Tradução J. Filardo

Por Jean-Michel Mathonière

Marca de trabalhador jornaleiro na catedral de Saint-Paul-Trois-Châteaux, meados do século XII. Fotografia J.-M. Mathonière.

Marcas na muralha -Aigues-Mortes (França)
fim do sec. XIII

Com frequência, uma certa confusão reina no espírito dos maçons quanto à ligação entre as marcas gravadas nas pedras de nossos monumentos e o companheirismo.  Uma atração um tanto exacerbada pelo mistério e pelas raízes operativas tende a colocar todas as variedades de marcação no mesmo plano e a propor leituras simbólicas delas, no mínimo, exageradas.  A propósito, os companheiros do Tour de France de hoje não são os últimos a anexar rapidamente um rótulo de “estilo companheiro” a essas marcas não tão misteriosas.  Algumas explicações racionais se impõem…

Mosteiro de Alcobaça Portugal

O vocabulário usado para falar dessas marcas é mais importante do que parece, pois facilmente induz a vieses cognitivos.  Assim, o erudito termo “marca de jornaleiro”, em vez de “marca de canteiro” que lhe poderia parecer sinónimo, ou ainda de “marca de companheiro”, designa convenientemente, de forma geral e sem prejuízo de competência, todas as marcas e sinais deixados pelos trabalhadores nos blocos de um monumento sem que se soubesse com precisão qual era a qualificação e o estatuto desses artesãos: canteiro ou pedreiros, aprendizes ou companheiros, mesmo mestres no sentido corporativo dessas designações.

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Presume-se que eram pagos por tarefa, ou seja, pelo número de pedras cortadas ou pela tarefa realizada (por exemplo, o fornecimento e instalação dos materiais necessários à construção de uma parte do edifício) — inclusive quando canteiros de obras muitos grandes pagavam trabalhadores semanalmente, mas esse tempo tinha que ser usado de forma concreta. Originalmente, essas marcas serviam, portanto, como referência contábil e não como assinatura individual propriamente dita; encontram-se em vários blocos, desde os mais simples, mais frequentemente, até obras mais complexas, embora mais raramente. Além disso, como se pode constatar na época românica e mesmo em edifícios bastante recentes (as marcas tornaram-se raras a partir do século XVII na França), estas marcas de jornaleiros são essencialmente muito simples no seu desenho e muitas apresentam caracteres alfabéticos.  Note-se a frequência de marcas com a letra A (ver figura acima), o equivalente alfanumérico de 1, ou seja, o primeiro pedreiro a chegar ao local, ou mesmo a primeira equipe, pois há exemplos em que, pela sua grafia, a marca obviamente não é estritamente individual.  Seguem-se B’s, C’s etc.
Também conhecemos “marcas de posicionamento” que indicam o topo e a base do bloco ou ainda posição de uma aduela particular em um arco (numeração romana: I, II, III, IV etc.). Elas também são encontradas em nichos de estátuas, bem como na parte de trás destas, a fim de colocá-los corretamente durante a instalação.

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A partir da época românica, com variáveis estilísticas correspondentes a zonas geográficas e épocas, surgem marcas de jornaleiro mais figurativas e mais complexas (a arte românica da Península Ibérica oferece uma surpreendente variedade de marcas). Por exemplo, ferramentas (o martelo de cinzel é mais comum do que o compasso ou o esquadro), folhas de carvalho, estrelas (nem todas de cinco pontas) ou espirais.  No entanto, continua a ser difícil afirmar que são verdadeiramente pessoais, pois podem por vezes ser encontrados, com variações insignificantes, em vários monumentos e em datas distantes.  Pouco a pouco, essas marcas vão se tornando mais complexas e, portanto, personalizadas.

Companheiros ou não? Cuidado com os anacronismos!
No entanto, não podemos relacionar com certeza esta prática de marcação aos pedreiros pertencentes a uma sociedade de companheiros, até porque, para o domínio francês, não temos nenhuma evidência documental de que esses artesãos formaram guildas na Idade Média.  Provavelmente eles formaram irmandades, mas estas têm uma relação orgânica com os nossos companheiros no Tour de France?  Honestamente, não sabemos!  Podemos no máximo acreditar nisso porque a necessidade de raízes é importante e muitas vezes aniquila a razão.
Ainda mais chato: as modernas sociedades de companheirismo não guardaram nenhum vestígio desse uso! 

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Tanto quanto existe documentação do companheirismo para a França, não mencionamos o uso de marcas entre os pedreiros, e menos ainda no que diz respeito à sua possível dimensão iniciática, fantasia induzida durante o século XX pela existência de uma maçonaria britânica “da Marca” dotada de um belo ritual. Existem, no entanto, algumas marcas muito simples relacionadas a companheiros estrangeiros nos séculos 18 e 19 nos Monts d’Or perto de Lyon, artesãos que muitas vezes eram pedreiros locais.
O facto de, na contemporaneidade, os companheiros dos Deveres Unidos terem criado as suas próprias marcas, aliás, confirma involuntariamente que esta utilização nada tem de tradicional: de fato, as linhas reguladoras em que se inscrevem mais ou menos estas marcas provêm dos companheiros alemães -cuja geometria particular foi estudada durante os anos 1860-1880 por Franz Ržiha, autor de uma obra famosa da qual co-publiquei e completei a tradução francesa apenas em 1993 (Trédaniel/La Nef de Salomon ), mas onde as grades geométricas foram popularizadas na França por meio da edição de 1931 do Número de Ouro de Matila C. Ghyka! Fazemos melhor quando se trata de tradição oral imemorial…

Frontispíco da edição original alemã dos “Estudos sobre as marcas de pedreiros” de Franz Ržiha
Marca alemã (Estrasburgo)

Embora tenham origem nas mesmas marcas românicas muito simples, estas belas marcas pessoais dos canteiros jornaleiros alemães foram enriquecidas e complexificadas ao longo dos séculos XV e XVI segundo regras estéticas e geométricas cujo equivalente não é de todo atestado na França. São verdadeiras assinaturas individuais e seu estudo permite identificar dinastias familiares, bem como territórios geográficos ordenados em torno de algumas “grandes lojas”.  Assim, é possível rastrear os movimentos dos companheiros de obra em obra. Os estudos sobre marcas de canteiros de Franz Ržiha reproduzem, no frontispício (ver fig. 4), várias marcas de “mestres” (pedreiros que se tornaram arquitetos), alguns dos quais pertencentes a famílias conhecidas. A correlação entre a “marca de honra” e sua geometria secreta era usada pelo obreiro para ser reconhecido como membro da irmandade dos pedreiros alemães ao viajar de loja em loja.

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Quanto às “marcas de passagem” dos companheiros do Tour de France que encontramos em alguns monumentos essencialmente concentrados na área entre Languedoc e Provence (ver fig. 5), sejam eles pedreiros ou outras profissões, trata-se de algo mais do que marcas deixadas por artesãos nas pedras que teriam cortado: é uma lembrança de sua passagem por este lugar.  Trata-se, pois, de um assunto completamente diferente do que aqui nos ocupa e é interessante sublinhar que esta utilização só surge nas primeiras décadas do século XVII e que em nenhum caso estes testemunhos incorporam uma marca pessoal que constitua uma assinatura do artesão e, portanto, prova da prática da marca entre os pedreiros franceses.