão mais séria: os primeiros rituais das lojas no final do século XVII eram realmente rituais iniciáticos ou apenas rituais cerimoniais, como eram os das corporações? O conceito de iniciação não parece pertencer à primeira Maçonaria especulativa. Na documentação conhecida fala-se sempre e somente de Maçons Aceitos, de aceitos e não Iniciados. Como se dissesse que o novo maçom foi aceito na loja e não iniciado na Maçonaria e de qualquer maneira o possível uso do termo Iniciado sempre teve o sentido de aceitação[81]. Esta é uma questão que ainda precisa ser abordada, a do significado da “iniciação” maçônica e do período inicial de seu uso na Maçonaria. É presumível que o conceito de iniciação seja uma consequência do surgimento de novos ritualismos maçônicos que deram um valor espiritual, quase sagrado, à cerimônia de aceitação.

O fato de essas lojas pós-corporativas serem compostas por membros operativos abertos a pessoas estranhas não é novidade, pois vimos que essa prática existia em solo britânico há algum tempo. Como mencionado acima, mais confiável seria a tese de que as primeiras lojas maçônicas eram círculos subsidiários não internos às corporações e não necessariamente criados pelas próprias corporações, mas sim por cidadãos proeminentes do município ou empreendedores livres e, em qualquer caso, não membros da corporação ou sob servidão, portanto homens livres. Círculos nos quais várias atividades eram realizadas, incluindo discussão e estudo sobre assuntos não relacionados aos assuntos técnicos tratados nos canteiros de obras e que quaisquer questões científicas de construção, como matemática e geometria, eram realizadas dentro de uma visão mais teórica e, portanto, o nome de “lojas especulativas”.

Conclusões

O nascimento da Grande Loja em 1717 sancionou a quebra definitiva de uma suposta continuidade histórica entre as lojas maçônicas e as corporações operativas, definindo uma estrutura organizacional absolutamente original com rituais inovadores e novas regras. A única semelhança com as corporações do século XVII reside no fato de que, com a crise econômica do século XVII, as corporações se tornaram uma espécie de sindicatos unificando diferentes ofícios e que, no início do século XVIII, várias lojas queriam se federar em uma única organização.

Dentro deste tema de continuidade histórica entre as corporações romanas e medievais e as lojas maçônicas, há um aspecto que merece um tratamento especial e mais aprofundado, o da suposta continuidade espiritual em uma chave esotérica entre os três fenômenos diferentes. Em suma, as corporações e lojas romanas e medievais teriam realizado uma operação ritualística e um pensamento esotérico, que alguém especificou como hermético-esotérico, de valor espiritualista. A afirmação é difícil de documentar e, no momento, está esperando para sê-lo. Portanto, esse esoterismo não seria um elemento caracterizador das duas associações profissionais e nem o de uma espiritualidade genérica. Este não é o lugar para uma análise do caráter espiritual dos esoterismos, também porque a palavra espiritual em si é muito geral, difícil e complexa de interpretar. As lojas maçônicas da primeira hora eram espiritualistas? Aqui também é impossível dar uma resposta para a falta de informações e documentos, nem mesmo sabendo se eles realizavam atividades esotéricas e quais formas específicas de esoterismo. Sabe-se que os maçons individuais do século XVIII estavam interessados, e apaixonadamente, em vários esoterismos, mas isso não é suficiente para apoiar a tese de que as lojas dos séculos XVII e XVIII eram em geral lojas esotéricas; lembrando sempre que esta era uma época em que o interesse pela natureza e suas leis não se realizava através das ciências, mas sim através do estudo esotérico. Havia muitas associações e academias na Europa dedicadas à pesquisa sobre a natureza. É preciso chegar em meados do século XVIII  para observar tal generalização dos interesses esotéricos. Mesmo se aceitarmos o argumento de que o esoterismo e a espiritualidade são identificados, a tese de que a Maçonaria original era espiritualista ainda está por ser provada. É mais provável que o centro de gravidade cultural fosse a moralidade, ou melhor, a tentativa de estabelecer uma moralidade não relacionada aos cultos religiosos particulares então em forte contraste entre si, uma moralidade que era, portanto, mais leiga e civil do que espiritual.

No que diz respeito às corporações medievais, não há documentos da Alta à Baixa Idade Média que demonstrem que essas corporações operavam com base em uma espiritualidade que pode ser referida de forma esotérica e ainda menos hermética. O hermetismo, em particular, não é um corpus teórico completo como a alquimia ou a astrologia poderiam ser, apareceu por volta do século II d.C. na cultura helenística e se desenvolveu como um intrincado conjunto de doutrinas místico-religiosas, astrologia semítica, elementos de filosofias platônicas e pitagóricas, religiosidade gnóstica e, ao que parece, também de referências mágicas egípcias[82].

A interpretação dos esoterismos e especialmente dos herméticos em chave espiritual-religiosa apareceu no Renascimento italiano com a descoberta e tradução de antigos textos esotéricos. Especialmente nos séculos XIX e XX, uma interpretação espiritualista exagerada de textos herméticos e outros esoterismos foi consolidada. É difícil provar que as corporações medievais e, em particular, alguns planejadores / arquitetos estavam cientes desses textos que ainda não haviam sido traduzidos para o latim.

Por outro lado, a verdadeira questão é que o conceito moderno de “espiritualidade” maçônica carece de uma direção e construção hermenêutica e epistemológica precisa e que com esta palavra geral-genérica se pode entender qualquer aspecto humano que não seja de concretude biológica. O fundamental, no entanto, é que tal espiritualidade maçônica não é definida em um sentido iniciático e dizer que é esotérico não resolve a questão, mas cria mais complicações ao adicionar um termo que também deve ser especificado em seu valor iniciático-maçônico, porque os termos “espiritual” e “esotérico” não são sinônimos e não se trata de qualificar o outro, bem como “maçônico” e “esotérico”.

Na linguagem humana, as palavras são usadas para descrever a realidade, visível ou invisível, física ou metafísica, mas se as palavras usadas não forem definidas com precisão, nenhuma realidade será descrita.

Anotações de idioma

A terminologia utilizada nas guildas romanas e medievais mereceria um estudo especializado (filológico e hermenêutico), com análise da vasta documentação produzida por essas instituições; mas este não é o lugar certo; portanto, é limitado a notas aproximadas de natureza geral.

Uma vez que o texto se refere aos vínculos reais ou míticos entre a Maçonaria moderna e as realidades corporativas do passado, a ênfase é colocada na situação dos países britânicos onde a Maçonaria nasceu; Portanto, também o aspecto filológico e hermenêutico merece alguma atenção e por isso alguns esclarecimentos introdutórios são necessários.

Os primeiros dicionários de palavras em inglês apareceram no século XVI, principalmente como dicionários interlínguas, ou seja, outro idioma / inglês[83]. Foi feita referência aqui a esses e aos dicionários subsequentes do século XVIII .

Em inglês, a palavra guild, também gild, é usada com mais frequência em um sentido amplo, tanto para associações de manufatura quanto comerciais. Muitos historiadores preferem chamar as guildas de associações de comerciantes e corporações de manufatura. A distinção deve-se ao fato de os dois tipos de associações se distinguirem não só pelas atividades desenvolvidas, mas também pelos regulamentos e estatutos e pelas relações que mantinham com as autoridades civis[84]. Como a Maçonaria nasceu nos países britânicos, é para estes, para suas instituições civis e econômicas e documentos relacionados, que a atenção filológica e hermenêutica deve estar presente.

Encontra-se em autores de língua inglesa o uso da palavra Guild incorporation para definir uma guilda por comércio. A primeira vez que esta palavra foi usada foi no século XIV no sentido de «o ato ou uma instância de incorporar algo ou o estado de ser incorporado» – Merriam-Webster Dictionary-, também em MW para corporação é «um grupo de comerciantes ou comerciantes unidos em uma guilda comercial (ver sentido de guilda 1)» e para guilda « uma associação de pessoas com interesses ou atividades semelhantes, especialmente:  uma associação medieval de mercadores ou artesãos »[85]

Também na publicação em inglês, a palavra guilda ou menos frequentemente corporação é usada; na documentação dos autores escoceses, a palavra Guildry ou mesmo Guildry Incorporation é usada em vez de Guild. Esta última designação teria o significado de «criação ou constituição de uma pessoa coletiva», ou seja, uma associação de trabalhadores reconhecida pelas autarquias locais.

Em meados do século XVII, Guilda também tinha o significado de moeda, tributo e também “Uma sociedade incorporada”. Em um dicionário de 1647[86] «Corporação, Um corpo político, tendo por concessão do rei um selo comum, um oficial chefe e pessoas inferiores pertencentes a ele. » Mais extensivamente, Edward Phillips em 1658 escreve “Corporação, (Lat.) no Direito Civil, significa um Corpo político, autorizado pela Carta do Rei, para ter um Selo Comum, um ou mais oficiais principais, e Membros, capazes por seu consentimento comum de conceder ou receber em Lei qualquer coisa dentro do escopo de sua Carta. »; em maior síntese, ele define Guilda como “uma sociedade incorporada”; ele também escreve que a palavra Universidade significa: “no Direito Civil, é tomado por um corpo político, ou corporação: também uma Academia”.[87] Universidade é uma palavra de clara derivação medieval. Também é interessante notar que Phillps menciona o Guild-Hall: “Guild-Hall, um lugar onde os magistrados de qualquer cidade se reúnem para consultar sobre comércio, processos judiciais ou qualquer outro grande assunto, Guilda, sendo uma sociedade incorporada da palavra holandesa Gueld, ou seja, mony. » [d. d. Aut.].

Depois de um século em Um Dicionário Etimológico Universal de Inglês, de Nathan Bailey[88], para Guild: “Uma companhia de homens unidos, com leis e ordens feitas entre si, pela licença do príncipe – ou – uma empresa ou sociedade de homens incorporada pela autoridade do rei. » Nestes anos a palavra Guilda assume um significado mais articulado; pode ser lido em Thomas Sheridan, Dicionário de Língua Inglesa …,[89], Guilda é: «Uma sociedade, uma corporação, uma fraternidade; uma para-corporação: um corpo político»; para incorporação: « formação de um corpo político, adoção, união, associação » É presumível que nos séculos XVII e XVIII as guildas incorporadas tivessem um duplo sentido de associação / união de pessoas que realizavam o mesmo ofício e também de agregação em uma única guilda de vários ofícios. 

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* Os dicionários usados são mencionados em Anotações de idioma.

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Este texto foi publicado em Critica Massonica internazionale n. 0 – 2017 pp. 10-46.


Notas

[1] A palavra universitas tinha um duplo significado na Idade Média, aquele inerente às guildas e na Itália aquele relacionado à cidade ou município, assim chamado por Carlos I de Anjou (universi cives, união dos cidadãos). No direito romano, havia três tipos de Universitates: rerum ou facti, personarum, iuris. As corporações eram université personarum, uma entidade legal que unia pessoas do mesmo ramo. Há uma discussão animada sobre a distinção entre as palavras universitas e corpora, em particular o sentido abstrato de “tudo” (universitas) na época romana, como em Cícero, Plínio, o Velho, Apuleio e Tertuliano. No século III, foi o jurista Gaius quem primeiro usou a palavra universtitas para unir Societas, Collegium e similares, referindo-se a um grupo de homens, mas como órgãos públicos distintos de indivíduos privados. Ver o tratado sobre guildas romanas de Andreas Groten Corpus und universitas, Römisches Körperschafts- und Gesellschaftsrecht: zwischen griechischer Philosophie und römischer Politik, Mohr Siebeck, 2015, no qual ele aponta a dificuldade de conhecer as atividades das guildas romanas justamente pela falta de documentação.

[2] Um importante crítico do método historiográfico do Iluminismo foi Johann Gottfried Herder, que foi pioneiro no dispositivo estilístico do método historiográfico moderno.

[3] “Fideisticamente” é um termo que deriva de “fideísmo”, uma corrente de pensamento que defende a primazia da fé sobre a razão. Ou seja, acredita-se que questões de fé e religião não devem ser submetidas ao escrutínio da razão, pois a fé é vista como independente e autossuficiente.

[4] G. Marramao in Cielo e terra. Genealogia della secolarizzazione, Laterza, 1994, reconstrói de forma exaustiva a noção de secularização e as disputas em torno dela.

[5] Essas hipóteses parastóricas não levam em conta o fato de que as associações comerciais não eram exclusivas do mundo ocidental, pois formas semelhantes também existem nos países do Oriente Médio, ver como indicações não exaustivas: Randi Deguilhem e Suraiya Faroqhi Artesanato e artesãos do Oriente Médio: Moldando o indivíduo no Mediterrâneo muçulmano, IB Tauris, 2005. As guildas de artesãos em certos países ainda estão presentes por tradição antiga, ver Thomas Weyrauch Craftsmen and Their Associations in Asia, Africa and Europe, VVB Laufersweiler, 2001.

[6] Ver Blumenberg, Hans, A legitimidade da era moderna, Marietti, Gênova, 1992, parte dois: “Absolutismo teológico e auto-afirmação humana”.

[7] Houve casos raros no norte da Europa de guildas comerciais que, por várias razões, perderam seu caráter econômico e se tornaram confrarias dedicadas a atividades solidárias, mas esses foram casos individuais que não justificam uma ampla generalização.

[8] Para uma análise do pensamento de Tomás de Aquino sobre problemas econômicos, ver S. Sangalli O léxico setorial das realidades e fatos econômicos na obra completa de São Tomás de Aquino: exame filosófico de seu todo, Gregorian Biblical BookShop, 2005.

[9] Tal “descaso” derivou da avaliação, posterior à época homérica e temístola, que se deu aos artesãos (technites ou demiurgeons) considerados uma classe inferior, chamando-os com termos bastante vis como bausoi, edraioi, kathemenoi para a atividade sedentária e dolorosa ou para a condição de dependência mercenária com o termo depreciativo de chrematistai. Essa atitude cultural foi teorizada por Aristóteles [Pol. III, 3, 4 e VI, 4, 5] negando aos artesãos a posição de cidadãos, como Esparta, que negava aos cidadãos qualquer atividade manual e a reservava para escravos, ao contrário da Atenas de Péricles, onde artesãos ricos podiam ascender a importantes cargos públicos. No Egito ptolomaico, as atividades artesanais estavam sob estrito controle estatal. Na época romana, os artesãos chamavam pelas várias fontes mercenarii, opifices, operarii, artificies reunidos nos Collegia controlados pelo estado acima mencionados, especialmente sob Diocleciano. Mais poder e autonomia do Estado estavam sob Justiniano.

[10] Ver Luciana Aigner Foresti Antichità classica, Jaca Book, 1993, pp. 196-197.

[11] Há documentação após o primeiro século a.C. sobre a existência de corporações gregas de atores em Nápoles, Siracusa e Reggio. Ver Nicola Savarese Teatri romani: Gli spettacoli nell’antica Roma, Cue Press, 2015, p. 71.

[12] Veja Weber A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Sansoni 1982 e Economia e Sociedade, Comunidade, 1980.

[13] Corpora é derivado do nome legal corpus habere, no sentido de uma associação legal e contratualmente reconhecida pelo Estado. Assim, as pessoas se autodenominavam corporati, vinculadas por um contrato e obrigações relacionadas, daí a palavra corporação. As atividades de trabalho fora das corporações eram juridicamente definidas como illicita e, portanto, certas  associações legítimas às vezes eram suprimidas.

[14] Os pontífices, cinco originalmente, eram os conhecedores das coisas sagradas, com autoridade para aconselhar sobre questões de religião. Mais tarde, a estreita relação entre as coisas religiosas e civis deu ao Pontífice um  poder quase absoluto em matéria jurisprudencial, poder superior a outros colégios sacerdotais. Apenas os patrícios faziam parte deste Collegium, mas depois de 300 a.C. até os plebeus puderam se tornar pontífices, então o número aumentou para nove membros. Por muito tempo os membros foram cooptados, somente em 104 a.C. a lei Domiciana decretou a nomeação por eleição pública. Tito Lívio em seu Ab Urbe condita libri, X, 6 menciona os áugures (augúrios) como sacerdotes das antigas tribos dos Ramnes, Titienses, Luceres, os únicos disponíveis para a função religiosa para interpretar a vontade dos deuses. Lívio também observa no primeiro livro que os fetiais (fetiales) tinham a função religioso-diplomática de declarar guerra a outro povo pela boca e atos do chefe, o pater patratus Populi Romani, o único que poderia estipular tratados em nome do povo romano com um cerimonial especial e símbolos de valor sagrado e não religioso. Eles eram a imagem da cidade dentro e fora dela. Os arvals (arvales) constituíam um antigo colégio sacerdotal cujos membros eram escolhidos entre as famílias patrícias. Com o início do Império, Augusto de autoridade tornou-se parte dele, reorganizando o Collegium. Foi dissolvido no século IV com o advento do cristianismo. Outro colégio sacerdotal era o do salî, (salii) distinguido entre salii palatini e salii quirinales, todos escolhidos entre as famílias patrícias. Sua função era oficiar a passagem do tempo militar para o civil. Cerimônias que terminavam com banquetes opulentos e citadas por Cícero e Horácio Flacco. As vestais (vestales) eram originalmente quatro e depois seis, desenhadas entre as meninas sempre de famílias patrícias. A cerimônia de investidura foi oficiada pelo Pontifex Maximus. Eles foram libertados de sua terra natal e tinham privilégios civis e religiosos especiais. Eles estavam ligados à virgindade. O Collegium das vestais foi abolido pelo cristão Teodósio I em 391.

[15] As principais religiões de mistério romanas com caráter iniciático foram a religião Eleusina derivada dos cultos de Deméter e Perséfone, as órficas com os cultos de Dionísio e Orfeu, a frígia de Átis e a importada do Cabiri de Samotrácia. Devemos mencionar também os cultos da Grande Mãe Cibele, os do persa Mitra e os cultos egípcios de Serápis, Ísis e Osíris. Para uma visão geral das religiões presentes na Roma antiga, ver Jacqueline Champeaux, La religione dei romani, Mulino 2002.

[16] Ver Jean Bayet La religione romana: storia, politica e psicologica, Ed. scient. Einaudi, 1959, p. 203

[17] Cf. Arnaldo Momigliano (ed.) Quinto contributo alla storia degli studi classici e del mondo antico, Volume 5, Parte 1, Ed. di Storia e Letteratura, 1975, p. 19. O autor questiona, dada a absoluta escassez de documentos, se os cultos de Ísis, Cibele ou Serápis eram cultos esotéricos e se havia algum caráter iniciático.

[18] Cf. Giulia Sfameni Gasparro Interpretazioni gnostiche e misteriosofiche del mito di Attis, em Estudos de Gnosticismo e Religiões Helenísticas: Apresentado a Gilles Quispel por ocasião de seu 65º aniversário, Educação e Sociedade na Idade Média e Renascimento Volume 91 por Études préliminaires aux religions orientales dans l’Empire romain, editado por Raymond van den Broeck,  Maarten Jozef Vermaseren, Arquivo Brill, 1981, pp. 376-377. O autor apresenta uma análise interessante da influência de interpretações exageradas de textos antigos por comentaristas e estudiosos posteriores e outras religiões, especialmente cristãos, e também sobre a dificuldade, à luz da historiografia e hermenêutica atuais (ibid. p. 378) de estabelecer como os personagens esotéricos e iniciáticos prevaleciam sobre os outros e como é difícil hoje estabelecer uma definição precisa dos termos “misterioso” e “místico” se não de forma formal caminho (ibid. n. 3. p. 377).

[19] Ver Antonio Virgili Culti misterici ed orientali a Pompei, Gangemi, 2008, Introdução.

[20] Lívio e Tácito definem o Collegium como uma agregação de pessoas unidas por tal propósito. Esse tipo de agregação será definido na Idade Média pela palavra Universitas.

[21] O jurisconsulto Gaius do século III escreveu: “Não é permitido a todos, sem distinção, criar uma sociedade (societas) [comercial], um collegium [profissional] ou uma estrutura corporativa (corpus): esta matéria é de fato estritamente regulada (coercetur) por leis, consultas ao Senado e constituições imperiais. Apenas para alguns propósitos [utilidade pública] tais estruturas corporativas (corpora) foram permitidas: assim foi permitido aos membros que coletam receitas públicas ou exploram as minas de ouro e prata, ou os pântanos salgados, para se formarem em estruturas corporativas (corpus habere). Da mesma forma, existem certos Collegia em Roma, cuja estrutura corporativa foi confirmada por senadores imperiais e constituições como a de moleiros e alguns outros (semelhantes) e transportadores marítimos, que também são encontrados nas províncias. 1. É, pois, precisamente àqueles a quem foi concedido (permissium) estabelecer-se (corpus habere) em sociedades (collegii societatis), como membros de um colégio profissional, de uma sociedade comercial ou de outra organização do mesmo género, que devem ter, a exemplo da comunidade política (rei publicae), uma propriedade comum, um cofre comum e um representante (actorem) ou presidente da câmara ( syndicum), por meio do qual, como na comunidade política (re publica), tudo o que precisa ser implementado e feito em comum (comuniter) pode ser implementado e feito». Cit. in Francesco Milazzo Affari, finanza e diritto nei primi due secoli dell’impero – Atos da Conferência Internacional sobre Direito Romano (Copanello, 5-8 de junho de 2004), Giuffrè, 2012, p. 195. Mesmo Gaio, em seus tratados, não faz menção a práticas iniciáticas ou esotéricas em faculdades e corpora romanos. 22 Ver Plutarco, Vite parallele. Licurgo e Numa Pompilio, Bur, 2012.

[22] Ver Plutarco, Vite parallele. Licurgo e Numa Pompilio, Bur, 2012.

[23] Uma lista completa das guildas romanas é dada por Waltzing JP em seu monumental Étude historique sur le corporations professionelles chez le Romains I-IV, Lovain, 1895-1900. O autor enumera quarenta e cinco diferentes corporações gregas e latinas; estudos epigráficos mais recentes identificaram outros, a esse respeito podemos ver Epigrafia e territorio, politica e società: temi di antichità romane, Edipuglia, 1994, de Marcella Chelotti. O texto de Cameron Hawkins Roman Artisans and the Urban Economy, Cambridge University Press, 2016, também é relevante para as corporações romanas..

[24] O conceito de utilidade pública (utilitas publica) era entendido de forma bastante ampla pelos romanos, de modo que o Collegium Centonariorum, uma guilda de fabricantes de tecidos, também era de utilidade pública em todos os sentidos.

[25] Recorde-se que em Bizâncio Leão VI, o Sábio (866-912), com o “Livro do Prefeito”, regulamentou a atividade e a organização interna das associações comerciais chamadas πολιτικά σωματεῖα (politicà somateìa) ou συστήματα (sustémata), de modo que as atividades artesanais foram reunidas em associações e a admissão de novos artesãos estava sob controle e aceitação dos funcionários públicos.

[26] Por exemplo, hoje na Itália os protetores são para hoteleiros San Giovanni Battista, garçons Santa Zita, bombeiros, bombardeiros e outros têm Santa Bárbara, artesãos San Giuseppe, motoristas San Cristoforo, eletricistas Santa Lucia, e assim por diante.

[27] Ver Jinyu Liu, Collegia Centonariorum: As Guildas de Comerciantes Têxteis no Ocidente Romano, Brill, Leiden-Boston, 2009. O Autor observa que, limitando a pesquisa a este Collegium, estava muito presente no centro e norte da Itália, um pouco no sul, mas também no sul da Gália, na Libéria, nas províncias da Panônia (entre os rios Danúbio e Savia), no Noricum; vestígios foram encontrados na África consular, mas não na Britânia e na Alemanha, enquanto as inscrições do Collegia fabrorum foram encontradas em dois lugares na Grã-Bretanha. Este Collegium foi certamente muito distribuído no Império por necessidade óbvia (pp. 30-33), tanto os centonari quanto os fabrori, em certas ocasiões compareceram  aos vigiles para extinguir os incêndios.

[28] No De cognitionibus de Callistrato, os Collegia tiveram de cumprir certas condições para obter benefícios/privilégios: a) estatuto jurídico: quibus ius coeundi lege permissum est; b) composição: in quibus artificii sui cause unusquisque adsumitur ut fabrorum corpus est et si qua eandem rationem originis habent; c) finalidade: instituta sunt, ut necessariam operam publicis utilitatibus exhiberent. Cit. in Rossella Laurendi, Riflessioni sul fenomeno associativo in diritto romano. I collegia iuuenum tra documentazione epigraficae giurisprudenza: Callistrato de cognitionibus D. 48.19.28.3., Annali del seminario giuridico della Università di Palermo, volume LIX (2016), p. 269.

[29] Plinius, Vol. 54,.4, Ep. 10.34.

[30] Entre o século I, durante a era de Plínio, e o século II, a atividade de construção foi muito animada, pois a população de Roma aumentou de 1 milhão de habitantes para 1,5 milhão que viviam em cerca de 48.000 edifícios. Um grande número de empresas teve que se envolver nesse desenvolvimento urbano, sem pensar nas obras de urbanização que foram iniciadas no enorme império da época na Europa, África e Ásia. Ver Enciclopedia Italiana di Scienze, lettere ed arti, Roma, Istituto dell’Enciclopedia Italiana, Ed. 1949 Vol. XXIX e também AA.VV. Roma Antiga, editado por Andrea Giardina, Mondadori Milan, 2002.

[31] M. Carrié, R. Lizzi Testa (eds.), Humana sapit. Études d’Antiquité tardive offert à Lellia Cracco Ruggini (BAT, 3), Turnhout, 2002: “Les associations professionnelles à l’époque tardive, entre munus et convivialité”, p. 309-332.

[32] Ver Mario Trommino, O Colégio dos Pontífices em Arquitetura Constitucional Romana – Do Nascimento às Relações com os Componentes da Ordo Sacerdotum, Universidade Mediterrânea de Reggio Calabria – Departamento de Direito e Economia, Doutor em História do Pensamento Romano e Instituições Jurídicas, 2013-2014.

[33] Cf. La storia romana di Tito Livio, Vol. 2, tra. di C. Luigi Mabil, Typ. por Giuseppe Antonelli, Veneza, 1842, p. 1275 (vers. lat.) e 1276 (vers. it.). No texto de Lívio, o Senado pede ao Colégio dos Pontífices uma opinião sobre as despesas a serem incorridas para certos jogos. O Collegium responde que não é uma questão religiosa e remete ao Senado. É provável que o Senado quisesse uma opinião sobre a moralidade dos gastos excessivos com jogos, mas os Pontífices não se envolvem e distinguem marcadamente entre questões administrativas e religiosas.

[34] Lívio também menciona um caso em que um feriado foi repetido para a opinião pontifícia porque o ritual foi realizado incorretamente, tendo omitido uma convocação ao Senado e ao povo romano.

[35] Um exemplo de religiosidade não-esotérica é uma inscrição da presença do “Collegium fabror(um)” na borda do Império que foi encontrado na Britânia, Chirchester (Novomagnus) datando do período 403-410 e no qual lemos que o Collegium dedica um templo a Netuno e Minerva.
[N]heptuno et Minervae templum
[pr]o salute do[mus] divinae
[ex] auctoritat [e Ti(beri)] Claud(s)
To]gidubni r[eg(is) m]agni Brit(anniae)
[hill]gium fabror(um) et qui in eo [sun]ṭ d(e) s(uo) d(ederunt) doador aream [… Pud]ente Pudentini fil(io) “.
Veja on-line: https://romaninscriptionsofbritain.org/inscriptions/91. Outra epígrafe funerária encontrada em Corbridge cita uma “Palmyra vexillary” que os especialistas acreditam ser o portador da bandeira de uma corporação, já que não existe tal título na terminologia militar e política romana. Outra epígrafe britânica interessante é a de um membro do Collegium peregrinorum (pessoas livres, mas sem cidadania romana, que na era Claudia eram 91% da população de 70 milhões de súditos); ver ibidem …/69 O termo peregrinus foi usado de 30 a.C. a 212 d.C. O lema Collegium deve, portanto, ser entendido aqui como uma agregação de pessoas. Existem muitas epígrafes britânicas de pessoas que afirmam ser adoradoras de diferentes divindades, tanto de grupos sociais quanto profissionais. Em todo caso, é evidente que as corporações profissionais estavam presentes no Império e não apenas em solo italiano como uma demonstração de seu caráter laico e secular. Na verdade, nenhuma epígrafe se refere a cultos misteriosos.

[36] Apenas como exemplo, Plínio, o Velho, disse no Naturalis Historia de 77 d.C. que as estruturas dos portos romanos, expostas à força do mar, estavam se tornando cada vez mais robustas. As obras romanas foram preservadas por dois mil anos devido à técnica de construção da argamassa de cimento. Esta argamassa foi produzida com uma sofisticada elaboração de vários materiais, incluindo os vulcânicos, que mesmo na presença de água do mar não se desintegram, enquanto a argamassa de cimento moderna dura apenas algumas décadas. A composição da argamassa romana foi recentemente revelada por um grupo de pesquisadores. Veja os cimentos minerais Phillipsite e Al-tobermorite produzidos por meio de reações água-rocha de baixa temperatura no concreto marinho romano, em American Mineralogist, 102 (7), 2017, pp. 1435-1450.

[37] Sobre o monopólio técnico-produtivo e o protecionismo econômico das corporações, suas razões e efeitos socioeconômicos e as condições de sigilo do conhecimento, ver Douglass C. North Structure and Change in Economic History, ed. sc. 1981, p. 134 e também Henry Pirenne Economic and Social History of Medieval Europe, Harcourt, Brace, 1937.

[38] Pitágoras de Samos, que chegou a Crotone por volta de 530 a.C., fundou uma escola de estudos filosóficos e científicos; parece que foi ele quem cunhou a palavra filosofia, filósofo. Ao contrário das escolas jônicas fisiológicas e naturalistas, a dele foi caracterizada por profundas implicações religiosas na visão de mundo. A severa religiosidade ou misticismo de Pitágoras era acessível ao orfismo, não à religião popular, mas sim elitista. Era uma visão baseada no equilíbrio de forças e que também tinha implicações políticas, em um Crotone na época em crise, tendo sido derrotado pelos Locri Epizephyrianos. Sua visão influenciou o pensamento político de Platão e, na primeira metade do século IV, da Magna Grécia, como o governo dos pitagóricos em Taranto. Interpolações subsequentes de seu pensamento o descreveram como um taumaturgo xamânico, fundador de uma escola iniciática e esotérica. O caráter “esotérico” da escola pitagórica é justificado pela organização da própria escola que dividia os discípulos entre especialistas e ouvintes (que não intervinham nas aulas); portanto, com um caráter elitista e reservado e não porque a sabedoria secreta ou misteriosa foi transmitida oralmente. A confidencialidade do espírito religioso pitagórico também se devia ao fato de que essa religiosidade estava longe de ser a oficial praticada na polis e foi inventada tanto pelos governantes quanto pelo povo. Até mesmo suas ideias políticas eram inovadoras, sugerindo que o governo de uma pólis ou de qualquer comunidade deveria ser exercido por um grupo de pessoas sábias, uma ideia posteriormente desenvolvida por Platão. Pitágoras, quando deixou Crotone, foi para Locri, mas não foi aceito por causa de suas ideias religiosas e políticas. Ele se refugiou em Metaponto, onde morreu no início do século V aC. Para um exame mais detalhado, ver Giovanni Pugliese Carratelli, Magna Grecia: vita religiosa e cultura letteraria, filosofica e scientifica, Electa, 1985.

[39] Um mitologema é um termo utilizado para se referir a um tema ou unidade fundamental na mitologia. É uma ideia ou motivo recorrente que aparece em diferentes mitologias ao redor do mundo. Os mitologemas são os blocos de construção das mitologias, compreendendo personagens, eventos, objetos ou conceitos que têm significados simbólicos e culturais profundos.

[40] Ver Mark Bloch Lineamenti di una storia monetaria d’Europa, Einaudi, 1981.

[41] Ver Marc Bloch Trabalho e técnica na Idade Média, Laterza, 20095, pp. 111-156.

[42] O termo é significativo até hoje, onde os lugares encarregados do estudo mantêm a palavra que designava as guildas estudantis medievais (universitas scholarum). A palavra se expandiu nos séculos seguintes para o conceito de comunidade de cidadãos.

[43] Cf. O. Gierke Das deutsche Genossenschaftsrecht, vol. 1, Rechtsgeschichte der deutschen Genossenschaft, Weidmann, 1868, pp. 9 e 21. O conceito de “irmandade de artesãos” também foi avançado por W.E. Wilda em Das Gildewessen im Mittelalter, Rengen, 1831.p. 31.

[44] Veja Ch Gross, O Mercador de Gilde. Uma contribuição para a História Municipal Britânica, vol. 2, Clarendon Press, 1890. 44 Cf. M. Weber Economia e società – La città, Donzelli, 2003, p. 134.

[45] Ibidem pág. 77.

[46] Ibidem, pág. 75.

[47] Ibidem, pág. 72.

[48] Alguns documentos atestam que entre os maçons (mas talvez também em outras guildas e guildas) eles trocavam gestos (formas particulares de apertar as mãos ou outras) e palavras conhecidas apenas por eles que mostravam seu papel profissional. No entanto, em uma época em que profissionais de um certo nível eram raros e os nomes daqueles que os possuíam bastante conhecidos deveriam sugerir que havia outras maneiras de reconhecer um certo nível de comércio e que tais gestos e palavras tinham um significado mais cerimonial. Além disso, havia muitas guildas de construtores em todos os países europeus e é difícil acreditar que houvesse uma forma única de reconhecimento ou que todos conhecessem as fórmulas de reconhecimento de todas as guildas de um ofício. Nenhuma fórmula secreta poderia ter existido por muitos anos ou séculos.

[49] Esta é a tese proposta por Maarten Roy Prak em seu Guildas de Ofício nos Países Baixos Modernos: Trabalho, Poder e Representação, Ashgate, 2006.

[50] Veja E. Artifoni, Forme del potere e organizzazione corporativa in età comunale: un percorso storiografico, in Economia e corporazioni. Il governo degli interessi nella storia d’Italia dal medioevo all’età contemporanea, editado por C. Mozzarelli, Milano 1988, pp. 9-40.

[51] Ver Sheilagh Ogilvie Reabilitando as guildas: uma resposta, em Economic History Review, 61, 1, 2008, pp. 175-182. Jay S. Epstein em seu Guildas de artesanato, aprendizagem e mudança tecnológica na Europa pré-industrial no The Journal of Economic History 1998, pp. 684713, apresenta uma tese, talvez muito entusiasmada, da aprendizagem corporativa como uma força motriz para o desenvolvimento das corporações em termos de estimular a distribuição internacional (entre região e região e entre país e país) de conhecimento e invenções técnicas. Uma distribuição resultante da migração inter-regional de “especialistas no ofício”, que permitiu às corporações competir com sucesso com as realidades econômico-produtivas do momento. A tese é desenvolvida em seu Guilds, Innovation and the European Economy, 1400-1800, Cambridge University Press, 2008.

[52] Sobre a situação da escravidão e da servidão na Alta Idade Média, ver Marc Bloch Lavoro e tecnica nel Medioevo, Laterza, 20095, pp. 221-263 e para a denotação de livre e liberdade pp. 29-71.

[53] Desde o final do século V, o Papa Gelásio proibiu os cristãos de frequentar locais públicos, cerimônias e festivais pagãos. Naquela época, especialmente em Roma, locais públicos como banhos, bibliotecas, templos, acampamentos militares urbanos e edifícios institucionais perderam sua importância e não eram mais frequentados, e eram até mesmo desmantelados por particulares. Maiorano em 458 emitiu um decreto coercitivo sobre práticas religiosas em locais públicos. No século V e mais tarde, o edifício está confinado quase apenas à construção de igrejas cristãs, novas ou como o Panteão de Roma voltado para o culto cristão. Sobre o tema da atividade de construção, particularmente cosmatesca, na Itália e na Roma do início da Idade Média, ver G. Tomassetti, Dei sodalizi in generale e dei marmorari romani, in BCom, n.33 (1906), pp. 235-69.

[54] Cf. Gabriella Piccinni, I mille anni del Medioevo, Pearson Italia, 2007, pp. 124-125.

[55] In Summa PerusinaAdnotationes constitutionum codicum domini Iustiniani, a cura di F. Patetta, Bullettino dell’Istituto di diritto romano 12, 1990.

[56] A palavra guilda vem do antigo gjald, em gótico gild, em antigo alemão gelt, em antigo saxão geld e em anglo-saxão gield, todas as palavras com o mesmo significado de confraria.

[57] Associações comerciais estavam presentes em todos os países ocidentais até o Extremo Oriente. Temos notícias de tais associações em tempos remotos na China e na Índia, mesmo a partir de 400 aC. Para a Índia, veja: Jain, Dr. Beena Guild organization no norte da Índia (desde os primeiros tempos até 1200 aC), Delhi, 1990 e onde parece que qualquer comércio foi organizado em corporação desde os primeiros tempos; para a China, veja Morse, Hosea Gallou, The Gilds of China, com um relato do Gild Merchant ou Co-Hong of Canton, Londres, 2ª Ed. 1932,  onde há uma lista de guildas comerciais em muitas cidades.

[58] Na Inglaterra, há relatos de guildas, corporações, mas mais exatamente irmandades religiosas em muitas cidades. A palavra inglesa guild não distingue entre corporações, guildas e irmandades. Havia uma guilda em Abbotsbury nas Orkneys durante o período anglo-saxão; depois a Guilda da Santa Cruz em Abingdon, a Corporação do Crucifixo fundada em 1369 em Althorp, a Corporação de Corpus Christi de 1376 em Alvingham e muitas outras dezenas. No entanto, não há dados de guildas de artesanato anteriores aos séculos X a XI; veja a interessante lista de guildas britânicas com uma bibliografia interessante para quase todas as guildas compilada por Tom Hoffman Guilds e Organizações Relacionadas na Grã-Bretanha e Irlanda, Draft, 2011. Hoffman citando o texto Merchant and Craft Guilds. A History of The Aberdeen Incorporated Trades , de Ebenezer Bain, observa que o nome da guilda na Escócia era aplicado exclusivamente a associações ou organizações mercantis formadas pela classe mercantil da comunidade. Estes tinham direitos quase idênticos e muitas vezes conflitavam com os de comerciantes privados. A partir de 1520, tornou-se costume em algumas cidades que a agregação de artesãos fosse autorizada (Selos de Causa) por magistrados locais. O poder de formar associações e eleger seus representantes era conferido por lei pelo Parlamento e pelo poder real. No entanto, esses representantes (diáconos) tinham que ser eleitos com o consentimento do conselho da cidade ou do chefe da cidade. Esses diáconos tinham jurisdição sobre todos os membros, obreiros, servos e aprendizes em questões internas do ofício e na conduta dos próprios membros.

[59] Descobertas subsequentes de documentos e estatutos aumentaram o conhecimento historiográfico das guildas medievais.

[60] Brunelleschi não poderia ter projetado e construído o Duomo de Florença sem a vontade cultural política e financeira de Cosimo dei Medici.

[61] Somente nas décadas entre 1600 e 1700 o processo foi revertido com um forte aumento demográfico, com o repovoamento do campo e o aumento e melhoria da produção agrícola e o consequente aumento do valor da terra e da renda da terra, com o desenvolvimento da produção industrial e o aumento do comércio interno e externo. 62 Carr Thomas, O Ritual dos Maçons Operativos, Londres, 1911

[62] Esta empresa também é citada por Robert Freke Gould em A História Concisa da Maçonaria, Courier Corporation, 2012, p. 77. 64 No sentido de agregação, legalmente reconhecida, de empresas com finalidades e/ou atividades distintas.

[63] In the sense of aggregation, legally recognized, of enterprises with different purposes and/or activities.

[64] Em 1611, uma guilda de comerciantes foi estabelecida em Alnwick (Northumberland) na qual os Freemen, presumivelmente operadores independentes, também podiam ser admitidos. Ver Tom Hoffman Guilds and Related Organizations in Great Britain and Ireland, Draft, 2011, p. 3. A mesma coisa aconteceu, novamente por cidade ou regra interna, nas guildas do século XVI e até o século XVIII em Barnstaple (Devon) e também em Bishop’s Castle (Shropshire), em Berwick Upon Tweed (Northumberland) onde havia guildas religiosas e também de comerciantes, curtidores, menestréis. Ainda outros, especialmente na Escócia.

[65] Para essas observações, é feita referência a Mark Bloch, Lavoro e tecnica nel Medioevo, Laterza, 20095

[66] Sobre a condição de escravo, servo e livre na Idade Média, ver March Bloch Liberté et servitude personnelles au Moyen-âge, particullièrement en France – Contribution à une étude des classes, Mélanges historiques, 1963, p. 286-355. O próprio autor cita exemplos semelhantes na Alemanha e na Inglaterra.

[67] M. Bloch também aponta como a ideia de serviço é expressa em hommage [homenagem] que implica o reconhecimento da subjugação a um poder superior e a mudança, mesmo com modalidades ritualísticas, das formalidades de subjugação. Ver Bloch Les formes de la rupture de l’hommage dans l’ancien droit féodal, Mélanges historiques, 1963, p. 189-209.

[68] MQ 11.10.2004 menciona a afiliação de Sir Robert Moray em 20 de maio de 1641 na St Mary’s Chapel Lodge em Edimburgo.

[69] Cf. Conrad Hermann Josten, Elias Ashmole (1617–1692). Suas notas autobiográficas e históricas, sua correspondência e outras fontes contemporâneas relacionadas à sua vida e obra, Clarendon Press, Oxford, 1966, vol. II, pp. 395–396, Em seu diário Ashmole, trinta e seis anos depois [sic], anotado em 10 de março de 1682: «Por volta das 5 H: P.M. Recebi um Sumons para comparecer a uma Loja a ser realizada no dia seguinte, no Masons Hall London”. No dia seguinte ainda observa: “11 Consequentemente eu fui e cerca de Ninguém foi admitido na irmandade dos maçons, Sir William Wilson Knight, Capitão Rich: Borchwick, Sr. Will: Woodman, Sr. Wm Grey, Sr. Samuel Taylour e Sr. William Wise. Eu era o membro sênior entre eles (faz 35 anos desde que fui admitido). Estavam presentes ao meu lado os Fellowes depois nomeados. Sr. Thos: Sábio Sr. da Companhia de Maçons neste ano. Sr. Thomas Shorthose, Sr. William Hamon, Sr. John Thompson, & Sr. Will: Stnaton. Todos nós jantamos na Half Moone Tavern em Cheapside, em um jantar nobre preparado a cargo dos maçons recém-aceitos. » cf. Josten 1966, vol. IV, pp. 1699-1701. Seu diário com o título Memórias da Vida de Elias Ashmole Esq, foi publicado em 1717 em Londres; veja o editorial sobre Ashmole na revista MQ de 11 de outubro de 2004.

[70] David Stevenson As Origens da Maçonaria: Século da Escócia, 1590-1710, 1990, p. 207. Imprensa da Universidade de Cambridge, Cambridge.

[71] Em Cannongate, um antigo subúrbio de Edimburgo, havia várias guildas (doze) reunidas no Convenery of Trades de Edimburgo, que incluía ferreiros (já presentes em 1483), chapeleiros, tintureiros, coureiros, peleteiros, açougueiros, construtores (aos quais foram adicionados em 1489 os tanoeiros e em 1633 os pintores, fabricantes de azulejos e fabricantes de peneiras). Havia também construtores de edifícios (maçons) que em 1633 se juntaram a construtores de arcos e abóbadas, vidreiros, latoeiros e estofadores. Também estavam presentes as guildas de alfaiates, padeiros, sapateiros, ourives e tecelões. Uma guilda de mercadores estava operacional no século XV (1403) e o rei Jaime IV da Escócia era membro em 1505, uma presença que deu grande prestígio à guilda. Reordenou seu estatuto, garantido pelo rei Carlos II, em 1691, admitindo cidadãos não comerciais. Ver Tom Hoffman Guilds and Related Organizations in Great Britain and Ireland, Draft, 2011, p. 253.

[72] Cf. David Stevenson As Origens da Maçonaria: O Século da Escócia, 1590-1710, 1990, p. 207. Imprensa da Universidade de Cambridge, Cambridge.

[73] David Stevenson As Origens da Maçonaria: Século da Escócia, 1590-1710, 1990, p. 207. Cambridge University Press, Cambridge, p.7

[74] Ibidem, pág. 8

[75] Gordon Donaldson em Registro do Selo Privado da Escócia, 1581–1584, Scottish Record Office, 1982, vol. 8, pp. 276–277 no. 1676, relata as funções de Schaw: «Grit maister of wark of all and sindrie his hienes palaceis, biggingis and reparationis, – and greit oversear, directour and commander of quhatsumevir police devysit or to be devysit for our soverane lordis behuif and plessur.’ ou,  em palavras atuais; ‘Grande mestre de obras de todos e diversos palácios de sua alteza, obras de construção e reparos, – e grande supervisor, diretor e comandante de qualquer política concebida ou a ser concebida para o nome e prazer de nosso soberano senhor».

[76] Por escritura do notário Laurentius Robertson.

[77] A Capela Roslin é outro dos mitos maçônicos discutíveis que gostariam de ligar a família Sinclair com os Templários. De fato, as crônicas relatam que William Sinclair, Barão de Roslin e pai do príncipe Henrique Sinclair, morreu em 1358 na Lituânia em uma batalha liderada pelos Cavaleiros Teutônicos, mas não pelos Templários. A capela foi poupada por Cromwell, mas parece ter sido usada como estábulo por suas tropas. Foi restaurado por James Sinclair em 1736. É mais provável que o local de sepultamento onde uma estátua de um cavaleiro cruzado com um anjo aparece seja uma homenagem ao ancestral que morreu na Lituânia, em vez de uma declaração de conexão com os Templários. 79 Cf. David Stevenson As Origens da Maçonaria: O Século da Escócia, 1590-1710, 1990, p. 9.

[78] Cf. David Stevenson The Origins of Freemasonry: Scotland’s Century, 1590-1710, 1990, p. 9.

[79] “Isso faria com que a posição de uma pessoa fazendo certas coisas, não as coisas em si, definisse a maçonaria.” Ibidem p. 12.

[80] Veja em Um dicionário completo da língua inglesa, 1797, por THOMAS SHERIDAN, A.M. a quarta edição, vol, II, Londres, pr. para Charles Dilly et al., 1767: « Para LODGE, Iodzh’. v. a. Para colocar em uma habitação temporária; para pagar uma habitação temporária; colocar, plantar; para hx, para resolver; para colocar na memória; abrigar ou cobrir; para pagar o lugar para; para ficar plano. – Para LODGE, lòdzh’. v. n. Residir, manter residência; para tomar uma habitação temporária; fixar residência na Nsight; deitar-se. – LODGE, Iodzh ‘. f. Uma pequena casa em um parque ou floresta; uma pequena casa, como a cabana do porteiro». Si veda anche: Um Dicionário Etimológico Universal de Inglês…, Vigésima Edição com Melhorias consideráveis, por N. Bailey, Londres, 1763: «A LODGE [loge. P.] uma cabana ou apartamento para um porteiro de um portão, etc. – Para LODGE {loger, F. jelojian, Sax.] para colocar; para ocupar o alojamento. – Para LODGE [entre os caçadores] um Buck é faid para lodge, quando ele vai descansar. – LOGE, uma Lodge, uma habitação. Chou».

[81] Robert Cawdrey em sua tabela alfabética de palavras inglesas usuais difíceis, Londres, impresso por I. R. para Edmund Weaver, 1604, define « Iniciado: começar, instruir ou entrar em ».

[82] Não conhecemos as versões originais do Corpus Ermeticum, uma coleção de escritos hermético-neoplatônicos, mas apenas a tradução grega que remonta ao século XI pelo bizantino Michele Costantino Psello. Seu texto foi então adquirido por volta de 1460 por Cosimo dei Medici, que o traduziu por Marsilio Ficino para o latim. Isaac Casaubon, em De rebus sacris et ecclesiasticis de 1614, demonstrou que os escritos herméticos não eram anteriores ao período helenístico e duvidou que Hermes tenha existido. Essa tese hermenêutica ainda não foi refutada pelos estudiosos.

[83] Entre os primeiros, é claro, os dicionários de latim / inglês, como o de Thomas Elyot em 1538, mas também, em 1583, o de Richard Mulcaster de oito mil palavras-chave; Richard Mulcaster é considerado o fundador da lexicografia da língua inglesa. Devemos também mencionar o lexicógrafo erudito Giovanni (John) Florio, por seu dicionário italiano / inglês, ele foi o guardião real da língua na corte de Jaime I. e um dos humanistas mais importantes do Renascimento inglês; ele foi o primeiro a usar citações para explicar melhor as palavras. William Salisbury, que compilou um dicionário inglês-Wallen em 1547, vale a pena mencionar. O primeiro dicionário da língua inglesa apareceu em 1604, seguido em 1607 por um dicionário de palavras jurídicas, de John Cowell; mais tarde, em 1658, o dicionário citado por Edward Phillps. Os dicionários de inglês se multiplicaram no século XVIII.

[84] Cf. Ewing James, Visão da História, Constituição e Fundos, da Guildry e da Casa dos Mercadores de Glasgow, impresso para J. Hedderwick, pág. 7, 1817.

[85] Aqui o Dicionário Merriam-Webster repete a definição latina (Lívio e Tácito) de Collegium – veja mais adiante no texto.

[86] No Dicionário Inglês (sic) de Intérprete de Palavras Difíceis em Inglês, de H.C. Gent, Impresso por A. M. para T. W., Londres, 1647. Um dicionário popular com imprecisões de impressão. Deve-se notar que até o século XVIII os dicionários eram compilados para um público de pessoas instruídas ou estudiosos.

[87] No Novo Mundo do Mundo Inglês ou em um dicionário geral…, Por Edward Phillips, Londres, Impresso para Nath. Ribeiro, 1658.

[88] Impresso para T. Osborne, C. Hitch e L. Hawes, B. Dod, Londres, 1757

[89] Dicionário de Língua Inglesa … forth Ed., Impresso para Charles Dilly, 1797